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Leandro Vilar

quarta-feira, 12 de abril de 2017

A Holanda: do início da Guerra dos Oitenta anos à Guerra do Brasil

Esse texto consiste numa adaptação de parte da introdução da minha dissertação e alguns parágrafos do capítulo 1. Neste caso, a proposta foi apresentar de forma simples, sem adentrar profundamente os fatores que levaram ao surgimento dos Países Baixos ou Holanda, como comumente é mais conhecida; o início da Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), e as condições políticas e econômicas que levaram a República Holandesa do XVII, a desafiar o Império Espanhol pelo controle da produção açucareira brasileira. 

Introdução:

O historiador francês Fernand Braudel (1996, p. 160-162) salientou que foi ainda no século XVI, que os Países Baixos começaram sua guinada para o desenvolvimento da nação. Mesmo que alguns viajantes alegassem em suas cartas que os Países Baixos eram terras exíguas e naturalmente pobres, nas quais a população padecia de fome, ele discordou da opinião desses viajantes que visitaram essas províncias entre os séculos XVI e XVIII.

Dado o pouco espaço disponível, pecuária e agricultura estão condenadas a apostar na produtividade. Os animais são mais bem alimentados do que nos outros lugares. As vacas chegam a dar três baldes de leite por dia. A agricultura transforma-se em horticultura, inventa modos científicos de rotação de culturas, obtém, graças aos adubos, que incluem lixos utilizáveis das cidades, rendimentos melhores do que os habituais. Já em 1570 o progresso é suficientemente nítido para desempenhar o seu papel nos primeiros impulsos da economia da região, o que leva Jan de Vries a dizer que o capitalismo, na Holanda, nasce da terra. (BRAUDEL, 1996, p. 161).

A região dos Países Baixos ou Dezessete Províncias no ano de 1477. Não se deve confundir a região com o atual território dos Países Baixos, são territórios distintos. 
Simon Schama (1992, p. 157, 171-172) também discordou de que a região dos Países Baixos vivenciou uma contínua escassez de alimentos. Ele salienta que no século XVII há relatos de pomposos banquetes, como também relatos sobre a gula dos ricos. No entanto, ele diz que houve algumas pequenas revoltas em protesto a escassez de alguns gêneros alimentícios e o aumento dos preços, algo que ocorria normalmente em qualquer outra nação europeia daquela época.

Por sua vez, Martin van Gelderen (1992, p. 14) ressalva que, os anos de 1495 a 1565, a região vivenciou um grande crescimento econômico, social e urbano a ponto de surgirem mecenas que passaram a patrocinar as artes e ciências, que contribuíram para o desenvolvimento cultural, social e tecnológico dessas províncias. Daí Gelderen considerar esse período auspicioso, o “belo século XVI”.

Além da produção agrícola e pecuária, o desenvolvimento da pesca e do mercado manufatureiro, como a tinturaria de tecidos, a fabricação de ferramentas, equipamentos náuticos, armas, etc., complementaram o crescimento econômico do país.

“Ao longo de Quinhentos, a Holanda e sua principal cidade comercial, Amsterdã, dominavam basicamente o que eles chamavam de moeder negotie, o negócio-mãe, vale dizer, o comércio do Báltico com a Europa do Norte, inclusive o litoral da Península Ibérica. A esta Europa atlântica, os holandeses traziam o trigo e as madeiras do Báltico e o pescado do Mar do Norte, adquirindo em troca o vinho, o sal e, ademais em Lisboa, as especiarias do Oriente”. (MELLO, 2002, p. 103).

Por outro lado, os holandeses também desenvolveram a construção naval, tornando-se uma potência nessa área. A frota neerlandesa no século XVII era uma das maiores do mundo, além dos Países Baixos serem o “estaleiro” da Europa, onde se construía mais navios mercantis e de guerra, além de possuir a maior frota de navios de segunda mão para aluguel ou venda. (BRAUDEL, 1996, p. 161, 172-174). Com essa imensa frota, a Holanda lançou-se aos mares do mundo.

“Dutch life was tied to the sea and was a constant battle with it. The Dutch invented windmills to pump water out of the fields and reclaim land from the sea, and dikes, walls to hold back the sea. The Dutch fleet of 10,000 ships brought salt, oil, and wine from southern France, Spain, and Portugal to northern Europe and carried grain back. They also carried gold and silver from the Americas. Much of Dutch food and industry centered around the sea. Twenty-five percent of the Dutch population was connected to the herring industry, from fishing to selling, and preserving by smoking, salting, and pickling”. (CIVITELLO, 2008, p. 158).

Amsterdã era a rota de chegada e de partida de mercadorias vindas de Portugal, Espanha, Inglaterra, França, do Sacro Império e da Escandinávia, sem contar as mercadorias advindas das Américas, África e Ásia. Por outro lado, havia a facilidade de se conseguir dinheiro na cidade: havia o Banco, a Bolsa de Valores, loterias, casas de câmbio, casas de leilões, além de haver grande disponibilidade de crédito e os juros serem mais baixos do que em outros países, como também havia a disponibilidade de se comprar imóveis, ações e títulos. (BURKE, 1991, p. 81). Completando tais aspectos, o florim holandês tornou-se uma “moeda internacional”, assim como o dólar americano hoje em dia. (CIVITELLO, 2008, p. 158).

No entanto, havia meios menos burocráticos e lícitos de conseguir dinheiro. Schama (1992, p. 344-345) fala da grande existência de agiotas, de apostadores e dos musicos, locais que atuavam como casas de jogos, tavernas e bordéis, onde se poderia fazer dinheiro ou perder tudo. Braudel (1996, p. 166, 172-174) também diz que além de ser um centro financeiro, Amsterdã era um lugar fácil para se conseguir navios, tripulação, mão de obra e informações

Neste caso a região dos Países Baixos era um local peculiar no oeste europeu, por um lado era um lugar ainda bastante agrícola, por outro, estava formando núcleos manufatureiros, um “pré-industrialismo”. (GELDEREN, 1992, p. 14). Mas além de tais características, a região também se tornava uma das áreas mais urbanizadas, pois embora houvesse uma grande quantidade de propriedades rurais de médio e pequeno porte. (ISRAEL, 1995, p. 106), a população urbana era bastante considerável, e no século XVII, estaria entre as mais populosas da Europa, e cidades como Amsterdã e Roterdã se tornariam os novos centros econômicos do continente.

Gravura do século XVII, retratando o tumultuado porto de Amsterdam. 
Em 1500 a população dos Países Baixos era de entorno de 950 mil habitantes. Em 1650, eram quase 2 milhões de habitantes. (STOLS, 2004, p. 273). Em 150 anos a população dobrou, e para valores da época considerando as muitas guerras, epidemias e surtos de fome, foi um crescimento bastante alto.

“Comparadas com o resto da Europa, as pequenas Províncias Unidas revelam-se superurbanizadas, superorganizadas, precisamente por causa da densidade da sua população, “proporcionalmente a maior da Europa”, como diz Isaac de Pinto. Um viajante que, em 1627, vai de Bruxelas para Amsterdam, “acha todas as cidades holandesas tão cheias e de povo como as que têm os espanhóis [Países Baixos do Sul] são vazias...; entre uma e outra dessas cidades, a uma distância de duas ou três horas”, encontra “tal multidão de gente que não há tantas carruagens [e Deus sabe quantas que há] nas ruas de Roma como aqui carroças cheias de viajantes, ao mesmo tempo em que os canais que correm no país em todas as direções estão cobertos de inúmeros barcos””. (BRAUDEL, 1996, p. 162-163).

Embora o cenário econômico holandês fosse promissor no início da segunda metade do século XVI, os Países Baixos só se tornariam algumas décadas depois a potência que viria a invadir o Brasil, porque antes disso, entre as décadas de 1560 e 1570 tais províncias vivenciaram sua primeira grande crise econômica e política.

O rápido crescimento econômico saturou o mercado interno com excesso de mercadorias, o que resultou na baixa de preços, prejuízo e demissões; houve crises nas colheitas, como a do ano de 1565, que elevou o preço dos gêneros alimentícios básicos como a farinha de trigo; disputas comerciais com a Inglaterra, e a guerra entre Polônia, Dinamarca e Noruega afetaram o comércio holandês no Báltico, abalando a exportação e importação de mercadorias (GELDEREN, 1992, p. 15). Mas isso tudo se complicou ainda mais com as desavenças entre os súditos das Dezessete Províncias e seu soberano, o rei Filipe II de Espanha.

As Dezessete Províncias sob domínios espanhol: 

No ano de 1556, o então soberano do Sacro Império Romano-Germânico (império que variou sua extensão ao longo da história, mas sua maior parte compreendia o atual território da Alemanha), Carlos V, abdicou do trono em favor de seu irmão mais novo, Fernando; por sua vez, como também era rei da Espanha, governando com o nome de Carlos I, ele também escolheu abdicar do trono em favor de seu filho, Filipe.

Na época que Filipe II assumiu o governo espanhol (consequentemente a região dos Países Baixos), tais províncias vinham prosperando, mas passados alguns anos, a postura do monarca quanto ao governo das Dezessete Províncias começou a mudar, principalmente em quesitos políticos, culturais, sociais e religiosos.

Retrato do rei Felipe II de Espanha. No século XVI, herdou de seu pai o domínio sobre as Dezessete Províncias. 
No âmbito político, a descentralização política legada do Sacro Império, foi um incômodo para o governo espanhol centralizador e absolutista de Filipe II, que procurou formas de aumentar a autoridade sobre essas províncias e isso causou desaprovação nos governantes locais que viram sua “autonomia” limitada, além de considerarem que as tributações feitas pelo soberano eram de caráter abusivo. (GELDEREN, 1992, p. 32-33).

No contexto religioso, as medidas de Filipe II foram mais rígidas, pois, defendendo seu posicionamento antirreformista ele ameaçou impor o catolicismo a toda região dos Países Baixos, como no caso do ano de 1559, quando o papa Paulo IV lançou a bula Super Universas, a qual decretava a reorganização arquidiocesana nos Países Baixos, com a criação de três novas arquidioceses e dezoito bispados. (GELDEREN, 1992, p. 33).

Isso levou a uma perseguição ao protestantismo encabeçada pelo monarca, a fim de tornar os Países Baixos uma região católica. Neste mesmo ano de 1559, o rei Filipe II deixou Amsterdã, retornando para a Espanha, “para nunca mais regressar aos Países Baixos. Estava decidido erradicar a Igreja Cristã Reformada dos seus domínios, declarando que preferia perder a coroa e a vida, a governar sobre hereges”. (SCHALKWIJK, 2004, p. 33).

O rei tentou impor essas mudanças decretadas pelo papa, mas se deparou com uma forte resistência da população, a qual era predominantemente protestante, além de haver um número considerável de judeus. Em 1566, ocorreu uma forte retaliação dos holandeses, no que resultou na perseguição de padres, na invasão e destruição de igrejas e de imagens, operando um movimento iconoclasta chamado de “tempestade das imagens” (beeldenstorm). (SCHALKWIJK, 2004, p. 34).

3º Duque de Alba
Em resposta a essa afronta, o rei Filipe II, nomeou um fervoroso católico o 3º Duque de Alba, Fernando Álvares de Toledo para governar os Países Baixos (1567-1573), no intuito de tomar medidas eficazes contra a proliferação do protestantismo. O Duque de Alba convocou o Tribunal dos Tumultos, a fim de punir os responsáveis pelos ataques ao clero católico e às igrejas. No entanto, essa medida foi vista como autoritária pelos holandeses, os quais passaram a se referir a tal tribunal o chamando de “Tribunal de Sangue” (Bloed-raad), devido às medidas severas tomadas pelo duque, as quais resultaram na perseguição e execução de milhares de pessoas (ARBLASTER, 2005, p. 120-121). Além dessas imposições que obrigavam as Dezessete Províncias a adotarem o catolicismo, os confrontos de ambos os lados, a revolta de 1566, o tribunal em 1567, o rei Filipe II também ameaçou enviar a Inquisição Espanhola, assim como seu pai havia feito vários anos antes. O imperador Carlos I da Espanha ordenou que a inquisição espanhola atuasse nas Dezessete Províncias. Em 1523, dois monges agostinianos, Hendrick Voes e Johannes Esch foram queimados na fogueira em Bruxelas. (SCHALKWIJK, 2004, p. 31). E isso se tornou uma ameaça bastante séria, pois as lembranças da passagem da inquisição eram sombrias, a ponto que alguns nobres decidiram fazer algo a respeito.

O início da Guerra dos Oitenta Anos:

“Nove fidalgos, moços, saídos quase todos da escola de Genebra, reúnem-se no dia 5 de abril de 1566 no castelo do Príncipe de Orange, em Breda, para o fim de acordar na declaração dos direitos que deveriam ser impostos como condição à monarquia espanhola. Eis as conclusões dessa declaração redigida por Marnix e destinada a ser o prospecto da guerra: “Tendo bem devidamente considerado todas as coisas, entendemos que é de nosso dever obstar, a fim de não sermos presa daqueles que, sob a cor da religião ou de inquisição, querem enriquecer à custa do nosso sangue e da nossa fazenda. Pelo que, deliberamos fazer uma boa, firme e estável aliança e confederação, obrigando-nos e prometendo uns aos outros, por juramento solene, impedir que a dita inquisição se recebe e sustente, sob qualquer pretexto que seja...”. (ORTIGÃO, 1988, p. 10).

O rei não atendeu às solicitações desse manifesto e dois anos depois algumas províncias se uniram e declararam guerra, no que originou a Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648). Nos próximos dez anos os flamengos, holandeses, zelandeses, frísios, entre outros habitantes das províncias vizinhas mobilizaram-se para criar exércitos não no sentido de milícias, mas forças armadas especializadas, sendo bem treinadas e equipadas, assim como desenvolveram sua marinha e a arquitetura militar. (PARKER, 1972, p. 5-6).

“Os holandeses conseguiram sustentar a resistência por tanto tempo por dois motivos: graças ao acesso ao mar e ao controle das rotas fluviais que subiam para a Europa central, já estavam se tornando uma nação mercantil que logo se igualaria em riqueza a Veneza; e essa riqueza permitiu-lhes construir as fortalezas que lhes asseguraram sua independência”. (KEEGAN, 1995, p. 336).

Exércitos foram mobilizados para se confrontar o poderio espanhol, o qual era mais influente no sul, pois enquanto no centro e no norte das Dezessete Províncias, predominavam as propriedades rurais de pequeno e médio porte, sendo a maioria proveniente do arrendamento, o que marcava a perda da antiga influência feudal germânica naquelas terras; no sul, havia uma vasta quantidade de grandes propriedades rurais pertencentes à nobreza e os burgueses que enriqueciam com o comércio.

E no caso das famílias mais antigas como a Casa de Orange, essa influência senhorial ainda era bem presente. “The Orange family, which held the hereditary title of stadholder, became even more closely affiliated with the Dutch through this struggle; as stadholders they were empowered with military leadership and the power of certain appointments and various other forms of influence. Contrary to the rather advanced maritime and commercial institutions of the Republic, this governmental edifice was essentially a modified relic of medieval balance of power”. (POSTMA, 2008, p. 8).

Não obstante, algumas famílias espanholas possuíam propriedades no sul, daí a intervenção nessa região ter sido mais massiva, como o fato de que as províncias mais rebeldes se encontravam no norte. (ISRAEL, 1995, p. 107).

Em 1579, as Províncias Rebeldes: Frísia, Gronigen, Güeldres, Holanda, Overijssel, Utrecht e Zelândia, passaram a serem chamadas pela Coroa espanhola, realizaram a União de Utrecht, na qual se decidiu declarar independência do governo espanhol, que se efetivou em 1581, com o surgimento da República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos. No entanto, Filipe II não reconheceu essa independência, opinião que manteve até o fim da vida. Então as sanções às províncias rebeldes se iniciaram, e o estado de guerra se postergaria.

Em azul as sete províncias que se rebelaram na União de Utrecht, vindo a formar a República dos Países Baixos. Em azul claro os territórios que permaneceram leais ao governo espanhol. 
De 1585 a 1595 a Holanda vivenciou uma fase bastante tensa, pois o sul havia sido retomado pelos espanhóis, após intervenção militar pesada, como o caso da invasão e tomada da Antuérpia (1585). Nos anos seguintes, Filipe II manteve tropas nas fronteiras da república holandesa, embora não obteve êxito devido ao crescimento das forças armadas holandesas. O exército holandês em 1588 era de 20 mil homens, em 1595 era de 32 mil homens, em 1607 contava com 51 mil. O que revela a massiva militarização dos Países Baixos. (ISRAEL, 1995, p. 234-235, 242, 260).

Diante desse impasse bélico, do crescimento econômico holandês e da independência não reconhecida (a Espanha só reconheceu oficialmente a independência da Holanda em 1648, no acordo da Paz de Münster, o qual colocou fim a Guerra dos Oitenta Anos), uma das medidas que Filipe II tomou no intuito de forçar a rendição das Províncias Rebeldes, foi proibir que todos os portos espanhóis comercializassem com os holandeses, o que incluiu os portos dos Países Baixos do Sul (equivaleria, grosso modo, ao que hoje é a Bélgica), assim como Portugal e suas colônias, pois em 1580, havia se iniciado a União Ibérica.

O embargo econômico espanhol naquele momento afetou a economia holandesa, pois cidades como Amsterdã, Roterdã, Leiden e Haia ficaram no lado dos separatistas, e na década de 1580 essas cidades já estavam despontando economicamente, e parte desse sucesso financeiro advinha do comércio com Portugal, principalmente referente ao açúcar brasileiro, pois se antes os flamengos eram os principais responsáveis pelo refino do açúcar e sua distribuição no continente, as cidades holandesas passaram a substitui-los nessa indústria. Algo curioso, pois embora estivessem em estado de embargo, os holandeses ainda assim, conseguiam contornar o embargo e ter acesso ao açúcar brasileiro.

“The first refinery in Amsterdam was reported in 1597. From three refineries in 1605, the number increased to twenty-five in 1622, forty in 1650, and fifty or sixty in 1661. Each refinery could process nearly 1,500 chests per year, and could have stocks in reserve that were worth two tons of gold. At the time of the fire at the Nuyts refinery in 1660, the sugar burned was worth three tons of gold”. (STOLS, 2004, p. 273).

Mesmo contornando o embargo decretado pelo governo espanhol, à economia holandesa ainda assim sofreu um revés. Ebert (2003, p. 57-59) escreve que o embargo feito pela Espanha aos Países Baixos não foi contínuo, pois o governo holandês acabou encontrando formas de contorná-lo ou os espanhóis propuseram acordos para atenuá-lo.

José Antônio Gonsalves de Mello (1996, p. 21-22) assinalou que entre os anos de 1590 a 1620, carregamentos de açúcar ainda continuaram a serem enviados para Amsterdã, e neste caso, usava-se um sistema de escalas para que a carga fosse relocada para outros navios até chegar ao seu destino. Neste caso como os holandeses estavam proibidos de comercializar com os espanhóis e portugueses, logo, não poderiam usar seus navios para isso, os próprios portugueses é quem faziam todo o transporte em suas embarcações, burlando o embargo. As cidades de Porto e Viana foram os principais portos para esse esquema.

Filipe II decretou o embargo que vigorou entre 1585 e 1590, mas veio a suspendê-lo na tentativa de negociar com a república holandesa, a qual estava cada vez mais interessada no comércio açucareiro. Em 1598 o rei Filipe III promulgou um novo embargo, indo este até 1603, quando no ano seguinte ele alterou os termos do embargo, oferecendo amenizá-lo em troca de receber 30% sobre o preço das mercadorias comercializadas pelos holandeses. Posteriormente a partir de 1609 com o início da Trégua dos Doze Anos, o estado de embargo ainda se manteve, mas não foi tão severo quanto nos anos de 1598 a 1603. (EBERT, 2003, p. 60-63).

A Trégua dos Doze Anos e a criação das Companhias das Índias: 

“Sugar was one of the catalysts that directed Dutch expansion across the Atlantic Ocean. For this reason, access to Brazil became a primary objective for the Dutch in South America. Around 1585, in exchange for ammunition and food, Spain’s King Philip II (1527–1598) gave the Dutch rebels permission to sail to Brazil and conduct business for Spanish merchants. At least three Dutch ships sailed to Brazil in 1587. Only three years later, in 1590, about fourteen ships sailed from Dutch ports to Brazil, carrying cargoes for Spanish merchants. The specifics concerning these initial shipments are largely unknown, but we know that skipper Pieter Jansz. carried a cargo of sugar from Brazil to the Netherlands for the merchant Jan Pietersz. in 1594. The following year, skipper Pauwels Gerritsz. sailed from Zeeland to Brazil on board the Sampson, and this ship had earlier journeyed to the West Indies and also made two voyages to Brazil to fetch sugar and Brazilwood”. (ENTHOVEN, 2003, p. 24).

O embargo não afetou apenas os negócios com Portugal e Espanha, mas com outros compradores dos holandeses, como a França, o Sacro Império e a Inglaterra, ainda assim, esse revés não foi sempre grave, havendo momentos de crescimento. “Malgrado a devastação causada pela “Fúria espanhola” no sul e as amargas lembranças das ocupações e dos cercos da década de 1570, era verdade que entre 1590 e 1612 a guerra coincidira com o mais espetacular florescimento da economia holandesa”. (SCHAMA, 1992, p. 251).

Esse problema político-econômico motivado pelos embargos realizados pela Coroa espanhola acabou se tornando um dos fatores que acirrou a disputa entre a República Holandesa e a Monarquia Dual-ibérica, o que viria a iniciar ainda em 1598 e 1599, ataques ao arquipélago de São Tomé e Príncipe, iniciando segundo Charles Boxer (2002, p. 123), uma “guerra global”, que se estenderia até o ano de 1663, quando os portugueses perderiam parte do controle da costa do Malabar na Índia, e outros entrepostos nas “Ilhas das Especiarias” na Indonésia.

Jonathan Israel (1995, p. 325) assinala que ainda em 1598, navios holandeses passaram a viajar para o Caribe e a América do Sul a fim de conseguirem sal, madeira, tabaco, açúcar, prata e outros produtos, indo comprá-los nos próprios domínios espanhóis, mas longe dos grandes centros para não chamar a atenção. Tais expedições também aproveitavam para sondar as terras do Novo Mundo, a fim de conhecer a dinâmica de tais mercados. Israel também chama a atenção para o ingresso dos holandeses no comércio escravocrata na África Ocidental, tornando-se concorrente dos portugueses, embora Portugal detivesse a supremacia no tráfico transatlântico.

O início do século XVII para a Holanda, Portugal e Espanha foi problemático, pois acirraram os confrontos entre as três nações (embora Portugal estivesse reunido ao governo espanhol, do ponto de vista administrativo os portugueses mantiveram sua autonomia).

Segundo Maravall (2009, p. 65) o Seiscentos foi marcado por crises em âmbito econômico, político, social e religioso. Cenário conturbado esse que refletiu em guerras pelo continente europeu, as quais acabaram motivando conflitos nas colônias espalhadas pelo mundo, principalmente por fatores de ordem política e econômica devido à emergência dos grandes Estados europeus de ampliarem seu desenvolvimento econômico e social. Assim antigos centros financeiros do continente como a Itália, Espanha e Portugal, no século XVII, perdem o posto para a França, mas principalmente para a Inglaterra e os Países Baixos. (STEENSGARD, 1997, p. 40).

Estando a república holandesa vivenciando um novo crescimento econômico iniciado desde a década de 1590, nos idos do século XVII, o governo decidiu se arriscar mais e ingressar no mercado internacional. Expedições ao Oceano Ártico em busca de uma rota alternativa às Índias foram tentadas, no entanto, acabaram optando pela rota portuguesa descoberta por Vasco da Gama (1497-1499). Em 1596, foram enviados navios para a Indonésia e em 1598 para o Japão. (ARBLASTER, 2005, p. 134).

O Império Holandês entre os séculos XVII e XVIII. 
Após essas viagens de reconhecimento à Ásia, mercadores, banqueiros e os Estados Gerais estavam cada vez mais convencidos de investirem no comércio ultramarino de especiarias orientais, o qual ainda era frutífero e seria menos arriscado do que confrontar o poderio espanhol no Novo Mundo e seus embargos econômicos. Assim, em 1602 foi criada a Companhia das Índias Orientais (Vereenigde Oost-Indische Compagnie), encabeçada por iniciativas e capitais públicos e privados, os quais se reuniram para por o país na rota dos grandes negócios, o que resultou na disputa, principalmente com Portugal, pelo controle dos mercados na Índia, Malaca, Indonésia e Japão. (ISRAEL, 1995, p. 322-323).

Bandeira da Companhia das Índias Orientais.
Em holandês Vereenigde Oost-Indische Compagnie.
Em 1609 os holandeses estabeleceram acordos regulares com os japoneses permanecendo no país até 1641. Em 1619 a cidade de Jacarta na Indonésia, tornou-se capital da colônia da VOC, sendo rebatizada com o nome de Batavia. Em 1624, fundou-se em Taiwan o Forte Zelândia, importante entreposto entre a Indonésia e o Japão. (ARBLASTER, 2005, p. 136).

“Tratada pela bibliografia como uma companhia majestática, a VOC era regida por um estatuto construído pelos Estados Gerais. Também era a República que assegurava seu formato inovador: a VOC era uma sociedade de ações, sendo seu capital dividido em quotas iguais e transferíveis. Desmembrada em câmaras que mantinham seu capital próprio separado do das demais, a VOC possuía um quadro de diretores, os Heeren XVII – literalmente, os Dezessete Senhores – que estipulavam diretrizes gerais e políticas para todas as câmaras. As vagas de direção eram ocupadas pelos govenadores das câmaras, com a ressalva de que, das dezessete vagas disponíveis, oito deveriam ser ocupadas pelos governadores de Amsterdã, como contrapartida pelo maior investimento feito”. (NAVARRO, 2015, p. 64).

Enquanto os negócios no Oriente progrediam, no Ocidente a situação entre Holanda e Espanha ainda se mantinha tensa. Em abril de 1607, o arquiduque Alberto VII da Áustria e sua esposa a infanta Isabela Clara (filha mais velha de Filipe II, nomeada por este como governante dos Países Baixos), promulgaram um cessar-fogo com os holandeses, proposta essa mediada pela França e a Inglaterra.

Naquele momento, os holandeses cobravam dos espanhóis o reconhecimento por sua independência, e por sua vez, os espanhóis exigiam que os holandeses respeitassem a proibição dos embargos econômicos e permitissem o culto católico no país. (ARBLASTER, 2005, p. 130). Tais propostas evoluíram para a Trégua dos Doze Anos (1609-1621), assinada a 9 de abril de 1609, na Antuérpia.

A prefeitura de Antuérpia (Bélgica), durante a assinatura da Trégua dos Doze Anos. Gravura de Michiel Collijn, c. 1613 e 1615. 
O rei Filipe III decidiu apoiar a proposta de sua irmã e de seu cunhado, propondo uma trégua que durariam doze anos, na qual as duas nações suspenderiam suas desavenças, e não voltariam a entrar em conflito, desde que ambos respeitassem os territórios de cada um. Na prática as propostas debatidas na trégua nunca foram respeitadas totalmente: por exemplo, os holandeses continuaram a fazer incursões aos territórios espanhóis e portugueses, indo visitar a América do Norte e do Sul, Caribe, e a costa ocidental da África. (ENTHOVEN, 2003, p. 36).

Em 1618, eclodiu a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), motivada principalmente por conflitos religiosos entre os protestantes e católicos no Sacro Império. Filipe III optou por apoiar seu primo que era o então sacro imperador, e, por sua vez, os holandeses aderiram à Liga Protestante que surgiu para se opor à Liga Católica. Isso reacendeu os conflitos entre holandeses e espanhóis, mesmo havendo oficialmente uma trégua entre as duas nações.

Willem Ussenlincx
Em 1621, com o término da Trégua dos Doze Anos (1609-1621), a Companhia das Índias Ocidentais foi criada, seguindo o mesmo modelo da VOC, embora foi concebida por Willem Usselincx (1567-1647). O qual foi um comerciante de origem flamenga, que trabalhou e viveu algum tempo na Espanha, em Portugal e nos Açores, tendo contato direto com o comércio ultramarino destes países com suas colônias. Ussenlincx concebeu a nova Companhia das Índias, para ser uma companhia de colonização e não de exploração como a VOC. Na sua proposta original a WIC seria fundada para se tornar uma colônia agrícola, criando-se assentamentos em territórios não ocupados pelos portugueses e nem espanhóis, assim evitando-se o conflito com a Monarquia Ibérica dos Filipe. Além disso, Ussenlincx concebeu que as colônias deveriam empregar trabalho livre, não se valendo do uso de escravos indígenas e nem africanos. (SCHALKWIJK, 2004, p. 51-52). Todavia, não foi isso que ocorreu. A WIC tomou um caminho bem diferente proposto por Willem Ussenlincx, além do fato de que após a companhia ser criada, nenhum cargo lhe foi oferecido, então se sentido “traído”, ele deixou o país e se mudou para a Suécia, retornando a Holanda após 1632.

Logo, a WIC passava a dispor do direito de possuir uma administração autônoma, formar marinha de guerra e exército; fundar colônias, negociar com outras nações e povos, sem necessidade de autorização dos Estados Gerais; nomear governadores e diretores para suas possessões ultramarinas, fomentar acordos econômicos, políticos ou alianças militares. (LAET, 1912, p. 8-15).

“The idea of one company for all of the Atlantic went back as far as the trade itself. Most merchants realized that only an organization with adequate ships and military power could challenge the Iberian powers in the Atlantic. The first person to advocate the establishment of a Dutch West India Company (WIC – West-Indische Compagnie) was Willem Usselincx, an Antwerp-born merchant who had moved to Middelburg in 1591. Usselincx maintained good contacts with influential citizens throughout the United Provinces, including François Francken, the pensionaris (executive administrator) of Gouda, and the Flemish born preacher-geographer Petrus Plancius in Amsterdam. All were devout Calvinists and enthusiastic about the West India Company, which doubled as trading firm and weapon in the battle against the king of Spain. Usselincx claimed that he had advocated organizing such a company as early as 1592, but he had to wait till 1606 before the States of Holland approved such a plan”. (HEIJER, 2003, p. 78).

Embora navegações e negócios nas Índias Ocidentais já fossem feitos desde o século XVI pelos holandeses, um dos entraves para a criação da WIC se deu por causa da Trégua dos Doze Anos, pois os Estados Gerais consideraram que a criação desta companhia poderia ser entendida como uma quebra de acordo, e isso seria usado como pretexto pelo governo espanhol para retomar as hostilidades e ataques, lembrando que os exércitos espanhóis mesmo durante a trégua ainda se mantinham a postos nas fronteiras. (ALBUQUERQUE, 2010, p. 26).

Planos para atacar o Brasil: 

Enquanto a Espanha permaneceu ocupada com os conflitos referentes aos holandeses (agora na Guerra dos Trinta Anos), nesse mesmo tempo, a WIC planejava atacar as possessões portuguesas nas Índias Ocidentais. Se antes foram promovidas expedições mercantis às Índias Ocidentais, com o advento da WIC a missão era conquistar territórios e fundar colônias. Em 1614, foi criada a Colônia dos Países Baixos (Nieuw Nederland). Neste mesmo ano também se fundou a cidade de Nova Amsterdã (atual cidade de Nova York), a qual se tornou capital da colônia holandesa na América do Norte. (SCHALKWIJK, 2004, p. 38).

Território da colônia dos Novos Países Baixos na América do Norte. 
Enquanto a WIC não se deparou com muitos problemas para fundar uma cidade e construir outros fortes na América do Norte, na América do Sul, em 1624, a missão era atacar a capital do Brasil, Salvador. Nos três anos após a criação da WIC, reuniu-se o capital para planejar a primeira invasão ao Brasil. Em 1623 o capital da WIC era de 7.108.161 florins, sendo que 2.846.582 florins foram fornecidos apenas por Amsterdã. (HEIJER, 2003, p. 81). A frota neerlandesa adentrou as águas da baía de Todos os Santos em 10 de maio, sem encontrar pela frente nenhum percalço, e, em dois dias, a capital, fracamente munida de defesa, foi tomada.

“Para os habitantes de Salvador, a visão da armada que adentrava a baía causou pânico e correria. Apesar de terem sido avisados pelo rei da possibilidade de um ataque holandês, a defesa da cidade não contava com nenhuma estratégia especial. Mesmo sabendo da presença de uma nau holandesa na região de Boipeba desde o dia 13 de abril de 1624, o governador Diogo de Mendonça Furtado, a despeito dos seus esforços, não conseguiu organizar uma defesa satisfatória da cidade”. (BEHRENS, 2013, p. 11).

Após os holandeses permanecerem quase um ano de posse de Salvador, a poderosa Jornada dos Vassalos enviada pelo rei Filipe III, composta por 56 navios e 12.463 homens, os expulsou. (SCHWARTZ, 1991, p. 735). No entanto, a WIC não desistiria facilmente.

Planta da Restituição da Bahia do atlas do Estado do Brasil. João Teixeira Albernaz, o Velho, 1631. 
O açúcar ainda era mercadoria bastante valiosa, embora que curiosamente no período de 1624-1654, o ano de 1624 teve a menor cotação no preço do açúcar branco em Amsterdã, custando 0,43 florins. Entretanto, em 1630, ano da segunda invasão holandesa ao Brasil, o valor do açúcar branco custava 0,67 florins, o que mostra uma valorização de 0,24 florins em cinco anos, o que levou os neerlandeses a investir em um novo ataque ao Brasil, pois o preço do açúcar de 1631 a 1636 permaneceu na casa dos 0,60 florins. (MELLO, 2004, p. 245).

Passados cinco anos, eles retornaram, dessa vez o alvo era Pernambuco, então maior produtora de açúcar do Brasil. Assim como Salvador estava fracamente defendida, na mesma situação se encontrava Olinda, que também sucumbiu facilmente ao vasto poderio do invasor.

“A decisão de atacar Pernambuco foi das mais fáceis, por isso que os holandeses estavam singularmente bem informados sobre as condições em que se encontrava aquela capitania. Pelas cartas do governador, Matias de Albuquerque, interceptadas durante a campanha da Bahia, ficaram eles conhecedores de que as fortificações de Olinda e Recife estavam desaparelhadas. Albuquerque dava também conhecimento de que a milícia local não excedia a 400 homens pouco experimentados, na sua maioria cristãos-novos, em que se não podia depositar confiança. Os holandeses ficaram também sabendo que as três capitanias do Nordeste possuíam 137 engenhos de açúcar, cuja produção montava a cerca de 700 000 arrobas em média, nos anos bons”. (BOXER, 1961, p. 45).

A afirmativa de Charles Boxer se torna ainda mais significativa quando notamos que na década de 1620, foram produzidos relatórios descritivos da costa brasileira, o que revela que a WIC já estava a alguns anos planejando sua incursão ao Brasil. A Companhia possuía conhecimento sobre os melhores locais onde se conseguir açúcar, pau-brasil e outras mercadorias.

Entre esses relatórios podemos destacar a Tocha da Navegação (1623) e o Roteiro para o Rico Brasil (1624), ambos produzidos por experientes navegadores holandeses, os quais esboçaram um trabalho detalhado sobre os pontos geográficos da costa brasileira e seus principais portos, inclusive dando instruções de como melhor aportar nestes. Mas além dessas referências geográficas, tais relatórios também trazem informações sobre cidades, vilas e mercadorias produzidas.

Há também o relatório de Jan Andries Moerbeeck, intitulado Motivos por que a Companhia das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao Rei da Espanha a terra do Brasil e isto quanto antes (1624), cujo título já apresentava de forma demasiadamente óbvia o interesse de se apossar do Brasil devido a sua rica produção açucareira.

De acordo com o relatório da Lista do que o Brasil pode fornecer anualmente (1623), naquele ano a produção conjunta de açúcar de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba era de 700 mil arrobas (ca. 1050 toneladas), o que renderia a WIC um lucro estimado de 4.795.000 florins. (MELLO, 2004, p. 17). Em seu relatório Moerbeeck que viveu algum tempo na colônia brasileira, enfatizou ainda mais o que já era planejado pela Companhia. (MELLO, 2004, p. 42).

Além desses relatórios existem outros, no entanto, um que merece destaque por não se tratar de um relatório, mas sim de uma carta com ordens, diz respeito a uma carta expedida pelo Conselho dos XIX no ano de 1629. O Conselho dos XIX era responsável pela administração da WIC, e nesta carta foram estabelecidas as instruções que o tenente-coronel Hendrik Cornelissen Lonck deveria seguir.

Tenente-coronel Hendrik Cornelissen Lonck. 
Nessa carta diz que, em caso não se obtivesse êxito em se tomar Olinda, e se os ventos fossem favoráveis, a armada neerlandesa deveria seguir para a baía de Guanabara, a fim de conquistar (“por todos os meios” - dizeres da carta) a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas caso os ventos não fossem favoráveis para essa viagem ao sul, à armada deveria tentar atacar novamente Salvador. Não obstante a carta também instruía para que a Paraíba e Buenos Aires fossem atacadas e ocupadas. (MELLO, 2004, p. 49).

Por tal carta de ordens dada ao tenente-coronel Lonck, já se deixa evidenciado o planejamento da WIC e o próprio fato de que a companhia estava preparada para se arriscar, pois se planejava atacar novamente Salvador, como também o Rio de Janeiro e Buenos Aires. No entanto, como a capitulação de Olinda e Recife acabou logrando êxito, e os ventos não foram favoráveis para uma viajem ao sul, os comandantes da invasão de 1630, decidiram fixar base na vila conquistada.

“Acreditava o Conselho dos XIX, órgão diretor da W.I.C, que, assenhoreadas as praças-fortes, a região cairia automaticamente em seu poder, de vez que, na falta de ligações com Portugal, os colonos se veriam na contingência de aceitar o domínio estrangeiro”. (MELLO, 2002, p. 51).

A perspectiva da WIC acabou sendo adiada, pois os territórios livres acabaram optando pela resistência. Tal longa permanência se deu a um custo enorme, pois em 1633, cogitou-se abandonar a ocupação de Olinda, Recife e Itamaracá, e em 1636, a Companhia já se encontrava em crise financeira, devendo 18 milhões de florins, devido aos enormes gastos em se manter a guerra e a ocupação das terras conquistadas nestes últimos anos. (MIRANDA, 2014, p. 29).

Período esse chamado por Evaldo Cabral (2007, p. 13) de a guerra lenta de resistência. Mesmo que tal cronologia aluda às dificuldades dos holandeses em se adaptar a terra e ao estilo de guerra praticado pelos colonos “brasileiros”, ainda assim, os exércitos holandeses estiveram em vantagem mesmo diante de várias adversidades, no que resultou na ocupação do nordeste do Brasil ao longo de duas décadas, até terminar o privilégio de 24 anos de monopólio sobre as Índias Ocidentais. (LAET, 1912, p. 8).

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