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Leandro Vilar

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Resistência ao recrutamento para o Exército durante as guerras Civil e do Paraguai. Brasil e Estados Unidos na década de 1860

Resistência ao recrutamento para o Exército durante as guerras Civil e do Paraguai. Brasil e Estados Unidos na década de 1860


Vitor Izecksohn



Parte significativa das análises comparativas entre Brasil e Estados Unidos produzidas por historiadores norte-americanos confere grande importância ao tema da cultura política. Uma tradição que vai do trabalho pioneiro de Frank Tannenbaum (1949) a alentado artigo comparativo de Richard Graham (1981: 655) defende que os padrões históricos de evolução de cada sociedade seriam diretamente responsáveis por diferenças acentuadas no desenvolvimento institucional dos dois países. Sem dúvida, a força da organização de uma democracia de massas e o desenvolvimento de uma sociedade de consumidores desde as primeiras décadas do século retrasado foram fatores que diferenciaram os Estados Unidos de quase todas as outras sociedades. 

A questão a saber é se os problemas relacionados à organização e administração da guerra podem ser incluídos nessa perspectiva idealista.l Teria a rápida ampliação dos respectivos exércitos, em tempo de guerra, sido muito diferente nos dois casos? Em minha opinião, os exemplos apresentados a seguir contradizem as hipóteses desses historiadores, apontando para semelhanças muito maiores do que as possíveis diferenças. Conseqüentemente, a trajetória política dos dois países não teria contribuído para atitudes distintas no que concerne ao enfrentamento do problema da escassez de soldados, durante as crises do recrutamento que ocorreram em períodos importantes de cada uma dessas guerras.

Os cenários

As tradições militares brasileira e norte-americana divergiram substancialmente
desde o período colonial, divergências essas ampliadas após as independências. No entanto, foi através das guerras contra a Confederação (1861-65) e o Paraguai (1864-70) que os Estados Unidos e o Brasil consolidaram, definitivamente, as respectivas unidades nacionais. Parte importante de ambos os processos passou pelo estabelecimento de exércitos nacionais permanentes, que seriam independentes das influências regionais. A consolidação, mesmo que temporária, dessas instituições afetou a operação dos sistemas de clientela, que tinham sido importantes nas organizações militares dos dois países no período anterior. Sem entrar em detalhes sobre os antecedentes do funcionamento dos aparatos militares, parece ser consensual a idéia de que grandes organizações militares, dotadas de poder e influência, não faziam parte dos planos das elites dos dois países. Elas foram circunstancialmente necessárias, devido a problemas surgidos durante as duas guerras, que levaram à ampliação dos exércitos de cada país. No entanto, os esforços de guerra, nos dois casos, criaram embaraços constitucionais cuja complexidade pretendo tentar explicar nas páginas que seguem.2

Durante ambas as guerras, os governos brasileiro e norte-americano defrontaram-se com os problemas proporcionados pela rápida ampliação dos seus exércitos e agravados pela ausência de uma burocracia adequada ao recrutamento militar. Através da análise comparativa procurarei mostrar que, malgrado as diferenças quanto à cultura política, os dilemas de cada governo foram muito parecidos. Mostrarei também que as soluções implementadas expressaram antes os limites do desenvolvimento burocrático de cada uma das sociedades do que perspectivas divergentes quanto à divisão de poderes ou à idéia de nação em ambos os países. Não obstante as diferenças quanto à cultura política, e ao caráter e diversidade das instituições com as quais cada governo contava, as soluções postas em prática foram bastante similares, ainda que seus efeitos em termos da ampliação dos direitos políticos e do funcionamento do sistema partidário tenham diferido acentuadamente nos anos que se seguiram ao final de cada conflito.

o problema

A mobilização para a guerra é sempre uma questão delicada. Ela implica um aumento da intervenção governamental e a invasão das prerrogativas locais a partir de autoridades distantes. Durante a Guerra Civil norte-americana e no curso das campanhas militares contra o Paraguai, os governos americano e brasileiro tiveram de responder a diversas questões: quais liberdades individuais deveriam ser sacrificadas primeiro? Quais grupos sociais contribuiriam mais para o esforço de guerra? Como o poder central poderia intervir na vida local sem interferir substancialmente nas relações de poder estabelecidas?

Muitos desses problemas tinham sido comuns às nações da Europa ocidental, mas nos cenários em questão eles eram agravados, porque nesses países o exército nacional não tinha sido essencial para o processo de construção do Estado. Por volta de 1860, nenhuma dessas sociedades contava com um exército nacional de grande porte, dependendo da cooperação de milícias organizadas nas localidades, para a manutenção da ordem e a defesa do território. Conseqüentemente, essa intervenção se dava contra o pano de fundo de lideranças locais que tradicionalmente controlaram o processo de extração de recrutas. Muitas dessas lideranças resistiram à possibilidade de que o poder central viesse a exercer um monopólio legítimo dos meios de coerção, tal como sugerido por Max Weber para os países europeus.3

Durante o curso de cada uma das guerras, a questão central do recrutamento foi a da transferência de forças locais para o front e sua submissão à autoridade de um exército centralizado. Nos Estados Unidos, essa transferência envolveu o controle do comando e do recrutamento das milícias estaduais pelo presidente da República, interferindo com práticas consideradas como basilares pela tradição política liberal daquele país. No Brasil, ela passou pela transferência dos corpos da Guarda Nacional para o teatro de guerra, levando a uma alteração profunda no papel daquela instituição. Ambos os processos demandaram alterações intensas, ainda que temporárias, nos procedimentos ligados ao funcionamento das organizações militares, e ambos fracassaram espetacularmente na tarefa de prover os exércitos com os contingentes necessários para enfrentar campanhas de longa duração. 

A tentativa de centralização tensionou as disputas sobre o controle local do recrutamento, aumentando a politização em torno do serviço militar. Esses problemas tinham tradicionalmente interferido na capacidade militar dos dois países, porém, sob o impacto de campanhas militares mais longas, revelaram-se contradições agudas, alarmando os setores responsáveis pela defesa nos dois países num nível nunca antes alcançado. Muitos grupos identificaram o alargamento do poder do Estado como um mal permanente e resistiram, com os meios disponíveis, à invasão de suas prerrogativas.

A Campanha do Paraguai - a corrente de fogo elétrico

A primeira onda de recrutamento para a guerra (dezembro de 1864 a maio de 1865) forneceu um contingente que, aliado às forças de linha e às guarnições da Marinha de Guerra, foi suficiente para expulsar as forças paraguaias do Rio Grande do Sul e completar a invasão do Uruguai, em curso desde o ano anterior. Durante essa fase das operações, o entusiasmo dos voluntários impressionou as autoridades, muitas delas acostumadas a lidar com populações extremamente resistentes a qualquer forma de recrutamento. Parte da motivação vinha das características da campanha. Afinal, a invasão do território brasileiro, sem uma declaração de guerra, gerou revolta e alimentou demonstrações patrióticas em muitas regiões do Império. Chama a atenção apenas o fato de que muitas dessas regiões tivessem pouco ou nenhum contato com os problemas platinos. Os exemplos de patriotismo multiplicaram-se pelas diversas províncias.

Em Alagoas, a mais de três mil quilômetros do from, José Severiano de Mello requereu ao presidente da província que aceitasse três filhos e três filhas como voluntários, declarando que seus sentimentos eram devidos a "essa corrente de fogo elétrico que me puxa para os campos de batalha para tomar parte na gloriosa campanha de meus concidadãos contra os paraguaios"!4. A corrente de fogo elétrico parecia forte. Em muitas províncias, era comum que cidadãos se apresentassem, trazendo protegidos, agregados e parentes para alistarem-se juntos nos corpos recém-criados de Voluntários da Pátria. O presidente da Bahia resumiu o otimismo desses primeiros tempos em carta ao ministro da Justiça, na qual reclamava da falta de recursos para acolher o grande número de voluntários, reconhecendo que: "O único limite [ao recrutamento] era devido às ordens do governo [Imperial] ( ... ) paralisando a organização de novos corpos e estabelecendo que somente mais um deveria partir para o from". De outra maneira, assegurava, "o movimento não teria outro limite que o sentimento que o inspirava".5

Em outras províncias, esse esforço se traduzia em contribuições pecuniárias. Como observado por Ricardo Salles (1990: 98-101), as doações não eram restritas aos setores mais ricos, envolvendo também funcionários públicos, pequenos sitiantes, alfaiates e outros cidadãos. Esse foi o caso da vila de São José da Penha, no Maranhão, onde tanto o professor quanto o prático mor da localidade doaram 10% dos seus vencimentos para o esforço de guerra.6 O patriotismo era reforçado pela certeza de que a precária organização militar do Império seria suficiente para pôr fim à guerra. Através de uma batalha decisiva, os paraguaios logo se renderiam. O presidente da província do Rio de Janeiro, Bernardo de Souza Franco, licenciado por motivo de saúde, expressou esse mesmo otimismo na cana em que passou a província ao seu sucessor, José Tavares Bastos, observando que 

o gabinete, inspirado pelo entusiasmo nacional e através da criação dos corpos de voluntários, viu eles chegarem de todos os cantos do Império para tomar parte nesta guerra santa. Tornou-se então uma verdade reconhecida que o Brasil não necessita de um exército permanente numeroso para manter sua integridade e seus direitos ( ... ).

Apesar do entusiasmo, o governo imperial produziu algumas inovações administrativas, antecipando os possíveis obstáculos. A primeira medida foi acionada pelo Decreto 3.371, de 7 de janeiro de 1865. Através desse ato, foram criados os corpos de Voluntários da Pátria. Conforme Peter Beattie (1994: 93-4) observou, a criação dos Voluntários era parte de uma estratégia mais ampla para tornar o Exército um espaço aceitável para brasileiros de todas as classes. Sua criação pretendia cruzar as barreiras de região e de classe, favorecendo a nacionalização e a democratização do recrutamento. Para reforçar o voluntariado, o governo imperial estabeleceu incentivos materiais, tais como: maiores salários, menores termos de serviço, pensões e terras para os veteranos. Os homens que se alistassem nos batalhões de Voluntários da Pátria teriam sua baixa assegurada tão logo a guerra tivesse acabado. Essa situação contrastava com a dos recrutas regulares, cujos termos de serviço poderiam chegar a até nove anos.

Uma segunda e mais controversa medida foi o Decreto 3.383, de 21 de janeiro do mesmo ano. Através desse ato, 14.796 soldados da Guarda Nacional foram transferidos para o front. As conseqüências dessa medida foram muito sérias. De acordo com a Lei 602, de 19 de setembro de 1850, dado o caso de rebelião ou de invasão repentina do território, tropas da Guarda Nacional deveriam auxiliar o Exército de linha. Os artigos I e 117 a 134 prescreviam exatamente os procedimentos implementados pelo Estado imperial a partir de 1865. No entanto, essa lei não era clara em relação ao prosseguimento dessa cooperação quando a campanha fosse levada para o território de um outro país.8

Foram feitas exceções às tropas gaúchas, mas essas serviam em áreas fronteiriças, normalmente por períodos bastante limitados, sob o comando dos mesmos chefes locais que as haviam recrutado. As unidades do Rio Grande do Sul subordinavam-se ainda a um regulamento especial, o Decreto 520, de 14 de fevereiro de 1850, que regulamentava uma qualificação especial para as Guardas Nacionais das províncias limítrofes com os estados vizinhos.9 Quando o governo imperial designou guardas de províncias não fronteiriças para servir em território estrangeiro, colocando-os sob o comando de oficiais profissionais pelo período de duração da guerra, ele tocou numa área bastante sensível, porque aquela instituição era um bastião do poder local. Ser um membro da Guarda era uma das melhores desculpas que um homem livre podia oferecer para escapar ao recrutamento.

Sob a proteção da Guarda muitos indivíduos podiam evitar os procedimentos brutais associados ao recrutamento. Por outro lado, o prestígio de muitos chefes locais era tradicionalmente associado à proteção que podiam proporcionar.

Ao transferir corpos da Guarda para o from externo e subordiná-los ao Exército, o governo imperial interferia diretamente na autoridade desses homens. Essa autoridade era sancionada pelo costume e por uma série de leis não escritas, aceitas como tradição.10

Apesar das medidas extremas, o impacto da transferência de Guardas Nacionais não foi sentido imediatamente. A fragilidade da organização militar brasileira ficou evidente apenas após a batalha de Curupaiti, em 22 de setembro de 1866. A derrota naquela batalha paralisou a campanha, criando um estado de grande perplexidade entre as tropas brasileiras estacionadas no Sul do Paraguai. Mas a paralisia apenas acentuou circunstâncias que vinham sendo observadas desde a segunda metade do ano 1865. Se o entusiasmo popular tinha sido a marca dos estágios iniciais do recrutamento brasileiro, sua abrangência parece ter sido superdimensionada, pois deserções foram comuns desde o princípio, crescendo no decorrer da guerra. O fogo elétrico já não queimava com a mesma intensidade.11

A marcha da evasão

Em contraste com o entusiasmo dos primeiros meses, os problemas no recrutamento são uma constante nos relatórios e cartas dos presidentes de província escritos a partir de 1866. O presidente de Minas Gerias produziu um quadro detalhado das suas dificuldades, na tentativa de justificar os péssimos resultados obtidos naquela província, uma das mais refratárias ao recrutamento em todo o Império. Em carta confidencial, ele se queixou ao ministro da Guerra sobre a falta de estrutura para alojar convenientemente aqueles que deveriam seguir para a Corte, enfatizando que: "Na prisão eles recebem visitas de pessoas importantes que os aconselham a resistir aos guardas, forçar as portas e fugir". Esse presidente explicava que a sabotagem partia de pessoas importantes da sociedade mineira, incluindo padres, médicos e juízes da paz, que acreditava estarem movidos pela antipatia à Liga Progressista, então no poder. No entanto, é mais provável que obedecessem às suas próprias redes de relações pessoais, libertando agregados, parentes e conhecidos cuja lealdade lhes era muito mais importante que os compromissos com a guerra.

Por pior que fosse a falta de confiança na condução da guerra, ela não era tão chocante quanto o destino daqueles recrutas que finalmente seguiam para a capital do Império. Os trechos mais impressionantes daquela confidencial são aqueles onde foram detalhadas as condições em que os recrutas marchavam. Ao discutir esse aspecto da questão, Vicente Pires da Mora oferece algumas das mais contundentes imagens sobre o grau de apoio popular à deserção. Ao descrever o risco de motim ao longo da marcha entre Ouro Preto e a Corte, ele justificava o uso de correntes, mesmo levando em consideração o forte impacto que a visão de recrutas algemados podia ter sobre a população ao longo dos caminhos: "Dei ordens para que as algemas sejam retiradas em Petrópolis, para evitar que eles cheguem à Corte algemados, como partem dos diversos pontos de onde são enviados."

Esse presidente lamentava o uso de práticas tão bizarras, mas reconhecia que sem elas seria virtualmente impossível entregar os voluntários na Corte. Respondendo à sugestão do ministro de que, para manter as aparências, as algemas poderiam ser retiradas cada vez que passassem por alguma vila, o presidente reclamou:

Sempre que precisássemos desacorrentá-los precisaríamos de um ferreiro, mas onde encontrá-lo? De qualquer modo, nessas vilas, fugas seriam inevitáveis. Qualquer habitante, qualquer fazendeiro e mesmo qualquer autoridade tentaria esconder aqueles que pudesse.12

Teria de fato havido um contraste entre as motivações dos primeiros meses e a resistência a partir do segundo ano da guerra? Para responder a essa pergunta é necessário observar os relatórios provinciais que apresentam o fluxo de recrutas para a Corte. Num dos poucos quadros comparativos disponíveis, o presidente de Alagoas observou uma grande disparidade entre o número total de indivíduos alistados naquela província e aqueles que efetivamente foram enviados para a guerra.

A terceira coluna permite a comparação entre o número originalmente recrutado e aqueles que foram efetivamente remetidos para a Corte, demonstrando que, mesmo no começo das operações, a evasão era um fato significativo. Durante o primeiro ano da guerra, quando os relatórios provinciais esforçavam-se para demonstrar o melhor cenário possível, a evasão total em Alagoas estava acima dos 30%.


A situação em Alagoas não parece atípica, quando observamos outras províncias. De um total de 910 guardas maranhenses designados em 1865, somente 546 (60%) embarcaram para o Rio. De 12 guardas que marcharam da vila de Tutóia naquele ano, somente um se apresentou em São Luis. 

A análise dos números apresentados pela província de São Paulo mostra um crescimento substancial dos segmentos não voluntários a partir do segundo semestre de 1865.

Assim, na formação do segundo e terceiro corpos do Exército, a porcentagem das rubricas "recrutas" e "guardas nacionais designados" sofreu um considerável acréscimo, quando comparada às rubricas "voluntários da pátria" e "voluntários", que preponderaram nas primeiras levas.13


Mesmo no Rio Grande do Sul, tradicional provedor de tropas e animais, a situação deteriorou-se rapidamente. Numa carta ao ministro da Guerra, em novembro de 1866, o general Osório, o mais prestigioso líder militar liberal daquela região, descrevia a precariedade da situação: "Muitas pessoas estão escondidas nas matas enquanto outros se refugiaram no Estado Oriental. E muito difícil reunir estes elementos dispersos".14

Um problema comum a quase todas as províncias era o alto grau de politização na designação dos guardas nacionais. A expansão do Exército não ocorria em paralelo com o crescimento de uma burocracia especializada. Uma alternativa às demandas crescentes era o recrutamento de adversários políticos.

Os presidentes de província indicavam partidários políticos que se esmeravam em recrutar os adversários. O presidente de Minas Gerais advertiu que os trabalhos de qualificação eram bastante irregulares, "ditados pelo espírito de partido" (RMPG, 1865: 22). No entanto, é preciso notar que essa prática foi comum a todos os partidos, conforme observou na mesma época Joaquim Manoel de Macedo, um influente conselheiro imperial: "Nenhum partido ou facção pode jogar pedras na outra. Todos eles empregam o recrutamento forçado com o fim imoral de oprimir o povo pobre".15

De fato, os pobres eram o principal alvo do recrutamento, que tinha sido tradicionalmente centrado em um grupo específico: os pobres indesejáveis, quer dizer, migrantes, mendigos, vadios, em suma, aqueles que não gozavam de algum tipo de proteção.16. Mas o volume exigido pela Guerra do Paraguai forçou a algumas modificações na relação entre o governo central, os chefes locais e os seus agregados. O esforço de guerra forçou um número expressivo de agregados e protegidos para dentro das fileiras do exército. Isso muitas vezes era feito contra a vontade dos seus protetores, causando grande constrangimento nas localidades.

O resultado imediato foi um aumento espantoso do número de deserções que, pelo final de 1866, tornou-se um fenômeno nacional. Partidários dos grupos selecionados em cada comunidade viam o recrutamento como perseguição política. Conseqüentemente, as disputas sobre quem deveria ou não servir erodiram a posição da Guarda, demonstrando a sua falta de potencial para ajudar o país no caso de uma guerra mais intensa. O relatório do Ministério da Justiça de 1867 claramente reconheceu essa deficiência, enfatizando: "A experiência da guerra atual confirmou a necessidade de reforma da Guarda Nacional. Essa milícia, que foi criada para defender a ordem e as liberdades públicas, encontra-se muito longe da sua finalidade" (RMJ, 1867: 4).

A deserção, individual ou coletiva, expressava a insatisfação com a lei e atrapalhava os esforços dos recrutadores. Seguiu-se um grande número de rebeliões contra o recrutamento. Essas revoltas expressaram a desilusão de vários setores com a intromissão de agentes do governo nas suas vidas particulares. Muitas delas contaram com o apoio de importantes autoridades locais, que não viam com bons olhos a interferência do poder central. Sob o impacto de forças externas, a resistência pela inércia deu lugar a manifestações coletivas violentas.

Isso acontecia porque o recrutamento interferiu em lealdades estabelecidas, que
assumiam a forma de contratos privados entre os chefes locais e seus agregados. Quando a autoridade local mostrou-se impotente para impedir o recrutamento, uma explosão de rebeliões buscou retirar os recrutadores das localidades, restaurando as condições de convivência previamente existentes. Nenhuma dessas rebeliões atingiu o nível das revoltas provinciais dos anos 1830, mas algumas delas afrontaram, seriamente, a execução do poder governamental.)7

Não havia um padrão definido para a eclosão da violência. Alguns episódios expressaram a aversão individual ao recrutamento, tal como ocorridona cidade de Penedo, Alagoas, no dia 13 de outubro de 1866. Num típico confronto pessoal, Albino Vieira de Castro, um guarda nacional designado, matou a pranchadas de espada Manoel Leandro do Nascimento, o segundo tenente encarregado do recrutamento. O assassinato teve lugar numa praça pública, quando Albino recebeu voz de prisão (RMJ, 1867: 4).

Muitas vezes a resistência opunha vizinhos, divididos pelas linhas partidárias. Enquanto alguns tentavam executar as ordens do governo, outros resistiam a elas. Isso aconteceu na cidade de Imperatriz, em Alagoas, onde um inspetor de quarteirão foi morto enquanto recrutava. Na localidade de Maiobá, no Maranhão, um garoto foi morto por uma bala perdida do tio de um outro recruta, que resistia à escolta (RMJ, 1967: 4).

Outras vezes, a resistência unia toda a comunidade contra os recrutadores. Nessas ocasiões, a ação podia chegar a um estado de rebelião aberta, como aconteceu na cidade de Pacatuba, em Sergipe. Muitos desertores estavam escondidos nas matas. Uma patrulha foi enviada para recapturá-Ios. O que se seguiu foi descrito como uma "luta tenaz", durante a qual três pessoas morreram, entre elas a mãe de um dos foragidos (RMJ, 1866: 4).

Nenhum conjunto de ações minou a autoridade imperial de uma forma tão intensa quanto os ataques a escoltas e cadeias. De 1866 a 1868, os relatórios do Ministério da Justiça estão repletos de casos que se multiplicaram na medida em que aumentou a demanda por recrutas. Alguns desses incidentes resultavam de rumores sem fundamento. Este foi o caso em Mar de Espanha, Minas Gerais, onde alguns portugueses que trabalhavam na estrada União e Indústria atacaram a prisão. Eles supunham, erroneamente, que alguns concidadãos tinham sido ilegalmente recrutados. O ataque visava a impedir que marchassem para o Rio. O delegado e alguns dos soldados em serviço na delegacia ficaram seriamente feridos enquanto resistiam ao inesperado ataque (RMJ, 1866: 4).



Algumas vezes, após serem capturados, os recrutas conseguiam escapar no caminho para a prisão. Esse foi o caso de São João Del-Rei, Minas Gerais, onde um grupo de 17 recrutas e desertores recapturados se amotinou contra a escolta, o que resultou na morte de uma pessoa e em três feridos. Outras vezes, os ataques partiam dos próprios desertores, que organizavam grupos de resgate. No distrito de Cruz do Espírito Santo, Rio Grande do Norte, o que foi descrito como "um grupo de desertores e criminosos" atacou uma escolta do recrutamento e a cadeia, locais, libertando todos os prisioneiros. Na paróquia de Águas Belas, em Pernambuco, um soldado foi morto quando grupos armados atacaram a patrulha (RMJ, 1868: 7).

Em certas ocasiões, esses ataques eram comandados por parentes dos recrutas. Algo que havia começado como um simples ato de defesa acabava evoluindo para um protesto contra o recrutamento. Na cidade de Icó, Ceará, um grupo numeroso de parentes e amigos libertou o guarda nacional designado. Satisfeita com o sucesso da ação, a multidão desfilou em triunfo pelas ruas da cidade carregando o homem libertado. O presidente daquela província culpou a linguagem pouco conveniente da imprensa conservadora, que segundo ele, tinha como finalidade "( ... ) desmoralizar a guerra e derramar na população o gérmen da resistência". Cinqüenta praças foram enviados para "restaurar ali a força moral da autoridade".18

Normalmente, os revoltosos valiam-se do apoio das autoridades locais. Este apoio podia ser indireto, como na vila de Pau D'Alho, em Pernambuco. Um grupo de homens armados atacou a cadeia, libertando 34 pessoas, entre recrutas e presos comuns, e matando três sentinelas. Os desertores buscaram refúgio nas matas em volta do engenho do tenente coronel Luiz Albuquerque Maranhão, que foi indiciado como o principal mandante do movimento (RMJ, 1866:3).

Outras vezes, o envolvimento podia ser mais direto. Isso aconteceu em Águas-Belas, Pernambuco, onde o segundo tenente da Guarda Nacional Manoel Cavalcanti de Albuquerque Barão, seguido por vários indivíduos, assaltou a cadeia local para liberar um recruta (RMJ, 1866: 3). Muitas vezes, a ação coletiva era seguida pelo envolvimento de autoridades, como ocorreu no distrito de São Caetano da Raposa, Pernambuco, onde parentes do guarda nacional Joaquim Manoel Outeiró atacaram a cadeia municipal para libertá-lo. Manuel foi solto durante a luta, mas outro membro da família, Antonio Leite Lima, que havia comandado a ação, foi aprisionado. Imediatamente, dois grupos se apresentaram em frente à casa do chefe de polícia para demandar a sua libertação: um era comandado pelo juiz de paz e o outro por um segundo tenente da Guarda. Ao falharem no intento de libertar Antonio, eles invadiram a cadeia (RMJ, 1866: 3).

Na vila de Imperatriz, Pernambuco, o tenente coronel Joaquim da Silva Corrêa apelou ao chefe de polícia pela liberdade de um dos seus soldados. Não conseguindo o seu objetivo por "meios pacíficos", o mesmo tenente coronel reuniu 150 homens e, em aliança com o subdelegado, atacou a cadeia, sendo impedido por 19 guardas nacionais que se mantiveram leais ao delegado de polícia, repelindo o ataque. Usando de seu prestígio social, esse tenente atacou a vila uma segunda vez, sendo seguido por uma multidão que incluía familiares e amigos. O bando realizou o que foi descrito como "uma série de depredações",
mas não foi possível descobrir se conseguiram libertar o guarda designado. De acordo com o Relatório do Ministério da Justiça, "este espírito vertiginosos não se coaduna[va] com o espírito pacífico dos brasileiros, e não poderia perdurar ( . . . )".

Depois de enfrentar todos os problemas trazidos pelas designações, o presidente de São Paulo reconheceu amargamente a ineficácia da Guarda num
comentário cético:

Desde que foi convertida para a sua presente finalidade a Guarda Nacional tornou-se muito opressiva para a maioria da população. Atualmente foi preciso banir todas as esperanças associadas à expressão nação em armas ( ... ) A experiência da guerra atual apagou todas as ilusões ( ... ) A resistência oferecida pela inércia é pior do que aquela oferecida pela violência. (RMJ, 1868: 11)

A Guerra Civil americana: do voluntarismo à conscrição

Quando a Guerra Civil americana começou, a capacidade do Norte para estabelecer um exército forte estava limitada pelas tradições da cultura cívica norte-americana. A maioria dos americanos era historicamente hostil à idéia de um exército permanente e centralizado, assim como tinha sido historicamente hostil a um Estado centralizado e a autoridades centrais tributadoras. Localismo, militarismo e liberdade individual eram prezados acima de quase todas as outras questões. A interferência governamental nessas questões era vista com preocupação pela maioria dos cidadãos. Como assinalado por Alex de Tocqueville ( 1969: 228), o recrutamento compulsório era tão contrário aos hábitos do povo dos Estados Unidos que "eu duvido que qualquer pessoa arriscaria algum dia introduzir esta lei".

No decorrer do século XIX, a principal força militar era aquela fornecida pelas milícias estaduais. O exército profissional era pequeno, variando entre quatro e 16 mil homens, espalhados em vários destacamentos nas fronteiras. Os estados detinham a responsabilidade pelo recrutamento das tropas quando alguma situação o requeria. Os governadores de cada estado tinham o controle virtual de todo o processo. Para manter esse controle, os governadores baseavam-se no sistema partidário e numa cadeia de lealdades locais, que historicamente tinha constituído a principal fonte de soldados. Vale ressaltar que grande parte da liderança política do país, na época da Guerra Civil, tinha servido em companhias da milícia durante a juventude, incluindo o presidente Lincoln e boa parte dos seus secretários de governo.

o Norte e a mobilização inicial

Quando forças confederadas atacaram o Forte Sumter na Carolina do Sul, no dia 12 abril de 1861, fizeram mais do que iniciar a guerra, elas conseguiram unir a opinião pública do Norte, que estava muito dividida desde a eleição presidencial. O patriotismo cresceu com o ataque e, com ele, o estímulo ao alistamento voluntário. Durante os dois primeiros anos da guerra, a maioria dos que se alistaram o fizeram por livre escolha. O secretário da Guerra da União, Simon Cameron, refletiu o entusiasmo inicial no relatório da sua pasta: "Aqui cada homem tem um interesse [pessoal] no governo e acorre em sua defesa quando perigos o assaltam".19

No dia 15 de abril, Lincoln convocou 75 mil soldados para alistarem-se por três meses de serviço. Essa convocação inaugurou a mobilização do Norte para a guerra, mas também expressou um cálculo pouco realista das dimensões do conflito. Da mesma forma como aconteceria durante a Guerra do Paraguai, alguns anos depois, as primeiras convocações produziram grandes demonstrações de patriotismo, cujo entusiasmo surpreendeu mesmo aqueles observadores acostumados ao ímpeto voluntário da sociedade norte-americana. Reuniões de apoio à causa da União foram realizadas pelo país afora. A febre da
guerra estendeu-se a todas as idades e classes, cruzando as linhas partidárias. 

Na cidade de Keokuk, no estado de Iowa, um jornal local refletiu esse estado de
espírito em abril de 1861, observando que alguns cidadãos declararam publicamente já não se reconhecer como democratas ou republicanos, mas como amantes da liberdade e partidários da Constituição dos Estados Unidos, "tal como estabelecida pelos fundadores do país" (apud Sterling, 1974: 31). Henry Tapen, um importante quadro republicano, expressou o mesmo espírito quando escreveu à Lincoln: "Não somos mais democratas ou republicanos. Nós estamos sob uma única bandeira-a gloriosa bandeira da União" (apud McPherson, 1997: 16).20

Nessa etapa, a organização das tropas encontrava-se totalmente nas mãos dos governadores. De acordo com David Osher (1992: 95), esse estado de espírito refletia a "privatização das responsabilidades cívicas", ou seja, um compromisso entre a frágil organização do governo federal e o poder das comunidades. Mas essa cooperação era facilitada pelo fato de que, no início da guerra, todos os governadores dos estados leais eram republicanos, representando ao mesmo tempo organizações estaduais e a coalizão nacional que levou Lincoln para Washington. Esses governadores competiam para apresentar cotas cada vez maiores de soldados, enquanto milhares de voluntários acorriam para se alistar antes que a guerra acabasse. As capitais dos estados leais tomaram-se grandes acampamentos durante os primeiros meses.21

O governador de Ohio, William Dennison, respondeu à primeira convocação de uma cota de 13 regimentos, informando que uma cota muito maior havia sido obtida e observando que "sem que se reprimisse seriamente o ardor popular seria muito difícil parar antes que 20 regimentos tivessem sido organizados".

Apesar de controlarem o processo de recrutamento, os governadores dependiam da boa vontade dos chefes locais, que aspiravam tornar-se oficiais nas companhias recém-formadas. No plano local, o recrutamento estava relacionado com a popularidade desses notáveis, cujo prestígio era fundamental para que novos regimentos fossem criados e equipados. Na falta de uma burocracia nacional, o empenho pessoal e as estruturas partidárias locais forneciam as melhores fontes para um recrutamento bem-sucedido. Essa dependência foi observada na retórica de uma convenção republicana local, em 1862, que informou ao presidente Lincoln que: "A organização republicana, em todos os seus princípios e práticas, e por todos os seus membros, encontra-se empenhada na preservação da União e na derrota da rebelião. Ela é o poder do Estado e o poder da nação".

O localismo era tão forte que, na maioria das companhias, os oficiais eram recrutados nas mesmas comunidades dos soldados, o que aumentava o grau de paroquialismo envolvido no recrutamento. Conseqüentemente, ambos, a cadeia de comando e um complexo sistema de parentesco, governavam as relações hierárquicas militares no interior dessas unidades. Esses laços eram reforçados na prática, comum no início da guerra, de eleição dos oficiais de baixa-patente.

Como James McPherson (1987: 54) sublinhou: "Na tradição americana, ( ... ) os
soldados cidadãos permaneciam cidadãos mesmo quando se tornavam soldados. Eles votavam para o congresso e para governadores; por que não deveriam eles votar para capitães e coronéis?" O orgulho local e étnico reforçava os vínculos de camaradagem entre soldados, cuja grande maioria era branca e protestante. O medo de adquirir uma reputação de covardia nas suas comunidades de origem forçava muitos a superar o medo e lutar junto com amigos e vizinhos. Essa forma particular de disciplina era reforçada pelo fato de que muitas unidades eram organizadas a partir de atividades comunitárias, tais como: associações antialcoólicas, escolas dominicais, igrejas etc. 

Em outros casos os regimentos eram diretamente recrutados em comunidades étnicas específicas, reforçando os vínculos entre as comunidades imigrantes e o orgulho local. As relações entre os primeiros voluntários e suas comunidades permaneceram fortes até o final da guerra. Elas mantiveram muitos dos veteranos empenhados na causa da união, aliando o prosseguimento da
guerra com um senso forte de identidade de grupo.23

Problemas

As dificuldades para organizar um exército começaram a aparecer assim que os primeiros regimentos foram reunidos nos campos. A tradição militar norte-americana, o facciosismo político e a falta de estrutura, aliados à falta de equipamento militar adequado e à má administração, contribuíram para uma deterioração rápida das condições nos campos. Após as primeiras batalhas, as concepções românticas sobre glória e heroísmo rapidamente se dissiparam. A
Guerra Civil introduziu novas tecnologias de armas de longo alcance que tornaram obsoleta a concepção napoleônica de baralha decisiva. As novas armas reforçaram a capacidade defensiva, favorecendo os confederados nos confrontos direitos. Essas circunstâncias prolongaram a guerra, multiplicando o grau de severidade das baixas para além de qualquer patamar conhecido. Elas também transformaram a natureza da guerra, de forma que os exércitos foram obrigados a empreender períodos longos e constantes de terror e violência, em que a infra-estrutura civil de transportes, indústrias e agricultura tornaram-se alvos críticos. Ilustrações e gravuras feitas nos campos de batalha e publicadas nos magazines expunham as realidades da guerra para populações muito distantes dos combates. 

Dessa forma, as comunidades do Norte logo estavam bem informadas sobre os riscos enfrentados por aqueles que se alistavam. A circulação de listas de baixas também contribuiu para o decréscimo do entusiasmo, uma vez que elas mostravam que grande parte dos soldados morria devido à ação de doenças infecciosas, que avançavam em razão da falta de boas condições sanitárias nos campos.

Durante o inverno de 1862, o recrutamento no Norte foi praticamente paralisado. A maioria dos recrutas potenciais estava com medo de sofrer as conseqüências da falta de cuidados. O medo de perder a chance de ajudar amigos e parentes nas colheitas também contribuía para arrefecer o ímpeto guerreiro, pois a guerra não seria curta como fora apregoado nos chamados iniciais. Aliada a tudo isso havia uma inflação crescente, que contrastava com os salários congelados dos soldados. Na medida em que a guerra se arrastava, a permanência no Exército tornava-se mais custosa para os familiares na retaguarda. Ela também impedia os indivíduos alistados de aproveitar as oportunidades oferecidas pelo boom econômico que se alastrou em muitas partes do Norte, como conseqüência das demandas cada vez maiores da guerra. As eleições do segundo semestre de 1862 refletiram a insatisfação popular. O Partido Democrata ampliou consideravelmente a sua representação no Congresso e nos legislativos estaduais, conquistando também os governos dos estados de Nova Iorque e Nova Jersey.24

A crise no recrutamento, aliada à resistência confederada, levou os membros da coalizão no poder a perceber que seria preciso tomar medidas drásticas para ganhar a guerra, entre as quais incluía-se o reforço do poder federal. "Esses inimigos precisam entender", Lincoln explicou a August Belmont durante o verão de 1862, "que eles não podem experimentar dez anos tentando destruir o governo e, se eles falham ( ... ) voltar para a União ilesos" (apud Nevins, 1960: 166). Nos dois anos seguintes, uma guerra entre exércitos se tornaria um conflito entre sociedades, levando ao aniquilamento das forças confederadas. Essa transformação implicou enormes mudanças na organização do Exército norte-americano assim como na estrutura do governo americano, especialmente no que se refere ao escopo da capacidade federal para recrutar, interferindo em tradições e práticas de comunidades grandes e pequenas através do país. 

O governo federal centralizou decisões a um nível sem precedentes, estendendo o alcance do recrutamento a ponto de incluir um grande número de cidadãos que não se alistariam voluntariamente. Silas Wright, um assessor do governador republicano de Indiana, expressou a transformação desse estado de espírito na mente daqueles diretamente envolvidos nos esforços militares: "Nós aprendemos C ... ) que a guerra era uma instituição tão bárbara que não podia ser conectada aos princípios democráticos da nossa autoridade civil" Capud Osher, 1992: 233).

No outono de 1862, os líderes da União estavam enfrentando um dilema parecido com aquele que os burocratas do Império iriam confrontar quatro anos depois: mudar sua estratégia ou parar a guerra. A decisão foi no sentido de tornar a guerra ainda mais violenta, o que demandou um alto grau de cooperação das comunidades do Norte e um governo central forte o suficiente para garantir que essa cooperação acontecesse. Ainda que houvesse muitas semelhanças entre os dilemas brasileiro e norte-americano, Lincoln contava com uma estrutura muito mais sofisticada para enfrentar as dissensões políticas. 

O destino do Partido Republicano estava amarrado à derrota da Confederação. Conseqüentemente, o Partido Republicano funcionou como a força motriz que cimentou a aliança entre os governadores de estado e o governo federal. Na falta de uma estrutura burocrática adequada, o partido forneceu a melhor alternativa para aumentar a capacidade extrativa do governo, limitando os impulsos centrífugos nos estados e transformando a guerra naquilo que um autor definiu como "uma empresa modernizadora" Clevine, 1981 : 830).25

Os congressistas republicanos buscaram uma legislação mais abrangente, que previa um aumento substancial do controle do governo federal sobre o recrutamento. Em 16 de fevereiro de 1863, o senador Henry Wilson apresentou um projeto que visava a dar ao governo federal poderes excepcionais para o alistamento de tropas. O projeto foi alvo de muitas críticas dos dois partidos, que não impediram no entanto a sua aprovação por uma maioria fiel. O Enrollment Act, como essa lei ficaria conhecida, foi sancionado pelo presidente Lincoln em 3 de março de 1863. Essa medida deu ao presidente poderes para criar e organizar regimentos sem a assistência dos estados e tornou todos os homens entre 20 e 35 anos e todos os homens casados entre 35 e 45 anos sujeitos ao recrutamento militar. Num passo ainda mais radical, a lei absorveu as milícias estaduais dentro das forças nacionais. Esse estatuto centralizou e militarizou o recrutamento, estendendo sua abrangência para muitos grupos que, como os funcionários públicos estaduais, haviam sido previamente isentos. 

As eleições de oficiais e outros vínculos democráticos entre os soldados e as suas comunidades foram severamente reduzidos ou suspensos. Os soldados também perderam a capacidade de escolher as suas unidades porque o serviço militar tornou-se repentinamente compulsório, nacional e burocrático. Refletindo a mudança, um senador republicano defendeu a supressão dos procedimentos democráticos e a introdução no Exército de disciplina puramente militar, argumentando que: "( ... exércitos controlados pelo sentimento democrático não passam de uma turba".26

A mudança mais significativa veio com a designação dos agentes recrutadores federais (provost marshals), subordinados a um agente geral em Washington. Esses agentes tinham poderes militares, podendo exigir que se realizasse um sorteio nos distritos que não obtivessem a cota mínima. Eles tinham permissão para definir traição e conter qualquer oposição ao governo federal. De acordo com Iver Bernstein, o Enrollment Act, mais que qualquer outra legislação, "( ... ) trouxe a presença do governo federal para a comunidade, o local de trabalho e o lar, envolvendo todos os aspectos da vida da classe trabalhadora".27 

As comunidades do Norte reagiram ao impacto das novas demandas por soldados de formas diferentes. Algumas levantaram fundos para a contratação de substitutos, outras, para pagar a taxa de trezentos dólares para comutação. Mas essa estratégia só era válida para as cidades e vilas mais ricas. Nas áreas mais pobres, o resultado imediato foi uma onda de protestos que estourou durante o verão daquele mesmo ano em várias cidades da costa leste e em alguns estados do Meio-Oeste. Essas comunidades viam os novos parâmetros como um instrumento da hegemonia política do Partido Republicano e do poder econômico de industriais e comerciantes. Para eles, o recrutamento compulsório penalizaria principalmente os democratas, os pobres e os imigrantes. 

Acusações de incompetência, desonestidade e imoralidade política proliferaram contra a nova máquina recrutadora. Robert Sterling, analisando a situação nos estados do Meio-Oeste, demonstrou ter havido uma correlação forte entre a resistência popular e as variáveis classe, filiação partidária e religião. Os condados democratas com menor renda e maiores percentagens de imigrantes, especialmente irlandeses e alemães, tinham maior possibilidade de sofrer distúrbios do que as comunidades afluentes da mesma região. A resistência foi mais forte nos estados de Wisconsin, Illinois e Indiana, no Meio Oeste. Nessas áreas, a resistência popular variou dos protestos na imprensa até a insubordinação aberta, incluindo ataques às pessoas e propriedades dos agentes federais. 

Normalmente os revoltosos visavam os livros e as listas que continham os nomes daqueles sujeitos à conscrição, mas muitas vezes os distúrbios podiam ser tão ou mais violentos do que aqueles que ocorreram no Brasil. Trinta e oito agentes federais foram mortos em emboscadas ou por linchamento durante a guerra. Conseqüentemente, muitos agentes passaram a visitar os condados acompanhados de escoltas armadas, para escapar à fúria das multidões, o que aumentava ainda mais o ressentimento. Na região carbonífera da Pensilvânia, o recrutamento foi usado como uma arma política das grandes mineradoras contra os sindicalistas, levando a greves e outras manifestações contra a sua extensão.28

Um dos mais dramáticos episódios de resistência contra a federalização do recrutamento ocorreu na cidade de Nova Iorque, em julho de 1863. Durante cinco dias, multidões armadas interromperam a execução da primeira conscrição federal, desafiando a autoridade federal na mais importante cidade dos Estados Unidos. Os manifestantes voltaram seu ódio contra os republicanos e os negros, o que resultou na morte de mais de cem pessoas e na destruição de prédios públicos e propriedades, entre eles um orfanato para crianças negras. Os distúrbios tiveram origem na situação política e no ambiente social da cidade, mas foram potencializados pelas circunstâncias da guerra, especialmente pelas ofensas resultantes da iminência de um recrutamento forçado cujo peso, acreditavam, iria recair sobre os ombros dos habitantes mais pobres da cidade. Para alguns dos participantes, os distúrbios significaram um conflito político entre os imigrantes democratas e os reformistas republicanos. Para muitos observadores, eles eram simplesmente um desafio às novas regras e leis decorrentes da guerra.

De acordo com Iver Bernstein, a principal autoridade contemporânea no assunto, os distúrbios podem ser vistos no contexto de um processo sem paralelo de mudanças urbanas com ramificações nos níveis regional e nacional. Um aspecto importante foi proporcionado pelas disputas sobre o controle do mercado de trabalho. Analisando a situação, um editorial do New York Tribltlle publicado pouco depois dos motins fornece uma indicação de como os participantes se sentiram: "A turba exulta na crença de que se ela falhou nos seus objetivos, pelo menos conseguiu assegurar a posse do [mercado de] trabalho na cidade, expulsando os negros para buscar trabalho em outras paragens" (apud Foner e Lewis, 1969: 22).

No plano nacional, a principal motivação para os distúrbios veio da tentativa de implementação do Enrollment Act na cidade. As cláusulas daquele ato tocavam em três questões explosivas para a vida social de Nova Iorque: as relações entre ricos e pobres, entre brancos e negros e entre a cidade e a nação. Conseqüentemente, o que havia começado como um protesto contra o recrutamento compulsório tornou-se um ataque direto contra as instituições do
Partido Republicano, assim como pogrom racial grotesco, que só foi interrompido com a chegada de tropas federais.29

Como conseqüência dos cinco dias de distúrbios, o governo federal cancelou o recrutamento em Nova Iorque. A administração federal eximiu-se de uma intervenção mais séria nos assuntos locais, reconhecendo a hegemonia democrata naquela cidade em troca da sua lealdade tácita. As cotas de Nova Iorque foram supridas através do crescimento do recrutamento em outros estados, num processo que traria novos episódios de tensão política e social nos meses seguintes.

Pelo final de 1863, um grupo de negociantes e industriais de Boston expressou bem como o recrudescimento do recrutamento no Norte podia cruzar as barreiras sociais, afetando até mesmo os grupos mais diretamente beneficiados pelo esforço de guerra. Numa petição ao secretário da Guerra, eles apontavam para as repercussões negativas do recrutamento, no que se refere ao funcionamento da economia da União:

Nos estados livres o grande número de indivíduos retirados das oficinas e campos já comprometeu seriamente muitos ramos da indústria dos quais depende a economia do país (...)é desejável reduzir a pressão sobre esses recursos para o ponto mais baixo que seja consistente com o prosseguimento da guerra.30

Considerações finais

A análise desenvolvida ao longo deste trabalho demonstrou que os problemas do recrutamento foram muito similares nos dois países, aproximando-se do modelo materialista descrito por Eugene Genovese (1 969: 238-55). No decorrer das guerras Civil e do Paraguai, a falta de entusiasmo popular aliada ao estágio pouco avançado da burocracia e à longa duração das campanhas criaram uma série de conflitos que refletiram a tensão social no campo e nas cidades dos EUA e do Brasil. Esta análise também demonstrou que, apesar dos padrões da evolução histórica terem sido muito diferentes, Brasil e Estados Unidos enfrentaram problemas logísticos similares e que, apesar das culturas políticas distintas, os esforços governamentais para solucioná-los foram parecidos.

Os conflitos surgidos dessas situações indicaram os limites da ação estatal nesses períodos de emergência nacional, especialmente quando cada um dos Estados confrontou suas demandas nacionalistas centrípetas com os interesses locais de indivíduos e grupos. A maior parte dos conflitos deu-se em função da extensão do recrutamento e de suas conseqüências para a estabilidade social. Eles reforçaram a percepção mantida pelos contemporâneos, de sociedades limitadas pela falta de especialistas militares e burocratas. Os problemas de Lincoln com seus generais e a instabilidade do comando brasileiro no Paraguai ilustram bem esse ponto.

Os esforços de guerra criaram novos problemas, forçando cada um dos governos a procurar os meios adequados para suprir as suas necessidades. O recrutamento só se tornou a grande questão quando ficou claro que os sistemas existentes não eram capazes de manter um fluxo de soldados relevante o suficiente para abastecer os exércitos invasores. Foram situações emergenciais e temporárias, que envolveram o levantamento de tropas para enfrentar inimigos cuja capacidade de resistência não havia sido corretamente prevista no início das operações.

Multidões armadas no interior do Brasil, assim como os distúrbios anti-recrutamento nos Estados Unidos eram percebidos como elementos perigosos e como uma ameaça ao progresso e à estabilidade social. As ameaças trazidas por esses movimentos de resistência local eram mais simbólicas do que reais, como ficou claro no decorrer das duas guerras. Elas refletiam atitudes de desespero em função das mudanças do estilo de vida, não apresentando risco à ordem social. Apesar disso, os protestos contribuíram para mudanças na formulação das políticas de recrutamento em cada uma das guerras. No Brasil, elas levaram à formulação de novas propostas no que concerne à organização do Exército, à introdução do recrutamento universal e à abolição gradual da Guarda Nacional. Nos Estados Unidos, elas permitiram uma intervenção crescente do poder federal no Sul, assim como o nascimento de uma concepção nacional de cidadania cuja implementação foi longa e tortuosa.

A Guerra Civil norte-americana produziu uma série de mudanças institucionais que redefiniram a soberania daquele país em vários aspectos. Houve mudanças profundas no que concerne às concepções acerca dos direitos dos estados, às leis de liberdade individual, à centralização do poder e da estrutura do recrutamento militar. O esforço de guerra reforçou o papel do governo federal como principal agência recrutadora para as forças armadas. A ênfase nos direitos estaduais foi progressivamente substituída por uma crescente centralização, com o governo federal assumindo o papel principal nos assuntos militares, na política fiscal e no desenvolvimento econômico.31 Essas transformações interferiram em práticas políticas tradicionais, afetando as relações entre os indivíduos e suas comunidades, bem como a base social de apoio que muitas comunidades davam ao governo Lincoln nos seus esforços para expandir e abastecer o Exército.

Simultaneamente à luta contra a Confederação, um conflito sobre a identidade da União emergiu na retaguarda, numa das mais sérias crises constitucionais norte-americanas. As elites de cada um desses países enfrentaram desafios nas crises que emergiram como resposta à expansão da ação do Estado. Em cada um dos países, prevaleceu uma escolha clara pela obtenção de uma vitória militar completa, apesar dos obstáculos e custos humanos envolvidos nessas opções. Essa determinação limitou os compromissos tanto das lideranças republicanas quanto dos burocratas imperiais com as localidades de seus respectivos países.

A retórica dos membros das elites em ambas as sociedades expressaram as principais preocupações sobre o recrutamento, revelando ao mesmo tempo os limites das definições da cidadania nos dois países. No Brasil, a retórica governamental enfatizou a insegurança trazida pela exacerbação da politização partidária, resultando numa intervenção maciça do poder central para suprimir os movimentos locais de oposição e manter os esforços para a guerra. No limite, essa intervenção levou ao cancelamento das eleições na província do Rio Grande do Sul e à derrubada da Liga Progressista, provocando o retorno dos conservadores sob a influência de Caxias.32

Nos Estados Unidos, o governo interferiu na vida dos cidadãos de várias maneiras. Além da legislação centralizadora, já descrita, houve também mecanismos mais sutis. Para contrabalançar o desgaste político, Lincoln valeu-se da utilização de um extenso sistema de patronagem cuja base era o próprio exército da União. Entretanto, ainda que a guerra fortalecesse o papel do executivo norte-americano, não houve suspensão do calendário eleitoral, mesmo nas áreas mais afetadas pelas rebeliões. Nos estados de Nova Iorque e Nova Jersey, administrações democratas contrárias à radicalização da guerra e a emancipação continuaram no poder. Conseqüentemente, o governo federal podia influenciar o sistema partidário, mas não podia substituí-lo, nem alterar o seu calendário. Nessas circunstâncias, a reeleição de Lincoln em novembro de 1864 estaria amarrada à lógica da guerra, enquanto no Brasil, a lógica da guerra dependeu mais profundamente da vontade política do imperador.

Notas
1. O tema da escravidão forneceu o maior volume de comparações históricas entre os dois países. Estudos feitos após o término da Segunda Guerra criaram um campo de análise histórica rico e multidisciplinar. Ao discutir as diferentes correntes de análise sobre a escravidão, Eugene Genovese dividiu-as em dois grupos: um, formado pela corrente "idealista", constituída por Frank Tannenbaum, Stanley Elkins e seus seguidores; e outro, pela corrente "materialista", constituída pelos críticos do modelo Tannenbaum-Elkins, com destaque para os trabalhos de David B. Davis e earl Degler. Para uma discussão mais detalhada dessas correntes ver Genovese (1969: 238-55), Fredrickson (1875: 30-58) e Higham (1989: 251-6).
2. Para um esrudo da tradição militar norte-americana, ver John Whiteclay Chambers II (1987: 1 3-40). O debate sobre a minimização do papel do Exército no Brasil desde o período regencial é feito por Schulz (1994: 23-52).
Coelho ( 1 976: 3445) definiu a política imperial até a guerra contra o Paraguai
como erradicação. Izecksoho (1992: 64) observou que: "A monarquia não foi, em princípio, avessa à profissionalização do exército; apenas destinava a ele um papel um papel técnico e secundário na vida política nacional".
3. Max Weber (1982: 98) definiu o Estado como "C...) uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território". Weber partia da afirmação de Leon Trotsky, em BrestLitovsky, segundo a qual: "Todo Estado se fundamenta na força". O uso do termo "pretende", por Weber, sugere que os Estados modernos não conseguiram estabelecer completamente esse monopólio.
4. José Severiano de Mello para Desembargador João Baptista Gonçalves Campos. Taperaguá, 4 de abril de 1865. RPA (1865: 23-4).
5. Comendador Manuel de Souza Damas para José Tomás Nabuco de Araújo. Salvador, 1 ° de março de 1866. RPB (1866: 21).
6. Augusto César Reis para Visconde de Camamú. São Luis, 25 de abril de 1865. Arquivo Nacional, SPE/lG 125, folha 1 86.
7. Bernardo de Souza Franco para José Tavares Bastos. Niterói, 10 de maio de
1865. RPRJ ( 1 865: 5). 
8. CLIB, tomo XI, parte I, parágrafos I e 117 a 134, p. 237-58.
9. Idem, p. 3. De acordo com Fernando Uricoechea (1978: 251-52), no Rio Grande do Sul, "o impacto burocrático dos militares profissionais sobre a corporação (Guarda Nacional) foi mais permanente, mais sistemático e mais generalizado que em outras regiões do país".
10. A referência direta é o trabalho de E. P. Thompson (1991: 185-258) sobre o
universo da revoltas populares inglesas do século XVIII. Para as hierarquias ligadas à economia moral do recrutamento no Brasil, ver Mendes (1998: 8 1 -96).
11. Sobre o desânimo após a batalha de Curupaiti e as alternativas políticas disponíveis, ver Izecksohn (200 1 : 157-86).
12. Vicente Pires da Mota para o Marquês de Paranaguá. Ouro Preto, 24 de maio de 1867. Arquivo Histórico do Museu Imperial, I-DPP-22.1-1867 - met.c.
13. Tenente Coronel José Caetano Vaz Júnior para o Conselheiro José Antônio Saraiva. Sâo Luis, 14 de agosto de 1865. Arquivo Nacional, SEP/lG 125 - Caixa 530, folha 76.
14. Do General Osório para o Visconde de Paranaguá. Pelotas, 15 de dezembro de 1866. Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, lata 312, pasta 31, Coleção Marquês de Paranaguá.
15. Joaquim Manoel de Macedo para o Conde D'Eu. Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1867. IHGB, caixa 276, pasta 19. Também citado em William Dudley (1972: 68).
16. Uma visão ampla do impacto do recrutamento sobre os pobres desprotegidos pode ser encontrada em Joan E. Mezoar, (1992: 335-51). Ver também Hendrik Kraay (1995: 234-5). Para Kraay, cuja pesquisa centra-se no recrutamento na Bahia: "In the impressment ofsuch men, as in the repression of lhe Sabinada, state and ruing-class inrerests coincided, as both collaborared to prateet propeny righls, maimain public arder, and obligate rhe free poor to work - in short, to uphold class rule".
17. Nada poderia definir melhor o conceito de "resistência da inércia" que a descrição feita por Marc Bloch (1968: 352) sobre a situação na Europa medieval: "O abuso da força pelos senhores não encontrava qualquer contrapeso exceto pela impressionante capacidade da inércia das massas rurais, que era geralmente muito eficiente, e da desordem da própria administração senhorial".
18. Pedro Leão Veloso para Zaearias de Góes e Vasconcelos. Fortaleza, 3 de fevereiro de 1868. Museu Imperial 1 - ZGV - 6 -1- 868, caixa 6, n. 2. RMJ
(1868: 8).
19. Simon Cameron, I'Reporl from Lhe Secretary ofWar", dezembro de 1861.
20. McPherson (1997) definiu esse estado de espírito como rage miliraire - uma
expressão normalmente associada às experiências francesas no início da Primeira Guerra Mundial. Desconhecendo os riscos e as conseqüências da guerra total, que iriam experimentar em breve, muitos desses voluntários partiram para o que pensavam ser uma aventura curta, que ofereceria a oportunidade de conhecerem realidades diferentes das de suas cidades e vilas.
21. Uma boa descrição das relações entre Lincoln e os governadores leais pode ser encontrada em Hesseltine (1972).
22. Atas da Convenção Republicana do Condado de Oneida, Nova Iorque, realizado em 26 de setembro de 1862 (apud Skowronek, 1993: 30).
23. A relação estreita entre os voluntários e suas comunidades durante os primeiros anos da Guerra Civil foi discutida em Wiley ( 1992: 17·44).
24. Para as eleições de 1 862, uma boa fonte é o trabalho de Silbey (1977: 30-61).
25. De acordo com Levine (198 1 : 830), "republicans insistence on the lack of
conflict berween social classes and their basically middle-c1ass perspective failed to obscure an obvious disdain for a permanent underclass incessant toiling for wages and incapable to economic independence because of an inability to conform to lhe values and virtues necessary for success in a modernizing society. "
26. Senador James W. Nesmith (Oregon), 16 de fevereiro de 1863. Congressional Globe, 37° congresso, 33 sessão, 989.
27. Uma descrição pormenorizada da trajetória desa legislação e dos debates no Congresso norte-americano pode ser encontrada em James W. Gcary ( 1984:
562-82).
28. As lutas dos mineiros da Pensilvânia contra o recrutamento compulsório foram descritas no excelente trabalho de Grace Palladino ( 1990).
29. Alessandra Lorini (1990) descreveu os ritos de violência desenvolvidos durante os distúrbios em Nova Iorque.
30. Amos A. Lawrence et a1. para E. M. Stanton, 10 de dezembro de 1863 (apud Berlin et aI., 1982: 1 08-9).
31. Uma síntese dessas transformações pode ser encontrada em Curry (1968).
32. O cancelamento das eleições no Rio Grande do Sul foi discutido na Reunião do Conselho de Estado, realizada em 23 de agosto de 1866. A maioria dos conselheiros entendeu que a realização das eleições e a violência inerente ao processo eleitoral naquela província não seriam compulsável com o processo eleitoral. Para maiores detalhes, ver Rodrigues (1978: VI, 49-59). A derrubada do gabinete progressista foi discutida em Izecksohn (1992: 130-6).

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Progressista.
RPRJ - 1865. Relatório com que o sr. conselheiro de Estado Bernardo de Souza Franco passou a administração da Província do Rio de Janeiro a José
Tavares Bastos. Niterói, 10 de maio.
RPB - 1866. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial da Bahia pelo excelentíssimo senhor presidente o comendador Manuel Pinto de Souza Dantas, no dia 1 de março de 1866. Salvador, TipogTãlia de
Tourinho e Cia.
RPMG - 1865. Relatório que à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou no ato de abertura da sessão ordinária de 1865 o desembargador Pedro de Alcântara Cerqueira Leite, presidente da mesma Província. Ouro Preto, Tipografia de Minas Gerais.
RMJ - 1866. Relatório do Ministério da Justiça apresentado à Assembléia Geral
Legislativa na Quarta sessão da décima-segunda legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado José Thomas Nabuco de Araújo. Rio de Janeiro, Tipografia Laemmert.
RMJ - 1868. Relatório do Ministério da Justiça apresentado à Assembléia Geral Legislativa na segunda sessão da décima terceira legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado Manin Francisco Ribeiro de Andrada. Rio de Janeiro, Tipografia Perseverança.