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Leandro Vilar

terça-feira, 9 de agosto de 2016

O mito grego das amazonas

Embora em diferentes culturas e povos do mundo, ao longo da História encontram-se relatos míticos, lendários e até históricos a respeito de mulheres guerreiras, algo que se perpetrou no imaginário literário até os dias de hoje, pois a icônica super-heroína das histórias em quadrinhos, Mulher-Maravilha é uma amazona. Todavia, os mitos mais conhecidos e mais influentes sobre mulheres guerreiras, dizem respeito a mitologia grega, na qual se encontra o termo amazona e as histórias sobre uma tribo de mulheres que viveriam em algum local próximo a costa do Mar Negro, já em território asiático. Transportando os antigos mitos para as lendas, historiadores e estudiosos gregos, voltaram a relatar sobre as amazonas como tendo sido um povo real, que vivia na Ásia. Um povo belicoso, matriarcal e supostamente evitava contato com outros povos, além de serem caçadores de homens. 

A proposta desse texto é analisar um pouco o mito grego das amazonas, procurar entender o papel dessas guerreiras em algumas narrativas mitológicas, o seu papel no imaginário cultural da época que os gregos possuíam a respeito de outros povos e culturas, assim como, comentar a respeito das pesquisas que sugerem que as amazonas possam ter sido um povo real, inspirado talvez em tribos citas e/ou sármatas. 

As amazonas nos mitos gregos: 

A mitologia grega menciona o nome de várias amazonas, todavia, para este estudo comentarei apenas os principais mitos envolvendo essas guerreiras, que neste caso, são narrativas que envolvem também alguns heróis famosos como Héracles (Hércules na versão romana), Teseu e Aquiles

a) O roubo do cinturão de Hipólita:

Um dos Doze Trabalhos de Héracles consistiu em roubar o Cinturão de Ares, peça dada em presente a rainha amazona Hipólita. No passado Héracles havia sofrido com o ódio de sua madrasta a deusa Hera, a qual em algumas ocasiões tentou matá-lo. Neste caso, não conseguindo vitimar o herói semideus, Hera lançou um ataque de loucura em Héracles, o que o fez assassinar os três filhos que tivera com sua primeira esposa, a princesa Mégara. Buscando redenção de seu crime ele foi consultar o Oráculo de Delfos, no qual a sacerdotisa pitonisa disse ao herói que ele deveria procurar servir; executando trabalhos que expiasse sua pena. Assim, Héracles procurou seu parente, o rei Euristeu, o qual lhe propôs os Doze Trabalhos. 

“Foi a pedido de Admeta, filha de Euristeu e sacerdotisa de Hera argiva, que Héracles, acompanhado por alguns voluntários, inclusive Teseu, seguiu para o fabuloso país das Amazonas, a fim de trazer para Admeta o famoso Cinturão de Hipólita, rainha dessas guerreiras indomáveis. Tal Cinturão havia sido dado a Hipólita pelo deus Ares, como símbolo do poder temporal que a Amazona exercia sobre seu povo. A viagem do herói teve um incidente mais ou menos sério. Tendo feito escala na ilha de Paros, dois de seus companheiros foram assassinados pelos filhos de Minos. É que Nefálion, um dos filhos do rei cretense com a ninfa Pária, havia se estabelecido na ilha supracitada com seus irmãos Eurimedonte, Crises e Filolau e com dois sobrinhos, Alceu e Estênelo. Pois bem, foram esses filhos de Minos que, com seu gesto impensado, provocaram a ira de Héracles, que, após matar os quatro irmãos, ameaçou exterminar com todos os habitantes de Paros. Estes mandaram-lhe uma embaixada, implorando-lhe que escolhesse dois cidadãos quaisquer da ilha em substituição aos dois companheiros mortos. O herói aceitou e, tendo tomado consigo Alceu e Estênelo, prosseguiu viagem, chegando ao porto de Temiscira, pátria das Amazonas. Hipólita concordou em entregar-lhe o Cinturão, mas Hera, disfarçada numa Amazona, suscitou grave querela entre os companheiros do herói e as habitantes de Temiscira. Pensando ter sido traído pela rainha, Héracles a matou”. (BRANDÃO, 1987, p. 105).

Pintura antiga retratando uma versão do mito de Héracles e Hipólita. Nessa versão, a rainha amazona não é morta pelo herói e lhe entrega o Cinturão de Ares. 

“Uma variante relata que as hostilidades se iniciaram, quando da chegada de Alcides. Tendo sido feita prisioneira uma das amigas ou irmã de Hipólita, Melanipe, a rainha das Amazonas concluiu tréguas com o filho de Alcmena e concordou em entregar-lhe o Cinturão em troca da liberdade de Melanipe. Foi no decorrer dessa luta, relata uma variante, que Teseu, por seu valor e desempenho, recebeu de Héracles, como recompensa, a Amazona Antíope”. (BRANDÃO, 1987, p. 105).

Pintura grega antiga, retratando Teseu carregando a amazona Antíope. Ao seu lado segue um de seus companheiros. Segundo uma versão do mito, Teseu não teria recebido Antíope como esposa, mas a teria raptado. 

Outra versão do mito conta que Hipólita não foi morta por Héracles, mas cedeu o cinturão ao poderoso herói. Todavia, para firmar a paz entre gregos e amazonas, Hipólita aceitou se casar com Teseu, tornando-se rainha de Atenas e tendo um filho chamado Hipólito. (MENARD, 1991, p. 228). Nessa versão do mito, Teseu não se casa com Antíope. Todavia, na versão que ele se casa com Antíope, Hipólito é filho dele com ela. (MAYOR, 2014, p. 269). 

b) O ataque das amazonas à Atenas: 

Segundo a versão do mito que Teseu teria raptado ou não Antíope, mas a levado à Atenas, e tornado-a sua esposa e rainha, a qual deu a luz a Hipólito, as amazonas teriam decidido vingar-se do herói ateniense, indo atacar seu reino. 

“As origens da luta diferem de um mitógrafo para outro. Segundo uns, tendo-se engajado, na expedição de Héracles contra as Amazonas, Teseu recebera, como prêmio de suas proezas, a amazona Antíope, com a qual tivera um filho, Hipólito. Segundo outros, Teseu viajara sozinho ao país dessas temíveis guerreiras e tendo convidado a bela Antíope para visitar o navio, tão logo a teve a bordo, navegou a toda a vela de volta à pátria. Para vingar o rapto de sua irmã, as Amazonas invadiram a Ática. A batalha decisiva foi travada nos sopés da Acrópole e, apesar da vantagem inicial, as guerreiras não resistiram e foram vencidas por Teseu, que acabou perdendo a esposa Antíope. Esta, por amor, lutava ao lado do marido contra as próprias irmãs”. (BRANDÃO, 1987, p. 166).

Ilustração representando o mítico ataque das amazonas a cidade de Atenas. Na ocasião, as amazonas foram derrotadas pelo rei Teseu e seu exército. 

“Existe ainda uma outra variante. A invasão de Atenas pelas Amazonas não se deveu ao rapto de Antíope, mas ao abandono desta por Teseu, que a repudiara, para se casar com a irmã de Ariadne, Fedra. A própria Antíope comandara a expedição e tentara, à base da força, penetrar na sala do festim, no dia mesmo do novo casamento do rei de Atenas. Como fora repelida e morta, as Amazonas se retiraram da Ática”. (BRANDÃO, 1987, p. 166-167).

c) Aquiles e Pentesileia: 

Outra história conhecida sobre as amazonas também envolve outra notória guerra, inclusive uma mais conhecida do que o conflito em Atenas, neste caso, a famosa Guerra de Troia. No principal poema que aborda a guerra troiana, a Ilíada, atribuído a autoria de Homero, a narrativa em versos não menciona Pentesileia, apenas diz que durante os jogos realizados em honra de Heitor - príncipe troiano, morto por Aquiles - havia uma amazona presente. O poema Aethiopis, do qual conhece-se apenas alguns fragmentos, menciona que uma rainha amazona de nome Pentesileia lutou ao lado dos troianos durante a guerra, tendo ela combatido o herói Aquiles, e sendo morta por este. (MAYOR, 2014, p. 289). O melhor relato sobre Pentesileia e Aquiles encontra-se no poema Posthomerica, escrito por Quintus Smyrnaeus, por volta do século III ou IV d.C. 


Pintura num vaso grego, retratando a luta entre Aquiles e Pentasileia. V a.C. 

Todavia, na versão que fala do combate entre Aquiles e Pentesileia, essa foi descrita como trajando uma armadura, e usando elmo, com isso Aquiles não reconheceu que estava lutando com uma mulher. Após uma luta ferrenha ele a feriu mortalmente e ela ao tombar ao chão, o elmo saiu de sua cabeça. Outra versão diz que Aquiles retirou o elmo para ver a face do valoroso guerreiro com o qual havia travado luta. De qualquer forma ao ver que se tratava de uma bela mulher, ele foi tomado de uma paixão arrebatadora, mas também de tristeza. 

“Em outra ocasião, quando a linda rainha das Amazonas, Pentesiléia, caiu sob os golpes de Aquiles, ficou tão bela na morte, que o herói de Ftia se comoveu até as lágrimas. Tersites ridicularizou-lhe a ternura e ameaçou furar à ponta de lança os olhos da rainha morta. Aquiles, num acesso de raiva (coisa comum aos heróis), matou-o a murros, tendo depois que purificar-se na ilha de Lesbos”. (BRANDÃO, 1987, p. 297). 

d) Alexandre, o Grande e as amazonas: 

Existe uma lenda contada por Diodoro Siculus, no seu livro Biblioteca historica (17. 77, 1-3), por Plutarco em sua coleção de biografias, Vidas Paralelas - Alexandre e César (46, 1-2), dentre outros historiadores antigos, na qual fala que o famoso rei macedônio, Alexandre, o Grande (356-323 a.C) em viagem pela Ásia, teria conhecido uma tribo de amazonas, a qual era governada pela rainha Taléstris. Segundo o relato, Alexandre por volta do ano de 330 a.C, encontrava-se ao sul do Mar Cáspio, combatendo os Mardianos. Em determinado momento os Mardianos roubaram o cavalo do rei, Bucéfalo, e isso acirrou o conflito entre os greco-macedônios com aquela tribo nômade, porém, para evitar consequências maiores, os Mardianos devolveram Bucéfalo e os outros cavalos roubados. Na ocasião, trezentos cavaleiros se aproximaram do acampamento de Alexandre. Mas não eram homens, mas sim mulheres. 

O encontro de Alexandre, o Grande e a rainha amazona Taléstris. Pierre Mignard, 1660. 

Segundo a lenda, a rainha Taléstris havia ouvido falar dos grandes feitos de Alexandre ao derrotar o imperador persa Dario III, então decidiu encontrar aquele poderoso senhor que governava o maior império da época. Alexandre ao questionar a bela rainha amazona do motivo pelo qual ela havia ido visitá-lo, Taléstris havia respondido que estava interessada em ter um filho com ele. Pois ela oferecia seu ventre para gerar um herdeiro, forte, bravo e poderoso. Ela uma rainha guerreira e ele um rei conquistador, se uniriam para gerar herdeiros que seriam famosos heróis. Alexandre e Taléstris passaram treze dias juntos e depois ela foi embora. (MAYOR, 2014, p. 320-321). 

De acordo com a tradição das amazonas, se fosse uma filha, a menina ficaria com a mãe, mas caso fosse um menino, ele seria devolvido ao pai, todavia, o suposto filho de Alexandre com Taléstris nunca foi devolvido, logo, imagina-se que tivesse sido uma menina. Todavia, como hoje considera-se isso uma lenda, pois historiadores que acompanharam Alexandre, nada mencionam sobre tal encontro com amazonas, não faz diferença. Além disso, historicamente só se conhece um filho dele, o príncipe Alexandre IV da Macedônia (323-310 a.C), filho de Alexandre, o Grande com sua primeira esposa, a rainha Roxana (Alexandre casou-se outras vezes, adotando a poligamia, costume persa, mas apenas Roxana lhe deu um herdeiro). 

As amazonas segundo relatos antigos: 

Depois de vermos alguns mitos e uma lenda envolvendo amazonas, vejamos o que antigos historiadores gregos e romanos falaram a respeito das amazonas. Embora se tratem de historiadores, é preciso salientar que na época antiga, não havia uma divisão clara entre mito-lenda-história. Assim, para algumas pessoas o encontro de Alexandre, o Grande com a Taléstres era real. 

a) Helânico de Lesbos (c. 490-? a.C):

Historiador grego pouco conhecido, cujas supostas 30 obras hoje nada se conhece. Embora saiba-se notícias dos títulos de algumas e de alguns fragmentos. Helânico referia-se as amazonas como sendo guerreiras que usariam "escudos dourados" e "machados prateados", e seriam assassinas de homens jovens, embora elas se relacionassem com homens também. Todavia, além dessas características, Helânico sugeriu que o significado do nome amazos, que originou amazones, significaria "sem seios". Algo que gerou debate entre alguns estudiosos antigos e ainda hoje levanta questionamentos. Pois acredita-se que tenha sido um erro de interpretação. 

b) Heródoto de Halicarnasso (c. 485 - c. 420 a.C):

Heródoto é considerado por alguns como o "Pai da História", pois em parte de sua vida, viajou por algumas terras como o Egito e a Ásia Menor, além da própria Grécia, pois Heródoto era grego de Halicarnasso, uma cidade na Ásia Menor (atual Turquia). O resultado de suas viagens e pesquisas o levaram a redigir nove livros, os quais cada um recebeu o título com base no nome de uma das Musas (deusas das artes e ciências). 

Sua coletânea ficou conhecida simplesmente como Histórias, obra na qual Heródoto abordava assuntos sobre história, cultura, sociedade e geografia de alguns povos como os egípcios, persas, citas e trácios, embora que grande parte da coletânea tenha foco em se tratar das Guerras Greco-Persas (493-492 a.C/480-479 a.C). Todavia, para este estudo em questão, usaremos alguns trechos do livro nos quais Heródoto menciona as amazonas, tendo sido um dos primeiros historiadores gregos a falar a respeito dessa lendária tribo de mulheres guerreiras. 

Os relatos sobre as amazonas se iniciam no Livro IV: Melpômene, o qual aborda o país da Cítia, região situada ao nordeste do Mar Negro (conhecido pelos gregos antigos como Mar Euxino), tendo consistido num vasto território que teve suas fronteiras alteradas ao longo da História. De qualquer forma, percebe-se o fato de que as amazonas seriam asiáticas e não europeias. No entanto, Heródoto não diz que elas fossem citas, mas um povo próprio, o qual seria vizinho dos citas. 

Mapa da Cítia e da região da Sarmácia por volta do século I d.C. Na época de Heródoto, quatro séculos antes, a Cítia era bem menor, e a Pártia fazia parte do Império Persa Aquemênida. Entretanto, o mapa permite uma noção dos territórios onde tais povo habitavam. 

“Quanto aos Saurómatas, eis o que se diz sobre eles: Quando os Gregos combateram contra as Amazonas, que os Citas chamam Aiórpatas, nome que os Gregos traduzem para Andróctones (que matam homens), pois aior em cita significa “homem”, e pata quer dizer “matar” — quando os Gregos, dizia eu, deram combate às Amazonas, derrotando-as às margens do Termodonte, conta-se que levaram consigo, em três navios, todas as que puderam aprisionar. Ao chegarem em alto mar, as prisioneiras atacaram seus vencedores, reduzindo-os a pedaços. Como, porém, nada entendiam de navegação e não sabiam fazer uso do leme, das velas e dos remos, abandonaram-se ao sabor das vagas, indo ter, finalmente, a Cremnes, no Palos-Meótis. Cremnes faz parte do território dos Citas livres. As Amazonas desembarcaram ali e avançaram pelo meio das terras habitadas. Apoderando-se do primeiro haras que encontraram no caminho, montaram nos cavalos e puseram-se a saquear as terras dos Citas”. (grifos meu). (HERÓDOTO, 2006, p. 350/IV, CX). 

Como mencionado por Heródoto (IV, CXI), os citas não conheciam as amazonas e nem compreendiam seu idioma. Inclusive quando foram atacados por elas, pensavam que se tratavam de homens, pois elas trajavam roupas masculinas usadas na guerras (não havia uniforme militar naquele tempo). Porém, ao descobrirem que se tratavam de mulheres, as quais lutavam com habilidade e impetuosidade, ficaram surpresos. 

Ele prossegue dizendo que os citas procuraram fazer um acordo de paz com as amazonas, então estabeleceram um acampamento próximo delas, enviando jovens corajosos para tentar fazer contato. Passado as semanas, o contato resultou em êxito. As amazonas aceitaram a proposta de paz e algumas se relacionaram com os citas. Posteriormente, foram tomadas como esposas pelos soldados que participaram da missão. Neste ponto Heródoto menciona um dado interessante. Algumas amazonas teriam relutado em ir viver nas vilas e cidades citas, pois diziam que seus costumes eram bem diferentes dos costumes das mulheres citas. 


Pintura de uma amazona usando vestes citas e segurando um longo arco.

“Não poderíamos — responderam as Amazonas — viver em boa harmonia com as mulheres do vosso país. Seus costumes são diferentes dos nossos: atiramos com o arco, lançamos o dardo, montamos a cavalo e não aprendemos os misteres próprios do nosso sexo. Vossas mulheres nada disso fazem e não se ocupam senão de trabalhos femininos. Não abandonam suas carretas, não vão à caça e nem se afastam do lar. Por conseguinte, nossa maneira de viver jamais se coadunaria. Se quiserdes que continuemos como vossas esposas; se quiserdes agir com justiça, ide procurar vossos pais, pedi a parte dos bens que vos pertence e voltai para o nosso lado, para vivermos a nossa vida”. (grifos meu). (HERÓDOTO, 2006, p. 352/IV, CXIV).

Heródoto prossegue dizendo que as mulheres citas acabaram concordando com as amazonas, pois o estilo de vida delas era bem diferente, então as amazonas e seus maridos retornaram a terra natal das amazonas. Todavia, o interessante neste ponto é que Heródoto diz que as amazonas não consistiam num povo próprio, mas faziam parte dos Sármatas (ou Saurómatas), povo vizinho aos Citas. Mais a frente comentaremos especificamente essa questão dos Citas e Sármatas, mas retomemos o relato de Heródoto. 

“Tendo concordado com a sugestão de suas esposas, os Citas atravessaram o Tánais, e depois de haverem jornadeado três dias para leste e outros tantos para o norte a partir do Palos-Meótis, chegaram ao país que ainda hoje habitam e onde fixaram residência. Daí o fato de as mulheres dos Saurómatas terem conservado seus antigos costumes: montam a cavalo, vão à caça, ora sozinhas, ora com os maridos. Acompanham-nos também na guerra, trajando as mesmas vestes que eles. Os Saurómatas adotam a língua cita, mas nunca a falaram com pureza, porque as Amazonas não a conheciam senão imperfeitamente”. (grifos meu), (HERÓDOTO, 2006, p. 352/IV, CXVI-CXVII).

c) Hipócrates de Cós (460-370 a.C):

Embora tenha sido médico, conhecido por alguns como o "Pai da Medicina", Hipócrates escreveu alguns livros, embora muito da produção do chamado Corpus Hippocraticus (conjunto de livros de medicina), não foram escritos por ele. Todavia, curiosamente este ilustre médico antigo menciona as amazonas. No seu livro Sobre os Ares, as Águas e Lugares na parte 17, ele diz que as mulheres dos Sármatas, as quais eram conhecidas por serem caçadoras e guerreiras, habilidosas ao cavalgar, lutar e atirar com arco, elas tinham um estranho hábito de possuir apenas um seio!

De acordo com o relato de Hipócrates, ainda na tenra infância, as meninas passavam por um processo doloroso, no qual usava-se um instrumento de bronze em brasa, fabricado especificamente para aquilo, o qual era aplicado com pressão sobre a mama direita, danificando os nervos e a musculatura, inibindo o crescimento dessa. Normalmente se fazia isso com o seio direito, pois segundo o relato, isso facilitava as mulheres na hora de usarem o arco ou lançar dardos. 

Amazona ferida. Museu do Capitolino, Roma, Itália. Nessa estátua, nota-se que a amazona está com o seio esquerdo a mostra, mas o direito não existe, algo que remete a lenda que elas impediriam o crescimento da mama direita. 

A historiadora e folclorista Adrienne Mayor (2014, p. 84-85) questiona esse relato acerca das amazonas, apontando que a palavra amazona ("sem seio"), tenha consistido num erro de tradução e interpretação. Mayor assinala que Ártemis a deusa da caça e da lua, era uma habilidosa arqueira, mas possuía os dois seios. Atena, a deusa da guerra, também possuía os dois seios. Inclusive o busto feminino era valorizado nas estátuas, com direito a algumas retratarem Helena, considerada a mais belas das mulheres, a qual também era dita ter os mais belos seios. 

Para Adrienne Mayor (2014, p. 86), o equívoco adveio com o historiador Helânico de Lesbos (c. 490-? a.C), o qual teria sido um dos primeiros a usar o termo amazos, o qual deu origem a palavra amazona. O problema é que a palavra grega para mama é mastos, logo, mazos não seria seio propriamente, mas um equivoco de interpretação, pois ambas as palavras são foneticamente parecidas. Mayor assinala que a palavra mazo possa ser uma referência a maza ("cevada" ou "grão"), logo amazas seria "sem-cevada", o algo como aqueles que "não possuem grãos". Tal condição advém de que havia tribos citas e sármatas que eram nômades ou semi-nômades, mas eram conhecidas por serem tribos pastoras, logo, muitos não cultivavam a terra, eram "sem grãos". 

Partindo desse equivoco de interpretação, Hipócrates teria seguido esse raciocínio de que as amazonas mutilariam um dos seus seios. Embora que Heródoto viveu na mesma época e não menciona isso. Mais a frente voltaremos a falar do conceito da palavra amazona, apresentando algumas interpretações contemporâneas para essa palavra. 

d) Diodoro Siculus (90-30 a.C):

O historiador grego Diodoro Siculus além de falar sobre história, escreveu também sobre geografia, lendas e mitos. Seu trabalho foi chamado de Biblioteca Histórica e segundo autores antigos consistia em 40 volumes, dos quais apenas 4 volumes são conhecidos hoje em dia. No segundo volume, capítulo um, ele menciona as amazonas. 

Diodoro (II, 44) situa as amazonas como sendo as mulheres guerreiras Citas, inclusive ele diz que na época do imperador persa Ciro, o Grande (?-530 a.C), o qual invadiu a Cítia, o monarca persa teve problemas ao lutar contra os citas, que na época eram governados por uma rainha. Ele não menciona o nome dela, mas diz que além de uma rainha, havia guerreiras que usavam armadura e lutavam furiosamente e com grande habilidade. 

Diodoro (II, 45) prossegue o relato dizendo que as amazonas viveriam na região do rio Termodonte, situado na antiga região do Ponto, hoje no norte da Turquia. O local aparece em alguns mitos como sendo a terra natal das amazonas, inclusive a cidade de Temiscira, a qual Héracles e Teseu visitaram, ficaria situada as margens deste rio (em outras versões, Temiscira seria uma ilha). Nessa terra, o historiador volta a dizer que o governo era regido por mulheres, as quais também eram guerreiras, no entanto, ele aponta um fato interessante: as amazonas não viveriam isoladas dos homens, mas conviveriam com eles. Neste ponto, a curiosidade que ele destacou era que os trabalhos domésticos eram conferidos aos homens, como a costura e a fiação. Além disso, todo o trabalho braçal, agrícola e pecuário também era realizado na maioria pelos homens. A esfera política e militar era exclusiva das mulheres. 

Localização do rio Termodonte (atual rio Terme), na Turquia. Segundo os mitos gregos, a região seria a terra natal das amazonas. 

Diodoro (II, 45) continua relatando que as amazonas seriam um povo bruto, pois as mulheres mutilariam um dos seios (história essa comentada por Helênico e Hipócrates), e no caso dos homens, estes sofriam queimaduras ou mutilações nas pernas e braços, para impedir que pudessem se tornar guerreiros, os obrigando a outros trabalhos. 

Diodoro (II, 46) assinala que as rainhas amazonas referiam-se a si como "Filhas de Ares", e as principais divindades adoradas por elas eram Ares e Ártemis, aos quais realizavam-se o festival Tauropolus. Um fato curioso, pois as amazonas não eram gregas, mas nos mitos e em alguns relatos históricos eram falavam grego e cultuavam deuses gregos. Não obstante, o historiado conta também que as amazonas teriam realizado expedições de conquista a Trácia e a Síria. O que revela o poder militar daquele povo. 

e) Estrabão (63-23 a.C):

O geógrafo grego Estrabão escreveu um importante livro chamado Geografia, obra composta de 17 volumes, os quais abordavam assuntos geográficos e históricos sobre os povos conhecidos pelos gregos antigos. Dentre os povos comentados por Estrabão, estavam as amazonas. 

Estrabão (I, III/II, V) menciona que as amazonas viviam em Temiscira, aos sopés do monte Termodonte e do rio homônimo. A região ficava situada na Ásia Menor, no antigo Ponto. Todavia, Estrabão (XI, V), menciona que amazonas foram encontradas na Albânia. Durante as guerras de Pompeu, os romanos haviam se deparado com amazonas na região do rio Mermadalis. Segundo o geógrafo, alguns estudiosos da época, contestaram o relato romano sobre ter encontrado amazonas na Albânia, apontando que estas viveriam na Ásia, próximo ao Monte Cáucaso, sendo vizinhas do povo Gargarenses, os quais juntos as amazonas migraram para a Ásia Menor. Estrabão assinala que os Gargarenses e as Amazonas eram inimigos, mas depois fizeram as pazes, mantendo uma aliança de não-agressão. 

No livro XII, capítulo III, Estrabão fala acerca da terra das amazonas, Temiscira, e menciona supostas excursões e campanhas destas pela Ásia Menor e até mesmo à Síria. Ele cita nomes de cidades e de supostos aliados das guerreiras, assim como, locais que teriam sido invadidos ou conquistados por elas. 

No livro XII, capítulo VIII, o autor menciona que as amazonas chegaram a lutar contra os troianos, mas durante a Guerra de Troia, elas lutaram ao lado deles. Ele também menciona que haviam cidades na Ásia Menor que pagavam tributos as amazonas, as quais eram valorosas guerreiras. Estrabão menciona uma amazona chamada Myrina, a qual era conhecida por ser bastante habilidosa na equitação e na condução de bigas. Myrina teria morrido durante a Guerra de Troia, tendo sido cremada em Batieia, na planície de Troia. Porém, as amazonas chamaram aquele local de Myrina, em homenagem a sua conterrânea (XIII, III). 


No livro XIV, capítulo I, Estrabão conta que a cidade de Éfeso, na Jônia (costa ocidental da Turquia, colonizada pelos gregos), foi em certa época conquistada pelas amazonas, cuja líder se chamava Smyrna. Mesmo após a cidade ter voltado a se chamar Éfeso, o nome Smyrna ainda era conservado. 

As amazonas reais: 

Após apresentar alguns dos principais mitos gregos acerca das amazonas, e alguns relatos pseudo-históricos sobre elas, agora iniciaremos a última parte do texto, no qual abordaremos através da arqueologia, mas principalmente da história, quem realmente foram as amazonas. Pois embora hajam mitos e lendas sobre essas bravas guerreiras e seu governo matriarcal, de fato realmente houve amazonas, evidentemente não como contado nas histórias antigas. 

a) A palavra amazona e a questão dos seios: 

Como apontado anteriormente, alguns estudiosos antigos como Helânico, Hipócrates e Diodoro mencionam o fato de que supostamente as amazonas mutilariam ou inibiriam de alguma forma o crescimento de uma das mamas, pois isso supostamente facilitaria na hora de usar o arco e lançar dardos. Daí, eles passaram a identificar a palavra amazos e amazones como sendo "sem seio". No entanto, também como foi visto, nos mitos gregos, não há menções a tal fato, inclusive Heródoto que foi um dos historiadores antigos que mais falou sobre as amazonas, nada informa sobre essa estranha prática. Para a historiadora Adrienne Mayor (2014, p. 87), a palavra amazona não era de origem grega, mas sim uma helenização de algum termo oriental, hoje ainda não claramente definido. 

Sobre isso Mayor (2014, p. 87-88) apresenta algumas teorias modernas a respeito do possível significado da palavra amazona. Uma das hipóteses sugere que o termo grego adveio do antigo persa ha-mazon, que significava "guerreiro". Algo que faz sentido, pois essencialmente a principal características das amazonas sempre foi sua conduta bélica. Outra hipótese sugere que amazona significasse "sem marido", algo que também possui identificação a mito das amazonas, mas não totalmente, pois como visto diferentes autores mencionam que as amazonas se casavam e tinham maridos. 

Estátuas em alto-relevo, mostrando um soldado grego lutando contra uma amazona, montada num cavalo. 

Outra hipótese é que a palavra adviria da língua dos circassianos, grupo étnico que viveria ao norte da Cordilheira do Cáucaso, onde hoje é o Azerbaijão, Armênia e Geórgia. A palavra a-mez-a-ne, significaria "Floresta Mãe" ou "Lua Mãe". Os circassianos era um povo nômade das estepes, o qual estava próximo aos citas e outros pequenos grupos da região. Todavia, não há correlações claras com a ideia de "Floresta Mãe" ou "Lua Mãe" nos mitos gregos das amazonas. Embora que segundo Diodoro, uma das principais deidades adoradas por elas fosse Ártemis, deusa da caça e da Lua.

Outra hipótese advém das línguas indo-europeias falada na região do Cáucaso, onde Amezan, era o nome de uma rainha heroina, conhecida por ser hábil na equitação. A história de Amezan foi preservada ao longo de muito tempo, chegando ao folclore caucasiano através das Sagas de Nart, conjunto de lendas sobre heróis e heroínas, proveniente da tradição oral de tribos da região do Cáucaso. Neste ponto, existe uma correlação: primeiro Amezan era uma mulher; segundo, era uma guerreira; terceiro, ela lutava a cavalo; ainda hoje o feminino de cavaleiro é amazona, pois as amazonas eram conhecidas por serem habilidosas na luta a cavalo. 

Outras hipóteses se seguem, todavia, os historiadores acreditam que o contato de comerciantes e colonos gregos com cidades no Mar Negro, as quais possuíam relações com os citas, sármatas, persas e várias outras populações locais, algumas de hábitos nômades, relacionados aos povos das estepes, teria em dado momento originado a história das amazonas. Além disso Adrienne Mayor lembra que a primeira menção a palavra amazona se encontra na Ilíada, cujo poema é datado por volta do século VIII a.C. 

Não obstante, Adrienne Mayor levanta algumas hipóteses acerca do por qual motivo as amazonas foram retratadas por alguns autores, possuindo apenas um dos seios? Sua primeira hipótese advém da ideia de diferenciar o "outro". O historiador francês François Hartog em seu livro O espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro, assinala que o fato dos gregos antigos se considerarem os únicos "civilizados", os levava a ver outros povos através do olhar do exótico, estranho, bárbaro e primitivo. De fato, depois da Grécia, apenas o Egito e Roma estariam em um nível próximo da "civilidade grega", mesmo os persas eram tidos como bárbaros e os demais povos também eram bárbaros. 

“Cabe destacar que, nesse primeiro momento, temos três fatores que serão centrais na configuração das amazonas: uma geografia distante da cultura do narrador, um ambiente aquático e uma desconstrução do feminino. Devemos lembrar que na época de Heródoto, para um grego ir ate as fronteiras naturais da Ásia seria entrar no universo alheio e misterioso, talvez só traduzível pelo relato mítico, que parece ser o mais acessível quando o ser humano tenta descrever o desconhecido e, como se afirma, transcender suas limitações ou ordenar suas logicas socioculturais”. (FAJARDO, 2015, p. 2-3). 

Sendo assim, os gregos procuravam comparar-se aos costumes dos outros povos, Heródoto foi um dos melhores a fazer isso, mas neste caso, ele como fruto de seu tempo, acabava adotando toda essa mentalidade de sua época, daí que mesmo entre os egípcios, ele menciona características estranhas e consideradas atrasadas. Partindo dessa ideia, Mayor (2014, p. 88) considera que a lenda das amazonas terem apenas um seio, consistisse numa característica pela qual os gregos se comparavam com os bárbaros, apontando que entre eles era de uma forma, mas o "outro" agia de maneira diferente e bizarra. 

Para Adrienne Mayor, a amazona simbolizaria uma ruptura com a condição social da mulher grega, a qual como muitas mulheres da época, ocupavam uma posição subalterna, bastante restrita ao mundo doméstico. Por exemplo, na Grécia, as mulheres não participavam da política e nem da administração do Estado. Elas também não iam para a guerra (embora que curiosamente Atena fosse uma deusa da guerra), e as vezes nem podiam participar do comércio, cabendo aos homens administrar e vender as mercadorias. As mulheres no que se refere as artes, ficavam restritas ao canto, a música e a dança. Pintura, escultura e poesia (algo associado mais a oratória do que o canto), eram praticamente reservados aos homens (houve poucas poetisas conhecidas). Além disso, as mulheres também eram proibidas de participarem das competições esportivas. 

Pintura de uma amazona num antigo vaso grego. Na imagem, a amazona traja uma armadura hoplita. 

Todavia, quando olhamos para as amazonas, baseado nos relatos míticos, lendários e históricos antigos, elas representavam o oposto da condição social da mulher grega. Elas participavam da política e da guerra, dois campos profundamente associados ao mundo masculino, além do fato, de que alguns relatos como apontado pelo historiador Diodoro Siculus, o qual disse que os homens eram quem exerciam as atividades domésticas. Não obstante, Heródoto menciona o fato das próprias amazonas dizerem que seu estilo de vida como guerreiras e caçadoras diferia do modo de vida das mulheres citas. 

Neste ponto, a amazona não apenas tinha um comportamento diferente das mulheres gregas, mas ela também assumiam cargos e ofícios exclusivos dos homens, algo que gerava receio entre os homens, pois deparavam-se com mulheres independentes e audazes. A amazona assumia um comportamento social que era próprio dos homens, o que significava uma inversão de valores morais e sociais. A amazona se mostrava como uma mulher masculinizada, não no sentido de gênero ou de se vestir como homens (exceto quando usavam armaduras), mas no sentido de exercer funções sociais normalmente atribuídas aos homens. 

Não obstante, Mayor (2014, p. 88-89) aponta que alguns historiadores sugeriram que a questão do seio faltando seria uma forma de afrontar a feminilidade, a sexualidade e a maternidade. Os seios são uma das partes da mulher que estão relacionadas com sua condição de ser um ser feminino, a remoção de uma das mamas, era uma afronta a feminilidade, mas também a sexualidade, pois ainda hoje os seios estão relacionados com a sensualidade e a sexualidade feminina. No que se refere a maternidade os seios estão associados a nutrição, fertilidade e a vida. 

Cópia da estátua Afrodite de Cnidus, datada originalmente do século IV a.C. A estética era algo bastante prezado pelos pintores e escultores gregos, e nesse sentido, o fato das amazonas supostamente terem apenas um seio, ia de encontro com o ideal de beleza, harmonia, simetria e estética dos antigos gregos. 

Por outro lado, a historiadora aponta que a remoção de um dos seios também fosse um ato de rebeldia e de barbárie, lembrando que os gregos antigos costumavam atribuir comportamentos e costumes bizarros a outros povos. Os artistas gregos presavam pela beleza e a harmonia simétrica, faltar um seio, significava a quebra desses valores. 

No entanto, Adrienne Mayor (2014) ao longo do capítulo 7 de seu livro The Amazons, aborda o fato de que nem todos os artistas gregos retratavam as amazonas com um único seio, além da questão que havia pinturas e esculturas as retratando nuas, pois até aqui, as imagens apresentadas de amazonas, as mostram trajando roupas gregas ou citas; mas algumas representações artísticas de origem grega e romana as mostravam nuas, o que significaria que elas não vivessem desnudas, mas fazia parte do nu artístico da cultura greco-romana.

Pintura baseada numa estatueta romana datada dos séculos I a.C e I d.C, representando duas amazonas seminuas e um cavalo. Na ocasião, uma das amazonas carrega sua companheira morta. Imagens datando desde o século VI a.C, também apresentam amazonas nuas, o que revela que esse fato de como elas se vestiam e a questão do único seio, teve forte influência artística e não propriamente um respaldo histórico. Fonte: MAYOR, Adrienne, The Amazons, 2014, p. 128. 

Entretanto, Mayor (2014, p. 90-91) assinala que talvez a ideia de um seio faltando, pudesse ter um respaldo real. Ela aponta que entre alguns povos do oeste e do centro da África, as mães cauterizavam os seios das filhas ainda jovens, pois seria uma forma de inibir estupros e sequestros. Pois os homens de outras tribos achariam que se tratava de um homem, então não tentariam sequestrá-la ou estuprá-la. Porém, essa prática era problemática, pois complicava o ato de amamentação, já que as mamas feridas não cresciam e não geravam leite, daí, suspeitasse se essa prática realmente seria feita normalmente ou apenas em determinadas condições. No entanto, a historiadora acha difícil que tais relatos tenham chegado aos gregos, os quais basicamente se restringiam ao contato com os egípcios e líbios, no máximo com os núbios. 

Todavia, entre os circassianos, povo vizinho dos sármatas, citas, ossenianos, carbadianos e azerbaidjanos, etc., havia a prática do "colete circassiano", costume esse que ainda no século XIX era realizado, como apontado pelo historiador Julius von Kalporth, em 1807, o qual disse que as mulheres jovens usavam um colete de couro, que comprimia o busto, e apenas o retiravam quando se casavam. O "colete circassiano" funcionaria como uma espécie de espartilho, mas com a diferença de não exaltar o busto, mas ocultá-lo. Alguns historiadores e antropólogos sugeriram ser um costume o qual estava relacionado a questão cultural da virgindade, pois apenas mulheres no final da infância e no começo da adolescência usavam estes coletes, já que o casamento se iniciava a partir dos 15 anos. (MAYOR, 2014, p. 91-92). 


Pintura do século XIX, retratando uma donzela circassiana em trajes típicos. Destaque para o colete ou espartilho usado por ela. Segundo alguns historiadores o hábito de usar colete pelas mulheres e homens circassianos data de séculos. Acredita-se que na Idade Antiga, as mulheres tivessem a prática de usar coletes para pressionar o busto e disfarçá-lo. 

No entanto, o uso de tal colete também pudesse estar relacionado ao ato de cavalgar, pois ele garantiria estabilidade aos seios, para que não ficassem sacolejando, enquanto as mulheres cavalgavam, mas isso é uma hipótese questionável, pois sugeriria que todas as mulheres deveriam usar tal colete, parece que isso não ocorria. Talvez apenas no caso das mulheres que andassem muito a cavalo e que tivessem seios grandes, as levasse adotar o uso do colete ou enfaixar o busto. Todavia, isso também era uma forma de evitar que os seios ficassem caídos. (MAYOR, 2014, p. 92). 

Diante de tais dados, pode-se conjecturar que talvez a ideia de que as amazonas só tivessem um seio, possa ter advindo de um equívoco de interpretação, proveniente talvez de uma prática de algumas mulheres usarem um colete, o qual disfarçava o busto. Embora os relatos africanos sejam mais próximos dos relatos lendários sobre mutilações as mamas, no entanto, não há relatos de amazonas na África, já que todos os autores as situam vivendo na Ásia, principalmente no Ponto, no que hoje é o norte da Turquia, o que indica ser mais fácil a questão dos seios está atrelada ao costume de algumas mulheres usarem coletes ou faixas. 

b) Os citas:

Os citas são um povo da Ásia Central, que compreende o grupo dos chamados "povos das estepes", sendo um povo bastante antigo que se desconhece a origem. Seu idioma era de origem indo-europeia, aparentado a línguas iranianas. A história dos citas anterior ao século VII a.C, praticamente é desconhecida. Tal povo como outros dos "povos das estepes" eram conhecidos por serem uma sociedade nômade (e as vezes semi-nômade), pautada na organização social de clãs, subordinados a chefes locais e as vezes a senhores mais poderosos que chegavam a se denominar como reis. Os citas viviam basicamente da pecuária pastoril, principalmente criando caprinos e cavalos, sendo os cavalos um dos animais característicos dos "povos das estepes". 
Desenho representando como seria o vestuário e armamento de guerreiros citas por volta do século V a.C. Ilustração de Angus McBride. Fonte: CERNENKO, E. V. Scythians: 700-300 B.C, 1983, ilustração C. 

No século VII a.C encontramos registros históricos sobre tal povo, a partir dos relatos dos Assírios que mantiveram contatos com estes povos das estepes. Inclusive neste mesmo século, os citas se aliaram aos medas e depois aos persas para subjugar os assírios e os babilônios. Os persas conquistaram os medas através de Ciro, o Grande no século VI a.C. Enquanto os persas expandiam seus domínios ao sul do Mar Cáspio, os citas expandiram seus domínios ao norte. 

Como havia um grau elevado de autonomia entre os clãs citas, tais clãs se espalharam por uma extensa faixa de terra indo da Mongólia a Bulgária, preservando o estilo nômade de vida. Todavia, alguns clãs acabaram fazendo fortuna através da agricultura, do comércio e da mineração aurífera. Na região do Mar Negro, os citas começaram a fundar cidades e a comercializar com os povos locais e posteriormente com os trácios, persas e gregos. Ao mesmo tempo em que parte da população acabou se sedentarizando, algo que foi possível graças a fertilidade da terra como na região chamada de "Tchernozion", hoje situado entre a Ucrânia e Rússia (CONRAD, 1978, p. 63). 

Além disso, a Ucrânia e o sul da Rússia no que se refere a costa do Mar Negro, possuíam grande disponibilidade de vastos pastos, o que fazia não ser necessário ter que migrar em busca de pastagens para os rebanhos. 

"Mas é necessário completar o quadro da economia cita, sublinhando a qualidade da metalurgia local: os habitantes eram notáveis fabricantes de armas e haviam adquirido nesse setor uma técnica muito avançada, sem dúvida durante sua passagem pelo Irã ou no Cáucaso. É preciso, enfim, assinalar a espantosa riqueza em ouro desse povo; o metal precioso vinha provavelmente das jazidas do Ural. Permitiu aos ourives gregos e indígenas a realização de notáveis obras-primas que provocam a admiração do público há mais de um século". (CONRAD, 1978, p. 65). 

Pente de ouro, ricamente adornado, feito pelos citas. Datado do século IV a.C. 

Os domínios dos Citas variou ao longo da História, mas o auge desse povo normalmente é atribuído entre os anos de 700 a 300 a.C, época na qual os clãs citas ocupavam um vasto território entre a Europa oriental e a Ásia central. Todavia, a partir do ano 500 a.C, os citas começaram a se concentrar na Europa Oriental, como se pode ver no mapa abaixo. (CERNENKO, 1983, p. 4). 

Território ocupado pelos citas e outros povos nômades de origem iraniana oriental, por volta do ano 500 a.C. 

Além de exímios cavaleiros, os citas eram conhecidos por serem arqueiros habilidosos, como também eram um povo belicoso, algo comum entre os "povos das estepes". Usavam principalmente o arco e a lança, mas também faziam uso de espadas, machados e de outras armas, assim como usavam armaduras, geralmente couraças de escamas, elmos e escudos (CERNENKO, 1983, p. 6). 

"Um povo como os Citas, mesmo obtendo substanciais lucros com a agricultura, com a criação ou o comércio, permanece antes de tudo um povo guerreiro, temido por seus adversário e seus vizinhos, alguns dos quais lhe dão uma reputação de invencibilidade. O exército nada tem de permanente. Limita-se aos contingentes fornecidos pelos clãs e tribos, quando isto se faz necessário". (CONRAD, 1978, p. 66). 

Diante de tais informações básicas podemos notar que por mais que os Citas fossem um dos "povos das estepes", sua cultura e seu modo de vida não se limitou ao nomadismo, e a vida como pastores e cavaleiros arqueiros, eles adotaram o sedentarismo, tornando-se agricultores, construtores, comerciantes; fundaram cidades ou passaram a viver em cidades; desenvolveram a metalurgia e a ourivesaria, etc. Por tal perspectiva, os Citas não eram tão "primitivos" como os gregos alegavam que fossem. 

Neste ponto, vejamos o que se sabe sobre as mulheres citas. 

As mulheres citas, as quais deram origem ao mito das amazonas, não eram totalmente iguais as amazonas como contado nos mitos, lendas e relatos históricos antigos. As mulheres citas exerciam funções tipicamente atribuídas as mulheres como cuidar do lar, cuidar dos filhos, cozinhar, costurar, tecer, ordenhar animais, cultivar a terra, comercializar, etc; no caso de mulheres que pertenciam a nobreza ou que possuíam escravos, elas delegavam alguns de seus afazeres a estes. 

Contudo, havia casos de mulheres que caçavam e iam até mesmo para a luta. A vida nas estepes era difícil, principalmente para aqueles que levavam uma vida nômade, dependendo constantemente de migrar para encontrar pastos para os rebanhos, além de comida para a própria população, algo feito através da caça, coleta, pesca, comércio e de saques. Sendo assim, não era incomum que tanto homens quanto mulheres aprendessem logo cedo a cavalgarem, como também a manejar o arco e flecha e até outras armas. As mulheres necessitavam aprender a se defender, para poder defender também seus lares, famílias e tribo (MAYOR, 2014, p. 36). No entanto, houve casos de mulheres que se especializaram na arte da guerra, e chegaram a participar de batalhas. 


Desenho representando dois guerreiros citas do século V a.C, e uma guerreira cita do século IV a.C. A imagem tenta representar como teria sido o visual do vestuário, armas e equipamentos deles. Ilustração de Angus McBride. Fonte: CERNENKO, E. V. Scythians: 700-300 B.C, 1983, ilustração F. 

Como comentado anteriormente, de acordo com a visão dos gregos antigos, a política e a guerra não eram funções que deveriam ser delegadas e exercidas por mulheres, além disso, havia uma divisão sexual no que dizia respeito não apenas ao trabalho, mas a própria educação oferecida a homens e mulheres, todavia, essa divisão não agia da mesma forma com os citas, daí ter levantado estranheza aos olhares dos gregos o fato de homens e mulheres citas se vestirem de forma parecida, assim como, o fato das mulheres caçarem e aprenderem a lutar e guerrear. 

“It meant that a girl could challenge a boy in a race or archery contest, and a woman could ride her horse to hunt or care for herds alone, with other women, or with men. Women were as able as men to skirmish with enemies and defend their tribe from attackers. Self-sufficient women were valued and could achieve high status and renown. It is easy to see how these commonsense, routine features of nomad life could lead outsiders like the Greeks—who kept females dependent on males—to glamorize steppe women as mythic Amazons. The opportunity for an especially strong, ambitious woman to head women-only or mixed-sex raiding parties or even armies was exaggerated in Greek myths into a kind of war of the sexes, pitting powerful Amazon queens against great Greek heroes”. (MAYOR, 2014, p. 37). 

Todavia, alguns historiadores e arqueólogos mais céticos mesmo diante de tais dados, ainda assim, questionavam se realmente houve mulheres guerreiras entre os citas de fato, o tudo não se resumia ao fato das mulheres poderem caçar, andar a cavalo, cuidar de seus rebanhos, participar de jogos esportivos, possuir um certo grau de independência. No entanto, no século XX, houve uma descoberta arqueológica que contribuiu para aumentar a veracidade de que havia mulheres citas guerreiras de fato. 

No século XIX e ao longo do XX, expedições arqueológicas à Ucrânia e à Rússia, revelaram vários túmulos de origem cita, sármata e kurgan. Alguns dos túmulos datavam de antes de Cristo, remontando até o século IV e V a.C. De início a maioria dos túmulos descobertos pertenciam a homens, geralmente de razoável condição social devido aos objetos e animais achados junto aos corpos. Todavia, posteriormente foram achados túmulos de mulheres, mas a grande descoberta foi quando começou a se achar túmulos femininos contendo armas e cavalos, até aí nada de novo, pois não era incomum sepultar mulheres nobres com tais armas e animais, no entanto, a diferença estava que ao se analisar os esqueletos, notou-se ferimentos de combate (HINDS, 2009, p. 37-38). 

Embora tenha se achado restos mortais de mulheres com alguns ferimentos de flecha, ou causados por acidentes como quedas, pancadas e até mesmo por espadas e lanças, alguns arqueólogos ainda levantavam dúvidas se tais mulheres teriam de fato sido guerreiras, ou mulheres que acabaram sendo vítimas de alguma invasão ou ataque, e assim foram mortas sem lutar ou acabaram tendo que lutar. A grande dúvida dizia respeito se estas mulheres haviam sido de fato guerreiras treinadas como contam os mitos acerca das amazonas (HINDS, 2009, p. 38). 

Estátua de bronze de origem romana, representando uma amazona. Cerca de 480 a.C. 

Sobre essa dúvida, Adrienne Mayor comentou o seguinte, quanto a questão de se haveria ou não mulheres propriamente caçadoras entre os Citas e outros "povos das estepes".

“Children started their training at an early age; as among steppe nomads today, toddlers would have ridden horses with their parents and been able to ride alone by age five. Youths of the tribe were capable of defending themselves, herds, property, and territory. The ratio of female to male graves with weaponry suggests that the most proficient and courageous young women could choose to remain hunters and warriors when they were adults. Guliaev and Elena Fialko reason that certain “social and age groups of Scythian women and girls” took on military obligations, serving as light-armed mounted skirmishers who could ride out to war whenever needed alongside the men or could repel attackers when men were away. This parallels the statements of Herodotus and Hippocrates, that it was customary for young women to prove themselves in battle, and that older women fought by choice or whenever necessary”. (MAYOR, 2014, p. 83). 

Entretanto para Kathryn Hinds (2009, p. 38-40), não se pode tomar os mitos e lendas ao pé da letra. Além disso, ela menciona que de acordo com os relatos de Heródoto e de Diodoro, as amazonas eram descritas como sendo além de guerreiras, mulheres que caçavam, que realizavam expedições de saque e de conquista, e que não viviam totalmente a parte de outros povos ou isolados ao contato de homens. Para Hinds, o fato de entre os citas ter havido a condição de que havia mulheres que eram caçadoras, independentes e que sabiam lutar, já confere um tom de veracidade aos mitos, lendas e relatos históricos antigos. A condição de se elas iam a guerra ou não, é algo difícil de ser respondido, pois os citas e sármatas não deixaram registros escritos. 

c) Os sármatas: 

De acordo com Heródoto os Saurómatas ou Sármatas se originaram a partir da união de algumas amazonas com citas, os quais foram morar ao norte do Mar Negro, para além do rio Tánais (antigo rio Don), no que hoje é território russo. Os sármatas mantiveram a tradição de mulheres guerreiras herdada do povo das amazonas, assim como, o fato de serem um dos povos vizinhos dos citas e possuir um idioma aparentado, o qual Heródoto explica que não era o mesmo, pois as amazonas nunca aprenderam a falar fluentemente a língua dos citas. Diante dessa breve recapitulação, vamos conhecer um pouco a respeito de quem foram os sármatas, outro dos "povos das estepes". 

Mapa mostrando algumas colônias gregas no norte do Mar Negro. Ao lado esquerdo da tabela, pode se ver o rio Tánais, local no qual Heródoto situava como sendo o lar dos sármatas. 

Os Sármatas são um povo de origem iraniana, com um idioma e costumes aparentados aos dos Citas. Os relatos mais antigos que se possui sobre eles datam do século VII a.C, situando-o suas terras ao leste do rio Don (atual rio Tánais) e ao sul dos Montes Urais, o que hoje compreende território russo, como mencionado por Heródoto, embora acredite-se que os sármatas tenha se originado na Ásia Central e em data desconhecida migraram para essa região. Sabe-se que no ano de 503, os sármatas lutaram ao lado dos citas contra a ameaça persa do imperador Dario, o Grande, o que revela que a relação entre os dois povos não foi plenamente de guerra, embora passaram a dividir territórios antes dominados pelos citas (BRZEZINSKI; MIELCZAREK, 2002, p. 3-4). 

Os sármatas se manteriam em destaque na história do século VI a.C até o século V d.C, chegando a ter confrontado os citas, persas, trácios, gregos, gauleses, romanos, alanos, hunos, etc.

Heródoto escreveu sobre os sármatas a partir do século IV a.C, todavia, sabe-se que desde o século anterior, os sármatas já habitavam terras em torno do Mar Negro, o que sugere que o relato de Heródoto não era totalmente lendário. Ele pode ter se equivocado quanto a história das amazonas e citas terem originado esse povo, mas acerta em dizer que habitavam principalmente a parte norte do Ponto Euxino (outro nome do grego antigo para o Mar Negro). Estrabão que viveu no século I a.C, época que os sármatas já habitavam a Europa oriental, também os situa naquela região em torno do Mar Negro. 

Países que circundam o Mar Negro. Os sármatas ocuparam territórios hoje que equivalem a Rússia, Hungria, Romênia, Bulgária, entre outros.

Os romanos descreviam os sármatas como sendo pessoas de pele branca, as vezes bronzeada ou de pele amarela, tendo cabelos escuros, mas alguns tinham cabelos claros e até olhos claros. Os homens tinham o hábito de usar os cabelos longos e deixar a barba crescer, mas isso variou de acordo com a época. Alguns romanos os consideravam feios, outros os descreviam como pessoas bonitas. Os homens tinham entre 1,70 e 1,80 de altura, algo acima da média romana que variava de 1,60 a 1,70. (BRZEZINSKI; MIELCZAREK, 2002, p. 3-4). 

É preciso pensar que como os sármatas se misturaram com vários povos tanto de origem asiática quanto europeia, sua aparência variou com o tempo e também dependendo da região. Sármatas europeus seriam mais claros do que sármatas das estepes centrais. Daí alguns geógrafos e historiadores romanos até mesmo chegaram a falar de sármatas europeus ou ocidentais e sármatas asiáticos ou orientais. 

No que se refere ao seu modo de vida, este variou desde algumas tribos serem nômades e seminômades, adotando hábitos pastoris dos "povos das estepes", até mesmo a tribos que adotaram o sedentarismo, vivendo em aldeias, vilas e cidades; vivendo da agricultura e do comércio, algo semelhante aos citas. Todavia, os sármatas eram um povo equestre como os "povos das estepes", conhecidos pelos gregos e romanos por serem habilidosos cavaleiros. 

 Guerreiros sármatas.

Entretanto uma característica intrigante é que alguns sármatas usavam tatuagens, e isso se revela interessante, pois relatos greco-romanos falam de algumas amazonas que usavam tatuagens ou pintavam os corpos. 

Essa questão de que supostamente as amazonas usariam tatuagens é complicada como apontada por Adrienne Mayor (2014, p. 95), pois nos relatos mitológicos não há indicações sobre tal costume, inclusive historiadores com Heródoto e Diodoro, os quais foram os que mais escreveram sobre o assunto, também nada mencionam sobre tatuagens. Para a historiadora os gregos possam ter se equivocado neste ponto, interpretando erroneamente as mulheres trácias, as quais tinha o hábito de pintar o corpo, achando que se tratavam de amazonas. No entanto, esse equivoco possa ser respondido pelo fato de que trácios, citas e sármatas chegaram a conviver em territórios vizinhos, inclusive havendo trocas culturais entre estes. 

Todavia, a arte grega contribuiu para esse imaginário da forma como as amazonas citas-sármatas deixaram de serem retratadas se vestindo como hoplitas gregos, mas passaram a usarem trajes que eram uma mistura do vestuário trácio-cita (e as vezes cita-persa). 

“By about 550 BC, Greek vase painters began to depict Amazons with a combination of Thracian and Scythian clothing and equipment, coinciding with increasing Greek familiarity with those two warrior races and the ongoing intermingling of the two peoples at the margins of their territories. (In earlier art, Amazons had been imagined as female Greek hoplites, with short chiton, armor, helmet, round shield, and spear.) As the popularity of Amazon scenes rose and familiarity increased, artists began to show Hippolyte, Antiope, Penthesilea, and other Amazons with quivers, bows, and javelins, clothed in patterned tunics and trousers, boots, and pointed soft caps, typical attire of Thracians and Scythians (and, later, Persians). By 525 BC, many Amazons were being shown with the Thracian pelta, a half-moon-shaped wicker shield, and some wear the distinctive Thracian cloak (zeira). Vase paintings also portray Amazons wearing spotted leopard skins, the signature accessory of Thracian maenads (violent female followers of Dionysus; in some myths it was they who killed Orpheus)”. (MAYOR, 2014, p. 97). 


Cerâmica grega datada de entre 480-450 a.C, retratando uma guerreira trácia, com tatuagens nas pernas e braços. As guerreiras trácias foram comparadas as amazonas pelos gregos. Photograph by Renate Kuhling, Staatliche Antikensammlungen und Glyptothek, Munich. Fonte: MAYOR, Adrienne. The Amazons, 2014, p. 99.

Entretanto embora em algumas representações artísticas haja amazonas tatuadas, isso não foi uma prática comum dos citas e nem dos sármatas. As mulheres sármatas em geral não pintavam o corpo, isso se pensarmos que apenas os grupos situados na Hungria e na Bulgária, os quais estavam mais próximos da Trácia, era quem teriam tais hábitos, daí nos relatos mitológicos e históricos tal característica estarem ausentes, pois estes se referem ao fato de que as amazonas eram asiáticas e não europeia e viveriam na Ásia Menor ou ao nordeste do Mar Negro, longe do território trácio. Mas enquanto essa questão da tatuagem não foi algo comum, as mulheres trácias se assemelhavam as mulheres sármatas pelo fato de terem uma liberdade social maior do que vista entre as mulheres gregas e romanas. Elas possuíam mais autonomia para cuidar da propriedade, caçavam e lutavam. 

No entanto, como seria o vestuário dos sármatas propriamente falando, já que na arte grega, as amazonas geralmente eram representadas usando vestes gregas, citas, persas ou trácias? Neste caso, é preciso salientar que o vestuário dos sármatas variou ao longo dos séculos e das regiões, no entanto, ele possuía algumas características com os trajes citas. 

Os sármatas eram habilidosos como cavaleiros-arqueiros, possuindo a cavalaria leve e a cavalaria pesada, a qual os gregos chamavam de cataphract ("coberto de armadura"). A cavalaria leve usava calças largas, pois facilitava para cavalgar, poderia usar protetores nas pernas, usava uma túnica grossa, podendo ser reforçada com o uso de um colete ou uma cota, ou de um escudo redondo. Também faziam uso de gorros ou de capacetes. Já a cavalaria pesada usava uma couraça mais grossa, não chegando a ser propriamente uma armadura de metal, mas de escamas metálicas. Os cavaleiros pesados lutavam mais com lanças e espadas, e as vezes com machados, embora também pudessem portar arco. Os cavalos também poderiam usar um traje defensivo. Enquanto a cavalaria leve mantinha distância, daí usarem arco e flecha, embora também carregassem espadas consigo e até lanças, a cavalaria pesada realizava um ataque corpo a corpo, daí a necessidade de uma proteção mais espessa. (BRZEZINSKI; MIELCZAREK, 2002, p. 16). 


Ilustração representando um guerreiro e uma guerreira sármatas. Capturando um guerreiro cita. Na imagem a amazona enlaça o pescoço do cita, enquanto o sármata se prepara para desferir o golpe final. Ilustração de G. Embleton. Fonte: BRZEZINSKI; MIELCZAREK, The Sarmatians: 600 BC-450 AD, 2002.

Baseado nesse traje militar, o fato de se usar coletes, cotas e no caso da cavalaria pesada armadura de escamas metálicas, nos revela que uma mulher que estivesse trajando tais vestes, dificilmente seria identificada como uma mulher, ainda mais se ela estivesse usando elmo. Todavia, como as mulheres não tinham hábito de ir a guerra, provavelmente não usariam nenhum tipo de armadura, no máximo as vestes comuns as quais eram em tons mais pastéis e escuros, enquanto os citas costumavam usarem roupas de tons mais claros e mais coloridas, incluindo detalhes como bolinhas e listras, algo que se pode ver nas primeiras imagens deste texto, onde temos amazonas representadas usando trajes citas. 

d) A terra das amazonas: 

Após algumas características básicas sobre os citas e sármatas, os povos de onde proveio o mito das amazonas, iremos comentar um pouco da "terra das amazonas". Vimos que os citas e sármatas na sua maioria habitaram as terras ao norte do Mar Negro, o que compreende o sul da Rússia, Hungria e o Cazaquistão. Neste caso, Heródoto situava os citas como também habitando a Ásia Menor, e já os sármatas viveriam exclusivamente ao nordeste do Mar Negro, no entanto, Heródoto, Pausânias, Estrabão, Diodoro Siculus entre outros autores situavam que a "terra natal" das amazonas seriam Temiscira, localizada na região do Ponto, ao largo do rio Termodonte, na planície do monte Termodonte. 


Mapa mostrando o Mar Negro, o Cáucaso e a região do Mar Cáspio. Detalhe para a suposta localização de Temiscira. Autoria de Michele Angel. Fonte: MAYOR, Adrienne. The Amazons, 2014, p. 42. 

Mas as perguntas que são levantadas: realmente existiu essa cidade? Ela realmente era conhecida por este nome, ou foi um nome que os gregos a atribuíram? Havia amazonas na Ásia Menor, o que implica dizer que havia citas ali morando?

Os gregos começaram a colonizar a região do Ponto, por volta dos séculos VII e VI a.C, caso Heródoto tenha viajado por lá, a região já contava com várias cidades gregas e outras povoações de origem helênica. Não obstante, nesta época, a Ásia Menor fazia parte do Império Persa, além de ser uma região habitada pelos gálatas e outros pequenos povos. Sendo assim, quando os gregos ali se estabeleceram a região já era povoada há milhares de anos, eles acabaram apenas iterando-se com os nativos. Mas no caso dos citas, pelo que parece, a Ásia Menor não consistiu num território ocupado por estes, pois estava sob controle dos persas. Porém, conhece-se relatos de conflitos entre citas e persas, e possivelmente poderia haver populações citas na região (MAYOR, 2014, p. 41).

Por outro lado, os gregos possam ter ouvido falar das amazonas devido ao acesso as rotas comerciais no Mar Negro, o que além de mercadorias, também faziam circular informações, e assim eles tomaram conhecimentos sobre as lendas das amazonas que viveriam a leste, porém o Leste é bastante amplo, e neste sentido, Mayor (2014, p. 43) aponta que além do Ponto (hoje na Turquia), há relatos gregos falando de amazonas habitando a Cólquida (região que ficaria hoje na Geórgia), habitando as terras aos arredores da Cordilheira do Cáucaso (algo que englobaria a Armênia e Azerbaidjão), outros falam que elas habitariam ao largo do rio Don no território da Sarmácia (hoje no sul da Rússia). 
Neste mapa, com base na literatura grega, identificou-se a localização das fortalezas e territórios, supostamente atribuídos as amazonas. Depois inseriu-se os territórios habitados pelos citas. Percebe-se que o território das amazonas ficava praticamente restrito ao entorno do Mar Negro, mas pegando uma área na Jônia, pois Estrabão menciona que as amazonas conquistaram cidades na região. Mapa de autoria de Michele Angel. Fonte: MAYOR, Adrienne. The Amazons, 2014, p. 42. 
 
Relatos posteriormente mencionam amazonas habitando o que hoje é a Ucrânia e Bulgária, Albânia e Sérvia, o que era conhecido genericamente como Trácia. No caso da lenda de Alexandre e da rainha Taléstris, as amazonas viveriam ainda mais a oriente, habitando a região iraniana, pois de acordo com a história contada por Plutarco, Alexandre estava ao sul do Mar Cáspio, quando Taléstris e suas trezentas amazonas chegaram. Todavia, os mitos são quase que unânimes em dizer que elas viveriam no Ponto, em Temiscira, pois foi para lá que Héracles e Teseu seguiram, além de que Jasão e os argonautas passaram por sua costa. 

Contudo, as pesquisas arqueológicas não identificaram nenhuma cidade chamada Temiscira. Algumas hipóteses sugerem que a cidade de Ünye, a qual fica próxima ao rio Termodonte, seja a antiga Temiscira, mas não há provas concretas para isso. Segundo, como se tratava de um território governado por persas, as mulheres não detinham direito de governar, embora houve algumas pontuais exceções; ainda assim, uma cidade que fosse exclusivamente governada por mulheres ao longo de gerações não seria algo plausível dentro do Império Persa. Terceiro, sugere-se que Temiscira caso tenha existido, possa não ter sido uma cidade, mas talvez uma vila ou povoação. Quarto, Temiscira possa ter sido o nome grego para alguma localidade asiática, que se desconhece o nome original. Quinto, muitos mitólogos, historiadores e arqueólogos acreditam que a cidade seja um mito, pois embora a região seja real, elementos geográficos mitológicos foram ali situados, algo comum entre distintos povos.  

e) a relação entre amazonas e os homens

Para o final deste estudo, falarei um pouco da relação entre as amazonas e os homens, pois enquanto nos mitos a relação entre ambos é marcado pelo conflito, os relatos lendários transmitidos pelos antigos historiadores, nos fornecem mais informações sobre as amazonas, o que revela que tal relacionamento não se fundamentava apenas na guerra e no ódio. 

Heródoto (IV, CXVII) como já foi mostrado, dizia que as amazonas se uniram aos citas e formaram os saurómatas (ou sármatas). Contudo, após essa união, foi estabelecido um costume para que se a amazona quisesse se casar, somente poderia fazer isso caso matasse um homem. No entanto, Heródoto diz que algumas se negavam a cumprir tal lei, e permaneciam solteiras e virgens. Esse ponto é interessante, pois Heródoto diz que as amazonas eram conhecidas como "caçadoras de homens", mas em determinado momento se uniu a estes, e depois estabeleceram uma lei para o casamento, que seria matar um homem, mas algumas se recusavam a fazer isso, embora ele não explique o motivo.

Hipócrates no seu livro Sobre os Ares, Águas e os Lugares, na parte 17, diz que a amazonas somente poderiam casar após terem matado três homens, os quais seriam ofertados em sacrifício para alguma divindade delas. Contudo, tal número era difícil de ser alcançado, e geralmente apenas as mulheres depois dos vinte e tantos anos é que se casavam.  

Amazonas lutando contra dois homens. Segundo Heródoto, Hipócrates e outros autores, as amazonas só poderiam se casar após matar alguns homens. 

Tanto no relato de Heródoto quanto no de Hipócrates, aparecem algumas questões que devem ser observadas de perto. Primeiro, ambos dizem que as amazonas deveriam preservar sua virgindade até o dia do casamento, algo que era cobrado na cultura grega, além do fato de que as deusas Ártemis e Atena geralmente são descritas como mulheres virgens. Neste caso, Ártemis é a caçadora e Atena a guerreira, dois elementos que se identificam com as amazonas. 

Segundo, somente poderiam se casar com homens, após cumprir com os desígnios da lei. Mesmo que elas não quisessem cumprir esse desígnio, mas ainda assim tivesse o sonho ou vontade de casar com um homem, não poderia fazê-lo, sendo obrigada a manter-se solteira até o fim da vida (e possivelmente virgem também). Aqui entra um outro questionamento. 

Para os antigos gregos, uma mulher só perdia a virgindade com um homem, embora para eles o amor não tivesse gênero (ou seja, não havia ideia de homossexualismo e heterossexualismo, logo, um homem poderia amar outro homem, e uma mulher poderia amar outra mulher, algo que seria considerado normal, como se fosse uma relação entre homem e mulher), ainda assim, a relação heterossexual deveria ser mantida, o que incluía o fato de que entre os gregos não havia casamentos homossexuais. A ideia de que alguns têm que o homossexualismo era "liberado" na cultura grega antiga, não era bem assim; havia uma conduta moral e de postura social. 

Por essa perspectiva apontada por Heródoto e Hipócrates, as amazonas somente poderiam se casar com homens, pois não havia a ideia de casamento entre duas mulheres ou entre dois homens, embora houvesse a noção de amor, companheirismo e de amantes homossexuais. Na própria cultura helênica, as pessoas que eram homossexuais viviam solteiros ou mantinham amantes ou companheiros, mas sem morar junto propriamente, como se fosse um casal ou uma família. Em outros casos, tornavam-se bissexuais, tomando esposas ou maridos, mas mantendo amantes.  


Trajes de guerreiras citas, mulheres que inspiraram o mito das amazonas. 

Entretanto, Adrienne Mayor (2014, p. 129-130) aponta outra questão. Ela lembra que em alguns relatos históricos diziam que as amazonas não se casariam, mas manteriam relações sexuais com homens por prazer e para reprodução. Daí, a cada temporada elas iriam visitar as povoações vizinhas para se relacionar com os homens, além de que eram instruídas a engravidar, para que assim mantivessem o crescimento populacional. Neste ponto surgem algumas lendas dizendo que caso o filho fosse homem, este seria devolvido ao pai, mas em outras versões diz que o filho varão seria executado ou sacrificado. 

Todavia, Mayor chama a atenção que essa ideia das amazonas não quererem se casar, mas apenas transar e se reproduzirem, era considerado algo promíscuo e bárbaro. As mulheres gregas eram educadas para se tornarem mães e donas de casa. Deveriam levar uma vida correta (embora que algumas fossem promíscuas e outras se tornavam prostitutas). Aos olhos dos gregos, as amazonas por esse viés, eram todas vadias, sem-vergonha e imorais.

Adrienne Mayor (2014, p. 130) indaga se esse costume de uma sexualidade mais livre, possa ter advindo de um equivoco do comportamento sexual dos citas. 

“Seasonal patterns are typical of nomad life. The pastoralists of ancient Scythia migrated from high summer pastures to winter camps. Each spring, bands came together to bury their preserved dead in kurgan cemeteries. In spring they took purifying saunas; met with other tribes annually for trade fairs; and competed in riding and shooting contests. Warfare and raiding may have been seasonal too, with bands of mostly males away for much of a year, returning each summer to the women with small children. For the Greeks these unfamiliar patterns could have given rise to the idea that the men and women lived separately, coming together once a year to mate. Another factor is that small, isolated, close-knit tribes can avoid incest and inbreeding by mating with outsiders. (Whether or not they had an embryonic grasp of the scientific rationale, these breeders of horses and other animals would have noticed inbreeding effects.) Exogamous sexual unions among culturally related groups may well have taken place at certain times of the year. It was common practice to forge alliances by intermarriage”. (MAYOR, 2014, p. 130). 

Por exemplo, os trácios possuíam uma liberdade sexual maior do que os gregos, e os persas tinham o costume da poligamia, algo não praticado pelos gregos. As mulheres citas eram educadas de forma distinta das gregas, além de poderem ter mais interação com os homens ao longo da infância e da adolescência, participando de brincadeiras, esportes e ritos. Tais ideias podem ter se misturado com o imaginário acerca das amazonas, pois para os gregos os quais se consideravam civilizados, a libertinagem e a poligamia eram comportamentos bárbaros. Quando Alexandre, o Grande decidiu adotar a poligamia, casando-se com quatro esposas, isso foi algo escandaloso em sua Corte. 

Diodoro Siculus em sua Biblioteca Histórica (II, 44) conta-nos que as amazonas não viveriam isoladas dos homens, tão pouco necessitavam ter que matá-los para ganhar o direito de se casar, ou levariam uma vida libertina, relacionando-se descaradamente com desconhecidos. Ele dizia que as amazonas conviveriam com seus maridos, familiares, amigos e vizinhos normalmente como qualquer outra sociedade, a diferença era que elas tomavam conta dos assuntos políticos e militares, enquanto os homens cuidavam das atividades domésticas. 

O relato de Diodoro é interessante, pois vai de encontro aos mitos e aos relatos de outros autores, além do fato de ter um respaldo histórico de certa forma mais real, isso se pensarmos que as "amazonas" citas e sármatas não eram uma sociedade matriarcal como contado nos mitos e lendas, mas estas conviviam com os homens numa sociedade patriarcal. 

Uma amazona cita confrontado um hoplita grego. Ao fundo um cavaleiro cita se dirige para o combate. 

Não obstante, percebe-se que os relatos sobre as relações conjugais e sexuais das amazonas, e a opinião grega eram divergentes, o que é um reflexo dos mitos e da própria cultura, se pensarmos que estes mitos foram sendo recontados ao longo de séculos. 

Considerações finais: 

Após este estudo, percebemos que o mito grego das amazonas não é algo homogêneo, ela se moldou ao longo dos séculos e após isso continuou a se transformar por parte dos romanos, dos bizantinos e de povos cristianizados na época medieval europeia. De qualquer forma, algumas características centrais podem ser comentadas acerca dos mitos sobre as amazonas: o fato delas viverem na Ásia, principalmente em terras nos arredores do Mar Negro; Temiscira consiste na localidade mais famosa atribuída as amazonas; elas eram descritas como habilidosas caçadoras, e guerreiras montadas a cavalo, empunhando, o arco, a espada e a lança; viveriam numa sociedade matriarcal, geralmente aparte de sociedades patriarcais, como costuma ser contados nos mitos, pois nos relatos históricos esse isolamento não era completo. 

Em termos históricos, as amazonas foram inspiradas nas mulheres guerreiras citas e sármatas, povos que habitavam os territórios pelos quais os mitos e lendas diziam serem as terras as quais a amazonas viveriam, além do fato, de que em alguns relatos históricos, como o de Heródoto, mencionar a união entre amazonas e citas, e o surgimento dos sármatas a partir dessa união. Estrabão também menciona que os citas eram vizinhos das amazonas. Não obstante, os romanos apontavam que mulheres trácias seriam amazonas, algo que possa também ter contribuído para os mitos. 

As amazonas na concepção dos gregos em geral apareceram sob a óptica de expressarem o elemento bárbaro, fosse pelo fato de exercerem funções que para os gregos eram exclusivas dos homens, como a política e a guerra; fosse pelo seu comportamento mais audaz e autônomo; fosse pelo mito de mutilarem um dos seios, algo que afrontava a feminilidade, a sexualidade, a sensualidade e a maternidade; ou fosse pelos atos de terem que matar homens para poder ganhar o direito de casar; ou levarem uma vida libertina, relacionando-se com qualquer homem. 

E neste ponto, os autores antigos nada mencionam sobre uma tendência lésbica das amazonas, apenas dizem que elas embora matassem homens, não significa que não se sentissem atraídas por estes, ou não os amassem. Por outro lado eles dizem que elas somente casavam com homens. Por mais que alguns indaguem que para os gregos antigos o homossexualismo fosse comum, é preciso lembrar que as amazonas não eram gregas e não se comportavam como tais, embora algumas representações ficcionais de hoje em dia, as retratam como se fossem gregas. Não obstante, se pensarmos nas amazonas reais como as citas e sármatas, o homossexualismo não era tolerado como entre os gregos. 

Mulher-Maravilha na revista Mulher-Maravilha vol. 4, #36 (nov. 2014), arte de David Finch. A mais famosa amazona da atualidade. 

Por outro lado Adrienne Mayor (2014) observa que ora as amazonas expressam-se como um elemento comportamental inapropriado. Não deveriam ser o exemplo para as mulheres gregas, no entanto, ora elas aparecem como uma fantasia, relacionado ao exótico e o maravilhoso. Neste ponto a historiadora aponta o fato de que heróis como Teseu e Aquiles se apaixonaram por amazonas; o fato de que em alguns relatos mitológicos elas são representadas como belas mulheres, além do fato de haver pinturas representando amazonas nuas, o que acarretaria num elemento erótico, possivelmente uma fantasia sexual. 

Condição essa ainda hoje presente no imaginário heterossexual e até mesmo lésbico, pois nas pinturas, desenhos, histórias em quadrinhos, filmes, séries, jogos, etc., as amazonas atualmente são representadas usando pouca roupa, diferente dos trajes militares que vemos nas representações greco-romanas; e até mesmo são representadas seminuas ou nuas; além de serem belas e sensuais. Até mesmo a Mulher-Maravilha a qual surgiu nos anos 40 como um símbolo feminista (status que ela ainda conserva), mas acabou tornando-se um símbolo sexual.

“Ela e o Outro que se deixa anexar sem deixar de ser o Outro. E, desse modo, ela e tão necessária a alegria do homem e a seu triunfo, que se pode dizer que, se ela não existisse, os homens a teriam inventado. Eles inventaram-na. Mas ela existe também sem essa invenção. Eis por que e, ao mesmo tempo, a encarnação do sonho masculino e seu malogro. Não há uma só representação da mulher que não engendre de imediato a imagem inversa: ela e Vida e Morte, a Natureza e o Artificio, o Dia e a Noite. Sob qualquer aspecto que a consideremos, encontramos sempre a mesma oscilação pelo fato de que o inessencial volta necessariamente ao essencial”. (FAJARDO, 2015, p. 9 apud BEAUVOIR, 1991, p. 230). 

Essencialmente por uma interpretação histórico-cultural, notamos que o mito das amazonas simbolizou uma dualidade de confrontos para a cultura grega antiga. Um embate entre Ocidente e Oriente; entre europeu e o asiático; entre o civilizado e o bárbaro; entre o masculino e o feminino. 

NOTA: Pausânias (c. 115-180 d.C) geralmente é lembrado como tendo sido um geógrafo, pois redigiu um livro intitulado Descrição da Grécia (Periegesis Hellados), obra dividida em dez volumes, os quais correspondem as principais regiões geográficas pelas quais a Grécia estava dividida. Nessa sua obra, ele menciona as amazonas, remetendo-se a batalha mítica entre elas e Teseu, ocorrido em Atenas, na região da Ática. Pausânias também menciona a excursão de Héracles a ilha de Temiscira, e o confronto entre gregos e amazonas durante a Guerra de Troia. 
NOTA 2: O escritor Pseudo-Apolodoro escreveu uma coletânea sobre mitos gregos, chamada de Biblioteca. Nessa obra ele menciona as amazonas brevemente, principalmente no tomo II, quando aborda os Doze Trabalhos de Héracles, referindo-se ao trabalho do herói ter que conseguir o cinturão da rainha Hipólita. 
NOTA 3: Alguns dos "povos das estepes" foram os cimérios, citas, sármatas, hunos, mongóis, turcos, alanos, ossetianos, carbadianos, cassinianos, cazaques, jungares, tártaros, etc. 
NOTA 4: A personagem Diana Prince, mais conhecida pela sua identidade de super-heroína Mulher-Maravilha, foi criada em 1941 pelo Dr. William Moulton Marston, sendo criada com base no mito grego das amazonas, inclusive se apropriando de vários elementos da mitologia grega. Hoje é a amazona grega mais famosa da atualidade. 
NOTA 5: A personagem Xena, a Princesa Guerreira, bastante popular nos ano 90 devido a uma série de televisão (1995-2001). A protagonista interpretada pela atriz Lucy Lawless era uma princesa amazona. 
NOTA 6: A personagem de histórias em quadrinhos Red Sonja, criada em 1973 por Roy Thomas para a Marvel Comics, embora tenha sido inspirada na personagem Red Sonya de Rogatino do escritor Robert E. Howard, autor de Conan, o Bárbaro; a personagem em si personifica o estereótipo da amazona. 
NOTA 7: A personagem Sheena, criada por Will Eisner e S.M Iger em 1931, embora fosse a "versão feminina" do Tarzan, a personagem também foi inspirada no mito das amazonas. 
NOTA 8: Em 1945 foi lançado o filme Tarzan e as Amazonas (Tarzan and the Amazons). 
NOTA 9: O seriado Hércules: A Jornada Lendária (1995-1999), teve alguns filmes para a TV, sendo o primeiro deles Hércules e as Amazonas (1994), filme que lançou os atores Kevin Sorbo no papel de Hércules, Michael Hurst como Iolaus, e curiosamente Lucy Lawless interpretou uma das amazonas e no ano seguinte foi escolhida para interpretar a princesa guerreira Xena em seriado próprio. 
NOTA 10: No livro A Saga de Arzen: A Aliança da Espada (2013), escrito por Leandro Vilar algumas personagens como Laiana, Ellen e Kyra são amazonas que habitam a Floresta Amazônica, além de haver várias outras amazonas na história também. 
NOTA 11: No ano de 1541, os espanhóis liderados por Francisco de Orellana e Gonzalo Pizarro (irmão mais novo de Francisco Pizarro), lideraram uma expedição para percorrer o maior rio da grande floresta tropical da América do Sul. Segundo o relato registrado pelo padre Gaspar de Carvajal, em determinada parte da jornada, eles foram atacados por amazonas. O acontecimento tão inesperado e fantástico, os levou a batizar aquele rio de Rio das Amazonas, posteriormente rio Amazonas. Consequentemente, espalhou-se boatos de que aquela floresta seria povoada por várias tribos indígenas, o que incluiria tribos de amazonas, daí passaram a chamar de Floresta das Amazonas, hoje Floreta Amazônica
NOTA 12: Amazonas é o nome de um dos 26 estados brasileiros, sendo o maior estado em termos territoriais, englobando grande parte da Floresta Amazônica. 

Referências bibliográficas:
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 8ª ed. Tradução de Sergio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. 2v.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, vol. 3. Petrópolis: Vozes, 1987. 3v. 
BRZEZINSKI, R; MIELCZAREK, M. The Sarmatians: 600 AC-450 BC. London: Osprey Publishing, 2002. (Osprey Men-at-Arms). 
CERNENKO, E. The Schytians: 700-300 BCLondon: Osprey Publishing, 1983. (Osprey Men-at-Arms, 137).
CONRAD, Phillipe. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro: Editions Ferni, 1978. (Coleção Grandes Civilizações Desaparecidas).
FAJARDO, Gerardo Andrés Godoy. O mito das amazonas. Hispanista, vol. XVI, n. 60, 1-12, janeiro/fevereiro, 2015. 
HERÓDOTO. Histórias. Rio de Janeiro: W. M. Jackson Inc., 1950. (2006 versão digitalizada). 
HINDS, Kathryn. Scythians and Sarmatians. New York: Marshall Cavendish Company, 2009. 
MÉNARD, René. Mitologia greco-romana, vol. 3. São Paulo: Opus Editora, 1991. 3v
MAYOR, Adrienne. The Amazons. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2014. 

Referências da internet:
HIPÓCRATES. On Airs, Waters, and Places. Disponível em: http://www.intratext.com/IXT/ENG1200/
PSEUDO-APOLODOROLibrary. Disponível em: http://www.theoi.com/Text/Apollodorus2.html#5 
SICULUS, Diodoro. The Library of History. Disponível em: http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Diodorus_Siculus/home.html
SMYRNAEUS, Quintus. Posthomerica. Disponível em: http://omacl.org/Troy/book1.html

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2 comentários:

NutriBsb disse...

Parabéns, Leandro! Estou adorando seguir a história aqui nos seus textos. Na minha pág. sb nutrição falo muito sb o açúcar, vou citar seu blog aqui e o texto tão rico onde vc falou sb ele. Abçs!

Leandro Vilar disse...

Obrigado. Que bom que meus textos possam ser úteis para além do campo histórico. Além do texto do açúcar dê uma olhada nos textos sobre o café, chocolate e as especiarias.