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Leandro Vilar

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

100 da Revolução Russa de 1917

Neste ano a maior revolução pautada em ideologias de esquerda completou um século de ocorrência. Para que esse acontecimento não passasse em branco, decidi escrever esse texto para contar um pouco como foi o processo histórico que levou ao desencadeamento e realização dessa revolução no ano de 1917. A preocupação foi mostrar que embora tenha sido uma revolução marxista-socialista, as questões que levaram ao seu desenvolvimento perpassavam diferentes pontos de vista políticos, envolvendo questões relacionadas a monarquia, absolutismo, liberalismo, conservadorismo, capitalismo, nacionalismo, socialismo, democracia, republicanismo, anarquia etc. Juntando-se tudo isso ao longo de 60 anos, tivemos o contexto de uma Rússia em mudança, mas ao mesmo tempo assombrada pela insegurança de governos instáveis e impopulares.



1) Introdução

Para entender porque uma revolução eclodiu na Rússia em plena Primeira Guerra Mundial (1914-1918) é preciso comentar um pouco dos principais fatores que confluíram para culminar na derrubada da monarquia czarista e a ascensão de uma democracia socialista. No caso os fatores foram essencialmente de ordem econômica, política e social. 



Retrato do czar Alexandre II
A Rússia no final do século XIX era um país predominantemente rural, com uma grande população pobre e analfabeta, que desde meados daquele século promovia revoltas pelo país, tentando chamar a atenção do governo para necessidades como miséria, fome, desemprego e injustiça. O ano de 1861 foi um marco, pois o czar Alexandre II aboliu a servidão. (REIS FILHO, 1989, p. 8-9). No caso, a servidão russa não foi igual a escravidão moderna que imperou nas Américas e na África, pois enquanto na escravidão apenas os negros e indígenas eram feitos escravos, tratados sem direito algum, e considerados mercadorias, objetos, animais etc. os servos russos possuíam direitos, não eram mercadorias, eram pessoas obrigadas a servir um senhor e sua família por tempo indeterminado, o que incluía as próximas gerações. O fim da servidão na Rússia é um ponto a ser destacado. Não apenas aboliu um sistema de relação de trabalho e dependência social-política-econômica que vigorava desde a Idade Média, mas também permitiu que os camponeses que eram servos pudessem se reunir e criar as comunas rurais, que curiosamente foi algo inventado pelo governo de Alexandre II, no intuito de amparar os 23 milhões de ex-servos. 

As comunas rurais eram um fundo de terra, em parte doado e vendido aos camponeses, de forma que eles pudessem assentar suas famílias e sobreviver. Essas comunas possuíam uma administração interna e eletiva regularmente. Apesar de tais características, as comunas ainda continuavam a mercê dos senhores de terra, os quais manipulavam os interesses das assembleias comunais, além de vender lotes de baixa qualidade a preço elevado; por sua vez, o Estado embora fornecesse créditos para a compra desses lotes, o fazia sobre pesados juros, o que comprometia a renda de uma família por anos. (REIS FILHO, 1989, p. 9). 


A partir dessa abertura política promovida por Alexandre II, deu-se início a um período de movimentos populistas chamado de narodnichestvo, cujo um dos lemas era zemla y volya (terra e liberdade). Apesar da proposta das comunas rurais promovida pelo Estado, parte da população rural não se contentou com isso, pois continuavam dependentes dos juros impostos pelo governo, e da influência política e econômica de seus antigos senhores, assim, surgiram movimentos que reivindicavam uma reforma agrária, implantação do liberalismo, industrialização do país, mais democracia, fim dos privilégios dos boiardos (aristocracia rural russa) etc., e até mesmo movimentos mais radicais que pediam o fim da monarquia e implantação de uma república. (WOOD, 2003, p. 16-17). 



"O populismo russo caracterizou-se por três elementos; 1) uma devoção mística pelo povo do campo; 2) a rejeição da industrialização por causa do preço que, na forma privatístico-concorrencial do modelo inglês, cobra das classes rurais, com a conseqüente idéia de se chegar diretamente ao socialismo partindo da estrutura comunitária tradicional própria do campo, alicerçada na comuna rural ou obstina, pulando a etapa do capitalismo; 3) e, por último, um elemento messiânico-nacionalista, que recebeu da direita eslavófila e a ela o assimila, através do qual a percepção do enorme atraso do país, tão dolorosamente sentida pelos intelectuais russos, transforma-se num sentimento compensatório de superioridade, totalmente irreal, mas nem por isso menos poderoso e eficaz come estímulo para a ação". (SETTEMBRINI, 1998, p. 679). 

Nesse ponto, o historiador Alan Wood (2003, p. 17-19) comenta que as décadas de 1860 e 1870 na Rússia, foram permeadas pelo crescimento da conscientização da população russa pelos seus direitos políticos, e o surgimento de militâncias, principalmente advindos dos camponeses. Todo esse enorme contingente que ansiava por mudanças e estava descontente com o governo, serviu de base de apoio para homens que pregavam ideais revolucionários liberais, republicanos, socialistas, marxistas etc. Alguns desses homens como Alexander Herzen (1812-1870) e Nicholas Chernyshevsky (1826-1889) influenciados pela Primavera dos Povos (1848), tentaram promover revoluções em seu país, apesar de não terem obtido êxito. Ainda assim, a semente para uma classe trabalhadora rural preocupada com seus direitos políticos, civis, melhorias sociais, econômicas e de vida, estava plantada. 


Mas além da mão-de-obra rural que representava mais de 80% da população do país, a mão-de-obra urbana com o tempo começou a se mostrar importante, e a adentrar essa luta por direitos e reformas. No final do século XIX, a Rússia começou a se industrializar. O Estado vendo que não dispunha de recursos próprios para alavancar seu crescimento interno, começou a firmar parcerias e acordos com empresas, investidores e bancos estrangeiros. O historiador Daniel Reis Filho (1989, p. 14) comenta que a economia russa naquele tempo possuía dois grandes problemas: dependência do capital estrangeiro, que era responsável por pelo menos 72% dos investimentos no país, cuja produção era focada principalmente em três setores: agricultura, indústria têxtil e indústria siderúrgica; e o fato do Estado ser centralizador, não possibilitando espaço para o desenvolvimento independente, concorrência, liberalismo, além de não fornecer direitos trabalhistas, realidade vista em outros países da época. Os operários russos não tinham direito de formar sindicatos, trabalhavam de 12 a 15 horas por dia, em condições insalubres e degradantes; recebiam um salário abaixo da média se comparado a países vizinhos; e havia casos de serem pagos em gêneros alimentícios ou com outros produtos. 


Tal fator foi preponderante para que nas décadas de 1880 a 1900, começassem a surgir militâncias para a criação de sindicatos e partidos trabalhistas, como o Grupo para a Liberação do Trabalho, iniciado em 1883. Nesse ponto, Alan Wood (2003) comenta que devido a politização dos operários russos os quais eram significativamente letrados, seus anseios e revoltas, isso permitiu que ideais socialistas e marxistas fossem bem recebidas no país, pois muitos se viam claramente inseridos no contexto apontado por Karl Marx (1818-1883). Marx em vários de seus escritos, mas especialmente no Manifesto do Partido Comunista (1848) e em O Capital (1867), assinalava a importância da união do proletário, da população em geral para combater a exploração do trabalho, a exploração da burguesia, dos bancos, dos empresários; criticava a alienação política, a alienação pelo consumismo desenfreado e vazio de sentido; criticava a mais-valia (tese central na crítica de Marx ao capitalismo); incentivava a luta por direitos trabalhistas, melhores condições de emprego e vida, pautada em sua teoria de luta de classes; incentivava a luta por reformas sociais e jurídicas que tornassem o país um lugar melhor etc. (BOBBIO, 1998). 


Embora hoje o Marxismo, o Socialismo e o Comunismo sejam considerados a mesma coisa, e até mesmo mal interpretados, eles não são iguais, mas possuem algumas particularidades em comum. Além disso, é preciso sublinhar que o socialismo abordado na Revolução Russa foi influenciado principalmente por Lenin, o qual por sua vez, já apresentava ideias diferentes das propostas por Karl Marx e Friedrich Engels (1820-1896), co-autor do Manifesto do Partido Comunista. O posicionamento político-econômico-social de Lenin ficou conhecido como Leninismo. Sendo assim, se faz necessário comentar um pouco sobre esse ativista e revolucionário. 


2) O Leninismo: 


Nascido Vladimir Illyich Ulyanov (1870-1924), mais conhecido pelo pseudônimo de Lenin, pertencia a uma família de classe média de Simbirsk, de raízes monarquistas e conservadoras. Apesar disso os três filhos de Ilya Ulyanov e Maria Ulyanov não puxaram o posicionamento político dos pais, no caso, Alexandre, Ilya Filho e Vladimir (Lenin) todos os três ainda na adolescência ingressaram em movimentos estudantis e se interessaram pelos ideais republicanos, marxistas e socialistas. Recordemos que nesse tempo a Rússia vivenciava uma onda de movimentos populistas no campo, na indústria, nas universidades, e nos meios de comunicação, logo, não era incomum que os jovens russos não estivessem envolvidos com algum tipo de movimento ou militância. De qualquer forma, dos três irmãos Ulyanov, Lenin foi o que mais se destacou. Alexandre optou em agir de forma moderada, Ilya faleceu ainda cedo, após a morte do irmão do meio, Lenin ingressou na Universidade de Kazan para estudar Direito em 1887, mas acabou sendo expulso devido ao seu envolvimento com grupos militantes radicais. 


Apesar de ter sido expulso da universidade, Lenin ainda continuou a estudar Direito e política, aprofundando-se cada vez mais no Marxismo, Socialismo e Comunismo. Sua família mudou-se para Samara, onde viveram nos anos seguintes. Lenin acabou se formando em Direito, e ingressando em grupos socialistas e marxistas. Nesse tempo ele começou a romper com a ideia dos populistas de que o socialismo seria implantado a partir dos campesinato; assim, adotando o modelo de Karl Marx, o qual defendia que o capitalismo era fundamental para o desenvolvimento do Estado, de forma a constituir as bases para a vinda do socialismo, Lenin passou a defender a industrialização, algo criticado por alas revolucionárias da esquerda russa, as quais defendiam que o socialismo não necessitava de uma etapa pré-capitalista; como também se envolveu com a organização de sindicatos não oficiais, pois o governo russo não permitia a criação de sindicatos naquele tempo. (SETTEMBRINI, 1998, p. 680). 



Lenin ao centro, cercado por membros da Liga de Luta pela Emancipação da Classe Operária, 1897.
No tempo que morou em Samara, Lenin escreveu alguns artigos e manifestos, os quais eram impressos ilegalmente e dado a militantes. Chegou a viajar para  Suíça e a Alemanha, a fim de entrar em contato como pensadores de esquerda e conseguir obras teóricas. Embora Lenin seja lembrado por ter sido um ávido militante, ele foi um intelectual e teórico. Tais condições lhe renderam uma ida a prisão. O fato do governo russo proibir a formação de sindicatos operários, e até mesmo ter proibido a manifestação pública de ideias antimonarquistas, socialistas, comunistas, republicanas e marxistas, rendeu prisão a Lenin no ano de 1895. Em 1897 ele foi sentenciado ao exílio na Sibéria, onde viveu até 1900, vindo a se casar com sua namorada Nadezda Krupskaja, mais conhecida pelo apelido de Nadya

O tempo que esteve na prisão não impediu que Lenin interrompesse seus estudos, a escrita de seus livros e o contato com pensadores, revolucionários e militantes. Nesse tempo na prisão escreveu algumas obras importantes como o Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia (1899), obra que defendia que a Rússia já apresentava uma condição capitalista, algo necessário para se conscientizar a classe operária de iniciar o movimento rumo ao socialismo. Apesar de receber críticas de alas não-marxistas e contrárias ao movimento operário e sindicalismo defendidos por Lenin, ainda assim, sua teoria que adaptava o marxismo para a realidade russa começou no início do século XX a ganhar adeptos. Na prática, a obra de Lenin distorcia a realidade industrial russa, criando um contexto não real, ainda assim, verossímil para se tentar promover uma revolução socialista. Se antes Lenin era adepto das fases propostas por Marx, que recomendava a industrialização e capitalização de um Estado, para poder somente tentar ingressar no socialismo, Lenin desconsidera isso e pulava tais fases. 

Em 1900, Lenin cumpriu sua prisão na Sibéria e partiu para exílio fora do país. Mesmo a distância continuou escrevendo e ganhando apoio de partidos, grupos, sindicatos e movimentos de esquerda na Europa e na Rússia. Em 1902 foi criado o Partido Socialista Revolucionário (PSR), em parte baseado nas propostas de Lenin. Tal condição levou ao surgimento do Leninismo, termo usado para se referir ao pensamento teórico-político de Vladimir Lenin, pautado no marxismo, socialismo e comunismo. 

No caso, o pensamento político de Lenin possui ideias singulares, as quais não iremos aqui adentrar, pois requerer um trabalho específico para explicar suas teorias. De qualquer forma, as ideias de Lenin foram tão influentes ao ponto de criar uma cisão dentro do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), surgido em 1898, no qual Lenin era uma das principais lideranças. Assim, no Segundo Congresso Internacional do POSDR, realizado em 1903, em Bruxelas, na Bélgica, e em Londres, na Inglaterra, o partido sofreu uma divisão em duas alas: os Bolcheviques que defendiam as propostas de Lenin, e os Mencheviques liderados por Julius Martov

Um dos motivos que levou a cisão do POSDR, se deveu a discordância de como encaminhar sua luta partidária. Lenin naquele tempo defendia ações mais enérgicas e inclusive iniciar uma revolução, enquanto Martov e seus adeptos eram a favor de esperar um pouco mais, seguir o modelo de Marx, aguardando um melhor desenvolvimento do capitalismo russo, para depois se tentar a transição ao socialismo. Lenin era a favor de uma mudança mais abrupta, alegando que as bases capitalistas já eram suficientes para se realizar a tal transição, porém, o governo absolutista do czar Nicolau II nunca iria tolerar isso, então a saída era pegar em armas e pressioná-lo. (WOOD, 2003, p. 30). 


3) A crise de 1904-1905: 



Revoltas e protestos já ocorriam na Rússia desde meados do século XIX, mas em dados momentos elas se intensificavam, e os anos de 1904 e 1905 fizeram parte desse período intenso. Nessa época coincidiu com a condição que o czar Nicolau II em sua ânsia expansionista, decidiu entrar em guerra contra o Império do Japão, a fim de disputar territórios fronteiriços na Coreia e Manchúria. O conflito rendeu um saldo de 84 mil japoneses mortos e pelo menos 143 mil feridos, mas apesar desses número elevados, ainda assim, o exército russo foi derrotado. A derrota russa na Guerra russo-japonesa (1904-1905) foi desastrosa não apenas para a política expansionista de Nicolau II, mas para seu governo num todo. (HOBSBAWM, 2008, p. 410). 

A Rússia neste cinco primeiros anos do século XX, vivenciava uma turbulência interna: queda no crescimento econômico, desemprego, revoltas camponesas, operárias, estudantis, greves, fome, miséria, descontentamento da nobreza, dos militares, derrota na guerra, revolta da população pelos gastos na guerra e a perda de milhares de pais de família, tios e filhos; aumento nos movimentos republicanos e socialistas etc. Unindo-se toda essa efervescência, janeiro de 1905 começou sob uma série de protestos. A capital na época Petrogrado (atual São Petersburgo) foi palco de grande greves e protestos. No dia 5 de janeiro de 1905 reuniram-se 26 mil manifestantes, dois dias depois o número estimado já passava dos 100 mil. Os protestos de janeiro de 1905 ficaram conhecidos como Revolução Russa de 1905. (KOCHAM, 1968, p. 89). 



Fotografia de manifestantes durante os protestos de janeiro de 1905. 
Embora haja historiadores que questionem se a rotulação de revolução poderia ser usada para o movimento político oriundo das greves de 1905. De qualquer forma, revolução ou não, a situação em janeiro daquele ano piorou de forma alarmante no domingo, dia 9. Na ocasião mais de 100 mil grevistas a maioria operários, mas contando também com profissionais liberais, policiais, estudantes, comerciantes etc., se reuniu próximo ao palácio de inverno da Família Real. A manifestação era liderada pelo padre e policial Georg Gapon, o qual carregava uma lista de reivindicações para ser entregue ao czar, que na ocasião residia ali com sua família.  


"A petição enumera a seguir certas exigências políticas e econômicas 'para superar a ignorância e a opressão legal do povo russo'. Estas se assemelhavam às que haviam sido apresentadas pelos trabalhadores de Putilov. Mas também incluíam exigências de educação universal e compulsória, liberdade de imprensa, associação e consciência, libertação de prisioneiros políticos, separação entre a Igreja e o Estado, substituição da tributação indireta por imposto de renda progressivo, igualdade perante a lei, abolição dos pagamentos pela redenção, crédito a baixa taxa de juros, transferência das terras para o povo, execução das ordens do Almirantado dentro e não fora da Rússia, e término da guerra com o Japão. Finalmente, a fim de impedir a opressão do trabalho pelo capital, a petição exigiu a abolição dos inspetores fabris, uma comissão permanente de trabalhadores para os representar em cada fábrica, liberdade para organizar cooperativas e sindicatos, liberdade de luta entre trabalho e capital e seguro estatal para os trabalhadores. (KOCHAN, 1968, p. 91-92).

Todavia, essa petição não foi entregada na ocasião. O czar teria dado a ordem para repelir a manifestação, lembrando que greves eram ainda ilegais no país, e todas as que ocorriam, a polícia agia de forma violenta contra os grevistas, realizando a prisão destes, por isso Lenin foi preso duas vezes por participar de greves. Mas no caso do dia 9 de janeiro de 1905, esse ficou conhecido como Domingo Sangrento, onde a guarda palaciana abriu fogo contra os grevistas, matando pelo menos mil pessoas e deixando centenas feridos. Nicolau II teve sua boa imagem de "pai da nação" maculada e trocada para "Nicolau, o sanguinário". Os jornais noticiaram a tragédia do Domingo Sangrento em todo o país. Greves em solidariedade aos mortos e feridos eclodiram ao longo do ano. Somente nas grandes cidades industriais mais de 1,8 milhões de grevistas realizaram manifestações em 1905, isso sem contar os protestos e pequenas revoltas promovidos por operários, camponeses, soldados, estudantes, professores universitários, burgueses etc. Embora muitos fossem adeptos do socialismo, havia democratas, liberais, republicanos etc., envolvidos nas manifestações. Todos contra o governo autocrático de Nicolau II. (REIS FILHO, 1989, p. 25). 

Pintura de 1905, representando o Domingo Sangrento. 
A partir da repercussão do Domingo Sangrento, as greves gerais, protestos e manifestações pelo país, no dia 17 de outubro (30 com base no atual calendário), o czar Nicolau II assinou um "pacote" de reformas que ficaram conhecidas como Manifesto de Outubro, considerado por alguns como o resultado revolucionário. A partir desse manifesto foi legalizada greve, os sindicatos, os partidos trabalhistas, permitiu-se a criação de conselhos de deputados operários, chamados de soviets, cogitou-se a criação de leis trabalhistas, melhorias na educação, economia etc., o czar pois fim a guerra contra os japoneses, assim como, se propôs em conceder maior abertura política, instituindo a criação de uma Assembleia Legislativa Representante (Duma), a qual permitia que deputados e senadores pudessem participar da elaboração das leis, algo até então restrito. Além dessa mudanças outras ocorreram, e uma delas de caráter político foi a formação do Partido Outubrista, o qual era de caráter liberal, monárquico e conservador, o qual apoiava os interesses do governo frente as demandas dos partidos socialistas, liberais, trabalhadores etc. (KOCHAM, 1968, p. 95). 

Mesmo com a aplicação de algumas reformas propostas, a criação da Duma, o fim da guerra etc., greves e protestos ainda continuaram a ocorrer nos anos seguintes. E a situação voltaria a piorar durante a Grande Guerra. 

4) A crise da Primeira Guerra: 

Talvez o maior erro ou um dos maiores erros de Nicolau II foi declarar guerra aos alemãs, e assim, adentrando ao conflito da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Quando as declarações de guerra começaram a ser emitidas em maio de 1914, os países envolvidos acreditavam que se trataria de uma guerra rápida, que no máximo duraria um ano. Os motivos para a eclosão da Primeira Guerra eram gerados principalmente por fatores políticos, diplomáticos e geográficos, associados com questões de fronteira e colônias. Isso tudo foi se desenvolvendo e se intensificando na segunda metade do século XIX, até que o estopim que foi a morte do arquiduque da Áustria, Francisco Fernando, assassinado por um militante extremista em Saravejo, na Bósnia, foi o fator decisivo para que a Áustria-Hungria declarasse guerra a Sérvia. (CLARK, 2010, p. 303-304).

A declaração de guerra entre os austríacos-húngaros contra os sérvios teria sido mais um conflito regular, dos quais vinha ocorrendo entre os dois países nos últimos anos, mas a situação mudou, quando a Áustria-Hungria aliou-se a Alemanha e a Itália, solicitando suporte na vindoura guerra. Por sua vez, os sérvios buscaram ajuda dos russos. Com isso, Nicolau II cumprindo com o pacto militar, declarou apoiou a Sérvia contra a Áustria-Hungria, por sua vez, os alemãs cumprindo com sua parte, declararam guerra a Rússia. 


"No final do século XIX, o escritor militar alemão Colmar von der Goltz havia alertado que qualquer futura guerra europeia veria "um êxodo de nações", e suas palavras se provaram corretas. Em agosto de 1914, os exército da Europa mobilizaram cerca de seis milhões de homens e lançaram-nos contra seus vizinhos. Os exércitos alemães invadiram a França e a Bélgica. Os exércitos russos invadiram a Alemanha. Os exércitos austríacos invadiram a Sérvia e a Rússia. Os exércitos franceses atacaram pela fronteira da Alsácia-Lorena alemã. Os britânicos enviaram uma força expedicionária para ajudar os franceses, esperando confiantemente chegar a Berlim pelo Natal". (HOWARD, 2010, p. 49).

Apesar de a Rússia, Alemanha, França, Itália, Inglaterra entre outros países terem entrado na guerra por questões de alianças, eles também entraram por outros motivos. 


"O regime czarista, ao entrar na guerra, pretendia dois objetivos: no plano externo, garantir a hegemonia nos Bálcãs e o controle dos estreitos que dão acesso ao Mediterrâneo. Internamente, recoesionar o povo em torno do czarismo e da defesa da pátria. Os generais russos imaginavam que a guerra seria curta e vitoriosa e que o povo a apoiaria maciçamente". (REIS FILHO, 1989, p. 38).


A tentativa de evocar o patriotismo foi bem recebida por parte da população nos mais diversos segmentos sociais. Hobsbawm (1999) e Wood (2003) comentam que em 1914 a onda de protestos contra o governo, decaiu significativamente devido a atenção da população dada a guerra. Lenin na época ainda estava em exílio, e foi um dos quais manifestou-se contrário a guerra imperialista, defendendo uma guerra contra a burguesia. Todavia, muitos não levaram em consideração seu apelo. Mesmo os partidos socialistas e marxistas nesse primeiro momento aderiram a convocação nacionalista. Mas se por um lado Lenin evitou de ir para o campo de batalha, outros futuros líderes da Segunda Guerra como Hitler, Mussolini e Stalin ingressaram no conflito. 


Todavia, esse entusiasmo durou pouco. Em 1915 a situação já era assombrosa para os russos. A falta de planejamento e de logística no recrutamento, treinamento, transporte, deslocamento das tropas, abastecimento e comunicação foram determinantes para o fracasso da Rússia na Grande Guerra. No ano de 1915, dos 8 milhões de soldados disponíveis, 1,5 milhão estava morto ou ferido. Um número bastante elevado mesmo para os padrões da época. Somando-se a tal enorme perda do efetivo de combate, começou a se apresentar problemas na falta de abastecimento dos acampamentos e bases. Neste caso o abastecimento dizia respeito a comida, medicamentos, munição, veículos, roupas etc. Além da falta de suprimentos, o transporte também foi prejudicado e o recrutamento também sofreu problemas. Grande parte dos soldados disponíveis era formado por recrutas, os quais haviam sido convocados ainda em 1914, a maioria não concluiu o treinamento regular. Assim, 1915 terminava com a criação do Bloco Progressista, formado por parte dos parlamentares da Duma, representados pela nobreza e a burguesia, os quais estavam descontentes com a decisão de Nicolau II de ter adentrado na guerra e o andar do conflito. (REIS FILHO, 1989, p. 41). 


O Bloco Progressista começou a pressionar o czar por atitudes frente a guerra, além de tomar decisões relacionadas aos problemas internos que vinham se desenvolvendo na última década, além da condição de que o czar não tinha cumprido com as reformas propostas em 1905. Nicolau II indignado com isso, suspendeu a Duma, e depois a reabriu com mudanças na direção e no conselho. Em quatro meses ele nomeou três presidentes de conselho favoráveis aos seus interesses, no intuito de barrar os protestos e reivindicações do Bloco Progressista. (REIS FILHO, 1989, p. 42). 


Nicolau II em 1916 se via cada vez mais pressionado. O país estava em uma crise profunda: faltava comida, os impostos haviam subido para poder bancar uma guerra que se revelava desastrosa. Mais de 1,6 milhão de mortos, 1 milhão estava desaparecido ou desertado; 2 milhões estavam presos em diferentes países onde lutavam. O exército além de ter perdido quase metade do seu contingente, estava desmotivado e desamparado. O czar chegou a viajar para um dos quartéis-generais a fim de reverter a situação, mas sua presença pouco mudou a realidade dos planos de guerra. (LA REVOLUCIÓN RUSA, 2014, p.8). 


Grandes greves voltavam a eclodir pelo país: salários atrasados, exploração do trabalho, impostos altos, falta de alimentos, insegurança diante das revoltas e protestos; desamparo do governo etc., marcava o cenário dos anos de 1915-1916. Por outro lado, sua ausência da capital, deixou o país a frente de duas pessoas despreparadas, a czarina Aleksandra e Rasputin, o conselheiro místico e curandeiro da família real. Ambos foram alvos de boatos e calúnias. E o próprio Rasputin que era invejado e odiado na corte, foi assassinado no final de dezembro de 1916. 

  
5) Eclode a revolução: 

O cenário conturbado dos últimos três anos iria culminar na deflagração de uma revolução. Dessa vez não seria apenas algo levado a cabo por grevistas como visto em 1905, mas a população russa estaria envolvida massivamente nos protestos. Em 1917, 5,5 milhões de soldados russos estavam mortos, feridos, desaparecidos, aprisionados ou haviam desertado. Muitos destes com suas famílias estavam indignados, o que incluía não apenas os soldados, mas os capitães, majores, coronéis e generais pelo desastre de ter adentrado a Grande Guerra. Além das mortes no campo de batalha, pessoas estavam morrendo de fome, frio, doenças e pela violência promovida pelo cenário de crise no país. Em 1916, nobre e militares chegaram a cogitar um golpe de Estado, mas esse foi adiado. (COMÍN, 2017, p. 23).


Neste caso, 1917 se iniciou com novos levantes grevistas e protestos contra o governo. No dia 9 de janeiro, uma greve de 150 mil pessoas foi realizada em Petrogrado para relembrar o ocorrido no Domingo Sangrento em 1905. Além disso, algumas pessoas gritavam palavras de ordem pedindo paz, pão e terra. As manifestações em Petrogrado continuaram pelo restante do mês, motivando novos levantes em outras cidades, até desemborcar numa greve geral. Homens e mulheres passam a participar das manifestações quase diárias. As fábricas ficam fechadas por semanas. Policias e soldados aderem aos protestos. 



Marcha pelo Dia Internacional das Mulheres, em 1917. As mulheres reivindicavam fim da guerra, alimento e democracia. 
No final de fevereiro, uma greve geral já começava a ser convocada. Os bolcheviques que até então não havia aderido as greves, algo promovido principalmente pelos sindicatos operários, decidiram se unir a população. Os protestos deixaram de ter apenas um tom sindical, para ganhar um tom mais políticos. Palavras de ordem e revolução passaram a ser entoadas. O dia 26 de fevereiro de 1917, foi uma data crucial. O governo já havia ordenado o uso da força para desbaratar as manifestações e acabar com as greves, apesar de ter havido alguns casos de mortos e feridos, os números eram pequenos, comparado a tragédia de 1905. Todavia, naquela data, os batalhões de polícia e do exército em Petrogrado cruzaram os braços, negando-se a confrontar os manifestantes e grevistas, e aderindo a causa. 

No dia 27, formou-se um Soviet composto por deputados operários e soldados. Além disso criou-se também um comitê executivo para comandar o soviete, que contava com mais de dois mil membros, os quais representava os interesses do povo. O soviet formado naquela ocasião faria frente a Duma, reduto da nobreza, ocupado por monarquistas favoráveis ao czar. Porém, é preciso lembrar que a própria Duma estava dividida naquela época. O Bloco Progressista surgido em 1915, representava a dissidência interna. E isso foi um problema para o governo, o qual havia perdido parte de seu apoio. O soviet na ocasião reivindicava a convocação de uma assembleia constituinte, governo popular, o que significava fim da monarquia, e instituição de uma república, cujo líder teria que ser eleito por sufrágio universal. (COMÍN, 2017, p. 26).



Soldados russo participando de protestos em Petrogrado, no ano de 1917. 
Apesar do Soviet de Petrogrado de início agir de forma moderada, em outras cidades como Moscou, Kazan, Tver, Samara, Saratov, Pskovy, Kharkov etc., nos primeiros dias de março tiveram seus governos destituídos. Todos os representantes políticos que eram a favor do Estado autocrático foram presos, expulsos e alguns assassinados. Isso tudo foi realizado pelo povo. Curiosamente não foi algo encabeçado pelos partidos socialistas como alguns alegam; a revolução de 1917 iniciou-se com a população no geral, independente da convocação partidária. De qualquer forma, o mês de março foi decisivo para o andamento da revolução. (REIS FILHO, 1989, p. 45-46). 

Após a destituição e perseguição aos aliados do governo, Nicolau II vendo que não tinha mais nada a fazer, no dia 15 de março (2 de março no antigo calendário russo) apresentou sua abdicação voluntária, e disse que seu herdeiro direto, o príncipe Mikhail também abdicaria, algo que ocorreu no dia seguinte. Nicolau II e seu filho abdicaram mediante um acordo com a Duma, propondo que a monarquia seria mantida, mas convocaria-se uma assembleia constituinte, e tornaria-se a Rússia numa monarquia parlamentarista. No dia 20 de março o governo provisório da Duma sentenciou a família real a prisão domiciliar no Palácio Tsarkoe Tselo. Nicolau II ainda tentou solicitar exílio para sua família na França ou Inglaterra, mas o pedido foi negado devido ao clima de guerra, pois oficialmente a Rússia ainda permanecia no conflito e era inimiga de ambas as nações. Entretanto, a Alemanha decidiu agir.



Nicolau II e sua família, numa fotografia de 1915. 
Vladimir Lenin, na época com 47 anos, o qual vivia há vários anos fora da Rússia, ainda assim, era um militante reconhecido internacionalmente na Europa, foi incentivado a retornar ao seu país. O governo alemão ofereceu salvo-conduto para que Lenin deixasse a Suíça (onde estava exilado), tomando um trem que cruzaria o território alemão. Lenin chegou a Rússia no começo de abril, onde tornou público suas Teses de Abril.

6) O retorno de Lenin: 

As Teses de Abril consistiram num documento no qual Vladimir Lenin apresentava a proposta revolucionária defendida por seu partido os Bolcheviques, ala dissidente do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR). O fato se devia que o governo provisório que assumiu após a abdicação do czar e seu filho era composto por membros conservadores e ainda favoráveis a monarquia, sendo formado pelos partidos de direita dos Outubristas, Kadetes (que eram social-democratas) e Progressistas, os quais foram reunidos num novo conselho sob liderança do deputado Vladimir Lvov dos Outubristas. (COMÍN, 2014, p. 26). 


Lenin na ocasião criticou esse governo provisório que deixou de fora representantes das classes baixas, concentrando-se em si apenas representantes da nobreza e da burguesia. Se a ideia era continuar com a revolução iniciada em fevereiro daquele ano, que diga de passagem, encabeçada pelos operários, camponeses, funcionários liberais de classe baixa, porque eles estavam de fora? Assim, para tentar apaziguar o protesto apresentado por Lenin e outros, o governo provisório elegeu Alexander Kerensky, representante dos Soviets, para assumir o cargo de Ministro da Justiça. Neste caso, Kerensky levou uma série de reivindicações ao governo provisório, dentre as quais se pedia: anistia ao presos políticos, formação de milícias populares, eleição para uma assembleia constituinte, elaboração de uma constituição etc. (COMÍN, 2017, p. 26). 


O governo provisório distribuiu a anistia, reconheceu a separação da Finlândia e da Polônia, anteriormente ocupadas pela Rússia, reconheceu a jornada diária de 8 horas de trabalho entre outras reivindicações. Porém, reforma agrária, saída do país da guerra, eleições, assembleia constituinte entre outros temas eram desconversados ou sempre adiados. E isso começou a inquietar os soviets (conselhos de operários e soldados) e o restante da população. Lenin nessa época defendia que a revolução foi iniciada pela burguesia, pois embora o povo tenha ido as ruas protestar na capital e em outras cidades, foram os burgueses e nobres que destituíram os governadores, prefeitos, e forçaram a abdicação do czar e seu filho. Porém, a revolução deveria continuar, mas agora nas mãos das classes oprimidas. Com isso, Lenin a frente dos Bolcheviques procurava apoio dos Mencheviques, dos Socialistas revolucionários, dos anarquistas e dos soviets para levar a frente sua proposta de revolução do proletariado. 



Fotografia de Lenin sendo recebido por uma multidão em abril de 1917. 
No final de abril os ânimos voltaram a ficar esquentados. O Ministro do Exterior, Pavel Miliukov defendeu a permanência da Rússia na Primeira Guerra, isso desagradou a muitas alas políticas e a população, pois enquanto o país estivesse em guerra não seria possível realizar as reformas políticas propostas, além de que a crise econômica continuaria, pois as despesas com a guerra eram altas. Manifestações pedindo a saída de Miliukov do cargo eclodiram ainda em abril. O general Larv Kornílov, um dos principais nomes do Exército Russo, ordenou atirar contra manifestantes. Alguns manifestantes que incluíam civis e militares foram mortos ou feridos. Curiosamente Kornílov voltaria a ser manchete quando tentaria promover um golpe de Estado ainda naquele ano.

7) Crises em maio, junho e julho:

A morte de manifestante no final de abril, gerou mudanças de atitudes nos meses de maio e junho. Os camponeses convocaram o I Congresso de Comitês Agrários a fim de deliberar o programa de uma reforma agrária, apesar que na prática em alguns lugares do país, estes comitês já tivessem se apropriado ilegalmente das terras, e as redistribuía entre si. Não obstante, o mês de maio viu um grande aumento de revoltas rurais, pelo menos 678 revoltas em 236 distritos, número que continuaria a crescer. Por outro lado, o governo provisório continuava adiando a convocação de uma assembleia constituinte, recusava retirar-se da guerra, e reconhecer devolver territórios ocupados na Finlândia, Polônia e Ucrânia, o que gerava revoltas nestes lugares. (REIS FILHO, 1989, p. 52; COMÍN, 2017, p. 30). 


Todavia não foram apenas os camponeses que se organizaram para protestar contra o governo provisório. Nas cidades fabris, os soviets também se mobilizavam com greves e protestos para pressionar o governo que agilizasse suas reformas e convocasse eleições para uma constituinte. Em junho foi convocado o I Congresso de Soviets e Soldados que contou com mais de mil delegados, 305 soviets municipais e 53 soviets regionais. Curiosamente a maioria dos delegados e representantes advinham dos partidos dos Mencheviques e dos Socialistas revolucionários. Os Bolcheviques ainda estavam em menor número, embora Lenin estivesse fazendo seus contatos para ganhar apoio. Porém a situação piorou.



Alexander Kerensky
No mês de julho o governo provisório elegeu como Primeiro Ministro o ex-Ministro da Justiça, Alexander Kerensky (1881-1970), o qual embora tenha adentrado no governo provisório como representante dos soviets, já apresentava dúvidas quanto ao seu posicionamento político, tendo se debandando para o lado da direita, aderindo ao partido dos Kadets (Sociais-democratas). De qualquer forma, Kerensky também ajudou o general Kornílov a assumir o cargo de general-chefe do Exército Russo. Nesse ponto Kerensky tomou duas medidas importantes as quais mudaram o rumo da revolução: primeiro, ele decidiu que o Exército realizaria uma grande campanha contra os alemãs, seus principais inimigos, no que ficou conhecido como a Ofensiva de Kerensky; por outro lado, ordenou que as greves e protestos fossem punidas, dando voz de prisão a quem participasse das mesmas. Além disso, o primeiro-ministro decidiu perseguir os partidos de esquerda, no intuito de bani-los e prender seus líderes. No dia 16 de julho os Bolcheviques protestaram contra as decisões tomadas por Kerensky, reunindo pelo menos 500 mil manifestantes em Petrogrado. A polícia disparou contra os manifestantes deixando centenas de mortos e feridos. No dia seguinte o governo ordenou uma batida policial no jornal e na sede do partido, dando voz de prisão a quem estivesse presente. Um dos presos foi o intelectual e militante Leon Trótski (1879-1940), importante nome durante o governo socialista implantado a partir de 1917. Todavia, Lenin e um jovem rebelde chamado Josef Stalin (1878-1953), conseguiram escapar, mas foram para a clandestinidade. (LA REVOLUCIÓN RUSA, 2013, p. 

Kerensky decretou que Lenin era espião dos alemães, enviado para desestabilizar o governo. Assim o primeiro-ministro decretou a ilegalidade dos Bolcheviques, e também fez o mesmo com os Mencheviques e os Socialistas revolucionários, os quais só não sofreram mais, pois decidiram negociar com o governo. Todavia, Lenin considerou a negociação de seus companheiros de causa, uma covardia, e recomendou aos Bolcheviques não aderirem a tal acordo. (COMÍN, 2017, p. 30). 


8) O golpe de Kornílov: 


Embora Kornilov tenha sido eleito Comandante-chefe do Exército russo pelo primeiro-ministro Kerensky, ambos não se entendiam bem. Kornilov defendia a continuação da guerra, assim como tomar medidas urgentes e severas para conter as ondas de protestos pelo país. O mesmo também era a favor de ideias conservadoras, abolir os partidos de esquerda e até mesmo em agosto daquele ano sugeriu ao primeiro-ministro e demais ministros a possibilidade de instaurar uma ditadura militar. A ideia foi recebida de forma dividida. Kornilov era um veterano que gozava de prestígio entre parte da direita conservadora e da extrema-direita. Todavia, Kerensky recusou a proposta. A Rússia havia a poucos meses saído de um governo autoritário, e agora sugeria-se retornar-se para outro. (D'AGOSTINO, 2010, p. 46). 



Comandante-chefe Lavr Kornílov em visita a Moscou, durante as negociações do Conselho Estatal, em agosto de 1917. 
As negociações entre os ministros e Kornílov não resultaram no esperado para ele e seus apoiadores, assim ele decidiu agir por conta própria, incentivando um levante na tentativa de destituir o governo provisório. Kornílov reuniu militares que lhe eram favoráveis, ganhou seguidores entre os Outubristas e Kadetes, chegou até mesmo a oferecer o cargo de vice-presidente a Karensky, mas este recusou. Diante de tais recusas, ainda no final de agosto Kornílov tomou medidas dramáticas: espalhou o boato de que Kerensky estava negociando uma rendição com os alemãs, e que ele pretendia dar o poder aos soviets, além de outras calúnias. Por outro lado, Kornílov convocou em situação de urgência o general Krimov, enviando-o com sua Divisão Selvagem para cercar a capital Petrogrado. Na ocasião os Bolcheviques iniciaram um levante para proteger a cidade, convocando todo mundo a impedir o golpe. (COMÍN, 2017, p. 31).

O próprio primeiro-ministro Kerensky decidiu fornecer apoio a causa dos Bolcheviques, também incentivando os demais partidos e a população a defenderem a cidade, assim como, libertou bolcheviques que estavam presos e lhes deu armas para combater a divisão do general Krimov. Leon Trostky foi liberto e tornou-se comandante da chamada Guarda VermelhaTodavia, um conflito foi evitado. Kornílov e seus aliados foram presos em Moscou. Krimov cometeu suicídio e as tropas foram retiradas. (LA REVOLUCIÓN RUSA, 2013, p. 18-19).


9) A insurreição de outubro:

Com o malogro da tentativa de golpe de Estado do general Kornílov a situação do mandato de Kerensky voltara a piorar. Embora não fosse amigo de Kornílov, a indicação dele para assumir o cargo de Comandante-chefe foi sua. Mas além desse fato, o primeiro-ministro Kerensky também tinha como problema para sua imagem e governo o fato de ter libertado presos políticos e os armados, no que constituiu na Guarda Vermelha dos Bolcheviques. Em outras palavras, se antes ele havia se mostrado favorável banir os partidos socialistas e marxistas da Rússia, teve que recorrer a estes para se defender de um golpe de Estado promovido pela direita a qual ele fazia parte. 


"Kerensky salva o governo, mas sai desmoralizado por suas ligações com Kornílov. Os SRs e mencheviques ficam debilitados: a prolongada aliança com os partidos burgueses não parece justificável. A organização soviética se fortalece e cresce a pressão em favor do atendimento - imediato - das reivindicações populares - pão, paz e terra". (REIS FILHO, 1989, p. 57).


Revoltas e protestos continuavam a ocorrer pelo país. Movimentos separatistas de regiões etnicamente insurretas se realizam; Finlândia, Ucrânia e Polônia pressionam o governo para devolverem seus territórios ocupados; Alemanha continua avançando na frente de batalha, pois a Rússia ainda continuava em guerra. Os operários e soldados voltavam a gritar o lema: "Todo o poder aos soviets!". Fábricas continuavam a ser ocupadas pelos grevistas. No campo os comitês agrários confiscavam ilegalmente terras e as redistribuíam numa "reforma agrária" desorganizada. 


Apesar desse cenário caótico e da desmoralização do governo provisório e dos partidos dos Mencheviques e dos Socialistas revolucionários, os Bolcheviques saíram fortalecidos após evitarem o golpe militar de Kornílov. Embora Lenin estivesse escondido na Finlândia naquele momento de final de agosto, Trotsky estava a frente da reorganização do partido que havia deixado de ser ilegal, e agora passava a dispor de uma milicia. Não obstante, os soviets elegeram Trotsky para o cargo de presidente do Soviet de Petrogrado. Os Bolcheviques ganham eleições iguais em Moscou, Baku, Ural e em outras 50 cidades. (REIS FILHO, 1989, p. 58). A influência dos Bolcheviques também se faz ser sentida na Finlândia, Ucrânia e Sibéria. Embora que no campo os Socialistas revolucionários ainda são a maioria. (COMÍN, 2017, p. 31). 


Setembro foi decisivo para a ação dos Bolcheviques ocorrida em outubro. Lenin ainda no final daquele mês retornou para Petrogrado, reassumindo a liderança do partido e convocando reuniões emergenciais para debater o que seria feito. As tropas alemãs avançavam rumo a Petrogrado, o plano do Império Alemão era tomar a capital russa e forçar uma rendição do país. Se isso ocorresse a revolução seria abalada e talvez interrompida. A Rússia não dispunha mais de forças para barrar o avanço alemão, tão pouco estava internamente unificada, e para completar o governo legal estava desmoralizado e sem credibilidade e respeito. Nesse ponto, Lenin foi altivo ao dizer que a Rússia somente poderia resistir aquela calamidade se o povo tomasse o poder. A república que deveria ser instaurada deveria ser soviética e não burguesa. 


Outubro transcorreu caoticamente: Kerensky havia mudado os cargos no ministério, destituindo quem lhe contrariasse, como no caso do Ministro da Guerra que havia proposto um armísticio com os alemães; no Exército, os soldados estavam indisciplinados e desertavam; na Marinha, os marinheiros se rebelaram contra a ordem de abandonar suas posições, iniciando insurreições; os Socialistas revolucionários cobravam do governo reconhecimento da reforma agrária promovida pelos Comitês Agrários; os operários em greve exigiam uma reforma trabalhista e a estatização da indústria. Lenin e Trotsky cogitavam uma ação enérgica contra o governo provisório. 



Leon Trotsky
No dia 9 de outubro, Leon Trotsky fundou o Comitê Revolucionário Militar dos Soviets de Petrogrado, passo importante para a tomada do poder ainda naquele mês. Os Bolcheviques que agora eram maioria nos Soviets de Petrogrado, se mostravam favoráveis a uma ação armada. No restante do mês novas reuniões foram convocadas para mobilizar civis e militares, e conseguir armamento e munição. No dia 21 de outubro o primeiro-ministro Kerensky declarou que a mobilização militar dos soviets da capital era abusiva e deveria ser desfeita, mas os soviets se negaram acatar tais ordens. O primeiro-ministro ameaçou de declará-los rebeldes e lhes conceder voz de prisão, mas isso não os impediu com os planos. No dia 25, ocorreu a realização do II Congresso dos Soviets de Petrogrado o qual reuniu Bolcheviques, Socialistas revolucionários (de direita e esquerda), Mencheviques, anarquistas e outros grupos menores. No caso os Bolcheviques eram a maioria. (D'AGOSTINO, 2010, p. 48). O congresso seguiu acalorado ao ponto de haver desentendimento interno por parte dos Mencheviques e metade dos Socialistas revolucionários os quais discordavam de Lenin. Lembrando que apesar de todos serem partidos de esquerda, influenciados por ideias marxistas, socialistas e comunistas, cada um agia de uma forma diferente. Mas além dessa falta de consenso entre os partidos de esquerda, no II Congresso dos Soviets foi decidido a tomada do poder antes que fosse tarde. Durante a madrugada do dia 26 de outubro teve início a ação. 

Lenin e Trotsky a frente do comando da ação despacharam as ordens. As estações de trem, centrais telefônicas, correiros, arsenais, quartéis, pontes, praças foram ocupados. Trotsky mobilizou pelo menos 15 mil membros entre soldados, marinheiros, operários, camponeses, que incluíam homem e mulheres. Dois encouraçados foram posicionados para dar cobertura, o Aurora e o Amur. Inclusive as fortalezas de São Pedro e São Paulo também faziam parte da ação. As 2h da madrugada o Palácio de Inverno, sede do governo foi ocupado. Diferente da romantização que foi exibida no cinema e em livros, onde retratavam a "revolução de outubro" como gloriosa, épica, pautada numa acirrada guerra entre os revolucionários e o governo provisório corrupto e decadente. A realidade não foi bem assim. A tomada do Palácio de Inverno foi algo bem operacional, com pouco efeito colateral, apenas alguns poucos feridos e mortos, não tendo envolvido uma guerra acirrada, com trincheiras, barricadas, bombardeios e trocas de balas como visto em alguns filmes russos. (ESTOPAÑÁN, 2017, p. 37). 


10) Um novo governo, um país dividido:

"Às 5 horas do dia 26, os bolcheviques propõem formalmente que os soviets assumam o poder e formem um novo governo "que proporá paz imediata, terra aos camponeses, estatuto democrático às forças armadas, controle sobre a produção, e convocará na data determinada a Assembléia Constituinte, além de garantir o direito das nações da Rússia a disporem delas mesmas". O plenário ovaciona a proposta contra 2 votos e 12 abstenções. Pouco depois a sessão é encerrada". (REIS FILHO, 1989, p. 66).


Apesar desse ovacionamento na primeira sessão formal, pois tomada do Palácio de Inverno, não significava que a vitória estava garantida e os problemas haviam terminado. Isso era apenas o começo. Os partidos de direita como os federalistas, kadetes, monarquistas e liberais formariam uma coalização para derrubar os bolcheviques. Além disso, a própria esquerda também não estava unificada. Os socialistas revolucionários e os mencheviques cogitavam se unir para derrubar os bolcheviques e até mesmo se aliarem a direita para isso. Todavia, o governo provisório antes comandado por Kerensky, estava oficialmente destituído, e por hora o governo provisório dos soviets de Petrogrado estavam no comando. 


Ainda no dia 26 de outubro, já de noite, em nova reunião do II Congresso dos Soviets de Petrogrado, foram propostos a formulação de um armistício com os alemães, a saída da Rúsia da Grande Guerra, anistia, abolição da pena de morte, prisão de Kerensky, Kornílov e todos envolvidos nas falcatruas do governo provisório e no golpe militar de Kornílov, reconhecimento que o governo enquanto estivesse naquela condição, seria um governo popular, gerido pelos soviets e camponeses, não pelos burgueses e nobres; reconhecimento de uma reforma agrária, algo que o próprio Lenin leu na ocasião o decreto-lei. (REIS, FILHO, 1989, p. 68).



Antiga fotografia do Palácio de Inverno, em Petrogrado (atual São Petersburgo). O palácio que era a sede do governo provisório, foi ocupado pela Guarda Vermelha dos Bolcheviques na madrugada de 26 de outubro de 1917. 
Nos meses seguintes mais de cem medidas foram tomadas, as quais diziam respeito a assuntos ligados a gestão do Estado, indústria, agricultura, educação, direitos civis, direitos políticos, exército, guerra, paz, ordem pública, economia, imprensa, transporte, religião, estradas, serviços públicos, abastecimento etc. Embora o governo bolchevique estivesse obtendo êxito na aprovação dessas medidas, não significava que seu governo estivesse consolidado, esse era apenas o início da luta. Enquanto os soviets bolcheviques de Petrogrado e das grandes cidades se uniam para firmar o andar da revolução socialista que eles alegavam está em processo, a oposição se mobilizou para derrubá-los, iniciando vários conflitos armados durante este meses, além do fato, que problemas relacionados a fome, falta de abastecimento, deserções, indisciplina dos soldados, assaltos, invasões de propriedade, brigas etc., ainda continuavam a ocorrer no país. E isso tudo culminaria numa guerra civil que duraria outros quatro anos. ( Porém, isso é história para outra ocasião, pois por hora, a revolução socialista como era alegada na época, havia vencido a primeira das batalhas. (ESTOPAÑÁN, 2017, p. 39). 

Considerações finais: 


Por muitos anos a Revolução Russa de 1917 foi mal compreendida, em parte isso se deu pela manipulação deliberada da URSS em reescrever a sua origem, tendo criado um vilão (monarquia e burguesia) que deveriam ser derrotados pelos heróis (bolcheviques), mas em parte o problema de compreensão se deveu também a política anticomunista, na qual reduziu todo o movimento como se fosse um mero golpe de Estado proclamado por Lenin e seus aliados. Todavia, neste texto tentei mostrar mesmo que de forma pontual, o amplo contexto político, social, econômico e histórico que marcou a premissa para uma revolução socialista. No caso, a indignação do povo russo, sua adesão a movimentos sociais e políticos, a chegada de ideias marxistas, socialistas e comunistas, formação de sindicatos e comunas agrárias tudo isso são acontecimentos que se desenvolveram décadas antes de 1917, não foi algo que surgiu de imediato.


Como visto, desde a década de 1860, eclodiram na Rússia movimentos populares pressionando o governo absolutista dos czares, inclusive movimentos pedindo o fim da monarquia e a instauração de uma república. Por outro lado, foi a partir da década de 1880 que começou a se formalizar a ideia de sindicatos operários e comunas agrárias, mesmo que na prática os sindicatos fossem proibidos por lei. Não obstante data daquele período a chegada de ideias trabalhistas, marxistas, liberais, federalistas, comunistas, socialistas, anarquistas etc., que adentram o país, advindo de nações como Alemanha, Polônia, Ucrânia, França, Finlândia e Suécia. Mas embora a classe trabalhadora russa fosse predominantemente analfabeta, isso em parte não impediu que uma consciência de classe (usando aqui um conceito marxista), pudesse se formar. 


Essa consciência dos trabalhadores urbanos e rurais da Rússia ainda surgida na segunda metade do século XIX, foi fundamental para o desenvolvimento de partidos políticos tanto de esquerda quanto de direita, os quais reivindicavam mudanças políticas, econômicas, legais e sociais. Mas além dessa condição que levou a formação dos sindicatos e comunas, é preciso salientar que os militares tiveram um papel importante durante a Revolução de 1917. Foi a partir do descontentamento principalmente das patentes inferiores, o que permitiu uma forte adesão de soldados e marinheiros aos soviets. O fracasso da guerra russo-japonesa (1904-1905), mas principalmente as duras derrotas durante a Primeira guerra (1914-1918), foram essenciais para criar dentro das forças armadas antipatias para o czarismo, e solidariedade a ideias republicanas, parlamentaristas, socialistas e revolucionárias. 


Por outro lado, a ideia de que os Bolcheviques e Lenin foram os grandes articuladores dos eventos de 1917, não é exata. Lenin passou muitos anos fora da Rússia devido a perseguição política que sofreu. Apesar de ser um marxista e socialista, o próprio discordava de alguns pontos propostos por Karl Marx, e inclusive atropelou alguns dos conselhos dados por Marx quanto ao desenvolvimento de um Estado socialista. Nesse ponto, outro líderes bolcheviques como Leon Trotsky também cometeram o mesmo erro, ao querem através do uso da força implantar um sistema que não possuía bases sólidas para ser construído. 


Nesse ponto, a revolução de 1917 começou com base na mobilização dos soviets, comunas agrárias, militares, burgueses e nobres que forçaram a abdicação do czar Nicolau II, instaurando um governo provisório fraco, dividido e incompetente que contrariava os anseios populares por paz, comida e terra, mas que ambicionava criar um novo Estado onde eles fossem os senhores. É meio a esse dilema que os bolcheviques, que eram uma minoria ainda no começo de 1917, vão agindo por fora dos atritos entre Mencheviques e Socialistas revolucionários contra social-democratas (kadetes), nacionalistas, liberais e monarquistas, conseguiram conquistar apoio, principalmente durante o incidente do malogro do golpe militar do general Kornílov, que permitiu aos Bolcheviques a chance de constituir uma força armada e conclamar a união dos soviets a sua causa. 


Mas apesar de eles terem conseguido tomar o poder no final de outubro de 1917, isso deu início a uma guerra civil que duraria mais quatro anos, até que o socialismo pudesse triunfar na Rússia. A ideia de que o socialismo sempre venceu desde imediato, pois Lenin e seus aliados foram gênios revolucionários que jamais cometeram erro algum, não é verdadeira. Lenin, Trotsky, Stalin e os demais tiveram muitos problemas após 1917, o que resultou na mudança de atitude deles e do partido frente as propostas de organizar uma república soviética e socialista. 


De qualquer forma o mérito da Revolução Russa de 1917 consistiu em mostrar que o povo unindo-se, mesmo que sob partidos, sindicatos, ideologias diferentes, mas mantendo causas em comum poderia realmente vencer. O problema é que embora essa vitória possa eventualmente ser alcançada, a falta de uma união e coesão entre os partidos de esquerda, partidos de direita, movimentos sociais, populares e políticos pesou contra a manutenção de um governo provisório de 1917 a 1921. A unidade nacional que sempre foi alegada existindo com o proletariado urbano, rural e os militares de baixa patente nem sempre coexistiu em harmonia, tão pouco os Bolcheviques sozinhos foram responsáveis por tudo. O mérito deles esteve em conseguir estabelecer uma república socialista, a primeira oficialmente da história, que mostrou preocupação com as classes menos favorecidas, que empregou inclusive princípios comunistas como a reforma agrária, estatização da indústria, dando controle das mesmas e sua produção aos conselhos fabris, educação e saúde gratuitos, medidas para se combater a fome e a miséria etc., embora que tais ideias acabaram se perdendo durante o governo do próprio Lenin, e principalmente com a ascensão de Stalin e seu totalitarismo. 


NOTA: O famoso escritor russo Leon Tolstói (1828-1910), em alguns de seus livros abordou o tema da servidão em seu país, criticando a manutenção desse sistema servil antiquado e desumano. Isso é visto em alguns livros como Anna Karenina (1877) e  Senhores e Servos (1895). 
NOTA 2: Por mais que o czar Alexandre II tenha abolido a servidão e promovido algumas outras reformas, isso não tornou se governo popular ou satisfatório. Alexandre II foi contrário aos movimentos populares. Ele foi assassinado em 1881, por um grupo de militantes radicais que defendiam o fim da monarquia. 
NOTA 3: Normalmente as pessoas tendem a dizer que Marx odiava o capitalismo e dizia que ele não era importante e deveria ser destruído ou abolido. Mas isso não é um dado exato. Em suas obras Marx defendia a existência do capitalismo como sendo necessária para o desenvolvimento econômico e social. Em sua teoria pautada num princípio evolucionista, Marx considerava que o Estado socialista e comunista seriam evoluções do Estado capitalista. Sua grande crítica ao capitalismo era a exploração do trabalho, o lucro em primeiro lugar, a coisificação da vida, a alienação pelo consumismo etc.  

Referências bibliográficas: 

BOBBIO, Norberto. MarxismoIn: BOBBIO, Noberto (org.). Dicionário de política. Brasília, Editora da UnB, 1998. p. 738-744. 
CLARK, Christopher. Os sonâmbulos: como eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Tradução de Laura Teixeira Motta e Berilo Vargas. São Paulo, Companhia das Letras, 2014. 
COMÍN, Ana Beatriz. La revolución de Febrero. In: PENÓN, Javier Alquézar (coord.). La revolución Rusa en su centenário. Andorra, Ediciones Celam, 2017. p. 19-29
D'AGOSTINO, Anthony. The Russian revolution, 1917-1945. Santa Barbara, Greenwood Publishing Group, 2010. 
ESTOPAÑAM, Luis Lecina. La revolución de Octubre. In: PENÓN, Javier Alquézar (coord.). La revolución Rusa en su centenário. Andorra, Ediciones Celam, 2017. p. 33-46. 
HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios: 1875-1914. 12 ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998.
HOWARD, Michael. Primeira Guerra Mundial. Tradução de Rosaura Eichenberg. Porto Alegre, L&PM, 2010. 

KOCHAN, Lionel. Origens da Revolução Russa (1890-1918). Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968.
LA REVOLUCIÓN RUSA, vol. 10. In: La primeira guerra mundial cumple 100 años. S. l, Luppa, 2014. 
REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução russa: 1917-1921. 4a ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1989. 
SETTEMBRINI, Domenico. Leninismo. In: BOBBIO, Noberto (org.). Dicionário de política. Brasília, Editora da UnB, 1998. p. 679-686. 
WOOD, Alan. The origins of the Russian revolution: 1861-1917. 3a ed. London/New York, Routledge, 2003. 

Links relacionados:

O último czar
100 anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

sábado, 2 de dezembro de 2017

A história militar tradicional e a "nova história militar"

A história militar tradicional e a "nova história militar"


Dr. Fernando Velôzo Gomes Pedrosa


"A história militar nos ensina sobre honra, 
sacrifício e a inevitabilidade do conflito".
Victor Davis Hanson



1.   UMA ANTIGA TRADIÇÃO

A História Militar é a mais antiga forma de História. Na verdade, a História começou como História Militar. A própria etimologia da palavra história remete a Heródoto (485-420 a.C.), autor das Histórias, relato minucioso das guerras entre gregos e persas entre os séculos IV e V a.C. Todos os demais textos históricos mais antigos que chegaram aos nossos dias são histórias de guerras, como a História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides (460-400 a.C.); ou a Anábase, história da expedição do exército mercenário grego a serviço de Ciro, o Jovem, contra seu irmão Artaxerxes, imperador da Pérsia, escrita por um de seus protagonistas, Xenofonte (c430-355 aC); ou as Histórias, de Políbios (203-120 a.C.), relatando a história das Guerras Púnicas, entre Roma e Cartago (264-146 a.C.).

Antes desses historiadores, já havia relatos históricos, mas eles pouco se distinguiam das narrativas míticas, nas quais os humanos conviviam e entravam em disputa com os deuses e seres mitológicos. Esses relatos históricos, entretanto, eram invariavelmente descrições de episódios militares, como a Epopeia de Gilgamesh (c.Séc XII a.C.) ou a Ilíada, de Homero (Séc VIII a.C.). A onipresença dos fenômenos militares nos primórdios da História apenas reflete a importância que as guerras sempre tiveram para os destinos dos homens. Como observou o coronel professor Pedro Cordolino, antigo mestre de História Militar da Escola Militar no Realengo,

"Sendo a guerra o mais brutal fenômeno que nos apresenta a humanidade no seu lento evolver, está claro que ela seria a preocupação precípua dos historiadores nos primórdios da vida social. Daí o limitar-se a História, durante muito tempo, às narrativas dessas guerras e revoluções intercaladas com as aventuras dos potentados e as intrigas de suas cortes". (AZEVEDO, 1998: 21).

Tradicionalmente, a História Militar tem sido a história das guerras, campanhas, batalhas e feitos dos grandes generais, bem como o registro de todas as atividades das forças militares na guerra e na paz. Para John Keegan, um moderno historiador militar de postura tradicional:

"A História Militar é um conjunto de muitas coisas. É e para muitos escritores do passado e do presente é pouco mais do que isso o estudo dos generais e do generalato [...]. A História Militar é também o estudo do armamento e do sistema de armas, da cavalaria, artilharia, castelos e fortificações, do mosquete, do arco, do cavaleiro com armadura, do encouraçado, do bombardeiro estratégico. [...] A História Militar é, por outro lado, o estudo das instituições, regimentos, estados-maiores e escolas de estado-maior, dos exércitos e das marinhas em geral, das doutrinas estratégicas adotadas na batalha [...]. A História Militar, podemos inferir daqui, tem, em última análise, de tratar da batalha". (KEEGAN, 2000: 28-30).

Assumindo uma postura claramente profissional, o Manual de História Militar Geral usado pela Academia Militar das Agulhas Negras adota a definição proposta pelo historiador militar brasileiro Cláudio Moreira Bento, antigo professor daquela academia. Para ele,

"História Militar é a parte da História da Humanidade que nos permite reconstituir a História da Doutrina Militar. E Doutrina Militar são os princípios pelos quais os exércitos têm se preparado (organizado, equipado, instruído e desenvolvido as forças morais) para a eventualidade de conflitos e se empregados em guerras". (Apud. SAVIAN; LACERDA, 2009: 08).

2.   AMPLIAÇÃO CONCEITUAL

Depois da Segunda Guerra Mundial, o conceito de História Militar se ampliou significativamente, passando de uma história das guerras, campanhas, batalhas e feitos dos grandes generais, para a história das instituições militares, na paz e na guerra e sua relação com a sociedade. Essa evolução não é um fenômeno isolado, mas coincide, e na verdade reflete, a ampliação da dimensão dos fenômenos militares e a democratização das sociedades. O fenômeno da guerra evoluiu de uma dimensão puramente militar para uma dimensão total (Ver RAPOSO FILHO, 1990), no qual as operações militares já não se restringem a um espaço limitado, conhecido como campo de batalha, mas afetam a toda a sociedade, incluindo a totalidade dos países ao alcance dos modernos meios de destruição e fazendo a população civil vítima de ataques indiscriminados. Nessa nova e ampliada dimensão da guerra, o cidadão comum é chamado a pegar em armas, sendo de seu interesse conhecer as entranhas e os mecanismos das instituições militares. No final do século XX, a interpenetração entre os combates e a vida das pessoas havia chegado a tal ponto que o tenente-general britânico Rupert Smith, antigo comandante das forças da OTAN no Kosovo, entendeu que surgia uma nova categoria de conflito que seria prevalente no futuro: a “guerra entre o povo” (SMITH, 2005: 313).

Nas modernas sociedades democráticas, portanto, os cidadãos buscam compreender suas instituições militares, para as quais contribuem por meio de impostos e nas quais são chamados a servir em situação de guerra. Entendem também que o conhecimento dessas instituições armadas é relevante para evitar que se transformem em ameaça à própria democracia.

A ampliação do campo da História Militar é também fruto da evolução da História como ciência no decorrer do século XX, passando de uma História tradicional, de caráter descritivo, para uma “Nova História”, de natureza crítica. A História tradicional era uma crônica de acontecimentos, com foco nos eventos históricos e em busca do ideal positivista da objetividade e do registro da “verdade histórica”. Era fundamentalmente uma história política e militar. A Escola Marxista levou o foco para a economia e para a luta de classes, mas continuou sendo uma história política e com a pretensão de ser uma ciência exata.

A ideia de uma Nova História surgiu no princípio do século XX na Europa e nos Estados Unidos, significando uma abertura da História para o campo sociocultural. (JAGUARIBE, 2001: 37) A tendência por uma Nova História firmou-se, porém, na França, com a criação da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale por Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956) em 1929. A proposta da Escola dos Annales e de seus seguidores é de uma forte rejeição à História Política e à história dos acontecimentos. Para alguns expoentes da Nova História francesa, os acontecimentos não são mais que “a espuma da história” (DUBY, 1993: 14). Os adeptos da Nova História buscam a multidisciplinaridade dos estudos históricos, com a utilização de novas fontes de pesquisa, além dos tradicionais documentos escritos, e de novos pontos de vista, como a história vivida e protagonizada pelos estratos inferiores da sociedade, no que ficou conhecido como a “história vista de baixo”. Seu ideal é ser a “„Ciência dos homens‟ [...] [e] É preciso acrescentar: „dos homens no tempo‟” (BLOCH, 2002: 55), buscando um sentido de síntese histórica, de história das mentalidades e das perspectivas do longo prazo. A “Nova História” pretende, enfim, ser uma “História Total”, rejeitando a divisão em histórias parciais: política, diplomática, econômica, militar, religiosa etc. (GURIÊVITCH, 2003: 32).

3.   A NATUREZA E A UTILIDADE DA HISTÓRIA MILITAR

Como já foi demonstrado acima, a História Militar está na origem da própria História. Refere-se fundamentalmente às atividades militares, ou seja, às guerras, campanhas e batalhas. Caso contrário não seria uma história verdadeiramente militar. Como observou John Keegan, “não é pelo que os exércitos são, mas pelo que os exércitos fazem que as vidas das nações e dos indivíduos se modificam” (KEEGAN, 2000: 31)

Do ponto de vista militar, o estudo da História Militar tem caráter fundamentalmente utilitário. É uma ferramenta para aprender com o passado, facilitando a compreensão de conceitos militares teóricos por meio de exemplos históricos de sua aplicação. Auxilia a aprendizagem do emprego de forças militares nos níveis estratégico, operacional e tático, bem como a compreensão da evolução da doutrina militar, servindo como uma ponte entre a teoria militar e a aplicação dessa teoria. Segundo Clausewitz: “Os exemplos históricos esclarecem tudo; possuem, além disso, um poder demonstrativo de primeira categoria [...]. Isto verifica-se na arte da guerra mais do que em qualquer outro campo.” (CLAUSEWITZ, 1979: 191).

O ensino da História Militar tem, pois, uma tradicional função didática na educação de chefes militares, oferecendo valiosas lições práticas sobre a arte da guerra, principalmente nos níveis da estratégia e do emprego tático de grandes efetivos militares, quando não existem soluções padronizadas em manuais. À medida que as atividades militares ascendem do nível técnico, como o de como carregar, apontar e disparar um fuzil, para o nível da tática de emprego de forças militares e daí para a estratégia, é cada vez mais difícil encontrar soluções nos manuais militares. Manuais podem prescrever a técnica para calibrar e sintonizar um rádio de campanha, ou para desdobrar no terreno e manobrar um grupo de combate (ou esquadra) de nove homens. Ações técnicas ou de tática elementar têm poucas variáveis e podem ser facilmente descritas, prescritas e ensaiadas. É muito mais difícil estabelecer regras para o emprego de uma brigada de quatro mil homens ou uma divisão com 15 mil homens e milhares de veículos, manobrando para abordar o inimigo em situação vantajosa, levando em conta a incerteza do combate, as configurações do terreno, as condições atmosféricas, a disponibilidade de suprimentos e de transporte, a rede viária e um sem fim de outras variáveis. Da mesma forma, o adestramento ou ensaio de efetivos dessa magnitude ou maiores implica em elevados custos econômicos e na disponibilidade de campos de instrução com enormes espaços de terreno desimpedido de atividades civis. Embora a História Militar não seja capaz de estabelecer regras prescritivas para os comandantes de grandes formações militares e para os decisores estratégicos, o estudo de casos históricos pode oferecer modelos de soluções para casos variados, enriquecendo o seu leque opções. Como observou Napoleão Bonaparte, “o conhecimento das partes superiores da guerra só se adquire pela experiência e pelo estudo da história das guerras e das batalhas dos grandes capitães”. (Apud. AZEVEDO, 1998: 23).

Uma segunda função didática da História Militar é servir de fonte de inspiração para os aprendizes da vida militar, sejam recrutas em treinamento para o exercício das funções mais elementares do soldado, sejam jovens cadetes, preparando-se para assumir funções de mando militar como oficiais. O estudo das vidas dos soldados do passado proporciona exemplos de procedimento em situações extremas, quando a sobrevivência pessoal e do grupo estão em jogo. A dureza extrema e a ameaça iminente à própria vida são características inerentes à atividade de combate. Quando um soldado tem que seguir avançando e manter a cabeça erguida para ver e atirar, no cumprimento de seu dever legal e moral, o suporte da crença em valores e virtudes militares, mais do que uma ajuda, é fundamental. É da lembrança de atos de coragem, desprendimento e sacrifício perpetrados por soldados do passado e pelos seus antecessores, que o homem, contrariando seus impulsos naturais de fugir ou esconder-se, torna-se capaz de seguir em frente. E é da História que vem essa inspiração. Quase 200 anos antes de Cristo, Políbios já afirmava que “o mais seguro e na realidade o único método de aprender a suportar altivamente as vicissitudes da sorte é recordar as calamidades alheias”. (POLÍBIOS, 1996: 41).

O desenvolvimento de virtudes cívicas e militares, e a instilação dos valores correspondentes não são fruto de uma visão ingênua e idealista, afastada da brutal realidade da guerra. Não há atividade humana na qual as questões morais sejam tão evidentes e cruciais. Decisões que resultam na matança de pessoas, na destruição de bens particulares e de patrimônios públicos não podem ser tomadas sem forte respaldo da ética. Embora a História das guerras esteja recheada de exemplo do uso da mentira e da falsificação, essa própria hipocrisia é uma prova do quanto as questões morais são relevantes quando os governos desejam comprovar que a guerra tem uma causa justa e que está sendo travada de forma justa (Ver WALZER, 2003: 31). Ademais, mesmo em tempos de paz, soldados e principalmente chefes militares destituídos de valores morais são um risco para a sociedade que os mantém e a eles confia sua segurança.

O estudo da História Militar também permite a aprendizagem de lições sobre liderança militar, sob duas perspectivas distintas e complementares. A primeira é a compreensão do comportamento do homem e da tropa em combate; de suas reações diante do risco de ser morto ou ferido e, no caso dos homens em funções de comando, de como eles reagirão diante do desgaste físico e emocional decorrente de suas responsabilidades. A segunda é a obtenção de modelos de liderança e de tomada de decisão por meio do estudo do desempenho de antigos chefes militares em combate. Esses modelos podem ser tomados como exemplares, mas também como objeto de avaliações críticas, em busca de soluções mais adequadas. Ambas as perspectivas são de grande valia na educação de oficiais, apurando suas percepções nos níveis interpessoal e intrapessoal. Do ponto de vista interpessoal, lhe permitirá uma melhor avaliação das expectativas, motivações e temores de seus subordinados. Do ponto de vista intrapessoal lhe permitirá levar em conta seu próprio estado emocional ao tomar decisões e fazer julgamentos a respeito de pessoas e situações.

Tradicionalmente, a História Militar também tem desempenhado as funções de ferramenta de simulação de combate, por meio da vivência e análise de experiências militares passadas. Essa função tem sido substituída em grande parte pelos “jogos de guerra”, introduzidos nas escolas de estado-maior no século XIX, e fortemente expandida com os instrumentos da tecnologia da informação após a 2ª Guerra Mundial. Até o surgimento desses jogos de guerra, a leitura de obras de História Militar era o único meio disponível aos comandantes e oficiais de estado-maior para vivenciar, durante os períodos de paz, a experiência de estar em combate.

Finalmente, a História Militar é o repositório da memória das instituições militares, sob a forma de práticas, valores e tradições. As instituições militares são essencialmente realistas e conservadoras, como observou Samuel Huntington, em O Soldado e o Estado (HUNTINGTON, 1996: 76-97). Esse conservadorismo é fruto de uma ética que

"enfatiza a imutabilidade, a irracionalidade, a fraqueza e a maldade da natureza humana... [que] proclama a supremacia da sociedade sobre o indivíduo e a importância da ordem, da hierarquia e da divisão de funções... [que] salienta a continuidade e o valor da história". (HUNTINGTON, 1996: 96).

A atitude profissional conservadora dos militares não é apenas compreensível, mas desejável em pessoas que são as executoras do monopólio estatal da violência, detentoras de armas e engenhos destruição, e treinadas na sua utilização. O apego às tradições e o culto de valores militares, como a honra pessoal, o cumprimento do dever a todo custo, a lealdade aos comandantes, pares e subordinados, o respeito às leis e à dignidade da pessoa humana, e o amor à pátria são garantias contra a degeneração das instituições militares em bandos armados.

4. A ESCOLA TRADICIONAL

A História Militar tradicional estuda a evolução da arte da guerra e da doutrina militar.2 Seu foco está nas campanhas, batalhas e nos feitos dos grandes chefes militares, em busca princípios universais para a vitória e para a liderança militar. Tem fundamental função didática no estudo da estratégia, da tática e da liderança militar, com base em estudos de caso nas academias militares – dedicadas à formação de jovens oficiais –, e nas escolas de estado-maior – cuja função é habilitar oficiais amadurecidos para as funções de assessoramento de alto nível e o comando de grandes unidades militares.

A História Militar tradicional tem sido o campo de “militares historiadores”. Em geral, tem pouca acuidade metodológica, pois não resulta do trabalho de historiadores profissionais, mas de aficionados. Tende, portanto, à grandiloqüência e à adjetivação excessiva. É basicamente uma história descritiva e busca o ideal de apresentar “os fatos como aconteceram”. Em função dessas características, ficou conhecida depreciativamente nos Estados Unidos como “História-Batalha” ou História de “tambores e clarins”. Em função de sua origem não especializada e “corporativa”, tem clara tendência ao mito, ao enaltecimento de figuras históricas e a certa condescendência no julgamento dos fatos e protagonistas. Essa tendência é natural e inerente ao “militar historiador”, pois, como observou Jay Luvaas:

"Ao soldado que apanha uma pena para escrever, é muito difícil esquecer-se, por uma carrada de razões, perfeitamente compreensíveis, da possibilidade de que um dia sua mão venha também a empunhar uma espada. Há reputações a proteger, velhas amizades que não podem ser esquecidas, governos que devem ser atendidos". (LUVAAS, 1981: 54).

Por sua vez, a tendência ao mito é uma consequência da própria ancestralidade da História Militar, que deita raízes nos relatos históricos mitológicos da antiguidade mais remota. É também resultado da forte carga emocional que envolve os eventos militares. Guerras resultam em ódios profundos e ressentimentos, lidam com a questão da própria sobrevivência da nação ou do grupo social, envolvem as reputações de chefes e instituições militares e, com frequência, implicam na necessidade e justificar ações cruéis ou derrotas.

Em geral, termo "mito" é empregado com sentido pejorativo para se referir às crenças comuns, vistas apenas como histórias de um universo puramente maravilhoso. Mas os mitos são essencialmente narrativas de caráter simbólico, e constituem uma das substâncias das representações coletivas, no sentido dado por Emile Durkheim: “maneiras de agir, pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção” (DUKHEIM, 2007: 3). Para Serge Moscovici, as representações coletivas incluem “ciências, religiões, mitos (grifo meu), espaço, tempo” (MOSCOVICI, 2001: 47). No caso das instituições militares, os mitos têm a fundamental função de estabelecer modelos de comportamento e difundir os valores e tradições que são o sustentáculo emocional para homens em combate, pois, quando o homem está frente a frente com a morte, a pura razão não é suficiente para sustentar seu estado moral. A esse respeito, Keegan afirmou que Moltke “considerava „um dever de piedade e patriotismo‟ não destruir certos depoimentos tradicionais” que pudessem ser usados com um fim inspirador. (KEEGAN, 2000: 23).

Do ponto de vista profissional militar, em função de sua natureza e do seu utilitarismo, a História Militar tem como objetos de estudo: as campanhas e batalhas; a estratégia e a tática; a doutrina militar; a organização e o preparo das forças militares; a liderança militar; a logística; o armamento e a tecnologia aplicada aos equipamentos militares; e a evolução das instituições militares e de suas práticas, valores e tradições. Entretanto, durante a segunda metade do século XX o mundo acadêmico passou, cada vez mais, a dedicar atenção ao estudo das forças armadas em sua relação com as sociedades às quais servem, numa tendência que passou a ser conhecida como Nova História Militar.

4.   UMA NOVA ESCOLA

Após a 2ª Guerra Mundial, surgiu nos EUA uma corrente historiográfica conhecida como Nova História Militar. A gênese dessa nova tendência historiográfica foi marcada pelo clima de confrontação ideológica da guerra fria e pelo mal-estar vivido no país em função da guerra do Vietnã. Os acadêmicos vinculados à nova escola tinham clara inspiração marxista na ideologia e na metodologia de trabalho, além de demonstrarem desprezo pelas instituições militares.

A Nova História Militar sofria clara influência da “Nova História Cultural”, então em voga nas universidades norte-americanas, concentrando suas atenções em temas como poder, ideologia, classe, identidade cultural, raça, gênero etc. Seu principal objeto de estudo eram as relações entre as instituições militares e a sociedade, pois “como instituição, o Exército reflete a cultura nacional e exerce um impacto sobre ela”. “Como instituição, [...] o Exército deve ser considerado, também, como uma força social de tempo de paz” (MATALOFF, 1982: 423-424)
A Nova História Militar dava preferência a temas “de esquerda”, como a composição social das forças e dos quadros de oficiais, o recrutamento e questões culturais, de gênero e de raça nas instituições militares.

Essa tendência pouco “militar” também tinha origem na falta de intimidade da maioria dos historiadores acadêmicos com as experiências militares. Efetivamente, estudar as instituições militares como forças de combate é um grande desafio para pessoas que não conhecem em profundidade suas características organizacionais e culturais bastante peculiares, seu jargão profissional, seus conhecimentos técnicos especializados, nem vivenciaram o tipo de experiências profissionais extremas que tendem à formação de confrarias. Como profundo conhecedor da alma humana, Shakespeare foi capaz de expressar essa união forjada nas armas por meio das palavras do rei Henrique V antes da batalha de Agincourt:

Nós poucos, nós poucos e felizes, nós, bando de irmãos;
Pois quem hoje derramar seu sangue comigo,
Será meu irmão; seja ele o mais vil que for,
Este dia enobrecerá sua condição.
(SHAKESPEARE, 2007: Ato 4, Cena 3)

A esse respeito, em 1975, Jay Luvaas, então professor de História do Allegheny College, confessou com franqueza:

"Muitos historiadores civis e eu me incluo entre eles se ressentem da falta de uma experiência pessoal ou de conhecimentos técnicos para escrever certos detalhes da História militar. Eu posso acompanhar os movimentos das Brigadas e Divisões durante a batalha, porém, como nunca, eu mesmo, tive a oportunidade de empunhar nervosamente uma arma, só posso contar com a ajuda de outros para aquilatar das dimensões psicológicas da batalha". (LUVAAS, 1981: 54).

Embora afetada por certos preconceitos ideológicos, conforme reconheceu Peter Paret, um de seus expoentes (PARET, 1991: 16), a Nova História Militar trouxe grandes aportes metodológicos e de interpretação à história das instituições militares, ampliando o debate sobre temas militares em campos antes pouco explorados, mas fundamentais para a compreensão do desempenho dos exércitos em campanha – como as questões culturais, o recrutamento da tropa e do corpo de oficiais, as questões organizacionais, as tensões internas que refletem as existentes na sociedade na qual foi recrutado etc.

No Brasil, a Nova História Militar apareceu a partir do início da década de 1990, coincidindo com o arrefecimento do confronto ideológico após o fim da guerra fria e dos governos militares. Ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, a nova tendência iniciou uma desmobilização ideológica das tensões criadas nas décadas precedentes, quando as principais correntes historiográficas brasileiras de esquerda dedicaram-se a uma “releitura” da História do Brasil com claras características de propaganda contra as Forças Armadas, vistas como reacionárias e responsáveis pela frustração de seus ideais socialistas. O início da revisão do revisionismo levada a cabo pelos “novos historiadores militares” foi dado por Ricardo Salles, com Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação do Exército, publicado em 1990, no qual contesta a explicação das causas da guerra do Paraguai como uma intervenção imperialista brasileira, incitada pela Inglaterra, contra um suposto modelo de economia autárquico e semi-socialista então vigente no Paraguai. (SALLES, 1990).

Como nas suas versões internacionais, a Nova História Militar brasileira também demonstra clara preferência por temas “politicamente corretos” e não relacionados às operações militares. Sua prioridade tem sido questões como as relações entre as instituições militares e a sociedade, o controle civil das Forças Armadas, o recrutamento de escravos durante a guerra do Paraguai, as questões de gênero e raciais, o homossexualismo nas casernas etc. Embora com essa visão parcial, os historiadores dessa corrente no Brasil têm produzido trabalhos valiosos para a interpretação da evolução das instituições militares brasileiras. Seus principais expoentes são: o já citado Ricardo Sales; Francisco Doratioto, com seu volumoso Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai, que tem sido considerado um trabalho de referência sobre a guerra do Paraguai (DORATIOTO, 2002); Vitor Izecksohn, com O Cerne da Discórdia, sobre as demandas profissionalizantes no Exército Brasileiro surgidas com a guerra do Paraguai (IZECKSOHN, 2002); Celso Castro, que, juntamente com Izecksohn e Hendrik Kraay, organizou o livro Nova História Militar Brasileira (CASTRO; IZECKSOHN; KRAAY, 2004); e Adriana Barreto, com Duque de Caxias: O Homem Por Trás do Monumento, que, embora não tenha a intenção de ser um livro de História Militar, faz uma ampla análise da formação do corpo de oficiais do Exército Português na colônia e do Exército Brasileiro na primeira metade do século XIX, bem como traça o perfil social e familiar que fizeram de Luiz Alves de Lima e Silva um dos principais sustentáculos do Império e da unidade nacional (BARRETO, 2008). Também devem ser citados os brasilianistas Frank McCann, com seu Soldados da Pátria, uma história do Exército Brasileiro da queda da monarquia até as primeiras décadas do século XX (McCANN, 2007) e Peter M. Beattie, com Tributo de Sangue, uma história da adoção do serviço militar obrigatório no Brasil e de todas as transformações institucionais que vieram em consequência ou foram condição para torná-la possível.

A pouca atenção do meio acadêmico brasileiro aos temas ligados à atividade bélica é evidente para os próprios historiadores mais ligados à História Militar no país. Coincidindo com a opinião expressa por Keegan quanto à prevalência da batalha como objeto da história militar, os organizadores do livro Nova História Militar Brasileira reconheceram o descuido da Nova História em relação à atividade essencialmente militar do combate. Eles admitiram que “talvez os historiadores sociais das organizações militares, às vezes fascinados com a vida cotidiana, tenham negligenciado a proposta principal da vida militar: travar a batalha com o inimigo”. (CASTRO; IZECKSOHN; KRAAY, 2004: 28).

5.   A NOVA HISTÓRIA DA BATALHA

Acossada pelas tendências da Nova História Militar, a escola tradicional reagiu com o estudo de batalhas sob uma perspectiva metodológica moderna, inaugurando o que ficou conhecido como uma Nova História da Batalha. O seu foco está na ação dos exércitos em combate, não em suas existências como instituições. Afinal, como já observara Keegan, “a História Militar [...] tem, em última análise, de tratar da batalha. E prossegue: “A história da batalha, ou a história da campanha, merece uma primazia [...] em relação a todos os outros ramos da historiografia militar”. (KEEGAN, 2000: 30-31)

Entretanto, diferente dos relatos de batalha tradicionais, a nova tendência, inaugurada por Keegan, concentra sua atenção nos protagonistas da batalha: os homens, suas mentalidades e seus sentimentos de camaradagem, medo, excitação, ódio, angústia e sofrimento. Grande atenção também é dedicada ao uso das armas e equipamentos, bem como aos efeitos das armas nos ferimentos sofridos pelos homens, e à execução das manobras e suas dificuldades, diante da realidade do terreno e das condições meteorológicas – lama, poeira, frio, calor, terreno acidentados, vegetação e outros fatores que reduzem ações supostamente heróicas a homens atolados, esgotados, dispersos e desorientados no campo de batalha. A obra paradigmática dessa nova tendência é A Face da Batalha, de John Keegan (2000), publicado originalmente em 1976, descrevendo três batalhas em períodos distintos da História Militar, sob o ponto de vista do soldado comum. De uma perspectiva diferente, mas também focando o homem e a batalha, Keegan (1999) publicou A Máscara do Comando, analisando as vidas de quatro líderes militares e seus modelos de liderança em combate.

Outro importante autor dessa corrente é Victor Davis Hanson, com Carnage And Culture – publicado no Brasil com o título de Por Que o Ocidente Venceu (HANSON, 2002) –, no qual descreve as batalhas que marcaram a supremacia militar do Ocidente. De sua autoria, e na mesma tendência são A War Like No Other (HANSON, 2005), sobre a guerra do Peloponeso entre Atenas e Esparta, e The Western Way of War (HANSON, 2009), no qual apresenta a tradição militar grega como raiz da cultura militar ocidental. Também merece ser citada a historiadora britânica Juliet Barker, cujo livro Agincourt (BARKER, 2010) foi recentemente publicado no Brasil. Neste trabalho, a autora descreve os antecedentes políticos e militares e a própria batalha de Agincourt, travada em 1415, entre o exército do rei Henrique V, da Inglaterra, e o exército liderado pela nobreza da França. Seu estudo apresenta o intrincado jogo político e social por trás das disputas entre a nobreza medieval europeia, bem como a organização dos exércitos medievais e suas imbricações com as relações de suserania e vassalagem e as obrigações militares decorrentes.

Embora não se enquadre completamente no que se convencionou chamar de Nova História da Batalha, convém citar o trabalho inovador de Cecil Woodham Smith em A Carga da Brigada Ligeira: Anatomia de um Desastre, publicado originalmente em 1953. Nesse estudo da tragédia militar britânica na batalha de Balaclava, ocorrida durante a guerra da Crimeia em 1854, a autora realiza uma profunda análise sociológica da nobreza e da oficialidade britânica, apontando como causas do desastre o anacrônico sistema de compra de postos militares e comissões de comando vigente nas forças armadas britânicas, bem como as disputas pessoais por questões familiares e de ascendência social, que afetavam diretamente a cadeia de comando do exército inglês.

7. CONCLUSÕES

O fato que fica evidenciado neste trabalho é que existe efetivamente um conflito de concepções entre os historiadores acadêmicos e os historiadores militares tradicionais sobre o significado da História e suas funções. Embora a História Militar tenha um amplo espectro de interesses, seu escopo é limitado. A ação bélica é o seu tema central, ou não seria uma história verdadeiramente militar. A “Nova História”, por sua vez, pretende ser uma “História Total”, que rejeita a divisão em histórias parciais: política, diplomática, econômica, militar, religiosa etc. Do ponto de vista militar, a principal função da História Militar é didática, voltada para a formação de oficiais e soldados. Do ponto de vista acadêmico, por outro lado, a História Militar é uma ferramenta para compreender as instituições militares como forças sociais de tempo de paz ou de guerra.

Deve-se reconhecer, entretanto, que a “Nova História Militar” trouxe aportes metodológicos importantes e ampliou o campo de pesquisa e a produção científica. Questões como o recrutamento, as origens sociais das tropas, a composição dos quadros de oficiais e a compreensão de suas mentalidades são fundamentais para uma história das instituições militares e avaliação de seu desempenho em combate. Neste sentido, a história crítica proposta pela corrente da Nova História é uma necessidade para a evolução das forças militares. A crítica, entretanto, depende de uma perfeita compreensão dos fatos, como proposto pela tradicional história descritiva. Neste sentido, a História Militar tradicional e a Nova História Militar são tão complementares como o côncavo e o convexo.

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FONTE: PEDROSA, Fernando Velôzo Gomes. A história militar tradicional e a "nova história militar". Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH, São Paulo, julho de 2011.