Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

domingo, 18 de junho de 2017

O que é o Fascismo?

Tornou-se recorrente nos últimos anos fazer uso da palavra fascista para designar determinadas pessoas que adotam posturas conservadoras, preconceituosas, fundamentalistas e severas sobre os mais diversos tipos de assuntos. Porém, muitas pessoas quando fazem uso dessa palavra para se referir a algum desafeto, em geral a usa mas no sentido de xingamento do que de adjetivação. Da mesma forma que chamar alguém de comunista pode soar para alguns como uma ofensa. E pensar de que ainda hoje o comunismo seja mal compreendido pelo senso comum, o fascismo também caiu nessa problemática. 

O cientista político James Gregor (2005, 2009) comenta que o termo fascista desde a década de 1940, pelo menos, é mal compreendido, e após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) tornou-se até mesmo um conceito vago e genérico. Os liberais e conservadores chegaram a chamar os soviéticos de fascistas, mas os soviéticos acusavam os liberais e conservadores de serem fascistas. Nota-se aqui um grande confusão, além do fato, que durante a década de 1920 e 1930, economistas americanos, britânicos, franceses, etc., chegaram a elogiar as medidas e reformas fascistas. Não obstante, Gregor comenta que os movimentos neofascistas não se assemelham totalmente ao fascismo original italiano. Logo, é preciso ter cuidado em querer rotular o Fascismo original como de esquerda ou de direita, com base em atitudes neofascistas surgidas principalmente a partir da década de 1970, ou em determinadas características compartilhadas por ditaduras comunistas do século XX. 

A proposta desse texto é contar um pouco sobre a origem do Fascismo, quais foram suas pretensões de governo, o que era ser fascista naquele contexto, para assim chegar a fase atual, como o fascismo ficou malvisto na História. E o que de fato torna alguém fascista. Não foi de minha proposta adentrar em maiores detalhes históricos sobre a ascensão e queda do fascismo italiano, ou comentar sobre o fascismo alemão e de outros países, pois isso demandaria a escrita de um livro. 

Benito Mussolini: o fundador 

Irrevogavelmente falar sobre o Fascismo se faz necessário citar Benito Almicare Andrea Mussolini (1883-1945), idealizador e fundador do Partido Nacional Fascista. Já li em alguns blogs e até livros autores alegando que o fascismo surgiu ainda no final do XIX, oriundo da crise do marxismo. Há um problema nisso. O fascismo com todo o seu ideário como movimento revolucionário, partido e ditadura, começa com Mussolini e seus seguidores, dizer que ele veio antes deles é complicado, pois é como dizer que o marxismo veio antes de Marx, já que o próprio Marx se baseava em postulados de filósofos socialistas do XVIII. Neste caso, algumas posições ideológicas defendidas pelos fascistas remontam ao XIX, mas não significa dizer que ele surgiu naquela época. 

Mussolini era oriundo de uma família humilde de Predappio, uma comuna da região de Emília-Romanha, no norte do país. Seu pai Alessandro era ferreiro e sua mãe Rosa, era professora. Alessandro Mussolini era conhecido por ser um grande simpatizante e admirador da ideologia socialista, e até de alguns anarquistas. Desde cedo influenciou o pequeno Benito a ideologia de esquerda. Ainda assim, Benito não foi uma criança que manteve boa relação com o pai, conhecido por ser indisciplinado, o jovem Benito foi expulso de duas escolas. Na adolescência continuou a se interessar por política, cada vez mais se engajando na militância socialista de seu país, vindo a se filiar ao Partido Socialista Italiano. Concluiu os estudos em 1901, qualificando para ser professor primário. Nessa mesma época que completava seus 18 anos, isso o obrigava a ter que prestar serviço militar obrigatório, porém, para evitar o exército, fugiu do país, indo se refugiar ilegalmente na Suíça, em 1902. (1940 A 1941, 2009, p. 44).

Na Suíça exerceu diferentes ofícios, sem conseguir um emprego regular. Aproveitou também para se engajar em causas sindicais, passando a ler a respeito do socialismo, marxismo e do sindicalismo. Apoiou movimentos grevistas e protestos públicos. Foi preso em 1903, por incentivar uma greve violenta. No mesmo ano foi deportado. 

Fotos de Benito Mussolini, em junho de 1903, quando foi preso pela polícia suíça.
 
Mussolini ainda manteria uma vida instável nos anos seguintes. Voltou para a Suíça em 1904, até ser descoberto e deportado novamente. Com isso, de volta à Itália, cansado de tentar escapar do serviço militar, ele decidiu ingressar no Exército de vez. Em 1908, conseguiu emprego num jornal de Trento, cidade que na época estava sob domínio do Império Austro-Húngaro. Deu início a carreira de jornalista, editor e escritor. Ficou conhecido por escrever artigos e matérias de cunho socialista, marxista, anticlerical, nacionalista, etc. para diversos jornais, alguns dos quais editados e publicados por ele mesmo. 

Defendia um governo nacionalista e autoritário, um Estado interventor na economia; tentava promover mudanças sindicais, implantar teorias marxistas e socialistas. Todavia, seu radicalismo na forma como escrevia e criticava, o tornou de certa forma notório, apesar de que muitos o enxergavam como um jornalista de esquerda exaltado. 

Quando a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) eclodiu, Mussolini foi um ávido crítico, escrevendo ferrenhamente em protesto a decisão das Grande Potências em terem iniciado tal conflito. Porém, após a Itália ter entrado na guerra em 1915, pouco tempo depois, Mussolini mudou de opinião, passando a apoiar o conflito, isso o levou a entrar em desentendimento com o posicionamento do Partido Socialista Italiano, que em grande parte não era a favor da guerra. Os desentendimentos se agravaram e Mussolini foi expulso do partido ainda naquele ano. 

Em 1916 ele decidiu se alistar voluntariamente na guerra, permanecendo alguns meses, quando foi gravemente ferido em meados de 1917, tendo que abandonar o conflito. Retomando sua vida civil, retornou suas atividades no jornal, escrevendo a respeito de sua participação no campo de batalha, as ideias que ali ouviu, o sentimento nacionalista e imperialista. A partir desse ponto, Mussolini começou a unir seus amigos, simpatizantes e admiradores, que viriam a cooperar no surgimento do partido fascista. Nesse período também ocorreu sua desilusão com a esquerda. Mussolini começou a abandonar as ideias socialistas e marxistas, desenvolvendo ódio por estas, então cogitou criar seus próprios ideais políticos. 

O Fascismo: 

Falar sobre o Fascismo é partir da ideia de que esse movimento político e sua ideologia mudaram ao longo dos anos. O Fascismo de 1919 não era o mesmo de 1922 ou de 1940. Mussolini com o passar dos anos foi mudando a forma de pensar e agir de seu partido, tornando-o cada vez mais ditatorial. Uma vez Abraham Lincoln disse que: "se quiser pôr a prova o caráter de um homem dê-lhe poder". Essa frase é bastante aplicável a Mussolini, embora não seja minha proposta narrar a trajetória de sua carreira política, ainda assim, veremos em alguns momentos como o seu discurso fascista foi se alterando. 

Para entender o contexto histórico no qual o Fascismo surgiu, é preciso levar em consideração os seguintes pontos que revelam crises pelas quais o Estado italiano e seu povo, vivenciavam na década de 1910 e 1920. 
  • Impopularidade do governo: a Itália naquela época era uma monarquia frágil, com um rei impopular. Movimentos republicanos tentavam derrubar o poder. 
  • Ideologias partidárias: o país estava povoado por movimentos sindicais e trabalhistas, partidos nacionalistas, socialistas, anarquistas, marxistas, democráticos, conservadores, trabalhistas, etc. 
  • Conscientização da classe trabalhadora: os trabalhadores rurais e urbanos da Itália estavam razoavelmente inseridos nos debates trabalhistas e sindicais comuns na época: luta por direitos trabalhistas, sindicatos, combate a exploração do trabalho, luta de classes, etc. 
  • Crise econômica: apesar da Itália ter lutado em três dos quatro anos da guerra, os custos do conflito pesaram aos cofres públicos. Em 1920 havia pelo menos 500 mil desempregados. Os camponeses que ainda eram a maioria estavam passando problemas financeiros. Em alguns lugares do país, havia escassez de alimento.
  • Fracasso militar: a campanha italiana na Primeira Guerra foi sofrível e bastante criticada na época. Em alguns lugares as pessoas brigavam no meio da rua com os soldados, acusando-os de covardia e fraqueza. 
  • Anseios revolucionários: a Itália vivenciava desde sua unificação na década de 1860, período chamado de Risorgimento (Ressurgimento), anseios revolucionários constantes, em dados momentos mais exaltados e outros menos latentes. A década de 1910 vivenciou o retorno de tais anseios. O próprio Fascismo se apresentava como um movimento de caráter revolucionário. 
  • Descontentamento coletivo: os partidos da época aproveitavam para tentar conquistar a população descontente com os problemas que o país vivenciava. Apresentavam propostas bastante atrativas, além de incentivarem tendências nacionalistas, sindicalistas e corporativas como forma de alegar a defesa da unificação do povo para combater os problemas que a nação vivenciava. 
a) Fase inicial: 1914-1919

Após o retorno de Mussolini a frente de seu jornal o Il Popolo d'Italia (O Povo da Itália), Mussolini aproveitou seus antigos contatos e os que fez durante o serviço militar para começar a arregimentar apoio para a criação de um grupo pró-revolucionário de caráter nacionalista, trabalhador e social. Esse grupo começou a se reunir nos regimentos de combate do Exército, chamados popularmente de fascios, termo de onde se originou a palavra fascista, além de ser uma alusão ao fasces lictoris, instrumento de origem etrusca, formado por feixes de bétula e unido a uma lâmina de machado. Tal instrumento mais simbólico do que funcional, foi adotado pelos romanos, representando um símbolo de poder e autoridade. Duas características compartilhadas pelos fascistas. 

Segundo Mussolini, a ideia original para a criação dos fascis ainda teria começado em 1914, com o manifesto Fascio rivoluzionario d'azione internazionalista (Fascio revolucionário de ação internacionalista). Tendo começado como um pequeno grupo de militantes pró-revolucionários descontentes com o caminho que a esquerda estava tomando. Isso é um tanto curioso. Se o Fascismo foi uma ditadura de direita, no início ele era um movimento de esquerda. De acordo com o manifesto publicado em 5 de maio de 1914, escrito pelo próprio Mussolini, o Fascio se apresentava como defensor dos interesses trabalhistas e populares, frente ao avanço do grande capital e da burguesia. No manifesto Mussolini também criticava a guerra que estava por estourar (oficialmente a guerra começou em 28 de julho, mas meses antes, já havia mobilização dos exércitos), criticava o imperialismo burguês-capitalista, e tentava promover a unificação da classe operária, quase que aos moldes do manifesto comunista de Marx e EngelsNota-se aqui claramente um posicionamento marxista-socialista. De fato, Mussolini naquela época ainda não havia abandonado todo seu legado socialista, mas isso mudaria durante a guerra. 

Todavia, a história do movimento que viria a se tornar partido, somente começou a ganhar corpo propriamente falando, em 1918. Nessa época, Mussolini havia conquistado colaboradores importantes provenientes do Partido Nacionalista e do Partido Futurista, ao mesmo tempo em que se desentendia com o Partido Socialista, de onde veio a ser expulso. Não obstante, o fato de Mussolini ter se voluntariado para a guerra, também mudou sua percepção sobre o papel dessa e sobre o que o fascismo deveria se tornar. 

O Partido Nacionalista se formou a partir da Associação Nacionalista Italiana, surgida 1910. Um grupo formado por monarquistas e republicanos que defendiam a restauração da Itália como uma potência internacional. Prezavam por um governo forte e eficiente. Com o advento da Grande Guerra, os nacionalistas passaram a apoiar causas imperialistas e neocolonialistas, defendendo a invasão de outros países europeus e africanos para a criação de colônias. Por sua vez, o Partido Futurista foi fundado em 1918, apesar de existir como movimento anos antes. Defendia um posicionamento sindicalista-revolucionário, mas preocupado com questões associadas ao trabalho, a economia e a sociedade. Apoiavam reformas trabalhistas, lutavam por uma Itália republicana (apesar de que alguns defendiam a monarquia), reformas constitucionais; defendiam a laicização do Estado e a diminuição da influência da Igreja na cultura e na sociedade. (PARIS, 1972, p. 27-30, 48-52). 

Ambos os partidos influenciaram bastante Mussolini, inclusive ele foi solidário a causa de ambos, ao ponto de haver membros nacionalistas e futuristas que faziam parte do movimento fascista e vice-versa, cooperando em protestos, greves, atentados terroristas, etc. Não obstante, nessa época Mussolini já havia abandonado relações com os socialistas, tornando-se seu opositor e caminhando cada vez mais para a ideologia de direita

A partir de 1919, Benito Mussolini decidiu formalizar o fascismo. Em nota publicada no jornal Il Popolo d'Italia, em data de 2 de março, Mussolini convidava leitores, simpatizantes, amigos, curiosos, etc. para participar da primeira reunião do movimento fascista, pois o plano era legaliza-lo como partido. Apesar da propaganda, pouquíssimas pessoas compareceram, entre os quais Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), fundador do Partido Político Futurista, um dos principais colaboradores de Mussolini naquele tempo. A reunião ocorreu em 23 de abril, numa sala na praça do San Sepolcro, em Milão. Ali o movimento passava-se a se chamar Fasci di combattimento

Ao lado de Mussolini tornaram-se dirigentes do movimento (o partido ainda não havia sido reconhecido), Filippo Marinetti, Ferruccio Vecchi, Mario Giampaoli e Cesare Rossi, a maioria oriundo do partido futurista, e até mesmo de alas descontentadas com o socialismo e o marxismo. A partir de maio começou a se realizar reuniões com os membros dirigentes para organizar o manifesto do movimento, o qual foi lançado em 6 de julho de 1919. Leiamos o que foi dito, com base na tradução do livro As origens do Fascismo (1972): 


Programa dos Fasci Italiani di Combatimento (06/07/1919)

Italianos!

Eis o programa nacional de um movimento sadiamente italiano. Revolucionário, porque antidogmático e antidemagógico; poderosamente inovador porque desprovido de apriorismos. Colocamos acima de tudo e de todos a valorização da guerra revolucionária. 

Os outros problemas: burocracia, administração, direito, escolas, colônias, etc. nós os esboçaremos quando tivermos criado a classe dirigente. 

É por isso que QUEREMOS:

Para o problema político:
  • Sufrágio universal com escrutínio de lista regional e representação proporcional, direito de voto e elegibilidade para as mulheres.
  • Redução do limite de idade - dezoito anos - para os eleitores, e vinte e cinco para os Deputados. 
  • Abolição do Senado.
  • Convocação para um período de três anos, de uma Assembleia Nacional que deverá, como tarefa essencial, estabelecer a forma de constituição do Estado. 
  • Formação de Conselhos nacionais técnicos do trabalho, da indústria, dos transportes, da higiene social, das comunicações, etc. eleitos pelas coletividades profissionais ou de ofício, com poderes legislativos e o direito de eleger um Comissário-Geral com poderes de Ministro. 
Para o problema social: 

QUEREMOS:
  • Promulgação rápida de uma Lei que sancione, para todos os trabalhadores, a jornada legal de oito horas de trabalho.
  • Salário-mínimo.
  • A participação dos representantes dos trabalhadores no funcionamento técnico da indústria.
  • A concessão, para as próprias organizações proletárias (contanto que elas sejam dignas moral e tecnicamente), na administração de indústrias ou de serviços públicos. 
  • A organização rápida e completa dos ferroviários e de todas as indústrias dos transportes. 
  • Uma modificação necessária do projeto de lei de segurança por invalidez ou velhice, que diminua o limite de idade de 65 anos para 55 anos. 
Para o problema militar: 

QUEREMOS
  • Instituição de uma Milícia Nacional, com breves períodos de instrução e um objetivo exclusivamente defensivo. 
  • Nacionalização de todas as indústrias de armamentos e de explosivos. 
  • Política exterior nacional que valorize, nas competições pacíficas da civilização, a nação italiana no mundo. 
Para o problema financeiro:

QUEREMOS
  • Um grande imposto extraordinário de caráter progressivo sobre o capital, que represente uma autêntica EXPROPRIAÇÃO PARCIAL de todas as riquezas. 
  • A confissão de todos os bens das Congregações religiosas e a supressão de todos os rendimentos episcopais, que constituem um déficit enorme para a Nação, e um privilégio para uma minoria. 
  • A revisão de todos os contratos de provisões de guerra e o confisco de 85% dos benefícios de guerra. 
***

Embora seja breve o programa, nota-se a primeira vista, valores ainda de caráter sindical-trabalhista que remontam a época de Mussolini como militante socialista, além do fato de vermos também posicionamentos ideológicos dos futuristas, como a defesa de reformas políticas relacionadas a organização do Poder Executivo, o sufrágio universal e até mesmo a taxação da Igreja. Todavia, é válido salientar que as propostas trabalhistas como regulamentação do salário mínimo, jornada diária de 8 horas semanais, aposentadoria, assim como, o sufrágio feminino, eram direitos requisitados desde o século XIX pelo socialismo, comunismo, anarquismo, socialdemocracia, socialismo cristão, liberalismo, fabianismo, etc. Sem contar que o feminismo começava nessa época com o movimento sufragista. Mas além desses partidos de esquerda, centro-esquerda e direita, a própria Igreja Católica também havia aderido a causa trabalhista com a publicação da encíclica Rerum Novarum (1891) do papa Leão XIII.

A encíclica Rerum Novarum consiste num documento importante para entender o contexto no qual o Fascismo se encontrava inserido. Por um lado o papa Leão XIII criticava a luta de classes defendida pelos marxistas e anarquistas, era contrário ao fim da propriedade privada e da coletivização da mesma, algo defendido pelos socialistas e comunistas. O papa também criticava a tendência revolucionária dos socialistas, anarquistas e comunistas considerando demasiadamente exaltados e desordeiros. Além de acusar o socialismo e comunismo de serem ideologias fracassadas, corruptas e que levariam a miséria. 

Mas as críticas não recaíram apenas aos partidos de esquerda, os de direita também foram alvo. Leão XIII criticou o liberalismo e o conservadorismo por não darem devida atenção a condição humana, permitindo que os trabalhadores fossem oprimidos pelo capitalismo, sendo explorados e maltratados, e isso gerava pobreza e revolta, abrindo caminho para ideias anticapitalistas. A proposta defendida pelo papa levou ao surgimento da socialdemocracia e do socialismo cristão, ideologias de centro-esquerda que não aboliam a propriedade privada, não eram anticapitalistas, não eram revolucionárias ou defendiam a luta de classes, etc. mas defendiam os direitos trabalhistas, intervenção do Estado para gerir a economia, além de oferecer serviços públicos e dignidade de vida. No caso do Fascismo, ele entre 1914 e 1919, poderia ser considerado de "centro-esquerda" também, pois compactuava com as ideias do papa Leão XIII, algo que voltarei a comentar mais a frente. Apesar que essa nomenclatura seja problemática, pois na época, não havia uma divisão clara entre esquerda, centro e direita, por isso de citar entre aspas, já que seria anacronismo tal comentário meu. 

De qualquer forma, após a publicação do programa em julho, Mussolini e as demais lideranças se mobilizaram para arregimentar membros. O primeiro congresso ocorreu entre 9 e 10 de outubro em Florença, contando com poucas participações. Em novembro daquele ano, ocorreram eleições para deputados. Mussolini candidatou-se a deputado por Milão, porém, não foi eleito. Os candidatos socialistas receberam 170 mil votos, enquanto os candidatos fascistas que incluíam Mussolini, Armando Mazza, Toscanini e Marinetti, receberam apenas 4.795 votos. (PARIS, 1972, p. 69). 

A derrota dos fascistas incomodou tanto, que dois dias depois, uma bomba foi explodida na cidade. O atentado foi realizado por partidários fascistas descontentes com o resultado das eleições. Mussolini chegou a ser preso por poucas horas, sendo suspeito de ter ordenado a explosão da bomba, apesar de ter sido liberado após pagar fiança. 

Sobre o ocorrido em 1919, Mussolini vários anos depois escreveu o seguinte no artigo intitulado A Doutrina do Fascismo (1932), obra a qual cito em outros momentos neste estudo. 

"Quando a Guerra acabou em 1919, o Socialismo como doutrina já havia morrido; ele continuo existir apenas como um grunhido, especialmente na Itália, onde sua única chance residia na incitação de represálias contra os homens que haviam querido a guerra e que estavam para ser obrigados a pagar por ela. O Popoli d’Italia se descrevia, na sua legenda, como o órgão diário dos combatentes e produtores. A palavra produtor já era a expressão de uma tendência mental. O Fascismo não era alimentado por uma doutrina previamente escrita em uma mesa; mas nasceu da necessidade de ação, era a ação, não era um partido, mas nos primeiros dois anos, um anti-partido e um movimento. O nome que eu dei à organização fixou o seu caráter. Ainda, se alguém ainda se importar em ler as agora amassadas folhas de papel daqueles dias, que descrevem os encontro em que o Fasci di Combattimento italiano foi fundado, ele achará não uma doutrina, mas uma série de anotações, previsões, dicas que, quando libertadas da inevitável matriz de contingências, eram pra se desenvolver, dentro de alguns anos, numa série de posições doutrinárias que autorizariam o Fascismo a se tornar uma doutrina política diferente de todas as outras, passadas ou presentes". (MUSSOLINI, 2012). 

Percebe-se que o fascismo surgiu pela frustração de Mussolini e seus aliados quanto ao resultado da Grande Guerra, mas sobretudo, o rumo que a Itália vinha tomando. Nesse ponto, Mussolini começou a agregar para seu lado, militares, agricultores, operários, funcionários liberais, frustrados com tais assuntos, e ansiosos para iniciar uma ação de caráter revolucionária, mesmo que fosse por via violenta. Sobre isso, Umberto Eco comentou:

"O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório". (ECO, 2018, p. 39). 

b) Fase de ascensão: 1920-1922

Se 1919 não foi um dos melhores anos, pois os fascistas foram reprovados nas eleições municipais, além de terem poucos adeptos e interessados, ainda assim Mussolini e os demais dirigentes decidiram agir, nem que fosse necessário tomar medidas mais severas. Ao longo do ano de 1920 os fascistas participaram de importantes greves e congressos sindicais que ocorreram no país, como forma de promover o próprio partido e ganhar mais adeptos. Ao se infiltrarem nesses movimentos sindicais que anos depois seriam abolidos pelos próprios fascistas, naquele momento, tais movimentos e grupos eram úteis para que eles disseminassem suas ideias e ganhassem visibilidade. 

Em 1920 também ocorreu a ocupação de Fiume, cidade croata que foi ocupada pelo poeta e militante intervencionista e nacionalista Gabriele d'Annunzio (1863-1938). A ocupação da cidade gerou sérias controvérsias entre o Império Austro-Húngaro e o Reino da Itália, pois os austro-húngaros reivindicavam o controle de Fiume, e Annunzio o oferecia a Itália, porém, o governo italiano não aceitou a proposta de Annunzio e o declarou golpista e traidor. Com isso Annunzio proclamou a independência da cidade. De pretensões nacionalistas e socialistas radicais, Annunzio instaurou o modelo de corporativismo, algo que interessou bastante Mussolini, sem contar que ele mesmo teria se inspirado na atitude golpista de Gabriele d'Annunzio, para executar seu próprio golpe de Estado, anos depois. (PARIS, 1972, p. 70-72). 

A participação fascista nas greves, manifestações e congressos sindicalistas no ano de 1920 e 1921, resultaram em êxito para o partido. Em 1921 os Fasci Italiani di Combatimento se tornaram o Partido Nacional Fascista (Partito Nacionale Fascista). No dia 15 de maio ocorreram eleições para deputado, Mussolini se candidatou novamente e dessa vez foi eleito. Ao todo 35 deputados fascistas foram eleitos. No dia 21 de junho, já empossado deputado ele realizou seu primeiro discurso na Câmara, apresentando-se como defensor de um movimento revolucionário que propunha-se pôr nova ordem na casa. Nesse momento, Mussolini já se mostrava cada vez mais distanciado do socialismo, e via que apesar de defender os interesses trabalhistas, era necessário se unir aos interesses burgueses também para o partido ter êxito. 

“Los fasci de combate nascieron, inmediatamente después de la guerra, com el caráter pequeno burgués de las diversas asciaciones de veteranos surgidas em aquel momento. Por su caráter de decida opocisión al movimento socialista, en parte herancia de las luchas entre el partido socialista y las asociaciones de intervencionistas em el período de la guerra, los fasci obtuvieram el apoyo de los capitalistas y las autoridares. Su afirmación, coincidiendo com la nesecidad de los grandes agricultores de establecer uma guardia blanca contra la cresciete fuerza de las organizaciones obreras, permitió al sistema de bandas creadas y armadas por los latifundistas adoptas la misma etiqueta de los fasci, a la qual confirieran a medida que se desarrollaban misma característica de guardiã blanca del capitalismo contra los órganos de clase del proletariado”. (GRAMSCI, 1979, p. 89). 

No final do ano de 1921, os fascistas publicaram no jornal Il Popolo d'Italia, o programa de seu partido. Vejamos do que tratava o programa. 

Programa do Partido Nacional Fascista (27/12/1921)

Fundamentos

O fascismo constituiu-se em Partido político para reforçar sua disciplina e precisar seu "credo". A nação não é a simples soma dos indivíduos vivos nem o instrumento dos objetivos partidários, mas um organismo que compreende a série indefinida das gerações cujos indivíduos são elementos passageiros: é a síntese suprema de todos os valores materiais e espirituais da raça.

O Estado é a encarnação jurídica da Nação.

As instituições políticas são formas eficazes com valores nacionais, que vai encontrar expressão e proteção. Os valores individuais autônomos e os comuns à maioria dos indivíduos, expresso em coletivos povo organizado (famílias, municípios, empresas, etc.), devem ser promovidos, desenvolvido e defendido, novamente como parte da nação a que estão subordinados.

O Partido Nacional Fascista afirma que, no presente momento histórico a forma dominante de organização social no mundo é a Sociedade Nacional, e da lei essencial da vida no mundo não é a unificação das várias empresas em uma grande empresa: "A humanidade" como é tida na teoria do direito internacional, mas fecunda e desejável, competição pacífica entre as várias Sociedades Nacionais.

O Estado

O Estado deve ser reduzido às suas funções essenciais da ordem jurídica e política.

O Estado deve investir em capacidade e responsabilidade, associações também dando corporações profissionais e econômicas, à direita do eleitorado para o corpo dos conselhos Técnico Nacional.

Consequentemente, eles devem ser limitados aos poderes e as funções atualmente atribuídas ao Parlamento.

A competência dos problemas Parlamento que afetam o indivíduo como um cidadão do estado, e do Estado como órgão de criação e proteção dos interesses nacionais supremos; a competência dos problemas aos Conselhos Nacionais técnicos, que se relacionam com as várias formas de atividade dos particulares na sua qualidade de produtores.

O Estado é soberano, e que a soberania não pode e não deve ser afetada ou diminuída pela Igreja, para a qual devemos garantir a maior liberdade no exercício do seu ministério espiritual.

O Partido Nacional Fascista subordinar a sua atitude em face das formas de instituições políticas individuais, os interesses morais e materiais da nação entendida em sua realidade e em seu desenvolvimento histórico.

As Corporações

O fascismo não pode contestar o fato histórico do desenvolvimento das empresas, mas quer coordenar este desenvolvimento que satisfaçam os requisitos nacionais.

As corporações devem ser promovidas de acordo com dois objetivos fundamentais, ou seja, como uma expressão da solidariedade nacional e como um meio de desenvolvimento da produção.

As corporações não devem tentar afogar o indivíduo na sociedade, através de nivelar arbitrariamente as habilidades e pontos fortes do indivíduo, mas sim para melhorar e desenvolvê-las. O Partido Nacional Fascista visa abalar os seguintes postulados em favor das classes trabalhadoras e clerical:
  • A promulgação de uma lei estadual que consagra para todos os assalariados a jornada 'legal' de oito horas diárias, com as possíveis exceções recomendados pelas necessidades agrícolas ou industriais.
  • A legislação social atualizada para as necessidades de hoje, especialmente no que diz respeito a lesões, a deficiência e a idade de ambos os trabalhadores agrícolas e industriais ou administrativos, a menos que não haja a produção de compotas.
  • Um representante dos empregados na operação de cada indústria, limitada em termos de pessoal.
  • A adjudicação da gestão de indústrias ou serviços públicos aos sindicatos que são moralmente digno e tecnicamente preparado.
  • A difusão de pequenas propriedades naquelas áreas e para aquelas culturas que produtivamente o permitam. 
Princípios de política interior

O Partido Nacional Fascista pretende conferir uma dignidade absoluta aos costumes políticos, a fim de que a moral pública e a moral privada não mais se mostrem em contradição na vida da Nação.

Aspira à honra suprema do Governo do País; a restauração do conceito ético que os governos devem administrar assuntos públicos já não nos interesses de partidos políticos e patrocínio, mas no interesse supremo da nação.

Ele deve ser restaurado o prestígio do Estado-nação, e que o Estado não ajudar indiferente ao surto e o excessivo poder das forças que minam ou não ameaçam materialmente e espiritualmente enfraquecido a equipe, mas é zeloso guardião e defensor e promotor da tradição nacional, o sentimento nacional, a vontade nacional.

A liberdade do cidadão tem um duplo limite: na liberdade das outras pessoas coletivas e o direito soberano da nação para viver e se desenvolver.

O Estado deve promover o desenvolvimento da nação, não monopolizar, mas através da promoção de cada obra, destina-se ao progresso ético, intelectual, religioso, artístico, legal, social, econômico, fisiológico da comunidade nacional.

Princípios de política exterior

A Itália reafirma o direito a sua unidade histórica e geográfica por completo, mesmo quando ainda não é alcançado; cumprir a sua função como um baluarte da civilização latina, no Mediterrâneo; membros sob diferentes nacionalidades anexas à Itália e equilíbrio estável ao império da sua lei; dar uma boa proteção aos italianos no exterior, que deve ser dado o direito de representação política.

O fascismo não acredita que a vitalidade e os princípios subjacentes a chamada Liga das Nações, uma vez que nem todos os países estão representados, e aqueles que não são encontrados lá em pé de igualdade.

O fascismo não acredita que a vitalidade e a eficiência da Internacional Comunista, porque essa é uma construção artificial e formalista que recolhe pouco indivíduos minoritários ou menos convencidos, pela comparação das grandes massas de pessoas que estão vivendo, progredindo ou regredindo, eles acabam de se mudar para determinar os interesses diante do qual todas as construções internacionalistas estão destinados a cair, como apontam os recentes documentos da experiência histórica.

A expansão do comércio e influência política dos tratados internacionais deve tender a uma maior propagação no mundo.

Os tratados internacionais devem ser revistos e editados nas partes que são inaplicável revelar e, em seguida, ajustado para as necessidades nacionais e globais da economia.

O Estado deve valorizar as colônias italianas nas instituições do Mediterrâneo e no exterior com comunicações econômicas, culturais e rápidas.

O Partido Nacional Fascista é a favor de uma política de relações de amizade com todos os povos do Oriente próximo e distante. 

A defesa e o desenvolvimento da Itália no exterior deve ser confiada a um Exército e uma adequada Marinha para as necessidades da sua política e a eficiência de outros países e órgãos diplomáticos, incluindo a sua função e cultivo da mente, de forma a expressar o símbolo da substância da grandeza da Itália na frente do mundo.

Marcos para a política financeira e de reconstrução econômica do país

O Partido Nacional Fascista vai agir:
  • Porque é sancionada responsabilização pública externa das pessoas físicas e jurídicas, em casos de inadimplência de acordos de trabalho, celebrados livremente.
  • Porque é estabelecida e regulamentada a responsabilidade civil das pessoas nas administrações públicas e administradores por sua negligência em qualquer comparação dos danos.
  • Porque a publicidade é imposta sobre o lucro tributável e o estabelecimento dos sucessores valores, a fim de tornar possível um controle sobre as obrigações financeiras de todos os cidadãos para o Estado.
  • Porque qualquer intervenção do Estado, se é absolutamente necessário para proteger certos ramos da indústria agrícola e fabricação da perigosa concorrência estrangeira, é suscetível de estimular as energias produtivas do país, não para assegurar uma exploração parasitária da economia nacional por grupos plutocráticos.
Objetivos imediatos do Partido Nacional Fascista
  1. A consolidação dos orçamentos estaduais e entidades públicas locais, incluindo através de economias rígidas em todos os organismos parasitários ou pletóricos, e despesas não estritamente necessárias para o bem dos indivíduos ou necessidade geral.
  2. A descentralização administrativa para agilizar serviços e facilitar a evacuação da burocracia, mantendo a oposição, e rompendo todo o regionalismo político.
  3. A proteção rigorosa do dinheiro dos contribuintes, eliminando qualquer benefício ou favor, pelo Estado ou outras entidades públicas, em consórcios, cooperativas, indústrias, patrocínio e similares, incapaz de via adequada e não essencial para a Nação.
  4. A simplificação do organismo tributário e a distribuição de impostos de acordo com um critério de proporcionalidade, sem partidarismo a favor ou contra este ou aquela categoria de cidadãos, e não de acordo com os conceitos de progressividade despojada.
  5. A oposição à demagogia financeira e fiscal que desencoraja iniciativas ou fontes improdutivas de poupança e produção doméstica. 
  6. A cessação da política de obras públicas, concedida por razões eleitorais e também por supostas razões de ordem pública, ou pelo menos não lucrativa por sua distribuição muito irregular e fragmentada.
  7. O estabelecimento de um plano abrangente de obras públicas, sob as novas necessidades econômicas, técnicas, militares da Nação. Um plano que propõe principalmente: completar e reorganizar a rede ferroviária italiana, que reúne as melhores regiões resgatadas nas linhas da península e comunicações internas da mesma península, especialmente aquelas longitudinais do sul ao norte, através dos Apeninos; acelerar na medida do possível, a eletrificação de ferrovias e, em geral, a exploração da energia hidrelétrica, organizando as bacias montanhesas também em favor da indústria e da agricultura; corrigir e estender a rede de estradas, especialmente no sul, onde consiste numa necessidade urgente para resolver muitos problemas econômicos e sociais; estabelecer e fortalecer comunicações marítimas com o continente de um lado e as ilhas do Adriático e da costa oriental e nossas colônias mediterrânicas, por outro, e entre o norte e o sul da própria península, tanto como uma ajuda para a rede ferroviária, tanto para encorajar italianos à navegação; concentrar gastos e esforços em alguns portos dos três mares, fornecendo-lhes todas as ferramentas modernas; a lutar e resistir contra o particularismo local que, especialmente no campo das obras públicas, é responsável pela dispersão de esforços e um obstáculo para as grandes obras de interesse nacional.
  8. Retornando a indústria privada das empresas industriais as quais a administração do Estado revelou-se inadequada: especialmente a de telefonia e ferroviária (de estímulo à competição entre as grandes linhas e distinguir essas, das linhas essenciais locais, com diferentes métodos).
  9. A renúncia ao monopólio dos Correios e Telégrafos para que a iniciativa privada possa complementar e, eventualmente, substituir o serviço Estado.
Princípios de política social

O Fascismo reconhece a função social da propriedade privada, que é um direito e um dever.

É a forma de gestão que a companhia tem historicamente delegada a indivíduos para o aumento dos ativos da empresa.

O Partido Nacional Fascista na frente dos projetos sociais de reconstrução da economia baseada no coletivismo, está no chão da realidade histórica e nacional que não permite que um único tipo de economia agrícola ou industrial restrinja-se a essas formas - seja individualista ou qualquer outro tipo - para garantir a máxima produção e bem-estar máximo.

O Partido Nacional Fascista defende um regime que estimule iniciativas e energias individuais (que formam o fator mais poderoso e ativo da produção econômica), promova o crescimento da riqueza nacional com a renúncia absoluta de todo o maquinário pesado, caro e antieconômico de estatização, socialização, municipalização, etc.

O Partido Nacional Fascista apoiará qualquer iniciativa que, em seguida, tendem a melhorar a organização do fabrico, que visa eliminar todas as formas de parasitismo individual ou de classe.

O Partido Nacional Fascista agirá
  • porque eles são regidos pela impostura das lutas dos interesses de categorias e classes, em seguida: o reconhecimento legal com as consequentes responsabilidades de trabalhadores e de entidades patronais;
  • porque está consagrado e executadas, de qualquer maneira, a proibição de greves em serviços públicos com criação simultânea de um tribunal arbitral composto por representantes do Executivo, um representante da classe trabalhadora ou categoria em conflito, e um representante dos serviço público
Política escolar

A escola deve ter como objetivo geral a formação de pessoas capazes de assegurar o progresso econômico e histórico da Nação; elevar o nível moral e cultural da massa e promover os melhores elementos de todas as classes para garantir a renovação constante das camadas dirigentes. 

Para este efeito, são urgentemente necessárias as seguintes medidas:
  1. reforçar a luta contra o analfabetismo, construção de escolas e estradas de acesso; tendo de autoridade, pelo Estado, todas as medidas que se revelarem necessárias.
  2. extensão da escolaridade obrigatória até ao sexto ano incluído nos municípios, que sejam capazes de fornecer as escolas necessárias e para todos aqueles que, após o exame de graduação não sigam o caminho do ensino médio; escolaridade obrigatória até a quarta série incluindo em todos os outros municípios.
  3. a escola primária deve adotar uma característica estritamente nacional para que ela também prepare fisicamente e moralmente os futuros soldados da Itália; para que dirijam o controle estatal dos programas, a seleção de professores e seu trabalho, especialmente nas cidades dominadas por grupos antinacionalistas.
  4. o ensino secundário e universitário serão livres, exceto para o controle estatal dos programas de ensino sujeitos ao dever do Estado de fornecer a educação pré-militar, que procura facilitar a formação de oficiais.
  5. a escola normal adotará os mesmos critérios utilizados para as escolas primárias, para que os futuros professores sejam destinados a uma postura nacionalista, mesmo nas escolas onde eles sejam professores elementares.
  6. as escolas profissionais, industrial e agrícola, estabelecidas com o plano orgânico utilizando a contribuição financeira e experiência de industriais e agricultores, a fim de aumentar a capacidade produtiva da nação e criar a classe média de técnicos entre os artistas e os gerentes de produção. Para este fim, o Estado vai integrar e coordenar iniciativas privadas, substituindo-os onde falta.
  7. os estudos clássicos predominantes nas escolas secundárias e médias, passará por reforma que unifique a todos, passando de modo em que os alunos deverão aprender obrigatoriamente o latim; o ensino de francês não será mais obrigatório; deverá se escolher e adaptar a linguagem de acordo com as necessidades de cada região, especialmente aquelas de fronteira. 
  8. unificação de todas os benefícios escolares, bolsas de estudo e similares, no intuito de instituir seu controle pelo Estado, que escolhe desde aulas elementares aos alunos mais inteligentes, disposto a garantir a sua educação superior, impondo, se necessário, o fornecimento de auxílio escolar desde que a família não tenha condições para isso. 
  9. Incentivo econômico e moral aos mestres e professores, assim como aos oficiais do Exército, como os educadores militares da Nação, garantindo-lhes assim a proteção de sua dignidade e os meios para aumentar a sua cultura, e para inspirá-los e a consciência pública nacional da importância da sua missão. 
A Justiça

Será intensamente promovido meios preventivos e terapêuticos para a delinquência (internatos, reformatórios, asilos criminais, etc.).

A pena - meio de defesa da Sociedade nacional ferida em lei - deve ser cumprida normalmente pelas funções de punição e correção: o sistema penitenciário em decorrência da segunda função, deverá fornecer melhorias higiênicas e sociais para o desenvolvimento do trabalho prisional. 

Tribunais especiais devem ser abolidos

O Partido Nacional Fascista é a favor da revisão do Código Penal Militar.

O procedimento deve ser rápido.

A Defesa nacional

Todo o cidadão tem a obrigação de serviço militar.

O Exército deve ter como referência a Nazione Armata, onde cada força individual, atividades coletivas, econômicas, industriais e agrícolas são totalmente enquadradas com a finalidade de defesa suprema dos interesses nacionais.

O Partido Nacional Fascista preconiza a organização imediata de um Exército que, com formação completa e perfeita, por um lado zele - escolta atenta - pelas fronteiras conquistadas, e por outro, no País prepare, arraste e enquadre os espíritos, os homens e os meios que a Nação possa produzir, com seus infinitos recursos, na hora do perigo e da glória. 

Para os mesmos efeitos do Exército, em conjunto com a escola e com as organizações desportivas, deve ser dada nos primeiros anos para o corpo e espírito da cidade a aptidão e educação para combater e sacrifício por seu país. (Educação pré-militar).

Organização

O Fascismo em ação é um organismo: 
  • político;
  • econômico;
  • de combate.
No domínio público, aceita, sem sectarismo, todos os que subscrevem sinceramente seus princípios e obedecem a sua disciplina; encoraja e valoriza os talentos particulares, reunindo-os segundo suas atitudes m grupos de competência; participa intensa e constantemente de todas as manifestações da vida política de sua doutrina realizando contingentemente o que poderia fazê-lo de modo prático e reafirmando seu conteúdo integral. 

No domínio econômico encoraja a constituição das corporações profissionais, puramente fascistas ou autônomas, conforme as exigências de tempo e de lugar, com a condição de que obedeçam, em sua essência, ao princípio nacional segundo o qual a Nação está acima das classes. 

No domínio da organização de combate, o Partido Nacional Fascista forma um único todo com suas esquadras: milícia voluntária a serviço do Estado Nacional, força viva em que se encarna a Ideia Fascista e pela qual essa ideia é defendida. 


***

Nota-se por esse programa o viés nacionalista, corporativista, imperialista e colonialista defendidos por Mussolini, porém, algumas novidades e contradições também são visíveis. Se anteriormente ele era a favor de um Estado intervencionista e até mesmo não simpatizava com o liberalismo clássico, Mussolini voltou atrás, passando a defender um Estado mínimo e a adoção de um "liberalismo supervisionado", tanto na gestão econômica, quanto na gestão trabalhista (embora que na prática não foi assim, pois a ditadura fascista optou por um Estado interventor e autoritário). Também passou a defender menos burocracia e menos sindicalização. Não obstante, os fascistas também procuravam a partir de agora, inibir o movimento grevista, como em sugerir que funcionários públicos não poderiam fazer greve. Isso é um dado interessante, pois durante a ditadura, o governo fascista foi ferrenho em combater as greves.

No quesito econômico nota-se a tendência fascista de privatizar vários setores da economia, preservando sob domínio do Estado, o controle do setor energético e da indústria bélica. O restante foi sugerido a privatização. Além disso, os fascistas procuravam combater as oligarquias regionais, desburocratizar os serviços públicos, abrir espaço para que empresas privadas realizassem obras que seriam de iniciativa pública, etc. Além disso, os fascistas reiteravam a defesa da propriedade privada e do direito de liberdade do cidadão, mesmo que fosse um direito determinado pelo Estado-nação. Visivelmente nota-se um posicionamento de direita, já contrário a propostas socialistas e comunistas da época. 

Não obstante, torna-se mais enfático nesse programa a tendência militarista dos fascistas. De fato, ainda em 1921, uma "milícia fascista" foi formada e inclusive usada em alguns atentados no país, especialmente na região da Toscana, Lombardia e Piemonte, englobando cidades como Florença, Milão, Turin, Gênova, Bolonha, Forlí, Cremona, etc. (SASSOON, 2009, p. 106) Posteriormente essa mesma "milícia" seria usada na Marcha sobre Roma, que veremos adiante. 

Sobre esse militarismo, o próprio Mussolini comentou o seguinte na Doutrina do Fascismo, em que apontava que um governo pacifista era fraco e fadado ao fracasso. Uma nação forte deveria prezar pela guerra, a bravura, honra e o patriotismo. Na fala a seguir, percebe-se também a crítica de Mussolini a Liga das Nações, antecessora da ONU, que para ele, à época, era uma organização fraca e incompetente. 

“Falando de modo geral, o Fascismo não acredita na possibilidade ou na utilidade da paz perpétua. Ele então descarta o pacifismo como uma máscara para uma renúncia insolente e covarde em contradição com o auto-sacrifício. Apenas a guerra canaliza todas as energias humanas para a sua máxima tensão e perpetua o selo da nobreza naqueles povos que têm a coragem de enfrenta-la. Todos os outros testes são substitutos que nunca colocam o homem face-a-face com si mesmo, diante da alternativa de vida ou morte. Portanto, todas as doutrinas que postulam a paz a qualquer custo são incompatíveis com o Fascismo. Igualmente estrangeira ao Espírito do Fascismo, mesmo que aceita como útil em alcançar algumas situações políticas especiais, são as superestruturas internacionalistas ou de Liga que, como mostra a história, desabam pelo chão quando a coração das nações é profundamente mexido por considerações sentimentais, idealistas ou práticas. O Fascismo carrega essa atitude anti-pacifista para dentro da vida do indivíduo”. (MUSSOLINI, 2012). 

"Para o Ur-Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Contudo, isso traz consigo um complexo de Armagedon: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Uma solução final semelhante implica uma sucessiva era de paz, uma idade de Ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição". (ECO, 2018, p. 40). 

No escopo educacional, o Fascismo não fornece por esse programa ideias novas, ele se pauta em temas comuns na época, que pediam reformas como combate ao analfabetismo e incentivo ao estudo e a magistratura. Embora os fascistas naquele momento já antecipavam um interesse por uma educação de viés nacionalista, latinizada, patriótica, técnica e militar. Inclusive abrindo espaço para fornecer bolsas de estudo a estudantes e professores para se aperfeiçoarem no ensino ou no campo da pesquisa, desde que visando o desenvolvimento intelectual da nação. Além disso, os fascistas também defendiam a intervenção militar nas escolas, com a indicação de mestres militares para lecionar. A ideia não era nem tanto o fato de disciplina, mas como dito no manifesto, era criar futuros soldados. Pois temos que pensar que naquele momento, os fascistas defendiam o neocolonialismo, e para manter colônias era necessário ter soldados para guerrear. Sobre a educação fascista, Umberto Eco comentou o seguinte: 

"Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia, o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia Ur-Fascista o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era: “Viva la muerte!” À gente normal diz-se que a morte é desagradável, mas é preciso enfrentá-la com dignidade; aos crentes, diz-se que é um modo doloroso de atingir a felicidade sobrenatural. O herói Ur-Fascista, ao contrário, aspira à morte, anunciada como a melhor recompensa para uma vida heroica. O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. E sua impaciência, é preciso ressaltar, consegue na maior parte das vezes levar os outros à morte". (ECO, 2018, p. 41). 


No campo jurídico, embora a grande novidade proposta por eles era acabar com os tribunais especiais e exigir uma reforma no Código Penal Militar, reforma essa de importante interesse para eles, já que se apresentavam como um "movimento militar". E para que eles pudessem tomar o poder e se manter nele, teriam que passar sobre a lei (de fato eles passaram sobre a lei). 

“O Estado Fascista organiza a nação, mas deixa espaço suficiente para o indivíduo. Ele limitou liberdades inúteis ou nocivas enquanto preservou as essenciais. Nestas questões, o indivíduo não pode ser o juiz, apenas o Estado". (MUSSOLINI, 2012). 

No programa também vemos o desencantamento de Mussolini e outros membros que haviam sido militantes de esquerda. Claramente há uma crítica a Internacional Comunista. Além disso, em outro documento publicado pelo partido, revela-se o repúdio a Revolução Russa de 1917 e o então governo BolcheviqueMas se por um lado Benito Mussolini se mostrou contra o governo soviético de princípios comunistas, na Itália ele assinou um pacto de pacificação com os socialistas, devido aos conflitos e brigas que estavam ocorrendo naquele ano pela disputa eleitoral.

Ao assinar esse pacto em 3 de agosto, algumas alas mais radicais do partido se descontentaram com o próprio Mussolini, que teve que passar o restante do ano evitando tomar um golpe interno e perder a presidência do partido. Aqui temos um fato interessante. Se o Fascismo era tão de esquerda como alguns alegam, por que o partido era contrário aos Bolcheviques da Rússia, o primeiro partido de esquerda a conseguir obter uma revolução socialista? Se o Fascismo era de esquerda, por que eles brigavam tanto contra o Partido Nacional Socialista da Itália? E por que a decisão de Mussolini de propor uma trégua foi mal vista dentro do Partido Nacional Fascista? Pois se eles eram de esquerda, não seria algo benéfico, unificar ambos os partidos para promover a revolução? Mas na prática os fascistas enganaram os socialistas, seus principais adversários ao lado dos conservadores, liberais e republicanos. O fascismo era claramente de direita, ou melhor, de uma "nova direita". 

A Marcha de Roma: o golpe de Estado

Com a derrocada do Partido Socialista Italiano, o principal partido de esquerda -  já que o Partido Comunista Italiano seria criado no ano seguinte -; com a adesão do Partido Nacional e do Partido Futurista ao Partido Nacional Fascista, que também recebeu apoio dos militares, da classe média, dos monarquistas e dos operários desgostosos com os socialistas, liberais e populistas, o Fascismo em 1920 ia crescendo de forma assombrosa. Porém, nem tudo foi pacífico. O partido ainda era novo e precisava de mais gente. Não obstante, outros dirigentes do fascismo decidiram agir de forma mais enérgica. Atentados e invasões foram promovidos pelos "camisas negras", nome dado aos fascistas devido ao seu uniforme preto. A Milícia Fascista liderada por Balbo, De Bono, De Vecchi e atá mesmo D'Annunzio, se mobilizaram para tentar capturar as cidades de Milão, Nápoles e FlorençaNesse ponto se faz necessário sublinhar que os fascistas já haviam adotado um posicionamento militar, inclusive armando suas milícias, realizando atentados terroristas como invasões, vandalismo, assassinato, sequestro, depredação, etc. 


Os camisas negras eram a milícia fascista criada ainda em 1920, para apoiar as medidas golpistas do partido. Depois tornou-se uma polícia especial do Estado, atuando na censura e na perseguição política. 

Nesse sentido, Antônio Gramsci (1891-1937), filósofo, político e jornalista de posicionamento marxista-comunista, salientava que o fascismo se apresentava como uma ameaça para a Itália. De fato, Gramsci acabou sendo preso pelos fascistas durante a ditadura. De qualquer forma, antes dos fascistas alcançarem o poder, Gramsci chegou a escrever a respeito da sua crescente ameaça. Um dos pontos que ele mais chamava a atenção era a perigosa militarização do partido e o uso da violência e da ameaça, para conseguir o que queriam, pois Mussolini era a favor do blanquismo (ação revolucionária com execução de um golpe de Estado). Além disso, ele sublinhava que os fascistas possuíam grande apoio dos militares, policiais, funcionários públicos e magistrados. (GRAMSCI, 2004, p. 66). 

"O blanquismo é a teoria social do golpe de mão; mas, se examinarmos bem, poderemos ver que o subversivismo mussoliniano recolheu do blanquismo apenas a parte material. [...]. Do blanquismo, Mussolini conservou apenas o aspecto formal, ou seja, reduzira-o à materialidade da minoria dominadora e ao uso das armas no ataque violento". (GRAMSCI, 2004, p. 69). 

O temor de Gramsci como se vai lendo em seus artigos ao longo do ano de 1921, era que o Estado não fazia nada para impedir a pretensão golpista dos fascistas. De fato Gramsci estava certo, pois em 1922, ocorreu o golpe de Estado que ele havia previsto. Todavia, ele comenta que essa ideia não era apenas dos fascistas, os socialistas e os comunistas em parte também cogitavam uma ação mais enérgica, porém, eram os fascistas os melhores organizados para se realizar tal possível golpe. (GRAMSCI, 2004, p. 67). Embora Gramsci fosse comunista, ele discordava de uma tentativa de golpe e até mesmo criticou a subida de Stalin ao poder, na Rússia, por considerá-lo demasiado radical e perigoso. Não obstante, Gramsci foi perseguido pelos fascistas por ter se tornado opositor ao regime, tecendo duras críticas. Acabou sendo preso em 1926, permanecendo quase oito anos preso. 

Segundo Mussolini, os preparativos para a "subida ao poder", começaram em agosto de 1922, após o fracasso das propostas de acordos entre os sindicatos trabalhistas urbanos e rurais, e as decisões tomadas pelos socialistas e comunistas (maiores partidos da época ao lado dos fascistas). Embora na prática houvesse uma trégua de "não-agressão" entre fascistas e socialistas, isso não estava sendo obedecido. Por outro lado, Mussolini e os dirigentes do partido arregimentavam cada vez mais membros e até mesmo chegaram a tentar tomar algumas capitais e cidades menores.

Em 24 de outubro foi realizado o grande Congresso de Nápoles do Partido Nacional Fascista. Naquela altura os dirigentes do partido praticamente já estavam decididos a realizar um golpe de Estado. Em 26 de outubro, Benito Mussolini encaminhou um comunicado ao governo central, solicitando reunião urgente com o rei e o parlamento. O monarca Vitor Emanuel III recusou realizar uma reunião. No mesmo dia o Ministro das Obras Públicas, Vincenzo Riccio, que possuía simpatia pelo governo fascista, foi demitido do cargo, no dia seguinte, o senador e presidente do Conselho Ministerial, Luigi Facta, que era a favor da ideologia fascista, alegou que a demissão de Riccio foi arbitrária, com isso, valendo-se de sua posição política, ele decretou Estado de sítio em 28 de outubro, ameaçando o governo real, porém, o rei recusou a assinar o decreto. Com isso Mussolini decidiu invadir Roma. (PARIS, 1972, p. 85). 


Fotografia de 30 de outubro de 1922. Ao centro Mussolini liderando os camisas negras na Marcha sobre Roma. No seu lado, membros de confiança: Emilio De Bono, Cesare Maria De Vecchi e Italo Balbo. 

O deputado Benito Mussolini de 39 anos, passou os últimos meses reunindo um grande número de manifestantes para engrossar as frentes de protesto. Porém, a marcha fascista não foi uma simples manifestação, mas um golpe de Estado. Mussolini arregimentou um exército armado que partiu de Milão para Roma. Os fascistas adentraram a capital italiana com um exército de mais de 20 mil homens. A ideia era realizar uma grande passeata pela capital do país, no intuito de levar algumas exigências ao rei Vítor Emanuel III (1869-1947), governante fraco e pouco estimado em seu país. Mussolini oferecia todo o apoio do PNF, o qual contava com a adesão de camadas conservadoras, nacionalistas e propensas ao radicalismo, entre os quais estavam militares, camponeses, operários desiludidos com o socialismo, monarquistas, funcionários liberais e públicos, etc. 

O golpe de Estado dado pelos fascistas contou com um acordo vantajoso para ambas as partes. Senão tivesse sido esse acordo, dificilmente os fascistas teriam conseguido ascender ao poder. Donald Sassoon (2009, p. 10-13) comenta que apesar dos fascistas disporem de uma milícia, ela não seria o suficiente para tomar o país. Desde que os fascistas deram início aos seus atentados terroristas no centro-norte do país, o Parlamento havia mobilizado o Exército a ficar de prontidão. Nesse ponto Sassoon comenta que o fato da Marcha sobre Roma ter dado certo é porque a ala radical do governo e do Exército, que eram simpatizantes dos fascistas, colaboraram para o êxito desse golpe. Não obstante, em momento algum o rei acatou os pedidos de Mussolini, somente quando os fascistas adentraram Roma é que o monarca decidiu negociar, mas apresentando seus próprios termos. 

O rei Vitor Emanuel permaneceu com todos seus títulos e regalias, além de continuar a ser o chefe de Estado oficial, apesar de que não detivesse o comando propriamente, o qual foi atribuído a Benito Mussolini, que foi empossado Primeiro-ministro interino em 31 de outubro de 1922. Apenas em 5 de julho 1924, Mussolini oficialmente assumia o cargo, tendo prestado juramento diante do rei e do Senado. Nesse ponto nota-se que ambos os lados saíram ganhando. O governo se fortaleceu com a popularidade dos fascistas e Mussolini conseguiu chegar a uma posição privilegiada que lhe permitisse controlar o país, instaurando uma ditadura de vinte anos.  (SASSOON, 2009, p. 9).

Benito Mussolini e o rei Vitor Emanuel III, aliança que permitiu a ascensão do fascismo. 

"Mussolini organizou a Itália como um Estado fascista que se baseou em um regime de partido único, com um nacionalismo exaltado, uma economia tipicamente capitalista, mas administrada pelo governo em algumas áreas muito específicas, e uma sociedade altamente controlada pela polícia". (1940 A 1941, 2009, p. 44). 

Apesar de hoje ser evidente que a Marcha sobre Roma foi um golpe de Estado, na época, Mussolini e os fascistas alegavam que se tratou de uma revolução. Uma revolução para salvar o país. Tal ideia seria mantida até o fim da vida do regime fascista e do próprio Mussolini, apesar de que ele viria a sofrer um grande descontentamento por causa dessa sua "suposta revolução". Sobre isso ele comentou dez anos depois:

“O Fascismo ultrapassou o dilema: Monarquia x República, com o qual os regimes democráticos flertaram por muito tempo, atribuindo todas as insuficiências ao primeiro e colocando o último como um regime de perfeição, enquanto que a experiência mostra que algumas repúblicas são inerentemente reacionárias e absolutistas e algumas monarquias aceitam os mais desafiadores experimentos políticos e sociais”. (MUSSOLINI, 2012).

Nesse comentário, Mussolini assinalava que o Estado fascista surgia como uma concepção de governo superior ao modelo tradicional de monarquia e república que existia ainda na década de 1920. A "nova república" fascista que se formaria nos anos seguintes, era um Estado forte, centralizado, unificado, patriótico e organizado para fundamentar o desenvolvimento do povo italiano, tornando a Itália uma potência mundial. De fato, em outros momentos, Mussolini comentava que a Itália fascista era o legado do Império Romano. Um sonho megalomaníaco de restaurar a grandeza imperial romana, foi algo cogitado por Mussolini, e até mesmo teve paralelos na Alemanha, quando Hitler falava no Terceiro Reich. 

As eleições de 1924 e o combate a oposição: 

1924 seria um ano importante para a história italiana. Embora o golpe fascista tenha dado êxito em 1922, não significava que a guerra tivesse terminado, era apenas o começo. Apesar de um acordo entre Mussolini e o rei ter sido firmado, tornando Mussolini Primeiro-ministro, o Parlamento e o Senado ainda não haviam concordado com Mussolini no poder. Os partidos de direita também não estavam convencidos da subida dos fascistas, e movimentos antifascistas os acusavam de golpe, apesar que Mussolini alegasse ter dado início a uma revolução. Além disso, o clero católico ainda naquele período, se mostrava contrário ao fascismo. Mussolini e outros líderes do partido por serem ateus, não mostravam interesse pela religião. Além disso, os fascistas precisavam ganhar o controle do país, através dos cargos de deputado, prefeito, governador, etc. 

Para combater a onda fascista que se espalhava pela Itália, os principais partidos de esquerda e de centro, se aliaram em 1922, formando a coalização que originou o Partido Democrático Social Italiano (PDSI), composto a partir do Partido Socialista Italiano (PSI), do Partido Socialista Reformado Italiano (PSRI), do Partido Liberal Italiano (PLI), do Partido Popular Italiano (PPI) e de alguns partidos menores de vertente democrática, de ala centro e centro-esquerda. No caso dos comunistas que se formalizaram como o Partido Comunista Italiano (PCI) em 1921, eles ficaram de fora dessa aliança. Na época eles se formaram a partir de dissidência interna do PSI, assim Amadeo Bordiga e Antonio Gramsci que eram seus idealizadores, decidiram combater os fascistas por conta própria, sem aderir a aliança proposta pelos socialistas, populistas e liberais. 

Nesse ponto há algumas observações a serem feitas. Sabemos que as vezes os partidos de uma mesma direção não costumam se entender, logo, partidos de direita brigam entre si, e partidos de esquerda fazem o mesmo entre si. Porém, na Itália da década de 1920, isso era um fato curioso. Os principais partidos de esquerda, centro e centro-esquerda se aliaram para impedir que os fascistas conseguissem votos nas eleições de 1924. Gramsci dizia em cartas e matérias que os fascistas serviam os interesses da burguesia e do capital. Além disso, partidos de direita de vertente nacionalista, monarquista e liberal haviam se unido aos fascistas. Como dizer que o PNF era um partido de esquerda, se havia partidos de direita aliados a ele, e os partidos de esquerda formaram uma coalizão para enfrentá-lo? Alguns podem alegar que seria inveja dos socialistas e comunistas, mas ainda assim, isso não responde porque a direita apoiava o fascismo. 

De qualquer forma, enquanto as eleições ainda não ocorriam, Mussolini tratou de aumentar sua influência no Parlamento. Apesar de que no manifesto do PNF em 1919, Mussolini defendesse o banimento do Senado e do Parlamento, ele sabia que isso não seria fácil de ser feito, e naquele momento necessitava do Parlamento. Payne (1995) comenta que Mussolini voltou atrás quanto as suas propostas enérgicas de querer reconfigurar a organização política do país. Ele embora tenha sido eleito de forma interina e não por voto em 1922, parte do Parlamento não o enxergava com bons olhos, o viam como um radical revolucionário. Mas para ganhar prestígio entre os parlamentares, Mussolini conseguiu que o Ministro da Educação Giovanni Gentile, e o Ministro das Finanças Alberto de Stefani, se aliassem a ele. Além disso, em 1923 foi criado o Grande Conselho Fascista, órgão para deliberar as propostas do partido. Ainda em 1923, grupos militantes de defesa ao nacionalismo, a monarquia e ao militarismo aderiram a causa fascista.

Payne (1995) comenta que embora essas adesões engrossaram as fileiras de apoio ao PNF, também gerou problemas. Veteranos fascistas queriam que Benito Mussolini derrubasse o Parlamento, porém, os novos adeptos defendiam uma causa menos golpista e violenta, preferindo que a revolução fosse feita de forma legal e gradativa. Apesar desses desentendimentos entre os membros e alas do PNF, o grande conselho soube como evitar uma dissidência interna que poderia prejudicar os planos do partido. Morgan (2004) comenta que embora Mussolini tenha optado em prosseguir por uma via mais diplomática, aguardando as eleições de 1924, não significou que o PNF houvesse descartado um plano B. A milicia fascista dos Camisas Pretas crescia, e sua fama de autoritários e agressivos também. Em alguns lugares houve conflitos entre a população e os Camisas Pretas. 


Giacomo Acerbo
No final de 1923, o deputado fascista Giacomo Acerbo conseguiu com dificuldade, aprovar o que ficou conhecido como Lei Acerbo. A medida apesar de ter sido combatida e aprovada com uma pequena margem de diferença, determinava que 2/3 das cadeiras do Parlamento seriam dadas aos candidatos mais votados e que detivessem 25% das intenções de voto. Ou seja, mesmo que os candidatos de outros partidos conseguissem mais intenções de votos, todos aqueles que estivessem na margem dos 25% seriam aprovados. A medida foi questionada na época como manobra para favorecer os fascistas, pois sabia-se que em algumas regiões do país eles eram bastante impopulares. Porém, os partidos pequenos votaram a favor, pois almejavam usar a lei para conquistar cadeiras no Parlamento. Os fascistas usaram esse fator em benefício próprio.  (MORGAN, 2004, p. 82). Com as eleições ocorridas em abril de 1924, o temor de que os fascistas ganhariam em várias cidades, se realizou. As eleições gerais de 1924 foram turbulentas, marcadas por acusações, insultos, desordem, brigas, ameaças e fraude eleitoral

Em algumas cidades e regiões onde os fascistas eram minoria, os Camisas Pretas atuaram para aterrorizar a população, inclusive ao ponto de coagi-las a votarem neles. Mesmo com tais denúncias de uso da intimidação e da violência para forçar os eleitores a votarem no PNF, Mussolini e as lideranças fascistas negaram todas as acusações e alegaram se tratar de boatos dos opositores para difamar as eleições e prejudica-los. Inclusive denúncias foram feitas contra os operários militantes de partidos de esquerda que estariam atacando os Camisas Pretas. De qualquer forma, com o término das eleições, os fascistas venceram com a maioria dos votos. Foram eleitos 403 novos parlamentares, representando 66% do total da época. A maioria dos deputados fascistas eleitos eram jovens inexperientes, que compreendiam pouco de política, possuíam caráter autoritário, revolucionário e agressivo, como explica Stanley Payne (1995, p. 114). 

Giacomo Matteotti

Com a vitória controversa dos fascistaspautada em violência, ameaças e acusações de fraude eleitoral, os fascistas passavam as ser maioria no Parlamento, o que Mussolini e as demais lideranças ambicionavam, havia se concretizado. O próximo passo era fazer acordo com os conservadores e liberais. Mussolini também não descartou propor acordos com os socialistas, os principais representantes da esquerda, os quais possuíam ainda grande influência no país, especialmente sobre a classe operária. Todavia, após as eleições estourou o primeiro escandá-lo contra Mussolini, que havia se tornado oficialmente Primeiro-Ministro. O deputado socialista e jornalista Giacomo Matteotti, em declaração pública dada em 30 de maio, acusava os fascistas de terem fraudado as eleições, manipulado o governo e de terem praticado outros crimes. Tais denúncias que o deputado alegava possuir provas a respeito, constavam em seu livro Um anno de dominazione fascista. As acusações de Matteotti criaram um situação problemática aos fascistas, porém, no dia 10 de junho ele desapareceu de casa. Seu corpo foi encontrado posteriormente. (MORGAN, 2004, p. 91)

Pelo menos 150 deputados dos partidos socialista, liberal, comunista e republicano se reuniram no Parlamento para denunciar os fascistas de terem assassinado Giacomo Matteotti. Até hoje não se sabe se Benito Mussolini ordenou queima de arquivo, ou quem exatamente foi o mandante do crime, apesar que Mussolini reconheceu que possa ter sido alguém do PNF que tenha matado Matteotti. Mussolini para evitar maiores problemas, ordenou a demissão de alguns funcionários, assessores e membros do PNF e das milícias. As demissões foram forma de despistar a opinião pública, assim como, prejudicar as investigação policial. Essa reunião de deputados ficou conhecida como Sessão Aventina, uma referência ao protesto feito pelos republicanos contra a tirania durante a Roma Antiga. Os "novos aventinos" nos meses seguintes mantiveram ferrenha oposição aos fascistas, juntando provas e dando entrada na justiça para declarar inválido a eleição de 6 de abril. (MORGAN, 2004, p. 92).

Apesar das acusações contra os fascistas, Mussolini e o PNF conseguiram resisti-las e dribla-las, já que parte do Judiciário e do Executivo estavam do seu lado. Em 3 de janeiro de 1925, a Sessão Aventina se reuniu para confrontar o primeiro-ministro Benito Mussolini e seu discurso de início de ano. Mussolini e os fascistas foram chamados de criminosos e outros insultos. Mussolini negou tais acusações, dizendo que o fascismo era um movimento legitimamente nacionalista, preocupado com o bem-estar da nação e o futuro do povo italiano. Era uma época revolucionária, onde a Itália se tornaria uma potência novamente. Mas devido ao tumulto gerado na ocasião, 111 pessoas foram presas nas 40 horas seguintes, acusadas de baderna, vandalismo, calúnia, desordem pública, etc. (PAYNE, 1995, p. 115). O fascismo mostrava seu novo tom a partir de 1925, que agora tornava-se seu viés autoritário

Nos anos de 1925 e 1926, Mussolini e os fascistas deram início aos expurgos. A Sessão Aventina formada por 150 deputados representantes do socialismo, liberalismo, comunismo e republicanismo, todos tiveram seus mandatos cassados até 1926. Além disso, os partidos socialistas e comunista da Itália, a partir de 1926 foram decretados ilegais. Antonio Gramsci, presidente do PCI, foi preso na ocasião por ser antifascista e comunista. Outros membros dos partidos de esquerda, centro e centro-esquerda que endossavam a oposição fascista, foram perseguidos, presos, alguns fugiram, outros se esconderam. (MORGAN, 2004). O Partido Liberal Italiano que era de centro, optou em aceitar as propostas de Mussolini, e assim não foi suspenso. Curiosamente data de 1925 um manifesto antifascista escrito pelo liberal e historiador Benedetto Croce (1866-1952). 

O manifesto de Croce foi uma resposta ao manifesto pró-fascismo do Ministro da Educação, Giovanni Gentile. Documento que voltarei a comentar adiante. De qualquer forma, Gentile apresentava os pontos positivos do fascismo e sua ideologia revolucionária, corporativista, capitalista, nacionalista, patriótica e militarista. Todavia, Croce considerava isso propaganda política barata e enganadora. Em seu manifesto de poucas páginas, Croce não ataca diretamente o governo, ele num jogo de palavras até mesmo enfadonhas, tece críticas a prepotência do nacionalismo fascista, ao cinismo de se dizer defensor da lei, mas ele mesmo passar por cima dela; tece crítica a suposta intelectualidade que os fascistas defendiam, mas que não passava de um conjunto de ideias de ideais estéreis. Croce também considerava o fascismo como uma espécie de "religião" autoritária, e usou essa palavra como metáfora para se referir ao pensamento fascista. 

Sobre a oposição fascista aos partidos de esquerda, ao liberalismo e a democracia demagoga e obsoleta, Mussolini comentou na Doutrina do Fascismo, que sua doutrina política era um alento para essas doutrinas decadentes que vivenciaram seu auge no XIX. Mas no século XX, o fascismo era o triunfo, era a doutrina da vez. O fascismo extraía os pontos positivos historicamente comprovados, mas negava tudo que deu de errado, e se mostrava crítico as formas de pensar e agir, dos socialistas, liberais e democratas.

“A negação Fascista do socialismo, democracia e liberalismo não deveria, no entanto, ser interpretada como se implicasse um desejo retroceder o mundo para as posições ocupadas antes de 1789, um ano comumente referido como o que abriu o Século demo-liberal. A história não anda para trás. A doutrina Fascista não tomou De Maistre como seu profeta. O absolutismo monárquico está no passado, assim como a eclesiolatria. Mortos e enterrados estão os privilégios feudais e a divisão da sociedade em castas fechadas e incomunicáveis. Também nada tem a ver com a concepção Fascista de autoridade, aquela de um Estado policial eminente. Um partido governando uma nação ‘totalitariamente’ é uma nova partida na história. Não há pontos de referência nem de comparação. Do fundo das ruínas das doutrinas liberais, socialistas e democráticas, o Fascismo extrai aqueles elementos que ainda são vitais. Ele preserva o que deve ser chamado de ‘fatos adquiridos’ da história; ele rejeita todos os outros. Ou seja, ele rejeita a idéia de uma doutrina cabível a todos os tempos e a todos os povos. Sabendo que o Século XIX foi o século do socialismo, liberalismo e democracia, isso não quer dizer que o Século XX também tenha que ser o século do socialismo, liberalismo e democracia. Doutrinas políticas passam, nações se mantêm. Nós estamos livres para acreditar que este é o século da autoridade, um século que tende para a ‘direita’, um século Fascista. Se o Século XIX foi o século do indivíduo (liberalismo significa individualismo), nós estamos livres para acreditar que este é o século do ‘coletivo’, e portanto, o século do Estado. É bastante lógico para uma nova doutrina, usar aqueles elementos que ainda são vitais de outras doutrinas. Nenhuma doutrina nunca nasceu totalmente nova, brilhante e inédita. Nenhuma doutrina pode vangloriar-se de uma originalidade absoluta. Ela está sempre conectada, mesmo que apenas historicamente, com aquelas que a precederam e com aquelas que virão depois”. (MUSSOLINI, 2012).

Tratado de Latrão (1929)

O Tratado de Latrão ou Tratado da Santa Sé, que consistiu em três acordos entre o papa Pio XI e o primeiro-ministro Benito Mussolini, constituiu num acordo benéfico para ambos os lados. O Estado fascista cedeu terras oficialmente para que o Estado do Vaticano fosse constituído, com direito de ter autonomia política própria. O papa tornava-se o único chefe de Estado responsável pelo Vaticano, mantendo o poder temporal e secular como já vinha fazendo antes. Em contrapartida, alguns territórios que pertenciam a Igreja e eram motivo de disputa, foram deixados de lado em troca de um ressarcimento pela perda desses. (MORGAN, 2004, p. 114). 


Benitto Mussolini assinando os documentos do Tratado de Latrão, 11 de fevereiro de 1929. 

Além desses acordos, Mussolini legitimou o ensino religioso nas escolas, antes restrito apenas ao ensino fundamental, agora passando-o para o ensino médio. Os cursos de Teologia continuaram a existir, inclusive os cursos de história das religiões de caráter laico, também se mantiveram. A Ação Católica foi permitida em ser instaurada e aplicada. Através dessa associação para a evangelização, a Igreja legalmente passava a ter autoridade e autonomia para evangelizar a população e realizar suas ações humanitárias. Em 1934 em entrevista ao jornal Fígaro, Mussolini disse que nunca foi intenção do Estado fascista intrometer-se nos assuntos religiosos, ou tentar banir a religião como alguns alegavam. A religião era vista como algo importante e deveria ser mantida para o bem da nação. Na própria Doutrina do Fascismo (1932), Mussolini exaltava o papel da religião e do cristianismo na sociedade e na nação. (PAYNE, 1995, p. 215). 

Não obstante, se a Igreja se mostrava contrária aos fascistas e ao próprio Mussolini, foi firmado um pacto de aliança e de neutralidade. O Vaticano não se intrometeria em determinadas questões de Estado do governo fascista. Tal fato foi uma grande jogada. Mussolini assim conseguiu sair com a imagem de "bom moço", tendo feito as pazes com o papa, ganhou admiração pelo clero e os católicos que não eram afim dele. Com isso, Mussolini aproveitou para se aproximar das recomendações do Rerum Novarum (1891), encíclica papal que recomendava a formação de sindicatos de operários católicos em defesa dos direitos trabalhistas, além de também defender as corporações, a família, o Estado, a propriedade privada, etc. Apesar do tratado firmar um pacto entre o Vaticano e o Estado fascista, onde os clérigos fariam vista grossa para os desmandos políticos, houve clérigos que se mantiveram antifascistas, ao ponto de terem sido reprimidos pela própria Igreja. Por outro lado, houve gente que considerou o Tratado de Latrão uma farsa, uma negociata política de trocas de apoio

De qualquer forma, o tratado foi importante para fundamentar a base religiosa da ideologia fascista. Se antes os fascistas tinham ideias para taxar a Igreja, privá-la de ter acesso a política, retirar dela a sua influência sobre a educação, etc. após Latrão, o diálogo fascista com o cristianismo católico deixou de ser antagônico e se tornou de colaboração, mesmo que hipócrita. Sobre isso, Mussolini escreveu:

“O Estado Fascista não é indiferente aos fenômenos religiosos em geral e nem mantem uma atitude de indiferença perante ao Catolicismo Romano, a religião especial, positiva dos Italianos. O Estado não tem uma teologia, mas tem um código moral. O Estado Fascista vê na religião uma das mais profundas manifestações espirituais e, por essa razão, não somente respeita a religião, mas a defende e a protege. O Estado Fascista não tenta, como fez Robespierre no ápice do seu delírio revolucionário da Convenção, determinar um Deus próprio; nem busca, em vão, como faz o Bolchevismo, apagar Deus da alma do homem. O Fascismo respeita o Deus dos ascetas, santos e heróis, e também respeita o Deus concebido pelo coração ingênuo e primitivo do povo, o Deus a quem eles oferecem suas orações”. (MUSSOLINI, 2012).

Pela condição do Catolicismo ser a religião predominante na Itália, os fascistas desistiram de bater de frente contra o papado, e os chamaram para se aliar. Dessa forma, ao legitimar que o Estado fascista estava com Deus, e passava a defender sua fé, sua igreja e seu evangelho, ele ganhava mais admiração pela população. Os fascistas assim se mostravam dignos do cristianismo, de estarem servindo a Deus, mesmo que Mussolini sublinhasse que o Estado fascista continuasse sendo laico. Por outro lado, o cristianismo defendido pelos fascistas era tremendamente cínico, pois, contrariava vários dos mandamentos bíblicos, mas a população iludida pelo carisma e a pretensa virtude de seus líderes, não enxergava essa realidade

Até Adolf Hitler fez o mesmo na Alemanha. Em seu livro Minha Luta (1925), ele mencionava e elogiava o papel da igreja e do cristianismo para a nação alemã, além de defender a importância da religião na sociedade e da família. E durante seu governo, ganhou adeptos entre padres, bispos, pastores e reverendos. Até judeus apoiaram Hitler, e devem ter se arrependido depois que o Holocausto começou a funcionar. Sem contar que a Igreja Católica e as Igrejas Protestantes, todas fizeram vista grossa para o Holocausto. Embora alguns cristãos tentaram combatê-lo e o denunciaram, mas foi um esforço infrutífero. 

Características centrais do fascismo: 

1) O corporativismo:  

O corporativismo tornou-se centro da questão político-social-econômica do Fascismo. Ao invés de a economia se desenvolver com base no liberalismo clássico como ocorria de forma precária na Itália daquele tempo, Mussolini ao implantar o corporativismo, tornou o capital sob tutela. A questão corporativista ainda hoje é um problema que gera debates entre os cientistas políticos, historiadores, sociólogos e economistas, pois alguns defendem que não se trata de um modelo ligado ao capitalismo, mas seria uma antítese a esse; outros alegam que o corporativismo seria uma invenção socialista para controlar o mercado. Como veremos adiante, o corporativismo é um modelo que possui uso diverso, podendo ser usado tanto por economias capitalistas quanto socialistas, daí gerar essa confusão. 

Como conceito, surgiu no século XIX como uma forma de controle econômico, social e político. Em parte, alguns teóricos do corporativismo alegam sua origem no final do medievo com as guildas de artesãos, criadas para fortalecer os mesmos, posteriormente com o advento do mercantilismo e sua difusão pela Europa ocidental, no século XVII, vemos o surgimento de poderosas corporações, normalmente chamadas de companhias, com destaque para as Companhias das Índias inglesa e holandesa, entidades de capital anônimo, de origem pública e privada que ganhavam vários direitos do governo, como exercer monopólio sobre preços, mercadorias e rotas comerciais. Essas corporações voltariam a se desenvolver com o advento da Revolução Industrial, que originou as corporações fabris. No final do século XVIII, o economista inglês Adam Smith (1723-1790) foi um dos que atacou o modelo capitalista corporativista, que para ele não era viável e era injusto. Smith que era defensor do liberalismo econômico, criticava os subsídios e protecionismo promovido pela Coroa as corporações, além do monopólio de algumas dessas companhias. A crítica de Smith foi retomada por outros economistas, como David Ricardo (1772-1823). 

Apesar de haver uma contenda entre alguns que dizem que corporativismo é diferente de capitalismo, pois é um pensamento de esquerda; e outros que dizem que o corporativismo é uma forma de capitalismo, pois não existe apenas o capitalismo de laissez-faire, havendo distintas formas de promover o capitalismo com o sem intervenção do Estado. Independente dessa contenda, Mussolini adotou o corporativismo, pois considerava um modelo que adequava a suas intenções de controle. 

No caso, uma das prerrogativas para ele adotar o corporativismo não adveio apenas do revolucionário Gabriele d'Annunzio, mas da própria Rerum Novarum. O pensamento fascista esboçado a partir de 1919, compactuava em muitos pontos com o que foi proposto pelo papa Leão XIII: como a defesa da liberdade, da família, do Estado, da religião cristã (apesar que isso foi um ponto delicado que será comentado adiante), da propriedade privada, da economia capitalista, das leis trabalhistas, da dignidade do trabalho, da posse e uso da riqueza, da ordem pública, etc. Por outro lado, o fascismo também compartilhava da oposição as greves, a luta de classes, a igualização das classes; era contrário ao marxismo, ao socialismo e ao comunismo, por considerá-los ideologias perniciosas e contrários aos princípios anteriormente comentados. Mas além dessa simpatia com o Rerum Novarum, o fascismo também concordava com essa encíclica quanto a adoção do corporativismo em detrimento do capitalismo liberal. Vejamos o que a encíclica falava sobre o corporativismo:

"Em último lugar, diremos que os próprios patrões e operários podem singularmente auxiliar a solução, por meio de todas as obras capazes de aliviar eficazmente a indigência e de operar uma aproximação entre as duas classes. Pertencem a este número as associações de socorros mútuos; as diversas instituições, devidas à iniciativa particular, que têm por fim socorrer os operários, bem como as suas viúvas e órfãos, em caso de morte, de acidentes ou de enfermidades; os patronatos que exercem uma proteção benéfica para com as crianças dos dois sexos, os adolescentes e os homens feitos. Mas o primeiro lugar pertence às corporações operárias, que abrangem quase todas as outras. Os nossos antepassados experimentaram por muito tempo a benéfica influência destas associações. Ao mesmo tempo que os artistas encontravam nelas inapreciáveis vantagens, as artes receberam delas novo brilho e nova vida, como o proclama grande quantidade de monumentos. Sendo hoje mais cultas as gerações, mais polidos os costumes, mais numerosas as exigências da vida quotidiana, é fora de dúvida que se não podia deixar de adaptar as associações a estas novas condições. Assim, com prazer vemos Nós irem-se formando por toda a parte sociedades deste gênero, quer compostas só de operários, quer mistas, reunindo ao mesmo tempo operários e patrões: é para desejar que aumentem a sua ação. Conquanto nos tenhamos ocupado delas mais duma vez, queremos expor aqui a sua oportunidade e o seu direito de existência e indicar como devem organizar-se é qual deve ser o seu programa de ação". (RERUM NOVARUM, 1891). 

Com base nos argumentos propostos pelo papa Leão XIII, sua crítica ao capitalismo liberal devia-se a esse não conceder atenção a condição humana, preocupando-se apenas com o lucro em si. Essa crítica levou ao desinteresse de apoiar as leis trabalhistas e permitiu a exploração do trabalho. Porém, o papa defendia as corporações, pois alegava que nessas a oposição entre patrão e empregado era reduzida, onde se procurava conciliar ambas as partes, ao invés de incentivar o conflito como os marxistas, anarquistas, socialistas e comunistas propunham. 

"A violência das revoluções políticas dividiu o corpo social em duas classes e cavou entre elas um imenso abismo. Dum lado, a onipotência na opulência: uma facção que, senhora absoluta da indústria e do comércio, desvia o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os mananciais; facção que aliás tem na sua mão mais dum motor da administração pública. Do outro, a fraqueza na indigência: uma multidão com a alma dilacerada, sempre pronta para a desordem. Ah, estimule-se a industriosa atividade do povo com a perspectiva da sua participação na prosperidade do solo, e ver-se-á nivelar pouco a pouco o abismo que separa a opulência da miséria, o operar-se a aproximação das duas classes. Demais, a terra produzirá tudo em maior abundância, pois o homem é assim feito: o pensamento de que trabalha em terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação". (RERUM NOVARUM, 1891). 

Além disso, diferente do socialismo-leninista que pregava o controle da indústria e da agricultura pelos sindicatos de operários (os soviets), o corporativismo proposto pelo papa, defendia que o controle se mantivesse nas mãos dos empresários e produtores, os quais deveriam zelar pelos direitos trabalhistas, sendo supervisionados pelo Estado para cumprir tais direitos. 

"O modelo corporativo se apresenta, pois, como fórmula contraposta ao modelo sindical, que seria o gestor do conflito subjacente à sociedade industrializada ou em vias de desenvolvimento e o transformaria, de quando em quando, em uma eventual relação de força entre trabalho e lucro. O modelo corporativo, pelo contrário, impediria justamente a formação de elementos de conflito, articulando as organizações de categoria em associações entre classes e prefixando normas obrigatórias de conciliação para os dissídios coletivos do trabalho. O modelo corporativo defende a colaboração entre as classes no âmbito das categorias. Sua interpretação da dialética social é otimista, ao passo que as premissas em que se baseia o modelo sindical são conflitantes e pessimistas". (INCISA, 1998, p. 287). 

Assim, a corporação surgia como uma forma de organização autônoma, mas desprovida de direito jurídico próprio, estando subordinada ao Estado e suas leis, mas não dependente de seu controle, pelo menos no corporativismo tradicional, que ainda consiste nesse defendido pelo papa. Além disso, as corporações seriam responsáveis por regularem preços, a produção, os contratos, gerir os trabalhadores, organizando-os e fomentando a comunhão e solidariedade, evitando a concorrência agressiva, desleal e a exploração do trabalho. Sobre isso, o papa Leão XIII dizia que: 

"Os direitos, em que eles se encontram, devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve assegurá-los a todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação. Todavia, na proteção dos direitos particulares, deve preocupar-se, de maneira especial, dos fracos e dos indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injustiças, conta principalmente com a proteção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre". (RERUM NOVARUM, 1891). 

"Os modelos do 'Capitalismo corporativista' identificam o ruído desta troca numa particular relação instituída entre os grandes protagonistas do processo capitalista: empresários, sindicatos e Estado. Em termos maximais, estes três atores sociais se declaram positivamente interessados por uma gestão quase colegial do desenvolvimento, atribuindo ao Estado o papel de garante público. Em termos minimais, os três atores admitem a necessidade negativa de não fazer opções unilaterais que, ferindo uma das duas partes, ameaçaria a estabilidade complexa do sistema. [...]. No Capitalismo corporativista se instaura uma relação especial entre política e economia, que reproduz uma lógica de mercado sui generis. Os bens que são negociados não são somente salários, ocupação, produtividade, investimentos, etc. mas também formas de lealdade e de consenso político. Deste modo, o corporativismo pode funcionar como canal de legitimação de um sistema capitalista modificado, de fato, em alguns de seus mecanismos decisionais. Em perspectiva histórica, ele é fator portante daquela 'arquitetura de estabilidade' que está presente — não obstante todos os sintomas de crise — nos sistemas capitalistas contemporâneos e foi antecipada na década de vinte, quando se falou até de "refundação da Europa burguesa". (RUSCONI, 1998, p. 148).

Ludovico Incisa (1998) comenta que o corporativismo proposto pelos fascistas era diferente do corporativismo tradicional defendido pelo Partido Nacional e pelo Partido Futurista na Itália, ou até mesmo o defendido pelo papa Leão XIII. O corporativismo fascista proposto por Mussolini em 1919, não havia abolido os sindicatos, mas os mantinha com função de gestão, além de defender os direitos trabalhistas, e até incentivar a doação de terras pelo Estado para o desenvolvimento dos pequenos agricultores. Além disso, Mussolini também nesse período deixou de lado o papel do catolicismo na concepção de ordenamento da corporação, como proposta pelo papa. Pelo fato de ser ateu, Mussolini no programa do partido praticamente não menciona a religião. Independente disso, o projeto corporativista fascista mudou com o tempo

"Enquanto o Corporativismo tradicional é essencialmente pluralista e tende à difusão do poder, o Corporativismo fascista é monístico (não é por acaso que está filosoficamente ligado ao idealismo), tenta reduzir à unidade, àquela unidade dinâmica que é ambição do sistema, todo o complexo produtivo. No Corporativismo tradicional, as corporações se contrapõem ao Estado; no Corporativismo fascista, as corporações estão subordinadas ao Estado, são órgãos do Estado". (INCISA, 1998, p. 290). 

O corporativismo fascista preconizava o uso da comunhão e do sindicalismo para melhorar e maximizar a produção e o desenvolvimento tecnológico, mas também para desenvolver um sentimento patriótico e nacionalista. Alguns autores comparam tal característica com os soviets, pois esses também incentivou a comunhão, o patriotismo e o nacionalismo, além de serem subordinados ao Estado, como no caso das corporações fascistas. Mas existe algumas diferenças. Os soviets eram controlados por comitês sindicais, algo que não era feito da mesma forma com as corporações fascistas; além disso, a produção dos soviets não era de caráter capitalista como na Itália, mas pautada numa produção por demanda planejada, e depois planificada pelos Planos quinquenais propostos no governo de Stalin. Além disso, as corporações fascistas eram autônomas, podendo receber subsídios do governo, diferente da URSS onde a terra e a indústria haviam sido estatizados. 

No ano de 1927 foi aprovado pelo governo fascista a Carto do Trabalho (Carta del Lavoro), documento importante para entender as leis trabalhistas da época, a relação do trabalhador com o patrão, o funcionamento das corporações e o papel do Estado na gestão da economia. A Carta do Trabalho era outro documento que corroborava o modelo capitalista, trabalhista e corporativista adotado pelos fascistas, servindo de modelo para Portugal, Brasil e Espanha. Nesse documento ficava claramente definido que a economia estava sob tutela do Estado, antedendo seus interesses. 

A propriedade e iniciativa privada eram mantidos e assegurados. A privatização e o combate a estatização (exceto da indústria bélica) mantinham-se. Porém, a produção deveria ser desenvolvida para benefício do crescimento do país, não apenas para enriquecimento próprio. Os sindicatos tinham função representativa e não administrativa ou de chefia (como visto entre os soviéticos), além disso, todos os sindicatos deveriam seguir um plano em comum, além de serem fiscalizados diretamente pelo Estado, não possuindo autonomia propriamente. Direitos trabalhistas foram assegurados, mas outros subtraídos como o direito a greve e a formação de sindicatos próprios. No caso, o governo controlava os sindicatos para evitar que ideias contrárias ao fascismo, como o liberalismo, conservadorismo, marxismo, socialismo, comunismo e anarquismo fossem adotadas. Neste caso, os sindicatos eram essencialmente fascistas. 

Propaganda fascista enaltecendo o trabalho e o serviço militar como atos de patriotismo. A propaganda diz que o trabalhador e os soldados devem agir pela pátria e pela vitória. 

Não obstante, a partir de 1930, o chanceler Alfredo Rocco (1875-1935) defendia o corporativismo gerido pelo Estado, diferente do corporativismo tradicional que seria autônomo. Para ele o segundo modelo era mais racional, pois poderia ser planejado conforme os interesses da nação. Nesse ponto Rocco defendia que a economia deveria ser desenvolvida para o crescimento do país, não para o enriquecimento privado, como ocorria no capitalismo liberal. Com o Estado guiando a economia, tal perspectiva de formar uma classe trabalhadora disciplinada, obediente, pautada no desenvolvimento econômico e tecnológico, comprometida com o bem-estar da nação, e além de ser patriótica, era um capitalismo mais sadio do que o praticado pelos liberais, além do fato de ser mais fácil de ser controlado. 

"A fórmula de Rocco foi aceita pelo próprio Mussolini que, em novembro de 1933, apresentou ao Conselho Nacional das Corporações uma ordem do dia em que as corporações eram definidas como "instrumento que, sob a égide do Estado, torna real a disciplina integral, orgânica e unitária das forças produtivas, com vistas ao desenvolvimento da riqueza, do poder político e do bem-estar do povo italiano." Nessa mesma ocasião, Mussolini via no Corporativismo uma fórmula de economia guiada e dirigida: "O Corporativismo — acrescentou — é a economia disciplinada e, por isso, controlada, pois não se pode pensar em disciplina que não tenha controle. O Corporativismo supera o socialismo e o liberalismo, cria uma nova síntese." Comentário de Pellizzi: "Tinha-se, portanto, uma economia predominantemente 'dirigida', uma ordem social em que o fim coletivo tinha preferência, sempre que parecesse contrastar com interesses e razões particulares ou privadas". (PELLEZI, 1948 apud INCISA, 1994, p. 290). 

Não obstante, se antes Mussolini ainda mantinha apresso pelo sindicalismo como observado em 1919, em 1930, ele havia mudado de opinião. Para ele o sindicalismo de fato não funcionava por si só, como defendia os socialistas e comunistas, pois incentivava a luta de classe, a indisciplina e retirava do Estado o controle da economia, pois tornava-a coletiva. Por sua vez, o sindicalismo subordinado a corporação, o tornava disciplinado a mesma, e sob controle do Estado. A economia era um bem privado a serviço do Estado, não ao capital individual dos liberais ou ao coletivismo socialistaO sindicalismo neste contexto, manteria o papel não de controlador da produção como visto entre os soviets (exceto na época de aplicação dos planos quinquenais, onde eles se tornavam temporariamente subordinados ao Estado), mas seriam responsáveis por administrar os direitos dos trabalhadores. Embora alguns teóricos do corporativismo fossem contrários a isso, como Ugo Spirito, que defendia um corporativismo sem sindicatos. (INCISA, 1994, p. 290). 

Pela perspectiva apresentada pelo papa Leão XIII e adotada por Mussolini, o corporativismo não negava o capitalismo como alguns autores sugerem, mas combatia a exploração do trabalho, diminuía o livre comércio, pois abria espaço para a criação de monopólios, trustes e cartéis. Nesse sentido o corporativismo fascista era contrário ao capitalismo liberal, por se tornar dependente do Estado e defender a formação de organização e políticas econômicas que podiam inibir a livre concorrência, pois o interesse era administrar a produção não para fins particulares e individuais, mas para o desenvolvimento conjunto da nação. No entanto, o fato de Mussolini ter adotado o corporativismo como forma de substituir o liberalismo, mas também de não adotar modelos de esquerda como o socialismo, marxismo e muito menos o comunismo e o anarquismo, diz respeito que o corporativismo também estava associado com a política e a sociedade. 

Primeiro, Mussolini na época que era socialista, era contrário ao capitalismo, depois ele voltou atrás, passou a reconhecer a importância do capital, porém, para seu projeto de governo era mais interessante empregar um modelo que lhe desse margens para ser controlado. É preciso lembrar que em ditaduras de direita ou de esquerda, a sociedade, economia, cultura e política são manipulados e controlados. O liberalismo tradicional e o neoliberalismo defendem o livre comércio e a pouca intervenção do Estado, para Mussolini que detinha fome de poder, isso não era interessante. Antonio Costa Pinto (2014) comenta que o corporativismo não se limitava apenas a questão de controle indireto da economia pelo Estado, ou a concentração do controle do mercado pelas corporações e grandes empresas, mas também incidia sobre a política e a sociedade

"o corporativismo social 'pode ser definido como um sistema de representação de interesses no qual as unidades constituintes são organizadas em um número limitado de categorias singulares, compulsórias, não competitivas, hierarquicamente ordenadas e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas ou licenciadas (se não criadas) pelo Estado e concedidas, enquanto um monopólio deliberadamente representacional, dentro de suas respectivas categorias, em troca da supervisão da seleção de líderes e da articulação de demandas e apoios'". (PINTO, 2014). 

"o corporativismo político pode ser definido como um sistema de representação política, baseado numa visão 'orgânica-estatista' da sociedade, em que suas unidades 'orgânicas' (famílias, poderes locais, associações e organizações profissionais e instituições de interesses) substituem o modelo eleitoral, centrado no indivíduo de representação e de legitimidade parlamentar, tornando-se o principal e/ou complementar órgão legislativo ou consultivo do governo executivo". (PINTO, 2014).

Giovanni Gentile

O comentário de Pinto sobre o uso do corporativismo social e político para a formação do Estado fascista é pertinente e corrobora a própria opinião de teóricos do fascismo na época, como o filósofo Giovanni Gentile (1896-1979), redator e um dos autores do Manifesto do intelectual fascista (Il Manifesto degli intellenttuali del fascismo), publicado em 1925. No caso, Gentile era um árduo defensor da centralização do Estado, do nacionalismo, do patriotismo e do capitalismo de base corporativista. Nesse manifesto, Gentile legitimava o fascismo como um movimento revolucionário, nacionalista, patriótico, militar e corporativista, preocupado com o progresso, a unidade nacional e o bem-estar da nação. Para ele o liberalismo não ajudava na construção de uma política nacionalista-patriótica, pois o Liberalismo era adepto do Individualismo, o que a seu ver era um problema para criar uma unidade nacional, pois fomentava o desinteresse da população frente ao bem-estar da nação. Com isso o corporativismo consistia num modelo mais eficaz, para unificar o povo, gerando neles um sentimento de serem italianos, de serem uma nação. Gentile também alegava que o endurecimento da polícia e da censura eram necessários para garantir a ordem e a boa convivência na pátria, e discordava daqueles que diziam que o fascismo era um governo autoritário e antiliberal. Pois como dito, o direito a liberdade, a democracia, a propriedade, ao trabalho, educação, saúde, lazer, bem-estar, etc. eram mantidos como visto no liberalismo, a crítica era ao individualismo, utilitarismo e ao livre comércio.  

2) Nacionalismo e culto ao líder:

Vamos começar pela ideia de nacionalismo. Enfatizar um governo nacionalista não é algo ruim, pois o nacionalismo consiste numa ideologia política de exaltação da cultura nacional, como forma de inculcar em seus cidadãos o amor por seu país, por sua língua, sociedade e costumes. No caso, o nacionalismo também se funde ao patriotismo, o qual está mais relacionado com a adoração dos símbolos nacionais (bandeira, hino, selo, brasão de armas, etc.). 

"Em seu sentido mais abrangente o termo Nacionalismo designa a ideologia nacional, a ideologia de determinado grupo político, o Estado nacional, que se sobrepõe às ideologias dos partidos, absorvendo-as em perspectiva. O Estado nacional geral o Nacionalismo, na medida em que suas estruturas de poder, burocráticas e centralizadoras, possibilitam a evolução do projeto político que visa a fusão de Estado e nação, isto é a unificação, em seu território, de língua, cultura e tradições". (LEVI, 1988, p. 799). 

O problema do nacionalismo é quando ele se torna uma obsessão. O Nazismo pregou um ferrenho nacionalismo étnico a ponto de condenar os judeus, ciganos, negros e outras etnias que moravam no país. No Maoismo ocorreu a tentativa de "uniformizar" a nação, onde em algumas cidades, os cidadãos eram todos trajados com uniformes. No caso do Fascismo, os fascistas na carta programa do partido já se apresentavam como defensores da língua latina no Mediterrâneo e em suas colônias. Todavia, ao longo da ditadura fascista, tornou-se claro essa opinião nas vezes que Mussolini alegava que o Estado fascista era herdeiro do Império Romano

Como o fascismo adotou uma postura imperialista e neocolonialista, algo que veremos adiante, fica claro essa imagem que Mussolini pregava publicamente. O mesmo também foi válido para Adolf Hitler, o qual alegava que iria "restaurar a grandeza do povo alemão". 

Propaganda fascista apresentando uma mulher beijando a bandeira nacional italiana que contém, uma águia negra segurando o fasci, símbolo fascista. 

A imagem acima é bastante interessante para uma rápida análise acerca das pretensões grandiloquentes do fascismo. Na prática nenhum partido político pode utilizar a bandeira nacional para vincular ideias próprias, porém, vemos na imagem acima, um exemplo da bandeira nacional exibindo um símbolo fascista, como forma de mostrar a população quem era que estava no poder. A condição dos partidos de não poderem usar o símbolo nacional, parte do princípio democrático da representatividade de opiniões políticas contrárias, pois a nação é formada por várias opiniões e culturas. No caso da Itália fascista, o partido apoderou-se da imagem nacional, apresentando-se como a única vontade política do Estado. Além de ser o único partido dominador, tendo abolido os outros partidos. 

Quando uma política nacionalista chega a esse ponto, ela se torna conservadora para influências externas e até mesmo reacionária, preconceituosa e agressiva. Isso também é nítido no programa do partido, na seção sobre educação, quando se diz que os professores deveriam realizar um ensino nacionalista e combater o antinacionalismo, que no caso incluiria tudo aquilo que fosse de encontro aos interesses do Estado. Não obstante, Mussolini e outros intelectuais fascistas defendiam que o Estado era o cerne da doutrina fascista. Sua ideia de democracia, liberdade e nacionalismo existiam dentro do Estado. Sobre a noção de Estado, ele escreveu:

"Na primeira assembléia quinquenal no regime, em 1929, eu falei 'O Estado Fascista não é um guarda noturno, preocupado apenas com a segurança pessoal dos cidadãos; nem é organizado exclusivamente com o propósito de garantir um certo grau de prosperidade material e condições de vida relativamente pacíficas, [para isso] um conselho administrativo seria o suficiente. Mas também não é exclusivamente político, divorciado das realidades práticas e distante das diversas atividades dos cidadãos e da nação. O Estado, como concebido e concretizado pelo Fascismo, é uma entidade ética e espiritual que assegura a organização política, jurídica e econômica da nação, uma organização que da sua origem e do seu crescimento, é uma manifestação do espírito. O Estado garante a segurança interna e externa do país, mas também assegura e transmite o espírito do povo, elaborado através das eras, na sua língua, nos seus costumes, na sua fé. O Estado não é apenas o presente; ele é também o passado e, acima de tudo, o futuro. Transcendendo o breve conjuro de vida do indivíduo, o Estado se mantem como a consciência imanente da nação. As formas em que ele acha expressão mudam, mas a necessidade dele continuam. O Estado educa os cidadãos para o civismo, deixa-os cientes da sua missão, impulsiona-os para a união; a sua justiça harmoniza os seus [dos cidadãos] interesses divergentes; ele transmite para as futuras gerações a conquista da mente nos campos da ciência, arte, lei, solidariedade humana; ele leva o homem das formas primitivas de vida tribal para as manifestações superiores do poder humano, governo imperial. O Estado entrega para as futuras gerações, a lembrança daqueles que deram sua vida para assegurar a sua segurança e para obedecer as suas leis; ele mostra exemplos e memórias para as eras futuras, de nomes dos capitães que aumentaram o seu território e dos homens-de-gênio que o fizeram famoso. Em qualquer momento que o respeito pelo Estado declina e as tendências desentegradoras e centrifugas de indivíduos e grupos prevalecem, as nações rumam ao declínio'.” (MUSSOLINI, 2012). 

Outro aspecto relacionado ao nacionalismo fascista, foi o culto ao líder. De fato utilizar a imagem do líder para personificar o representante da nação é uma ideia bem antiga, utilizada por governos monárquicos, republicanos, ditatoriais e tirânicos. (BARBU, 2002, p. 120). Mussolini acabou por fazer o mesmo. Ele construiu toda uma imagem política em torno de sua pessoa, inclusive os títulos que recebia reforçavam esse imaginário dele como o líder da nação. Em 1925 Mussolini recebeu do rei Vitor Emanuel III o epíteto de Duce (líder em italiano), posteriormente passou a ser referido como "Sua Excelência Benito Mussolini, Chefe de Governo, Duce do Fascismo e Fundador do Império"

Propaganda fascista de 1935, representando Mussolini com uma criança no colo. Na propaganda está escrito que Benito Mussolini ama muito as crianças, e as crianças italianas o amam muito. Então segue-se saudações de vivas para o Duce. 

A propaganda acima é um claro exemplo do uso político da imagem, algo relacionado a tendências nacionalistas das quais o fascismo fez uso, mas também uma prática adotada por governos monárquicos, republicanos e ditatoriais. No caso de ditaduras como foi o fascismo, era comum o líder torna-se um modelo de civilidade e patriotismo. Essa propaganda é bastante poderosa simbolicamente, pois em geral as crianças estão associadas com a ideia de pureza, inocência, crescimento, futuro e esperança. (CHEVALIER, GHEERBANT, 1986, p. 752-753)

No caso dessa propaganda, Mussolini é apresentado como um líder que se preocupa com o bem-estar das crianças de seu país, um líder que zela pelo futuro das vindouras gerações de sua pátria. Em contrapartida, as crianças saúdam a figura paternal de seu líder de Estado. Dessa forma Mussolini consegue atrair para si a imagem de um governante justo, bondoso, atencioso e preocupado com o futuro da nação. 

"O líder, que sabem muito em que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que sua força baseia-se na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. No momento em que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar), qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e cada um deles despreza, por sua vez, os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa". (ECO, 2018, p. 41). 

Nas décadas de 1930 e 1940 o nacionalismo fascista aderiu de vez a postura do racismo científico, ao ponto de emitir propaganda e até mesmo autorizar a publicação de revistas, manuais, jornais e outras publicações que incentivassem a supremacia da "raça italiana", como também defender as teorias que os judeus e os negros eram biologicamente inferiores. O auge dessa propaganda discriminatória ocorreu entre 1938 e 1943, enquanto perdurou uma das principais publicações voltadas para este assunto, a revista La difesa della razza, fundada em agosto de 1938. (CAPORELLA, 2008). 


Capa da edição 1 da revista La difesa della razza, 5 de agosto de 1938. 

Vittorio Capporella (2008) comenta que entre os principais objetivos dessa revista, estava difundir o "mito da raça itálica", algo que remontaria a origem do povo romano, contado ao longo da História, a imponência da história romana que encarnaria toda a noção de nacionalismo italiano. Benito Mussolini chegou a ser comparado a César e alguns imperadores romanos. Tal tradição inventada, foi bastante útil para tornar o fascismo um regime atrativo aos olhos da massas, assim como, uma forma de abafar sua opressão, censura e violência. Outra característica foi mostrar através de características estereotipadas e falseadas porque os judeus, africanos, asiáticos e indígenas seriam biologicamente "inferiores". Por fim, um último objetivo, era de instruir a população italiana a evitar ter contato com essas "raças inferiores"Os italianos nas colônias africanas deveriam evitar manter relações sexuais com os nativos ou namorá-los. Pois isso seria misturar-se com "raças inferiores", e as crianças nascidas dessas relações, eram encaradas como "degeneradas". 

2) Imperialismo e neocolonialismo

Na primeira metade do século XX, ainda predominavam ideais imperialistas e neocolonialistas. O imperialismo visava expandir sua influência política, econômica e cultural de forma indireta ou direta. Entre 1870 e 1945 o imperialismo se confunde com o neocolonialismo, pois opta por ações militares e até mesmo de invasão, intervenção e ocupação, procurando estender ao máximo a manutenção das colônias europeias que ainda existiam na África e na Ásia. (PISTONE, 1998, p. 619). 

Tal condição era defendida pelo Partido Nacional Fascista como podemos ver tanto no manifesto quanto no programa do partido. Seus dirigentes não abriam mão de que a Itália deveria abandonar seus territórios ocupados durante a Primeira Guerra, ou desistir de suas antigas colônias na África. Com isso Mussolini se esforçou para manter os domínios italianos especialmente na África, em países como a Líbia e a Etiópia. E também na Europa, sobre os territórios de Montenegro, Croácia, Macedônia e Grécia


Os territórios ocupados pela Itália entre 1870-1945. Em verde claro as terras conquistadas durante a ditadura fascista. 

Benito Mussolini escreveu na Doutrina do Fascismo, o seguinte a respeito do imperialismo e sua importância para a Itália:

“O Estado Fascista expressa a sua vontade de exercer o poder e comandar. Aqui a tradição Romana é incorporada por um conceito de força. Poder imperial, como entendido pela doutrina Fascista, não é apenas territorial, militar ou comercial; é também espiritual é ético. Uma nação imperial, ou seja, uma nação que é direta ou indiretamente uma líder para outras, pode existir sem a necessidade de conquistar uma única milha quadrada de território. O Fascismo vê no espírito imperialista – i.e. na tendência das nações expandirem – uma manifestação da sua virilidade. Na tendência oposta, que limitaria os seus interesses ao país natal, ele vê um sintoma de decadência. Os povos que se elevam ou relevam são imperialistas; a renúncia é uma característica de povos que estão morrendo. A Doutrina Fascista é melhor aplicada às tendências e sentimentos de um povo que, como o italiano, depois de estar em pousio por séculos de servidão estrangeira, está agora se reafirmando no mundo”. (MUSSOLINI, 2012). 

Entretanto, devido ao nacionalismo conservador dos fascistas, a ideia não era ocupar esses países no intuito de desenvolvê-los, mas sim de explorá-los. Em nações como a Líbia e a Etiópia, houve forte resistência de seus habitantes, os quais negavam-se a aceitar o controle estrangeiro. Os fascistas estavam interessados em explorar os recursos naturais destes países, seu posicionamento estratégico e a mão de obra barata. Por outro lado, eles massacravam quem fosse contrário, assim como, não permitia que as populações de suas colônias migrassem para a Itália, especialmente das colônias africanas. 

Manifesto do Núcleo Propaganda, de 1944. Nesse manifesto, alerta-se para a ameaça dos africanos que poderiam lhe roubar ou estuprar as mulheres italianas. Isso era um alerta para mantê-los distantes. 

Apesar de os nazistas terem ficado mais conhecidos pelo xenofobismo e o racismo, os fascistas também empregam tal posicionamento em seu governo. Encontram-se cartazes de ordem moral e cívica, pautados no antissemitismo e no racismo científico, que apesar de estar em crise, ainda encontrava adeptos e defensores. Na propaganda acima, vemos um homem negro atacando uma italiana. As palavras em caixa alta são um alerta para o povo italiano, para dizer que devam proteger suas mulheres desses homens bárbaros. Isso tratava-se de uma propaganda política contrária a imigração de africanos para Itália, e até mesmo contrária a miscigenação "racial", pois italianos viviam nas colônias africanas e eram instruídos a não se "misturarem" com aquela gente. Umberto Eco (2018, p. 40)  escreveu que isso fazia parte da política fascista de controle, assim como, de incentivar uma ideia de superioridade racial e a necessidade de ter inimigos para se promover a formação de um exército forte e pronto para defender a nação. 

3) Totalitarismo e censura

O filósofo e sociólogo alemão Herbet Marcuse (1999, p. 109), comparava os regimes ditatoriais do Nazismo e do Fascismo como tendo várias características em comum, principalmente pela óptica da supressão dos direitos civis individuais, algo característico de várias ditaduras. Marcuse reconhecia que mesmo em Estados democráticos, o governo pode interferir nos direitos individuais de forma em garanti-los ou evitar o seu mau uso. Entre esses direitos ele salientava os direitos de ir e vir, liberdade de opinião, direito a segurança, integridade pessoal, moradia, educação, emprego, saúde, opção religiosa, etc. Todavia, quando pegamos os casos do Nazismo e do Fascismo como ele salientava, tais direitos foram em dados momentos controlados, suspensos ou proibidos. 

Vimos que o programa do PNF acerca da educação, pautava-se numa educação nacionalista, logo, tudo que fosse contrário aos preceitos nacionalistas deveria ser posto de lado e não ensinado - censura no ensino. Não obstante, o Partido Fascista perseguiu todos aqueles que foram contrários ao seu governo - censura política. O Estado fascista difundiu ideias antissemitas e racistas, inclusive decretando que o povo italiano evitasse ter contato com povos de "raças inferiores" e evitassem se "miscigenar" - censura social. 

"O domínio da lei, o monopólio do poder coercitivo e a soberania nacional foram as três características do Estado moderno que mais claramente expressaram a divisão racional de funções entre o Estado e a sociedade". (MARCUSE, 1999, p. 109).

Nesse ponto o Fascismo tornava-se um regime totalitário ou autoritário. Ainda hoje existe divergências quanto a que modelo o fascismo se encaixava, apesar de que não seja mais dúvida que de fato o governo fascista de Mussolini (1922-1943) foi uma ditadura. Devido haver essa divergência, optei em mostrar conceitos de totalitarismo e autoritarismo, e através de alguns exemplos ver como tais conceitos se encaixavam no perfil histórico-político do regime fascista italiano. 


“Debaixo do primeiro perfil, os regimes autoritários se caracterizam pela ausência de Parlamento e de eleições populares, ou, quando tais instituições existem, pelo seu caráter meramente cerimonial, e ainda pelo indiscutível predomínio do Poder Executivo. No segundo aspecto, os regimes autoritários se distinguem pela ausência da liberdade dos subsistemas, tanto no aspecto real como no aspecto formal, típica da democracia. A oposição política é suprimida ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um simulacro sem incidência real. A autonomia dos outros grupos politicamente relevantes é destruída ou tolerada enquanto não perturba a posição do poder do chefe ou da elite governante. Neste sentido, o Autoritarismo é uma categoria muito geral que compreende grande parte dos regimes políticos conhecidos, desde o despotismo oriental até ao império romano, desde as tiranias gregas até às senhorias italianas, desde a moderna monarquia absoluta até à constitucional de tipo prussiano, desde os sistemas totalitários até às oligarquias modernizantes ou tradicionais dos países em desenvolvimento”. (STOPPINO, 1998, p. 100).

No programa do Partido Nacional Fascista como apresentado anteriormente, nota-se a postura dos fascistas em procurar reduzir a burocracia do governo, de abolir o reduzir o papel do Parlamento e outras instituições específicas. Na prática, isso foi um pouco diferente. O Parlamento e o Senado continuaram a existir como órgãos de fachada, pois na prática quem controlava o Poder Executivo, era o Grande Conselho Fascista, conselho criado para ajudar o Duce na gestão do país. Não obstante, as Câmaras Fascistas tornaram-se os principais representantes locais nas cidades e províncias. Em 1928, o PNF oficialmente tornava-se o partido representante do Estado italiano. Na prática, nenhum outro partido do país poderia concorrer as eleições dos principais cargos administrativos da nação. (POULANTZAS, 1978, p. 378).

Apesar de o fascismo não ter abolido totalmente o partidarismo, o seu partido tornou-se o único a controlar os principais órgãos executivos da Itália, assim como, influenciar no Poder Judiciário e Legislativo, o que evidencia uma ditadura instaurada. Aqui observa-se algumas das características citadas por Mario Stoppino, mencionadas acima. 

Mas por outro lado, o fascismo também foi um totalitarismo segundo alguns estudiosos. Por exemplo Hannah Arendt em seu livro As origens do totalitarismo (1951), considerava o governo de Mussolini totalitário como o de Hitler e o de Stalin, apesar de que Mussolini matou menos gente do que os outros dois. Nesse ponto, Arendt (1979, p. 355-357, 389-393, 439-442) salientava que um governo totalitário possuía três características centrais: 
  • manipulação das massas através da construção de uma poderosa e influente propaganda política de caráter nacionalista e patriótico. Exaltação da imagem do líder como um modelo ideal;
  • uso extensivo da propaganda política para mostrar sempre coisas boas, mostrando o país sempre de uma perspectiva superior e próspera, omitindo qualquer imagem e opinião negativa, mesmo que fosse verdadeira;
  • discurso revolucionário permanente, alegando em se tratar como o único meio de salvaguardar a nação, restaurar a ordem e a prosperidade e garantir a manutenção para um bom futuro. 
Quando pegamos tais características e a aplicamos a história do fascismo, podemos encontrar todos estes pontos presentes. Como vimos, o fascismo durante os anos de 1919-1921 tratou de se firmar como partido político, procurando apoio nas massas, especialmente nos setores descontentes da população italiana: militares de baixa patente descontentes como descumprimento das promessas do governo; o pequeno e médio agricultor ameaçado pelos latifundiários, algo interessante, pois posteriormente os fascistas diziam que iriam combater a plutocracia (governo do campo); os operários descontentes com os sindicatos e o Partido Socialista, e a pequena burguesia que ansiava crescer e galgar postos no Estado. 

Toda essa bagagem continuou a ser mantida pelos fascistas durante seu governo, inclusive em parte foi retribuída pelo apoio fornecido. Mussolini e o PNF, permitiu a ascensão de parte da pequena burguesia, embora fosse algo contraditório, pois anos antes Mussolini criticava o "aburguesamento" do Estado. No caso dos pequenos e médios agricultores, estes foram beneficiados até certo ponto, mas não se livraram totalmente da plutocracia. Os operários ganharam alguns benefícios trabalhistas, mas continuaram a mercê da exploração do trabalho, e inclusive perderam direitos devido ao controle do Estado sobre os sindicatos. Os militares conseguiram ascender, especialmente os de patente mediana e alta, enquanto os de patente baixa foram enviados para as colônias e os conflitos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os colonos e estrangeiros de origem judia, africana e asiática não foram bem recebidos e não tiveram ajuda do governo. (RENTON, 1999, p. 33). 

A própria fala de Benito Mussolini sobre a sua percepção de Estado, nação, liberdade, patriotismo, cidadania e civismo, também refletem a dinâmica totalitária adotada por seu governo, onde ele construiu toda uma ideologia e doutrina, que justificavam que um italiano somente era italiano, se vivesse sob o regime fascista e o servisse. 

“Anti-individualista, a concepção Fascista da vida sublinha a importância do Estado e aceita o indivíduo somente enquanto os seus interesses coincidam com aqueles do Estado, que luta pela consciência e pelo universal, a vontade do homem como ente histórico. É contrário ao liberalismo clássico, que surgiu como reação ao absolutismo e exauriu sua função histórica no momento em que o Estado se tornou a expressão da consciência e da vontade do povo. O liberalismo negou o Estado em nome do indivíduo, o Fascismo o reassegura.

Os direitos do Estado expressam a verdadeira essência do indivíduo. E se a liberdade para ele é uma característica de homens vivos e não de bonecos abstratos inventados pelo liberalismo individualista, então o Fascismo luta pela liberdade, e pela única liberdade digna de se possuir, a liberdade do Estado e do indivíduo dentro do Estado. A concepção Fascista do Estado engloba tudo; fora dele nenhum valor espiritual ou humano pode existir, muito menos ter valor. Assim entendido, o Fascismo é totalitário, e o Estado Fascista, uma síntese e uma unidade que inclui todos os valores, interpreta, desenvolve e potencializa a totalidade da vida de um povo.

Nenhum indivíduo e nenhum grupo (partidos políticos, associações culturais, sindicatos, classes sociais) fora do Estado. Portanto, o Fascismo é contrário ao Socialismo, ao qual a unidade dentro do Estado (que solidifica as classes dentro de uma única realidade ética e social) é desconhecida, e que vê na história nada além da luta de classes. Deste modo, o Fascismo é contrário ao sindicalismo como arma de classe. Mas quando trazido para dentro da órbita do Estado, o Fascismo reconhece as verdadeiras necessidades que deram origem ao socialismo e sindicalismo, dando a elas o peso correto dentro das associações ou sistema cooperativo, nos quais interesses divergentes são coordenados e harmonizados na unidade do Estado”. (MUSSOLINI, 2012).

Entretanto, o Estado fascista mantinha propagandas que diziam o contrário. De fato houve melhorias na economia, na infraestrutura, transportes, comunicação, produção de energia e água, crescimento do bem-estar, etc. Uma propaganda nacionalista, imperialista e militar, que alegava que o fascismo estava dando segmento a revolução iniciada em 1922, aquela revolução permanente que proporcionaria cada vez mais o crescimento da nação.(PAXTON, 2004). 

Cartaz do governo convidando para um desfile das tropas revolucionárias fascistas, que ocorreria em Roma. Na parte inferior do cartaz, está o aviso de que as passagens ferroviárias teriam desconto de 70% nos preços, um incentivo para a população participar desse grande evento patriótico. 

A ideia de que o fascismo era um partido revolucionário e havia instaurado uma revolução em 1922 e que essa continuava, perdurou por anos. 

"Dez anos depois [1932], num diário escrito com uma visão retrospectiva incomum, Ítalo Balbo, um dos seguidores mais violentos do Duce, escreveria que desde o início o fascismo tinha certeza de que seu destino era a tomada do poder por uma insurreição violenta que assinalaria uma ruptura entre a antiga Itália e um novo país em surgimento. Muitas vezes aqueles que agem na ilegalidade tentam encontrar justificativas legais para seus atos. Às vezes, os revolucionários insistem na legalidade de seus atos, ignorando os atalhos que tiveram de tomar". (SASSOON, 2009, p. 7). 

Mas tudo isso somente foi possível através da custa de vinte e dois anos de ditadura, que tirava de um lado para dar ao outro, ao mesmo tempo em que abafava com sua censura e sua polícia política, qualquer manifestação que ousasse denunciar os erros e falcatruas do governo. Nesse ponto, temos outras características em comum com governos autoritários e totalitários: o uso de meios legais para coerção, censura e controle da opinião pública e retenção ou contenção dos direitos individuais dos cidadãos. 

A censura fascista é marcada por diferentes contextos e agentes, aqui abordarei três exemplos. O primeiro diz respeito a criação de uma polícia secreta e política para combater toda a oposição contra o PNF e o Estado fascista. Em 31 de outubro de 1926, na celebração do quarto ano da posse do Duce, o anarquista Anteo Zamboni (1911-1926) tentou matá-lo, enquanto o Duce se encontrava em Bologna. Na ocasião Zamboni foi impedido pela polícia, e espancado até a morte. Após tal incidente, Mussolini decidiu criar uma polícia especial, chamada de Organização para a Vigilância e Repressão do Anti-fascismo (Organizzazione per la Vigilanza e la Repressione dell'Antifascismo - OVRA). 

Com a OVRA, Mussolini criou um serviço de espionagem, busca, vigilância e repressão como assinalava o nome da polícia. Com isso ele passou a combater todos os grupos e movimentos contrários ao governo, assim como, decretando prisões políticas, exílios e execuções. Não obstante, Mussolini também aboliu o pluripartidarismo, instaurando que o Partido Nacional Fascista seria o único legitimamente autorizado a representar o povo italiano. Não obstante, para cooperar com a OVRA, foi criada a MVSN

"O papel da política política é prolongado pela milícia (M.V.S.N - Milícia Voluntária para a Segurança Nacional), depurada dos seus elementos "esquerdistas", e muito melhor controlada pela direção fascista do que o próprio partido. O esquadrões de ação - as squadre - somente são integrados na milícia, em 1923, após uma rigorosa triagem; em 1927, a milícia torna-se oficialmente um 'corpo armado do Estado', diretamente dependente do Duce: os seus membros não prestam juramento ao rei, mas sim ao Duce. Tal como no caso das SS, a 'cúpula' da milícia pertence muito mais à burguesia do que à pequena burguesia". (POULANTZAS, 1972, p. 378). 

A OVRA servia aos interesses do Estado e do Grande Conselho Fascista, enquanto a MVSN servia diretamente ao Duce, quase como se fosse sua guarda pessoal, apesar de que Mussolini poderia autorizá-la a entrar em ação para cooperar com a polícia comum ou o OVRA. O terceiro exemplo que comentarei, diz respeito a repressão que o governo impôs a Igreja Católica. 

"Dizem que da Itália vem uma piada sobre Mussolini. 'Ele morreu e foi para o céu, onde houve um tremendo desfile para ele... No meio deste, Signor Mussolini de repente percebe que sua coroa era mais alta que a de Deus e educadamente pergunta por quê'. 'Dei a seu povo um dia de jejum por semana', Deus respondeu. 'Você lhes deu sete. Eu lhes dei fé e você a tirou. Você é maior do que eu'. Esta piada pode ilustrar os mecanismos psicológicos que determinam e perpetuam a moral nos países fascistas". (MARCUSE, 1999, p. 215). 

Apesar da anedota apontada acima, antes do Tratado de Latrão em 1929, os fascistas se mostravam neutros quanto ao papel da Igreja Católica. Apesar que alguns de forma individual se declaravam contrários a intervenção do catolicismo sobre a sociedade e a cultura, algo visto ainda no manifesto de 1919. Todavia, após 1922, as relações com a Igreja começou a mudar. A oposição que existia entre fascismo e catolicismo foi se desenvolvendo até gerar uma união, embora não signifique que a doutrina fascista fosse submissa ao cristianismo. Mais por uma questão de interesse do que de fé propriamente dita, o fascismo utilizou o discurso religioso para ganhar apoio da sociedade. 

A ideologia fascista: 

Nessa penúltima parte do texto, comentarei alguns aspectos de ordem teórica para entender a manifestação do fascismo, para finalmente chegar ao neofascismo e o contexto atual em que a palavra se tornou tão recorrente como forma de acusação. Mas em poucas linhas, o que foi o fascismo?

"Em geral, se entende por Fascismo um sistema autoritário de dominação que é caracterizado: pela monopolização da representação política por parte de um partido único de massa, hierarquicamente organizado; por uma ideologia fundada no culto do chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema de tipo corporativo; por objetivos de expansão imperialista, a alcançar em nome da luta das nações pobres contra as potências plutocráticas; pela mobilização das massas e pelo seu enquadramento em organizações tendentes a uma socialização política planificada, funcional ao regime; pelo aniquilamento das oposições, mediante o uso da violência e do terror; por um aparelho de propaganda baseado no controle das informações e dos meios de comunicação de massa; por um crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado; pela tentativa de integrar nas estruturas de controle do partido ou do Estado, de acordo com uma lógica totalitária, a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais". (SACCOMANI, 1994, p. 466, grifos meu). 

Nesse ponto, Edda Saccomani (1994, p. 467) com base no estudo de Ernest Mandel, no livro Theorien über den Faschismus (1969), propôs que haveria duas grande categorias para se entender a ideologia fascista e sua manifestação política e histórica. A categoria singular, na qual restringe-se a perceber o Fascismo como um produto genuinamente de origem italiana, surgido após o término da Primeira Guerra, tendo sido fruto principalmente dos propósitos de Benito Mussolini, o qual se tornou o líder do Estado Fascista (1922-1943). Os defensores dessa visão de interpretação, consideram o uso do termo neofascista complicado de ser utilizado, pois para os apoiadores dessa abordagem singular, o fascismo foi fruto específico de um determinado contexto, não podendo ser comparado a outros contextos posteriores. 

Comecemos por essa categoria singular, como comentada por Saccomani (1994). Alguns estudiosos chegaram a dizer que o Fascismo foi desprovido de ideologia, tendo apenas pegado emprestado de outras ideologias, ideias como o corporativismo, o nacionalismo, estatização, unipartidarismo, sindicalismo, direitos trabalhistas, etc. No entanto, o Fascismo italiano contou com filósofos e economistas que escreveram a respeito de sua ideologia, o que incluiu o próprio Mussolini. 

No ano de 1930 foi criada a Escola Mistica Fascista (Scuola di Mistica Fascista), pelo jornalista e filósofo Niccòlo Giani (1909-1941), que a dirigiu até o fim da vida. A presidência da escola foi dada a Vito Mussolini, um dos sobrinhos do Duce. Apesar do nome misticismo, essa escola não tinha nada de esotérico, mágico ou alquímico, mas seu intuito era a doutrinação dos jovens e adultos. A ideia da escola era ensinar a ideologia fascista ao futuros novos políticos, como forma de perpetuar e dar segmento a revolução fascista. Giani queria dessa forma manter o controle da situação, evitando que os jovens fossem desvirtuados do caminho fascista ou influenciados por outras ideologias contrárias ao fascismo. 


Livro o Risorgimento e Fascismo de Leo Pollini. Um dos livros usados na Escola Mística Fascista

Payne (1995, p. 215) comenta que apesar da Escola Mística Fascista não estivesse associada a questões mágicas, místicas e esotéricas, o controverso "misticismo" que ela se referia, estaria relacionado a mitos políticos e uma ideia de "crença fascista". Stanley Payne comenta que em 1933, Emilio Gentile publicou um livro intitulado Il culto del littorio, o qual instituía celebrações de ordem civil que passavam a ter um caráter sacralizado. Assim, Gentile propunha tornar o cerimonial civil fascista numa espécie de "nova religião". Curiosamente em 1925, o historiador Benedetto Croce, em seu manifesto antifascista dizia que os fascistas pareciam proclamar uma nova fé.

A obra de Gentile é interessante, pois completa a postura fascista dos anos 1930. O calendário italiano para preceitos civis, foi alterado, passando-o a contar os anos a partir de 1922, data da ascensão de Mussolini ao cargo de primeiro-ministro. Além disso, o próprio Duce em 1932, proclamava na Doutrina do Fascismo (La dottrina del fascismo), que o Fascismo seria um estilo de vida, uma comunidade espiritual, a crença numa ideologia por um mundo melhor, mais justo, unido, próspero e forte. Percebe-se aqui o misticismo pairando nas pretensões fascistas de querer tornar sua ideologia político-social numa suposta crença sem teologia e sem uma divindade, mas pautada numa sacralidade de culto a nação e o líder. (PAYNE, 1995, p 216). Tal ideia não era nova, Robespierre tentou algo parecido em 1793, ao instituir o Culto a Razão. Os fascistas repetiam a fórmula. Seus símbolos nacionais eram quase sagrados. Sua ideologia foi mitificada. O Duce era comparado com um novo César. 

A Doutrina do Fascismo em exemplar publicado na Enciclopédia Italiana, coleção lançada para celebrar os 10 anos do regime fascista. 

Ainda sobre a Doutrina do Fascismo, publicado em 1932, Mussolini voltava a inteirar que o fascismo era contrário ao marxismo-socialismo e o comunismo; e julgava que o liberalismo teve êxito no século XIX, mas havia fracassado no século XX, sendo o corporativismo um modelo mais seguro. Não obstante, Mussolini dizia que o regime fascista era uma inovação política, uma nova via para aqueles que por um lado se encontravam fragilizados pela decadência do liberalismo tradicional ou assombrados pela severidade do socialismo. Mussolini também alegava que no fascismo desde o pequeno agricultor e operário até o burguês e o industrial, eram salvaguardados pelo Estado, pois no socialismo a burguesia e a elite eram suprimidos em detrimento do proletariado, e no liberalismo, a burguesia e a elite viviam no fausto, enquanto os trabalhadores padeciam. 

Não obstante, a Doutrina do Fascismo também preconizava que o fascismo tinha como ideários defender o país, o patriotismo, o povo, a família, a propriedade privada, a liberdade, a segurança, o lar, etc. além de assinalar o papel da religião para o bem-estar da nação. Algo encarnado no discurso de "Deus, Pátria e Família", usado posteriormente, o qual segue essa linha, onde através do uso do discurso religioso cria-se um clima salvacionista, mas também diabólico, apontando-se vilões para receberem a culpa pelas mazelas e problemas do país, e apontando heróis para resolver isso. Embora o fascismo não tenha adotado o discurso religioso de início, na década de 1930 passou a fazer uso dele. 

A segunda forma de abordar o fascismo é através da categoria generalizante, onde procura evidenciar que apesar de o Fascismo ter tido sua origem com Benito Mussolini, a ideologia por ele criada acabou por influenciar outras pessoas ao longo da História. Aqui se inclui a troca de influências entre os nazistas e fascistas, pois Mussolini e Hitler foram aliados durante a Segunda Guerra. Também se inclui as influências que o fascismo legou para o Franquismo e o Salazarismo, assim como, para grupos rebeldes e extremistas que se denominavam de neofascistas. 

Antonio C. Pinto (2014) comenta que de fato o modelo político-econômico fascista do corporativismo influenciou países europeus e até sul-americanos como o Brasil, durante a ditadura civil de Getúlio Vargas (1930-1945). 

"Durante o período do Entre Guerras, o corporativismo permeou as principais famílias políticas da direita conservadora e autoritária: desde os partidos católicos e o catolicismo social, até os monarquistas, fascistas e radicais de direita, para não falar dos solidaristas, de Durkheim e dos partidários dos governos tecnocráticos. Monarquistas, republicanos, tecnocratas, fascistas e católicos sociais compartilharam "uma quantidade notável de pontos de vista em comum sobre a democracia e a representação" e sobre o projeto de uma representação funcional enquanto alternativa à democracia liberal, isto é, como constituinte das câmaras ou dos conselhos legislativos, que haviam sido estabelecidos em muitos regimes autoritários, durante o século XX. No entanto, havia diferenças entre as formulações corporativas católicas do final do século XIX e as propostas corporativas típicas de alguns partidos fascistas e radicais de direita". (PINTO, 2014). 

Nesse ponto, Pinto chama a atenção para ter-se cuidado em dizer que só porque alguns países como Brasil, Portugal, França, Espanha, Áustria, Turquia, etc. adotaram ideias do corporativismo fascista, isso não os tornaria fascistas propriamente. Pois o fascismo como visto nesse breve estudo, foi uma ideologia complexa que vai desde defender causas da esquerda até a aplicação de ideias de direita e ideais totalitários. O corporativismo já existia antes do fascismo e já vinha sendo criticado pelos liberais capitalistas, porém, como o modelo apresentou êxito na década de 1930, enquanto a economia americana liberal estava em profunda crise com a Grande Depressão, não é de se espantar que alguns governantes preferissem o modelo que estava funcionando, que no caso era o corporativismo fascista de vertente capitalista, já que o corporativismo soviético era de vertente socialista. 

Fotografia de Benito Mussolini e Adolf Hitler em 1940. Devido a aliança entre os dois ditadores, as ideologias empregadas por eles influenciaram um ao outro.
 
Embora a abordagem generalizante possa ser bastante atrativa para historiadores, sociólogos e cientistas políticos, ela já foi utilizada de forma errada algumas vezes e até mesmo generalizante em demasia. Nos anos 1970, o sociólogo e cientista político Juan Linz (2000) escreveu uma série de trabalhos apontando uma problemática crescente que era a "fascização" dos regimes políticos pelo mundo. Linz observou que o termo fascista estava sendo usado de forma quase aleatória para se referir a qualquer Estado ditatorial que existia no mundo naquele tempo. Nesse ponto alguns estudiosos defenderam que o Franquismo (1939-1975) na Espanha e o Salazarismo (1933-1974) em Portugal, teriam sido ditaduras fascistas. Além disso houve quem alegasse que as ditaduras militares na América Latina e na África, nas décadas de 1950 a 1980, teriam sido de cunho fascista. Os próprios soviéticos russos, chineses e vietnamitas também foram chamados de fascistas. 

"Ora, a dificuldade em resolver alguns pontos fundamentais para a compreensão dos regimes fascistas deriva, em parte, da diversidade dos modelos de referência, mas também da confusão dos níveis de análise e da insuficiência de empenho numa estratégia de pesquisa que tenda a traduzir as hipóteses genéricas em interrogações suscetíveis de verificação empírica". (SOCCOMANI, 1994, p. 474). 

Para além do modelo corporativista, especialmente no que dizia respeito a administração financeira do país, Robert Paxton (2004), autor de Anatomia do Fascismo comenta que outros ideários fascistas como o nacionalismo, o patriotismo, militarismo e a centralização do Estado, também foram adotados por outros governantes. Mas isso os tornaria fascistas? Napoleão Bonaparte entre 1799 e 1804 foi cônsul supremo da França. Na prática governou como um ditador, impondo censura, incentivando nacionalismo, patriotismo e empregando o militarismo. Isso tornaria Napoleão um proto-fascista? Nesse ponto Paxton diz que é para se ter cuidado. Ideais nacionalistas, patrióticos, militaristas e centralizadores são vistos em distintos governos, não apenas no fascismo. O Nazismo, o Stalinismo, o Maoismo fizeram isso. Mas os Estados Unidos, a República Francesa, o Império Britânico também fizeram isso. 

Assim, o Estado Novo (1937-1945) de Getúlio Vargas no Brasil; o Estado Novo (1933-1974) de Antonio Salazar em Portugal; o governo de Franco 1939-1975 na Espanha, na visão de Paxton (2004), Gregor (2009) e Pinto (2014), teriam tido sim influências do Fascismo. Embora não tenham sido ditaduras totalitárias, apresentaram ares autoritários, censura, perseguição política, antiesquerdismo, corporativismo, culto ao líder, adoção do nacionalismo e patriotismo aos moldes fascistas. Criaram instituições, ministérios e órgãos policiais para controlar a sociedade, a cultura, a educação, a economia, a política aos moldes dos fascismo. 

Para esses autores, esses governos poderiam ser chamados de fascistas ou pseudofascistas, apesar que haja estudiosos que preferem falar de uma inspiração, e não adoção propriamente da doutrina fascista como no caso da Alemanha Nazista (1933-1945), que influenciou a Itália Fascista e vice-versa. Neste caso, depois da Itália, o país mais fascista daquele tempo era a Alemanha. Além disso, Paxton (2004) e Gregor (2004) comentam que grupos fascistas tentaram instaurar o fascismo na Inglaterra, Grécia, Albânia, Hungria, Ucrânia, Dinamarca, Noruega, França e Polônia. Mas não obtiveram êxito, ou conseguiram algo temporário. E tais grupos inspiraram novos movimentos que originou o neofascismo, tema do próximo tópico. 

Neofascismos:

Como comentado anteriormente, desde os anos 1960 tornou-se problemático o emprego do conceito de fascismo e fascista para se referir a outros tipos de governos. Nesse ponto, James Gregor (2006, p. 13) comenta que na política desse começo do século XXI, as palavras fascismo, neofascismo e e extrema-direita são usadas de forma genérica e como sinônimos. Gregor não é o primeiro a sublinhar tal problemática no emprego destes termos, isso é algo que vem sendo debatido desde os anos 1960, apesar de que ainda não conseguiu chegar num acordo, pois mesmo os estudiosos ainda se equivocam no uso de tais termos. 

Nesse sentido, para Gregor o fascismo refere-se ao Partido Nacional Fascista fundado por Benito Mussolini, em 1921, e sua forma de governo implantada de 1922 a 1943. Nesse ponto, Gregor defende que para alguém se chamar de fascista deve ser adepto da ideologia do PNF e da ditadura de Mussolini. Não obstante, a partir dessa ditadura surgiram nos anos 1950 e 1960 partidos fascistas na Grécia, Áustria, Inglaterra, Alemanha, etc. os quais reivindicavam a ideologia do fascismo italiano. Antes disso, ainda na década de 1930, alguns países europeus e da América Latina adotaram o modelo corporativista fascista, mas isso os tornaria fascista? Para Gregor, não. Pois o corporativismo naquele período entre-guerras era encarado como uma medida a crise do liberalismo pós-guerra. Lembrando que o próprio economista John Maynard Keynes, famoso por propor reformas no capitalismo liberal, defendia que deveria haver uma intervenção mesmo que mínima do Estado na economia, especialmente em momentos delicados ou críticos. 

Por sua vez, a partir desses pretensos partidos revolucionários e extremistas, começaram a surgir grupos militantes que se diziam ser "neofascistas", ou seja, os quais alegavam estarem "atualizando" a ideologia fascista para suas épocas. Esses grupos começaram a se difundir principalmente a partir da década de 1970. Neste caso, Gregor (2006, p. 2) comenta que os grupos chamados neofascistas que em alguns casos possuem ideologias diferentes do fascismo original, apoiando o neoliberalismo e até mesmo fundamentalismos religiosos, duas características não vistas no fascismo italiano, o qual inclusive encrencava com o liberalismo e com a influência da religião na sociedade. 

No terceiro ponto, Gregor (2006, p. 3-4) comenta que apesar de o fascismo italiano ter sido um governo de extrema-direita, nem toda extrema-direita é fascista, não se pode generalizar. O nazismo foi um governo de extrema-direita, mas em vários aspectos administrativos, políticos, burocráticos e sociais era diferente do fascismo. Logo dizer que tudo é igual é complicado e equivocado. A extrema-esquerda de Stalin não foi igual a de Mao Tsé-Tung ou de Ho Chi Min. 

Mas o que poderia designar um grupo ou um partido sendo de caráter neofascista? James Gregor (2006) e Douglas Holmes (2000) elencaram alguns aspectos básicos para definir esses movimentos neofascistas, principalmente os surgidos dos anos 1980 para cá. Dentre os aspectos estão o nacionalismo exagerado, conservadorismo extremista, xenofobismo, desprezo pelas minorias, defesa de um Estado militarista, emprego da violência e discurso de ódio, defesa do autoritarismo, defesa do blanquismo para se conseguir o poder, culto ao líder, etc. Até então essas são características em comum com o fascismo italiano e até  com o nazi-fascismo, além de terem sido adotadas por algumas ditaduras também, o que revela como é difícil rotular alguém de fascista, pós-ditadura fascista original. 

Porém, surgem algumas características novas. Vejamos alguns exemplos. Um deles diz respeito a tendência de alguns grupos pertencentes a Associação Universal para o Progresso Negro (Universal Negro Improvement Association and African Communities  League - UNIA), movimento surgido em 1914, na Jamaica, idealizado pelo empresário e ativista Marcus Garvey (1887-1940), cujo intuito era combater o racismo e promover o desenvolvimento das nações de população predominantemente negra. Todavia, após o fascismo, alguns grupos e alas do UNIA acabaram se aproximando de tendências fascistas, ao ponto de desenvolverem um "nacionalismo negro", uma aversão a cultura europeia ou europeizada, assim como, incentivar a tomada do poder nos países africanos, para fins de instaurar um governo mais correto e justo, voltado para o "progresso" como alude a proposta da UNIA. 

Neste caso, Gregor (2006, p. 135-136) comenta que um ponto interessante que diferencia o neofascismo do UNIA do fascismo italiano é o fato de que os neofascistas do UNIA procuraram combater o racismo através do nacionalismo, enquanto que o fascismo italiano fez o oposto: ele promoveu o racismo através do nacionalismo. 

Outro exemplo de neofascismo que gera controvérsias entre os cientistas políticos e sociólogos, é o chamado islamofascismo, termo que começou a ganhar adeptos nos anos 1990, mas tornou-se mais habitual no século XXI. James Gregor (2006, p. 167-168) comenta que o termo islamofascismo é usado para se referir a ditaduras islâmicas, partidos radicais, movimentos extremistas, mas principalmente aos grupos terroristas, ao ponto de alguns utilizarem o termo de forma pejorativa como sinônimo de terrorismo. Aqui acaba se caindo no perigo da generalização da coisa. 

Nesse ponto, Gregor comenta que alguns grupos terroristas e movimentos extremistas nem deveriam ser chamados de neofascistas, pois não possuem um programa político, e em geral promovem a luta armada para conquistar territórios ou libertar outros, mas fazer isso não é ser fascista. Não obstante, o islamofascismo se difere do fascismo italiano por se pautar em alguns casos, num fundamentalismo religioso. Apesar de Benito Mussolini ter assinado o Tratado de Latrão com o Vaticano, Mussolini antes disso defendia a diminuição da autoridade eclesiástica na política e na vida dos italianos, inclusive ele promoveu a laicização do Estado, separando de vez a Igreja da política, apesar de ter permitido a Ação Católica continuar com suas atividades evangelizadoras e humanitárias. Enquanto que o islamofascismo defende a influência da religião sobre o Estado. (GREGOR, 2006, p. 169-170).

Um terceiro exemplo a ser dado que também gera controvérsias, diz respeito ao fascismo de esquerda. Alguns estudiosos alegam que o fascismo de esquerda original, era o proposto por Mussolini no ano de 1914, como comentado nesse texto anteriormente, mas posteriormente quando o fascismo se tornou um partido e ascendeu ao poder, claramente era uma ideologia de direita, inclusive com direito a publicações oficiais detratando o socialismo, o marxismo, o comunismo entre outras ideologias de esquerda. Com isso, alguns estudiosos questionam se poderia falar em movimentos neofascistas de esquerda, já que o fascismo e o nazi-fascismo foram de direita? Não obstante, o Fascismo como ditadura totalitária tornou-se de extrema-direita, apesar de alguns cientistas políticos sugerirem que ele tenha sido uma "terceira via". 

Nesse caso, James Gregor cita o exemplo controverso do Maoismo, especialmente em sua fase entre os anos de 1960 e 1970, auge da ditadura de Mao Tsé-tung. Gregor comenta com base na opinião de membros do governo chinês pós-maoismo, os quais alegavam que os projetos políticos-econômicos-sociais-culturais do Grande Salto Adiante (1958-1960) e a Revolução Cultural Chinesa (1966-1976) teriam marcado a fase fascista do governo de Mao Tsé-tung. Nesse ponto os políticos e estudiosos chineses assinalavam alguns traços que ligariam o Maoismo desse período com a ideologia fascista de Mussolini: nacionalismo exacerbado, conservadorismo extremista, censura, autoritarismo, corporativismo, culto ao líder, opressão das minorias, etc. (GREGOR, 2006, p. 231-233). De fato existem certas semelhanças entre os dois regimes ditatoriais, mas isso seria suficiente para definir o Maoismo entre 1958 e 1976 como um governo neofascista? Isso é uma pergunta para qual não possuímos uma resposta definitiva. De qualquer forma observava-se pelos exemplos acima mencionados, como os neofascismos em alguns pontos são diferentes da ideologia original, daí serem considerados "novos". 

Considerações finais: 

Como comentado a respeito da problemática do uso da palavra fascista como forma de insulto ou como condição de adjetivar um pensamento conservador, totalitário e extremista, além do problema de definir o que seria neofascismo, percebemos que na sua gênese o fascismo de fato foi um movimento inicialmente de esquerda, mas nem por isso deve ser considerado como tendo se mantido nisso, pois é negar a própria fala de seus idealizadores. Em 1932 na Doutrina do Fascismo, Mussolini dizia claramente que o fascismo teve início com algumas ideias marxistas e socialistas lá em 1914, porém, transcorrido a Primeira Guerra e terminado essa, Mussolini em 1919, estava convencido que o socialismo para ele havia falhado. Ele mesmo criticou a atitude dos Bolcheviques em 1917, e voltaria a criticar a formação da URSS. Pode-se dizer que Mussolini naquele momento era um socialista desiludido com a luta e classes e o combate a opressão burguesa e capitalista. 

Porém, como comentado, em 1919 em diante ele embora mantivesse na sua pauta a luta pelos direitos trabalhistas, a manutenção dos sindicatos, a adoção do corporativismo ao invés do capitalismo liberal, Mussolini já se apresentava afastado das ideias socialistas que antes defendia, optando em desacreditar na luta de classes, na supressão do modelo capitalista pelo modelo socialista, na abolição mesmo que gradativa da propriedade privada, da estatização da terra, indústria e economia, etc. Arrisco-me a dizer que naquele ano, o Fascismo seria um partido de centro, ainda procurando seu rumo adequado. Em 1921, quando o PNF disputou as eleições, ele já se apresentaria de caráter de centro-direita, inclusive com pretensões radicais, devido a criação de uma milícia, os Camisas Negras, e no uso da intimidação e violência em atentados pelo país. Quando Mussolini sobe ao poder em 1922 e a medida que ele é o PNF vão governando, essa posição de direita vai se tornando mais evidente. 

Além da mudança de perspectivas quanto ao regime político. Pois se em 1919 o programa fascista defendia um Estado descentralizado, uma desburocratização do mesmo, a abolição do Parlamento e do Senado, quando Mussolini assumeiu plena autoridade em 1925, toda essa proposta foi abandonada. O Estado fascista tornou-se centralizador, controlador e totalitário. O Parlamento e Senado não foram abolidos, mas subjugados a causa fascista, o que incluiu a criação do Grande Conselho Fascista como órgão consultor político. 

Isso é interessante ser comentado, pois o fascismo foi uma doutrina política que se alterou ao longo dos anos. Apesar que de manter alguns aspectos centrais como a revolução, o nacionalismo, o militarismo e o corporativismo, o fascismo deixou de ser um movimento revolucionário de esquerda contra o aburguesamento do Estado, para se tornar um governo burguês de direita e corporativista, mesmo que a economia fosse subjugada aos interesses da nação. 

Não obstante, os próprios ideólogos do fascismo como Mussolini, Alfredo Rocco, Giacomo Gentile e Ugo Spirito escreveram livros e artigos ao longo dos anos defendendo a ideologia fascista com seu caráter revolucionário, progressista, corporativista, nacionalista, patriótico, expansionista, preocupado com o bem-estar do povo e do país, questões asseguradas por um Estado interventor, controlador e protecionista. Por outro lado, aderiu-se nessa noção, o xenofobismo, o racismo científico, a perseguição política, algo que culmina com o unipartidarismo adotado e a abolição dos demais partidos; a crítica as ideologias de esquerda; a pretensão de que o corporativismo era um modelo melhor do que o liberalismo; e a construção de mitos políticos de uma "nova Roma", de um segundo Risorgimento

Por outro lado, o fascismo foi tão exaltado ao ponto de subverter o Estado italiano, alterando sua forma de agir, tornando-o controlador, censor, agressivo e expansionista, ao ponto de haver mudanças nos nomes dos ministérios, a criação de instituições culturais, conselheiras, censoras, policiais, militares, gestoras, etc. para promover uma ideologia que era apresentados por alguns como Emílio Gentile como uma "nova crença", um movimento místico e espiritual, algo que coaduna com o que Mussolini na Doutrina do Fascismo (1932) disse que o fascismo era um estilo de vida, uma aspiração de fé por um futuro melhor. 

O fascismo era uma doutrina que surgia para acolher aqueles cansados e iludidos pelo Liberalismo, o Socialismo e a "velha" Democracia. De fato nesse ponto Mussolini não estava errado. O fascismo foi fruto de uma época de quebra de paradigmas sociais. A Grande Guerra (1914-1918), maior conflito sem precedentes na História, pôs em xeque, as monarquias europeias, com suas democracias, conservadorismos, liberalismos, ambições e desejos. Por outro lado, a eclosão da Revolução Russa de outubro de 1917, foi um espanto para muitos, pois tratou-se da primeira grande revolução do mundo com um caráter pautado em preceitos de esquerda, especialmente no marxismo-leninismo, mesmo que em outros países, tais ideologias fossem combatidas. Assim, naquele momento de crises, incertezas e mudanças, o fascismo para alguns era um novo caminho a se seguir. 

Ainda mais numa época que a Europa estava saindo de uma avassaladora guerra que ceifou a vida de milhões e destruiu algumas cidades. Sem contar que o exército italiano retornou para casa bastante desmoralizado. Havia desconfiança nas ruas, o governo era visto como fraco e impotente. Havia uma sensação de insegurança e um clamor por mudanças mais concretas e palpáveis. Para os fascistas tudo isso poderia ser resolvido sob a tutela do Estado, o qual foi imaginado como o "grande pai" que unido a pátria que era a "grande mãe", juntos acolheriam seus filhos (o povo italiano). 

Mas para isso funcionar os fascistas teriam que tomar o controle, o que de fato eles fizeram, além de instituir um controle massivo que resultou numa ditadura totalitária que embora tenha fornecido os benefícios que parte da população ansiava e procurava, mas para fazer isso, teve que caçar, vigiar, punir, banir e executar a outra parte, além de invadir outros países também. Isso sendo fruto do que Mussolini em sua doutrina proclamava que o fascismo era uma doutrina afeita ao amor, a vida, a família, a lealdade, a força e a bravura, pois a educação fascista era voltada para o combate, aqui no intuito não de se criar guerreiros sanguinários, mas de um povo trabalhador e lutador, algo que aparecia em várias propagandas e sob o lema Crer, Obedecer e Combater! Com isso os fascistas inculcavam desde cedo nas crianças os valores nacionalistas, patrióticos, mas também de fé, obediência e dedicação a Grande Itália. 

Por fim, propus alguns apontamentos para definir o que é ser fascista, lembrando como dito por alguns autores aqui, como Paxton, Rutton, Gregor, Sassoon, Mancuse, etc., é preciso ter cuidado ao empregar esse termo hoje em dia. Temos que combater as generalizações vazias de sentido antes que a palavra torna-se mais um palavrão qualquer. Assim, ser fascista refere-se:
  1. Aquele(a) que pertence a algum partido fascista ou neofascista. Apesar de que em muitos países o fascismo seja proibido, mas em alguns é permitido a existência destes partidos.
  2. Aquele(a) que pertence a algum grupo ou movimento que apoie a ideologia fascista ou ideologias neofascistas. Esses grupos que agem de forma clandestina, são mais numerosos do que os partidos fascistas.
  3. Aquele(a) que apoie, admire ou concorde com a ditadura fascista de Benito Mussolini ou outras ditaduras fascistas.
  4. Aquele(a) que demonstre apoio e admiração para ditaduras fascistas europeias e latino-americanas, inspiradas na ideologia fascista italiana, e que vigoraram entre 1930 e 1980.
  5. Pessoas que defendam posicionamentos nacionalistas exacerbados, conservadorismo exagerado, censura, discurso de ódio, aplicação da violência, antissocialismo, anticomunismo, xenofobia, racismo ou outras formas de preconceitos para oprimir as minorais; que defende o corporativismo, o militarismo, o autoritarismo, o culto ao líder, discurso religioso para criar aliados e vilões, a criação de tribunais ou leis de exceção, a supressão dos direitos civis e jurídicos, podem ser chamados de fascistas, pois tais características foram adotadas pelo fascismo italiano. 
NOTA: Mussolini passou tanto tempo no poder a ponto de achar que dificilmente conseguiriam destituí-lo do comando da nação. Porém, o que ele não deveria ter imaginado é que o partido que ele criou e aqueles que ele ajudou a alcançar o poder, lhe trairiam. Em 1943 o rei Vitor Emanuel III pressionado pelo Grande Conselho Fascista, decretou uma votação no Parlamento e no Senado pela demissão imediata do Primeiro-Ministro Benito Mussolini. A partir desse golpe partidário, Mussolini foi deposto e preso, embora conseguiu escapar com a ajuda dos nazistas, e por dois anos ainda resistiu no norte da Itália até que foi assassinado.  
NOTA 2: Grupos fascistas tentaram implantar o fascismo na Inglaterra entre 1919 e 1945. Existem livros sobre o tema, apresentando o surgimento da postura antifascista britânica como reação de evitar que o fascismo se instaure-se no Reino Unido. 
NOTA 3: Países como Estados Unidos e Inglaterra de tradição capitalista liberal criticaram o corporativismo fascista, por considerá-lo contrário ao livre comércio, estatizador, centralizador e que abria porta para o autoritarismo. 
NOTA 4: O corporativismo fascista influenciou vários países europeus entre os anos de 1920 e 1940, como Portugal, Espanha, Estônia, Polônia, Grécia, Lituânia, Hungria, etc. No caso, a França também foi influenciada por esse corporativismo, mas o adaptou para um viés socialista-marxista parecido com o que Lenin havia feito com os soviets
NOTA 5: Os Antifa são grupos anti-fascistas existentes em diferentes países ocidentais, especialmente focados nos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. Inicialmente surgidos do antifascismo italiano, alemão e britânico da década de 20 e 30, os antifas sumiram e só retornaram na segunda metade do século XX, fazendo frente aos neofascistas e neonazistas. Os Antifas vem sendo criticado por agirem de forma radical e agressiva como agem seus adversários. 

Referências Bibliográficas: 

1940 a 1941: Mussolini sonha com um novo império. In: Coleção 70o aniversário da 2a Guerra Mundial, v. 8. São Paulo, Abril Coleções, 2009. 
ARENDT, Hannah. Origem do Totalitrismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2004. 
BLAMIRES, Cyprian P. (ed.). World Fascism. a historical encyclopedia. Santa Barba, ABC Clio, 2006. 2v 
ECO, Umberto. O fascismo eterno. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro. Editora Record, 2018. 
GRAMSCI, Antonio. Escritos Políticos, vol. 2. Edição de Caros Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2004. 2v
GRAMSCI, Antonio. Los dos Fascismos. In: SANTARELLI, Enzo. Sobre el Fascismo. Roma, Editori Riuniti, 1979. 
GREGOR, A. James. Marxism, Fascism, and Totalitarianism. Stanford, Stanford University Press, 2009. 
GREGOR, A. James. Mussolini's Intellectuals. Princenton, Princenton University Press, 2005. 
GREGOR, A. James. The search for Neofascism. The use and abuse of Social Science. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. 
HOLMES, Douglas A. Integral Europeu: fast-capitalism, multiculturalism, neofascism. Princeton, Princeton University Press, 2000. 
INCISA, Ludovico. Corporativismo. In: BOBBIO, Norberto (org.). Dicionário político. Brasília, UnB, 1998. 2v 
LINZ, Juan José. Totalitarian and Authoritarian Regimes. Barcelona, Rienner, 2000. 
MARCUSE, Herbet. Tecnologia, Guerra e Fascismo. Editado por Douglas Kellner, tradução de Maria Cristina Vidal Borba. São Paulo, Editora Unesp, 1999. 
MORGAN, Philip. Italian Fascism, 1915-1945. 2a ed. Hampshire, Palgrave Macmillan, 2004. 
MUSSOLINI, Benito. The Doctrine of Fascism. The Living Age, november, 1993, p. 235-244. 
PAYNE, Stanley G. A history of Fascism (1914-1945). London, Routledge, 1995. 
PARIS, Robert. As origens do fascismo. São Paulo, Editora Perspectiva S.A. 1972. (Coleção Kronos).
PAXTON, Robert O. The Anatomy of Fascism. Pennsylvania, Berryville Graphics, 2004. 
PINTO, Antonio Costa. O corporativismo nas ditaduras na época do Fascismo. Varia História, vol. 30, n. 52, 2014, p. 17-49. 
PISTONE, Sérgio. ImperialismoIn: BOBBIO, Norberto (org.). Dicionário político. Brasília, UnB, 1998. 2v 
POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura. São Paulo, Martins Fontes, 1978.
RUSCONI, Gian Enrico. CapitalismoIn: BOBBIO, Norberto (org.). Dicionário político. Brasília, UnB, 1998. 2v 
SACCOMANI, Edda. FascismoIn: BOBBIO, Norberto (org.). Dicionário político. Brasília, UnB, 1998. 2v 
RENTON, Dave. Fascism: theory and pratice. London, Pluto Press, 1999.  
SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do Fascismo. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro, Agir, 2009. 

Referências da internet:
Rerum Novarum (1891)
Manifesto do Fascio rivoluzionario d’azione internazionalista (1914)
Programma dei Fasci italiani di combatimentto (1919)
Manifesto degli intellettuali fascisti e Manifesto degli intellettuali antifascisti (1925)
Carta del Lavoro (1927)
A Doutrina do Fascismo