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Leandro Vilar

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Esparta: a glória dos guerreiros

A cidade-estado de Esparta é uma das cidades gregas antigas mais conhecidas, devido a sua icônica fama de ter sido o lar dos maiores guerreiros da Grécia Antiga, como também o lar de alguns dos maiores guerreiros da História. De fato, Esparta entre os séculos VII a. C e IV a.C, foi uma potência militar, porém a glória espartana é breve, embora sua história seja bem mais longa do que isso. 

Por outro lado, Esparta ainda hoje é uma cidade pouco conhecida em termos de política, sociedade, arquitetura, urbanismo e cultura. É uma cidade envolta em mistérios, pois mesmo os relatos da época, foram escritos por escritores, poetas, historiadores e filósofos que não viveram em Esparta e talvez nem se quer a visitaram. Além disso, o conservadorismo e isolamento dos espartanos também contribuiu de forma negativa para que tivéssemos acesso a sua história. Assim, ao longo deste texto procurei comentar alguns aspectos sobre Esparta e seu povo, ao mesmo tempo em que aponto os problemas de conhecer sua história devido a falta de fontes, além de haver também contradições entre alguns autores da época. 

Localização:

A cidade-estado de Esparta fica localizada ao sul da península do Peloponeso, numa região chamada de Lacedemônia ou Lacônia, diante da margem direita rio Eurotas, em meio a uma planície de cerca de 1.110 km². A cidade fica situada em meio a Vale de Evrotas, sendo margeada pelo Monte Taigeto (2.407m) no oeste, e o Monte Parnon (1.935m) no leste. 

Posteriormente, os espartanos vieram a conquistar a região da Messênia, englobando todo o seu território, e assim, ampliaram seus domínios para 5.100 Km². Com a conquista da Messênia, Esparta tornou-se o maior Estado do Peloponeso e até mesmo um dos maiores (em dados momentos, o maior) da Grécia. Se comparado ao território de sua grande rival, Atenas, os domínios espartanos eram três vezes maior (FINLEY, 1990, p. 119). 

Localização de Esparta no mundo grego antigo. 

"O crucial é que a Messênia e, numa medida menor, a Lacônia, eram mais férteis do que a maioria das regiões gregas, de modo que os habitantes podiam sustentar-se sem importações, salvo talvez quando havia alguma luta intensa e prolongada. A Lacônia possuía também minas de ferro, extremamente raras na Grécia, embora devamos admitir que não sabemos a partir de quando começaram a ser exploradas. O maior ponto fraco era o acesso difícil ao mar, o que, estritamente falando, também se aplica à própria Esparta - o porto utilizável mais próximo era Giteion, 43 km ao sul, usado para navios mercantes e como uma pequena base naval". (FINLEY, 1990, p. 119). 

A distância do mar foi um problema para os espartanos, mas por outro lado algo bem-vindo; isso dificultava a vinda de estrangeiros por via marítima. Esparta como outras cidades gregas, não eram muito receptíveis a estrangeiros, embora que dependendo da época e da cidade, isso fosse diferente, como no caso de Atenas, a qual se tornou uma das cidades mais procuradas pelos comerciantes e estudiosos do Mediterrâneo oriental, antes do surgimento de Alexandria. 

Por outro lado, a abundância de terras férteis e de minas de ferro, garantiram aos espartanos uma subsistência ao ponto de praticamente não necessitarem em importar alimentos e recursos. O comércio nunca foi o forte de Esparta, e inclusive como será visto adiante, não era uma ocupação benquista pelos espartanos. 

Origem: 

Ainda hoje a história e a arqueologia não conseguiram descobrir quando exatamente Esparta surgiu. Alguns historiadores sugerem que seu surgimento se deu entre os séculos X a.C e IX a.C, sendo que Esparta teria sido fundada pelos dórios, povo invasor, assim como os eólios e os jônios, os quais vieram talvez do que hoje é o norte da Grécia, Macedônia, Bálcãs ou da Ásia Menor. Os dórios entraram em conflito com os povos locais, e os subjugaram, e posteriormente após reunirem quatro vilas, eles fundaram Esparta. 

Todavia, a história de Esparta, de sua desconhecida origem até o século VI a.C, ainda é um mistério, pois as fontes históricas e arqueológicas pouco têm a informar como foi o desenvolvimento dessa pequena cidade, provavelmente uma vila no começo, até surgir no século VI a.C como uma potência militar. Sendo assim, as informações sobre sua política, economia, sociedade e cultura datam principalmente do século VI a.C em diante, pois é quando dispomos de relatos escritos da época, como será visto adiante.

No entanto, se a origem histórica ainda é pouco conhecida, a origem mitológica foi bem delineada, principalmente através da genealogia. Menárd (1991, p. 21) aponta que assim como várias outras cidades gregas, sua origem normalmente está ligada a um herói ou a um fundador que é filho de algum deus, geralmente filho de Zeus. No caso de Esparta isso não foi diferente, e existem diferentes mitos sobre sua origem, dos quais alguns aqui abordarei.

De acordo com o geógrafo Pausânias em seu livro Descrição da Grécia liv. 3.1-3, a origem de Esparta estava ligada a família do primeiro rei da Lacônia, chamado Lelex, o qual casou-se com uma náiade chamada Cleocharia, com quem teve dois filhos: Myles e Polycaon. O filho caçula Polycaon por algum motivo não informado por Pausânias, foi exilado, por sua vez, Myles era o herdeiro por direito, por ser o mais velho. Myles teve um filho chamado Eurotas, o qual lhe sucedeu no trono. Durante o governo de Eurotas, esse teria dragado alguns pântanos na região e formado um rio, o qual ele lhe deu seu nome em homenagem. 

Foto de um dos trechos do rio Eurotas. 

Eurotas casou-se com Cleta, com quem teve uma filha chamada Esparta. Sendo sua única herdeira, Eurotas teria que arranjar um marido para ela, assim, um homem chamado Lacedemônio ou Lacedêmon, o qual era filho da ninfa Taigete e de Zeus. Percebe-se aqui que enquanto Lélex não possui uma origem divina, Lacedemônio traz consigo essa origem. No entanto, nesse ponto o mito é misterioso. Ninguém sabe de onde Lacedemônio veio e como conseguiu casar com Esparta. Do casamento ele teve Amiclas, Eurídice e Asine. Amiclas por ser o filho varão herdou o trono, e assim sucessivamente.

Todavia, o que se destaca na história contada por Pausânias diz respeito a origem do nome dos topônimos. O rio Eurotas recebeu esse nome devido ao rei Eurotas, por sua vez, Lacedemônio fundou uma cidade, a qual deu o nome de sua esposa Esparta em homenagem. Além disso, o rei Lacedemônio renomeou a região da Lacônia com o seu nome. Sendo assim, Lacedemônio e Esparta são os fundadores da cidade-estado de Esparta, pelo menos segundo esse mito. 

Esparta na mitologia:

Vimos anteriormente a origem mitológica da cidade, agora passemos para comentar um pouco do papel da cidade e de seu povo na mitologia grega. Existem vários mitos que estão associados a Esparta, como a viagem de Héracles (Hércules) a região, cujo alguns de seus filhos teriam se tornado reis de Esparta; ou a história de que a deusa Ártemis, tinha o costume de ir-se banhar nas águas do Eurotas, próximo da cidade, como também teria sido lá, que a ninfa Dafne foi transformada num loureiro, do qual o deus Apolo colheu algumas folhas e criou a coroa de louros

Também foi nas águas do Eurotas, nas quais Zeus encantado pela beleza da rainha Leda, transformou-se num cisne, então quando a rainha tocou as penas do cisne, acabou engravidando milagrosamente, e nove meses depois, ela colocou dois ovos dos quais nasceram gêmeos bivitelinos. De um dos ovos nasceram Cástor e Pólux, do outro ovo, nasceram Helena e Clitemnestra (MÉNARD, 1991, p. 139-142). Neste caso, Pólux e Helena eram filhos de Zeus, enquanto Clitemnestra e Cástor eram filhos de Tíndaro, marido de Leda. 

Leda e o Cisne. Leonardo da Vinci. 1510-1515

Cástor e Pólux se tornaram heróis famosos de Esparta, tendo participado da jornada dos Argonautas. Por sua vez, Helena e Clitemnestra tornaram-se esposas de reis. Helena casou-se com Menelau, o qual assumiu o trono de Esparta, e Clitemnestra casou-se com Agamêmnon, rei de Micenas (BRANDÃO, 1986, p. 85). A partir do casamento das duas irmãs com os irmãos Menelau e Agamêmnon daria início a vindoura Guerra de Troia

Neste ponto, a história de Esparta estava intrinsecamente ligada com a Guerra de Troia, como contada por Homero no poema da Ilíada. Resumindo esse mito, Páris, príncipe troiano, o qual em visita a Esparta, em companhia de seu irmãos mais velho Heitor e dos embaixadores troianos, acabou se apaixonando perdidamente pela mais bela de todas as mulheres, Helena de Esparta. Durante os dias que a embaixada troiana permaneceu na cidade, Páris aproveitou para cantar Helena, a qual como não amava seu marido, cedeu a investida do príncipe troiano. No momento de ir embora, Helena decidiu fugir com seu amante, tornando-se o estopim para a Guerra de Troia, pois Menelau tendo sua honra maculada, procurou seu irmão Agamêmnon, lhe pedindo apoio nesta guerra. 

Helena e Páris. Jacques-Louis David. 1788. 

A organização social: 

Para entendermos a organização política dos espartanos, primeiro devemos conhecer como era a sua organização social; como a sociedade estava dividida, e como isso interferia na noção de cidadania espartana. Assim como outros Estados gregos daquele tempo, a sociedade era dividida em classes, as quais pertenciam a duas grandes categorias: livres e escravizados. Todavia, é importante salientar que a escravidão na Grécia Antiga não foi igual a escravidão negra na Idade Moderna, pois lá, os escravos não eram escravos devido a sua cor ou "raça", mas em geral eram escravos devido ao fato de que seu povo ou família foram conquistados. 

Sendo assim, no caso de Esparta durante o século VIII, ocorreu a Primeira Guerra Messênica (743-724 a.C), a qual terminou com a vitória dos espartanos, os quais como ditavam os costumes na época, possuíam o direito de escravizar o povo vencido; inclusive até mesmo vendê-los para outras cidades. No caso de Esparta, o governo preferiu não vender grande parte da população, mas sentenciá-la a permanecer e a passar a servir o Estado. Tal população foi chamada de hilota ou helota (heílote). 


Os hilotas eram a população escravizada, a qual pertencia ao Estado espartano. 

Todavia, Finley (1990, p. 120), aponta o fato de que os hilotas não seriam escravos qualquer, mas consistiriam numa divisão interna entre escravos, neste caso, haveriam dois tipos de escravos: o hilota, o qual era o escravo público; e o escravo privado. Em outras palavras, os hilotas pertenciam ao Estado, sendo designados principalmente para as atividades rurais. 

Os hilotas possuíam direito a ter moradia, família, construir comunidades e manter alguns de seus costumes, no entanto, eles eram proibidos de deixarem o território espartano, e deviam obrigação ao governo, enviando seus recursos e atuando no exército quando fosse necessário. Mas o que difere um hilota de um escravo comum, era o fato de que o hilota era propriedade do Estado, não podendo servir a uma pessoa ou família. Não obstante, havia casos que os hilotas poderiam receber a liberdade ou serem "adotados", mas isso não lhes concedia direito a cidadania. 

Além dos hilotas e dos escravos, havia os periecos (perioikoi), termo usado pelos espartanos para se referirem as pessoas livres que estavam subordinadas ao seu governo. Os periecos poderiam ser habitantes locais da Lacedemônia ou de terras vizinhas que foram conquistadas, mas não foram escravizados; como também, poderiam ser estrangeiros vindos de outras cidades gregas ou de fora da Grécia. Os periecos possuíam seu próprio governo, ou seja, eram independentes da administração espartana, porém possuíam acordos com Esparta, lhe fornecendo recursos, geralmente provenientes do comércio e da manufatura. Isso ficará mais claro adiante, quando vermos as obrigações dos espartanos. 



Os periecos eram os homens e mulheres livres os quais estavam subordinados aos interesses do governo Espartano. 

Por fim, chegamos ao topo da sociedade espartana, os próprios espartanos ou esparciatas. Apenas os espartanos eram reconhecidos como cidadãos de seu Estado, neste caso, a cidadania era válida apenas para os homens, algo também visto em várias outras cidades gregas. Logo, mulheres nunca foram cidadãs, como também não participavam da política e não podiam assumir cargos públicos. Além da exclusão das mulheres ao direito à cidadania, os estrangeiros e escravos também não eram cidadãos. 

No entanto, não eram apenas tais características que tornavam um espartano cidadão; era preciso que ele fosse filho de pais espartanos, e que sua família fosse legitimamente espartana. Embora não se saiba até quantas gerações eles definiam como sendo legitimamente espartano. Sendo assim, se um espartano fosse filho de uma estrangeira ou estrangeiro, ele não seria cidadão. Tal condição também era válida para outras cidades, inclusive Atenas, a qual era a mais conhecida por ter criado a democracia (LLOYD-JONES, 1962, p. 70-71). 

Não obstante, além dessa condição de que a família teria que ser espartana, um espartano não poderia se casar com uma estrangeira e nem uma escrava, pois caso isso ocorre-se, seus descendentes masculinos não teriam direito a cidadania. Logo, os espartanos desde cedo eram doutrinados a se casarem apenas com espartanas, embora não fosse proibido que eles tivessem seus casos amorosos com escravos e estrangeiros.

Assim se percebe que a sociedade espartana era bastante conservadora e restrita, não tolerando elementos de fora da sua comunidade, não sendo a toa que a população espartana parece que sempre foi pequena, contando com alguns poucos milhares de espartanos, enquanto o grosso da população do Estado era formada pelos hilotas. 

Por outro lado, essa divisão social também implicava numa divisão de tarefas. Os hilotas basicamente exerciam funções rurais, e talvez de mineração, pesca e caça, como também poderiam atuar na construção civil; enquanto os periecos cuidavam basicamente do comércio e do artesanato; produzindo cerâmica, utensílios domésticos, joias, armas, ferramentas, construindo barcos, etc. Em determinados casos, tanto hilotas quanto periecos poderiam ser convocados para compor o exército espartano, mas se não fosse a necessidade, eles eram proibidos de manterem um exército. O governo fazia isso para evitar rebeliões.

Por sua vez, os espartanos eram os únicos que detinham direito a trabalhar no exército e na política. Entre os séculos VI a.C e V a.C, quando o Estado espartano finalmente se consolidou da forma que hoje melhor conhecemos, as esferas da política e da guerra estavam restritas aos espartanos, ou seja, aos cidadãos. Embora os hilotas e periecos mantivessem sua administração, eles não tinham acesso aos principais cargos públicos do governo espartanos, as assembleias. 

Embora que Finley (1989, p. 35) sublinhe que houve casos de ex-hilotas (neodamodeis), os quais conseguiram exercer funções dentro da esfera pública do Estado espartano. Provavelmente tenham sido casos pontuais, onde tais homens haviam se destacado por seu trabalho e assim foram recompensados com a liberdade. O próprio Moses Finley diz que essa liberdade e ascensão concedida aos neodamodeis ainda é pouco conhecida, devido a falta de fontes que melhor expliquem como isso se dava. 

Sendo assim, apenas os cidadãos espartanos poderiam compor o exército regular, embora em determinados momentos como dito, os hilotas e periecos poderiam ser recrutados; como também apenas os cidadãos espartanos poderiam exercer os cargos públicos, os quais serão comentados adiante. Logo, podemos elaborar os seguintes esquemas para compreender a organização social espartana a qual pouco se alterou em vários séculos.
  • Espartanos: pessoas livres e cidadãos (homens);
  • Periecos: pessoas livres
  • Hilotas: escravos do Estado
  • Doúlos: escravos privados
Com base nesse esquema acima, também podemos organizar outro, o qual representa as atividades de trabalho que cada classe dessa estava sujeitada:
  • Espartanos: política e exército (homens)
  • Periecos: comércio e manufatura
  • Hilotas: agricultura, pecuária, construção, etc.
  • Doúlos: atividades domésticas
Para um espartano, a principal atividade que interessava era servir no exército e lutar na guerra, depois vinha a política (FINLEY, 1990, p. 124). No entanto, para um espartano exercer atividades manuais como cuidar da terra, cuidar de animais, construir, confeccionar objetos; comercializar e cuidar de afazeres domésticos não era bem visto e até mesmo considerado em alguns momentos como degradante, embora que os soldados exercessem funções manuais no quartel, como cozinhar, varrer, limpar, costurar, transportar, etc. 

Mas isso não foi apenas um pensamento espartano, os atenienses também pensavam assim, não todos, mas parte dos cidadãos sim. Por exemplo, em Atenas, os que seguiam essa linha de pensamento, viam na política, nas artes e na filosofia ofícios nobres, enquanto relegavam o comércio e a guerra a segundo plano, e outras atividades manuais a terceiro plano.

Organização política: 

A organização política espartana é um caso peculiar, curioso e ainda pouco conhecido. Não possuímos fontes de origem espartana, e as quais datam da época, chegam a ser contraditórias ou até mesmo de pouca confiança. Por exemplo, historiadores como HeródotoTucídides, e filósofos como Platão e Aristóteles, os quais escreveram um pouco sobre Esparta, mas seus comentários em dados momentos estão repletos de preconceito e falta de conhecimento específico. Aristóteles diz que os espartanos tinham o pior governo da Grécia; Heródoto falava que os funerais dos reis espartanos eram grandiosos como os dos "bárbaros", e para um ateniense isso era inconcebível. 

Mas em geral, a política grega basicamente estava ligada a monarquia. A democracia surge em Atenas no século VI a.C, e posteriormente iria influenciar outras cidades-estados, mas até lá, os governos eram pautados em reis ou em tiranos (termo usado para se referir a governantes que assumiam em tempos conturbados). No caso de Esparta, o Estado possuía dois reis, ou seja, era uma diarquia. Algo curioso que até hoje não possui uma explicação definitiva do porque os espartanos tivessem dois reis (FINLEY, 1990, p. 125). 

Leónidas nas Termópilas. Jacques Louis David. 1814. Nessa imagem romanceada da Batalha das Termópilas (480 a.C), ao centro destaca-se o rei espartano Leônidas I, que na época governou sozinho. 

O fato de possuir dois reis, significa a existência de duas famílias reais, as famílias dos Ágidas e dos Euripôntidas. Neste ponto surge a diferença social entre os próprios espartanos. Como dito anteriormente, apenas os espartanos eram cidadãos, porém entre eles mesmos existiam diferenciações sociais; havia espartanos que eram pobres, alguns possuíam um padrão de vida mediano, e alguns eram nobres e havia aqueles que pertenciam a realeza. 

Aqui se percebe um fator econômico de diferenciação, o qual também é enigmático nos dizeres de Finley (1990, 1989), pois se os espartanos não exerciam ofícios rurais e comerciais, como eles conseguiam renda? Será que possuíam propriedades rurais nas quais trabalhassem seus escravos? Será que possuíam lojas ou mercadorias, nas quais escravos (doúlos) ou os periecos trabalhassem como intermediários? Ou a riqueza provinha do serviço militar e político, além dos espólios de guerra? 

Mas retomando o caso dos dois reis espartanos, esses eram escolhidos de forma hereditária, o que reafirma a noção de cidadania exclusivamente para os espartanos nascidos em Esparta e descendentes de famílias genuinamente espartanas (FIELDS, 2010, p. 15). No entanto, o fato de haver príncipes, o que justifica a existência de uma realeza, interfere no conceito de homoioi (iguais). De acordo com a legislação espartana todos os homens eram iguais perante a lei, mas essa igualdade como explica bem Moses Finley (1989, p. 28-29) não dizia respeito a condição social, pois como visto, havia espartanos pobres e ricos, mas dizia respeito ao direito a cidadania. 

E o direito de ser cidadão é o que tornava os espartanos "iguais" (homoioi). Neste caso, esse direito concedia ao homem o acesso a educação pública e gratuita, o acesso aos cargos militares e políticos, de acordo com seus requisitos para tomar posse. Neste caso, ser rei estava fora de condição para qualquer outro espartano que não pertencesse a realeza. Assim, na teoria qualquer espartano poderia exercer cargos públicos desde que possuísse condições físicas e mentais saudáveis, experiência e aptidão para exercer tais cargos e deveria também dispor de seus direitos políticos de forma plena, pois em determinados casos, a punição a um espartano era destitui-lo de seus direitos civis, o que significa que ele poderia ser preso, exilado ou excluído da esfera militar e política. Além de também ser algo desonroso para ele e a família.

Logo, diante de tais características sobre a legislação estatal espartana, passemos para conhecer as assembleias do seu governo. Devido a falta de fontes sobre a organização político-administrativa de Esparta, basicamente só se conhecem três assembleias: a Gerúsia, o Eforato e a Apella, além do fato de que suas funções não claras. Na internet se encontra muitas informações falsas sobre estas assembleias. 

a) A Gerúsia consistia numa assembleia geralmente formada por 30 membros, os quais possuíam idade a partir dos 60 anos, o que significava que oficialmente eles haviam se aposentado do serviço militar. O cargo na gerúsia era vitalício, e não se sabe como era feita a escolha dos gerontes. Alguns historiadores falam que a gerúsia seria formada por 28 gerontes e os outros dois cargos eram assumidos pelos reis (LLYOD-JONES, 1962/FIELDS, 2010, p. 16), mas outros historiadores discordam, dizendo que os reis não tinham participação desta assembleia.

A gerúsia não foi uma assembleia exclusiva de Esparta, outras cidades como a Élida, Éfeso e Cretona também possuíam suas gerúsias, embora o número de membros variasse em cada cidade. 

A função da gerúsia não é totalmente conhecida. Sabe-se pelo fato de serem os mais velhos, detinham experiência e sabedoria, logo discorriam sobre questões legislativas e há quem defenda, que também atuavam como tribunal, julgando crimes. Para Aristóteles a gerúsia era formada pelos anciãos das famílias mais importantes, o que rompia com o princípio do homoioi. Além disso, Aristóteles não aprovava a gerúsia, dizendo que o fato de seu cargo ser vitalício poderia abrir espaço para a corrupção (GLOTZ, 1980, p. 71).


Pintura retratando a Gerúsia espartana, assembleia composta pelos anciãos. 

b) O Eforato consistia numa assembleia eleita anualmente e composta por cinco membros, chamados de éforos. Os éforos atuavam como o poder executivo, tomando decisões acerca da administração do Estado. Não se sabe quais eram as prerrogativas para se elegerem os éforos, mas segundo Heródoto, qualquer cidadão poderia ser eleito para esse cargo. Por sua vez Aristóteles disse que apenas membros de famílias importantes eram candidatos ao eforato (FINLEY, 1989, p. 34). Além disso, também não se sabe até onde ia a autoridade dos éforos. 

"Xenofonte (A República dos Lacedemônios 15, 7) indica que, todos os meses, os éforos e os reis trocavam juramentos, cada um para apoiar a posição do outro. [...]. Tucídides (1, 131, 2) afirma que os éforos tinham poder para prender os reis, mas não para julgar ou condenar, e Heródoto (5, 39-40) demonstra até que ponto estes podiam persuadir os reis. Tendo tudo isso em consideração, aparentemente os reis obedeciam à vontade dos éforos e à gerousia. Talvez quando surgiam queixas sobre os reis, os éforos desempenhassem as funções de fiscais e os anciãos, de juízes". (FIELDS, 2010, p. 16). 

c) A Apella consistia na assembleia geral, na qual em teoria todo cidadão espartano que tivesse completado seus 30 anos, detinha o direito de participar e o direito ao voto. Na apella discutia-se os assuntos de ordem geral relacionados a questões de guerra e paz, e outras causas. Não sabemos como a apela realmente funcionava e como era a influência dos dois reis nesta. De acordo com Gustave Glotz (1980), a apella antes das mudanças políticas do século VII a.C, ela seria a principal assembleia do Estado, detendo uma autoridade superior a gerúsia e o eforato

"Em princípio, todos os espartanos com 30 anos de idade, inscritos nas tribos e seções de tribos (óbaí), formados pela educação pública e admitidos às refeições comuns, eram originalmente nove mil. Reuniam-se numa planície situada às margens do Eurotas, entre a ponte Babúka e o rio Knakiôn, e deliberavam ao ar livre, com os reis e os gérontes instalados em assentos especiais, os outros amontoados em bancos ou sentados no chão. Havia uma assembléia ordinária pelo menos uma vez por mês, por ocasião da lua cheia; as assembléias extraordinárias eram, porém, frequentes. Até a metade do século VIII, a Apellá exerceu extensos poderes. Tinha o direito de multa, ainda que não lhe assistisse o direito de iniciativa; declarava a guerra, fiscalizava as operações, concluía tratados de aliança e de paz, nomeava os gérontes e os magistrados, dirimia as questões de sucessão ao trono. Vota por aclamação e, em caso de dúvida, por discussão. A Apellá possuía por tanto "a soberania e a força"". (GLOTZ, 1980, p. 69). 

Prosseguindo na sua explanação Glotz (1980, p. 69) assinala que com as mudanças políticas, a Apella perdeu sua autoridade para a Gerúsia e ao Eforato, ao mesmo tempo que suas decisões se tornaram meramente consultivas, não sendo necessário que suas medidas fossem acatadas. Além disso, a Apela parece ter perdido seu direito de multa e de soberania. Tais mudanças reafirmam a opinião de Aristóteles que o governo espartano era um governo oligárquico, controlado pela nobreza. 

No caso dos reis, também se desconhecem até onde iam suas funções e autoridades. Finley (1990, p. 125) salienta que os monarcas deteriam principalmente uma função de comandante militar, ou seja, os reis lideravam os exércitos e no campo de batalha, eram os generais supremos. Porém, na esfera administrativa, suas funções eram limitadas pela gerúsia e o eforato. Não obstante, os reis também possuíam funções religiosas como presidir ritos, além de receberem honras públicas. 

Assim, até onde se sabe, o governo espartano era regido pelos reis, a gerúsia e o eforato. Os dois soberanos deteriam autoridade militar, enquanto a gerúsia e o eforato deteriam autoridade legislativa, executiva e judicial. Por fim, a apela seria a grande assembleia na qual os cidadãos participariam para aprovar ou reprovar as propostas em questão, embora tenha perdido sua importância e soberania com o tempo, o que reflete cada vez mais no governo oligárquico espartano.

O serviço militar: 

Após apresentar um pouco da mitologia espartana, e sua organização social e política, vamos adentrar o que tornou Esparta uma cidade peculiar na Grécia Antiga: sua cultura marcial. A guerra sempre fez parte da cultura grega no geral, não sendo à toa que eles possuíam duas principais divindades relacionadas a guerra, Ares e Atena. No entanto, embora a marcialidade fizesse parte da vida do grego antigo, não significava que eles vivessem o tempo todo guerreando, em alguns casos havia homens que passavam a vida sem ir ao campo de batalha, além do fato de que não havia um exército profissional e fixo nas cidades. Poderia haver um grupo de homens que serviam para o policiamento, mas um exército surgia em tempos de conflito, nos quais levavam as autoridades a convocarem a população masculina. Quando os conflitos eram resolvidos, os soldados voltavam para seus antigos afazeres.

Mas o que torna Esparta peculiar neste sentido, foi o fato do Estado criar um exército profissional e fixo, ou seja, independente se fossem tempos de paz, o exército espartano não era dissolvido. E adiante entenderemos a necessidade de se manter um exército regular, pois a própria manutenção do Estado espartano dependia de uma força militar contínua, já que em grande parte do controle do governo sobre os hilotas e periecos se dava através da imposição da força, da ameaça e do medo. Mas antes disso vejamos a relação entre o espartano e o exército.

a) O agogê:

Era comum em várias cidades gregas que os filhos da elite quando chegassem a idade entre 6 e 8 anos, eram designados a tutores (pedagogos), os quais seriam responsáveis por sua educação mental, física e ética. O menino passaria a ter aulas particulares ou iria para um ginásio ou academia para estudar. Nessas aulas o menino aprenderia a ler, a escrever, retórica, oratória, história, política, filosofia, geografia, matemática, etc., como também aprenderia a lutar, nadar, andar a cavalo, etc. No caso das meninas, as aulas de política, retórica, oratória, filosofia estavam restritas, e em alguns casos elas nem mesmo eram alfabetizadas. Por outro lado, as meninas poderiam aprender a cantar, dançar e tocar instrumentos musicais, algo que os homens também poderiam aprender.


Desenho representando um antigo ginásio grego. Os homens se exercitavam e treinavam nus. 

Porém, em Esparta a educação dada aos meninos era restritamente voltada para a formação física, negligenciando-se a formação intelectual. No máximo os meninos eram alfabetizados, e aprendiam política, oratória e um pouco de história, geografia e matemática. O que importava era eles se tornarem bons guerreiros. 

Logo após nascer, o bebê fosse do sexo masculino ou feminino era levado a uma junta do governo, designada para avaliar as condições físicas da criança; caso se nota-se alguma deficiência, a criança era executada, pois ao crescer tornaria-se um deficiente físico. Aqui percebemos uma medida eugênica tomada pelos espartanos, tanto válida para os meninos quanto as meninas, pois enquanto os homens tinham que nascerem saudáveis para se tornarem guerreiros fortes, as mulheres tinham que nascer saudáveis para poderem gerar filhos saudáveis (FUNARI, 2002, p. 20).

Nic Fields (2010, p. 28) aponta que alguns relatos da época (um tanto duvidosos), diziam que a criança ainda recém-nascida, neste caso, do sexo masculino, era banhada em vinho, pois supostamente adquiriam resistência. Além disso, antes de ingressar no treinamento militar, o menino mesmo pequeno já era sujeito a adversidades. 

O infanticídio na Grécia Antiga era algo comum, mas em Esparta ele tinha uma característica particular devido ao fato de ser controlado pelo Estado. Enquanto em outras cidades, vilas e povoações, o pai ou a mãe tomava a decisão de abortar a criança ou de abandoná-la para morrer, em Esparta, os pais não tinham essa autorização, eles eram obrigados a levar a criança a essa "junta médica". 

Além de tal característica, geralmente o infanticídio era resultado de questões pessoais e/ou econômicas: se uma mulher fosse estrupada, poderia abortar, ou caso o pai e a mãe decidissem que não iriam querer aquele filho por algum motivo, eles poderiam escolher o aborto ou o abandono. Em momento de crise financeira ou de fome, optava-se por matar o filho recém-nascido, a fim de evitar que viesse a faltar comida na casa. Além disso, alguns pais tomavam a decisão de matar o filho mais novo, a fim de evitar problemas de divisão da herança, caso já tivesse muitos filhos (GORTZ, 1980, p. 245).

De qualquer forma, tendo o homem sobrevivido a essa primeira etapa da vida, ele passava os próximos seis anos sendo cuidado por sua família, até que ao completar sete anos de idade (segundo Xenofonte seria aos 14 anos), os meninos eram retirados do lar e conduzidos ao quartel, ginásio, academia ou acampamento onde daria início aos treze anos de treinamento militar (ou seis anos de treinamento, segundo Xenofonte), o chamado agogê (treinamento). (FIELDS, 2010, p. 28).

Nessa etapa da vida eles perdiam bastante contato com a mãe e os demais parentes femininos, pois os parentes masculinos poderiam aparecer no quartel e outros locais onde eles treinavam e serviam, embora procurasse se evitar a visita de familiares. Ao ingressar no exército, a criança era conduzida a um grupo (agelai), no qual passaria quase toda a sua formação associado. Uma das características centrais do treinamento militar era o trabalho em equipe e o companheirismo, algo que voltaremos a comentar adiante. 

Por outro lado, Finley (1990) chama a atenção que é nessa fase que o homem espartano passava a ser tutelado pelo Estado, o qual iria bancar toda a sua educação até a maioridade militar, que se completava aos 20 anos. Se em outras cidades o pedagogo (tutor) era alguém pago para ensinar os filhos da elite, pois as classes mais baixas em geral não tinham dinheiro para contratar um pedagogo, em Esparta todos os tutores e professores eram pagos pelo Estado. Isso é um dado interessante, embora que infelizmente as fontes pouco nos fornecem informações de como era a educação espartana para a guerra. 

No entanto, embora não dispusemos de detalhes sobre essa formação, sabemos por alguns autores antigos como Plutarco e Xenofonte que o treinamento era bastante rígido, ao ponto que qualquer erro, falha, desobediência e indisciplina serem punidos com agressão, normalmente chicotadas (FUNARI, 2002, p. 20). Além disso, os garotos eram sentenciados a cenários extremos como ter que caçar na floresta; ter que marchar sob calor, chuva e frio, fazendo isso descalço e em alguns casos até mesmo sem roupa; as vezes tinham que dormir ao relento à noite; nadar nas águas frias do Eurotas; passar o ano usando apenas uma única túnica, tendo que remendá-la várias vezes; andar descalço constantemente; ter que se contentar com uma ração frugal e de gosto ruim, e caso sentisse fome, ele poderia roubar comida, desde que não fosse pego. Durante as lutas eles apanhavam bastante, já para ir aprendendo a suportar a dor (SEKUNDA, 1999, p. 11-12). 


Cena do filme 300 (2007). Nessa cena vemos um garoto sendo espancado com um bastão, algo que fazia parte do treinamento. 

Xenofonte em seu livro Descrição da Grécia (liv. 3. cap. 10-16), diz que no templo de Ártemis Ortígia, havia um pátio chamado Limnaeum, onde antigamente se oferecia sacrifícios a deusa. Porém, durante o governo de Licurgo, por volta do século VIII a.C, ele mudou as leis a respeito do sacrifício humano, dizendo que ao invés de se matar alguém, deveria-se açoitar ali os adolescentes para que aprendessem a suportar a dor. O sangue que escorreria de suas costas, seria o suficiente para contentar a deusa. 

Os garotos eram instruídos a terem uma obediência quase cega aos seus superiores, e serem bastante disciplinados. Hesitação, remorso e covardia eram considerados fraquezas e eram punidos. Os garotos deveriam evitar desavenças e brigas entre si, no entanto, em alguns casos os pedagogos não apartavam a briga, e incentivavam os agressores irem até o fim. Era também cobrado que os garotos só falassem com seus superiores quando lhe fosse autorizado, ao contrário eles permaneciam em silêncio. Funari (2002, p. 20) diz que foi daí que surgiu a expressão "fala lacônica", ou seja, falar brevemente. 

Durante a adolescência eles recebiam mais obrigações, assim como, o treinamento militar variava e se intensificava. Mas além de receberem treinamento militar, os garotos também aprendiam música, dança e poesia, pois diferente do que Tucídides disse que em Esparta não haveria filosofia e artes, pois os espartanos seriam demasiadamente "brutos" para isso (FINLEY, 1990, p. 120), na verdade hoje se sabe que não era bem assim. Os espartanos realizavam seus festejos com música, dança e poesia, possuíam seus poetas como Tirteu e Alcman, além do fato de que na cidade havia um teatro. É importante lembrar que a arte fazia parte da educação grega antiga, como também estavam bastante associada a vida social, principalmente das elites (SEKUNDA, 1999, p. 11). Além disso, no exército espartano usava tambores e flautas, como também ocorriam desfiles militares. 

Por outro lado, nessa fase, aqueles que se mostrassem mais bravos, fortes, rápidos e hábeis no combate eram designados para serem os "líderes" de grupos. Neste caso, o ensino marcial espartano incentiva-se bastante a concorrência e a disputa. Você tinha que procurar sempre ser o melhor. 


Desenho retratando um momento do treinamento espartano. A competição era bastante incentivada a fim de procurar valorizar as aptidões físicas, no entanto, também se valorizava o companheirismo. 

Ainda na adolescência os garotos passavam a terem tutores particulares, ou a estarem subordinados a tutores específicos para seu grupo. É nessa fase que começava também a questão sexual. Na Grécia Antiga o homossexualismo era algo comum, ao ponto de que não havia diferenciação entre homossexualidade e heterossexualidade, pois para os gregos o amor era algo que independia do gênero, o amor e a atração sexual eram algo divino, ou seja, eles eram causados pela vontade dos deuses (FUNARI, 2002, p. 35-36). 

Todavia, existiam certas condutas de comportamento social: homens afeminados e mulheres masculinizadas eram mal vistos socialmente; homens e mulheres trasvestidos, também eram mal vistos; a pederastia que era uma relação amorosa entre professor e aluno, era tolerada quando se tratasse de um homem maior de idade com um efebo (adolescente). Caso essa relação se mantivesse entre homens ou mulheres já maiores de idade, não seria pederastia. Além disso, beijar, andar de mãos dadas e trocar carícias publicamente, também não era bem visto. Por fim, indivíduos libertinos também eram mal vistos socialmente (FUNARI, 2002, p. 36). 

A pederastia foi comum em várias cidades gregas e no caso de Esparta isso não foi diferente. No entanto, é preciso ressaltar que a pederastia não era uma obrigação, isso dependia da escolha de ambas as partes entre aluno e professor, e em alguns casos, a relação permanecia apenas de forma idílica ou o chamado "amor platônico", mas em outros casos poderia partir para a relação sexual efetivamente. Por outro lado, aqueles que não queriam se relacionar com homens, acabavam indo procurar prostitutas e escravas. 

Sekunda (1999, p. 12) aponta que grande parte dos homens espartanos seriam bissexuais, pois devido a essa valorização ao companheirismo e a constante convivência nos quartéis, levava a ter um maior número de bissexuais. Ele menciona que o rei Agesilaos era conhecido por sua bissexualidade (embora esse conceito não existisse na época), o rei era casado, mas mantinha rapazes como amantes. 

Já no final do agogê, os jovens que melhor se destacassem o treinamento poderiam ingressar em grupos de elite chamados de hippeis, os quais recebiam missões especiais: como compor a guarda real e executar tarefas para o Estado, como o caso do Cripteia (Kripteía), o qual consistia numa missão designada pelos éforos, cujo intuito era espionar, localizar e assassinar o alvo designado. Neste caso os alvos eram hilotas. Alguns historiadores sugerem que se tratava-se de um rito de passagem, o qual marcava a saída da infância e a entrada na vida adulta. Mas além de ter sido um possível rito de passagem, o Cripteia também era uma forma legal pelo qual os éforos encontravam justificativa para se livrar de determinados homens, considerados "inimigos" potenciais ao Estado (FINLEY, 1990, p. 125). 

É importante lembrar que os hilotas nunca foram totalmente submissos com a escravidão imposta por Esparta, ora ou outra ocorria alguma pequena revolta, logo, para evitar que essas revoltas se tornassem recorrentes ou ganhassem grandes proporções, o governo espartano procurava eliminar as possíveis ameaças. E para isso eles aplicavam a Cripteia, a qual ocorria anualmente. Aqui se percebe a necessidade de Esparta possuir um exército forte para controlar suas terras, pois como dito, os espartanos governavam os hilotas com o uso da ameaça e da força. 

b) a fase adulta: 

Sabemos que os meninos ingressavam no serviço militar obrigatório por volta dos 7 anos, e permaneciam como recrutas até completarem 20 anos. Quando atingissem a maioridade militar, poderiam ser designados para os batalhões, tropas, guarnições, etc., passando a exercer pleno serviço militar e inclusive a dispor de direito de ser convocado para a guerra. O serviço militar era obrigatório para todo espartano e ia dos 7 aos 59 anos. No entanto, havia exceções: os reis necessariamente não precisavam ir sempre para guerra, e isso incluía também os demais membros da realeza e da nobreza.

Durante o agogê os garotos conviviam com garotos da sua faixa etária, isso era um sistema adotado pelo ensino espartano, o que lembra a educação seriada de hoje em dia. Isso evitava que as crianças e os adolescentes se misturassem com alunos mais novos ou velhos, evitando problemas entre eles. Além disso, assegurar que um grupo da mesma faixa etária convivesse diariamente era uma forma de fortalecer os laços de amizade e lealdade. Aquele grupo iria crescer junto e chegando a fase adulta, eles seriam amigos de longa data.

Isso também contribuía para a noção de companheirismo e unidade, bastante valorizada pelos espartanos. Um dos segredos da sua disciplina e êxito nas batalhas, dizia respeito a sua noção de companheirismo. Aqueles soldados não eram estranhos que foram reunidos para aquela batalha, mas eram amigos ou colegas que passaram por todo o treinamento árduo juntos, e conviveram todas as dificuldades do agogê ao longo de 13 anos. Seu grupo, seu pelotão, seu batalhão era visto como sendo sua família. 

Assim na maioridade eles se vem como irmãos, como uma família, pois a própria família do esparciata era excluída da sua vida. Isso também consistia em parte na doutrinação espartana para inculcar no soldado que seu dever estava com o Estado e seu batalhão, mas não com sua família. A vida do homem era pautada para servir o Estado na guerra e na política. 


Um espartano era educado ao longo do agogê, para desenvolver fortes laços de companheirismo e lealdade ao seu grupo. 

No entanto, completando vinte anos, eles eram designados para servir em outros lugares, pois é preciso lembrar que grande parte do serviço militar não era lutando em guerras, pois as guerras eram sazonais na Grécia, ou seja, só ocorriam durante a primavera e verão; além do fato de haver tréguas. Assim, os soldados para não permanecerem ociosos eram destacados para compor guardas de patrulha na capital e em outras cidades; eram despachados para postos, bases e acampamentos pelos domínios espartanos; eram incumbidos de fiscalizar o trabalho dos hilotas; realizar segurança das propriedades públicas, executar tarefas designadas pelos oficiais ou pelos magistrados, etc. 

Também nessa fase de alcançada a maioridade militar, os esparciatas poderiam participar do syssitia, um rito no qual o indivíduo fornecia alimentos para um banquete que de acordo com Plutarco era chamado de fidicia. Isso marcava a entrada do homem na vida social. O rito da syssitia era praticado em algumas outras cidades como Creta e Mégara, mas no caso de Esparta estava relacionado ao exército, uma espécie de banquete militar. Ao participar da syssitia o homem finalmente deixava de ser um efebo (adolescente) para ser reconhecido como um adulto, e agora poderia conviver socialmente com outros homens e mulheres, pois até então sua vida era reclusa ao seu grupo ou batalhão durante o agogê


Pintura retratando um banquete grego. Em Esparta, o syssitia consistia num rito de passagem, onde os adolescentes ingressavam na vida social adulta, ao fornecer alimentos para os banquetes. 

Plutarco em sua Vida de Licurgo (cap. XII) disse o seguinte sobre o fidicia e a syssitia: O banquete ocorria a cada quinze dias, e os escolhidos para presidir a syssitia teriam que fornecer pão, vinho, queijo, figos e carne. Sacrifícios de animais também eram feitos e sua carne era servida no banquete. Jovens também eram convidados para participar do banquete para servir, cantar e dançar, o que incluía homens e mulheres. Em alguns casos, a participação de mulheres era restrita, logo, apenas os homens participavam de tais banquetes. 

Dos 20 ao 30 anos o esparciata passava a dispor de seus direitos civis, mas não plenamente. Neste caso, as obrigações eram muitas, principalmente em tempos de guerra, pois eles compunham as frentes de batalha. Dos 30 aos 59 anos, o esparciata passava a gozar plenamente de seus direitos civis, podendo votar, participar da Apella, e inclusive exercer cargos de magistratura, como também serem designados oficiais, assumindo patentes mais altas no exército, como também poderiam ser designados para cuidarem do treinamento no agogê

Era também a partir dos 30 anos que o esparciata poderia receber um terreno (kleros), onde viveria com sua família e manteria sua casa e escravos. Embora não se saiba se o kleros fosse dado a todo esparciata ou havia alguma prerrogativa para isso (FIELDS, 2010, p. 30). Além de receber um terreno, o esparciata era obrigado a se casar e constituir família. Isso é um ponto importante da sociedade espartana e do dever do homem e da mulher. 

Glotz (1980, p. 245) menciona que houve momentos na Grécia Antiga que os homens não tinham interesse em se casar e nem ter filhos, preferiam levar uma vida de solteiro. Mas no caso de Esparta essa vida de solteiro seria um problema para uma sociedade reclusa, conservadora e pouco numerosa. Como os espartanos eram proibidos de se casarem com escravos e com estrangeiros, isso diminuía ainda mais a população, forçando a terem que adotar um sistema de reprodução interno. Logo tanto os homens quanto as mulheres eram obrigados a se casar. 

Os homens eram obrigados a se casar a partir dos 30 anos, já as mulheres era a partir dos 20 anos. O intuito do casamento não era o amor e o romantismo, ou a vida familiar, mas sim a procriação. Pois lembrando, a maior parte da vida de muitos espartanos era servindo o exército, e eles pouco permaneciam em casa mesmo tendo completado o agogê. Por sua vez, a mulher era incumbida pelo Estado com os deveres de educar os filhos até os sete anos, depois o Estado cuidaria do restante da educação deles; mas no caso das filhas, cabia a mãe educá-las até elas se casarem. Além disso, cabia a mulher cuidar e administrar a casa, pois em geral o marido estava ausente devido ao serviço militar. Mas além dessas obrigações com as filhas e o lar, toda mulher espartana deveria gerar filhos para aumentar a população da cidade. 

Organização do exército: 

Até aqui vimos aspectos do serviço militar desde o treinamento até a vida como cidadão, agora vejamos um pouco como era estruturado o exército espartano, cuja base estava na infantaria. Devido as poucas fontes que dispomos sobre Esparta não sabemos detalhes da sua estrutura militar, mas assim como nas demais cidades gregas o exército era pautado basicamente na infantaria composta pelos hoplitas: soldados armados com grandes escudos, trajando armadura e capacetes; usando como armas uma lança e uma espada curta. 


O uso da infantaria pesada dos hoplitas começou entre os séculos VIII a.C e VII a.C, se popularizando nos séculos seguintes ao ponto de que no século IV a.C, os hoplitas ainda eram a principal formação de batalha dos gregos, inclusive Alexandre, o Grande adotou o modelo grego para formar suas famosas falanges macedônicas, embora que tenha diminuído a quantidade de escudos e aumentado o tamanho das lanças. 

Mas voltando ao soldado espartano, esse vestia como um típico grego, provavelmente os dois principais diferenciais fossem o fato de a maioria andar descalço e usarem capas vermelhas. No caso do hoplita seu vestuário era o seguinte:

"A panóplia hoplita constava de um escudo grande e redondo, de forma côncava (aspis), com aproximadamente um metro de diâmetro, um capacete de bronze, uma couraça de bronze ou de linho rígido e caneleiras de bronze. A armadura chegava a pesar mais de 30 kg; o aspis, com aproximadamente 7 kg, era o elemento mais pesado. Tratava-se de um escudo de madeira forrado com uma camada muito fina de bronze e o interior forrado de couro de linho. A estrutura do escudo, de uma maneira geral, era construída com madeiras flexíveis como o salgueiro ou o choupo. Devido ao seu enorme peso, os soldados seguravam no escudo com duas pegas: uma bracelete (porpax), no centro, por onde passavam o antebraço, e a pega (antilabe), fixa perto da borda". (FIELDS, 2010, p. 22). 

"O corselete, que podia ser de bronze ou de linho, cobria totalmente o tronco do hoplita. Os deste último tipo eram fabricados com numerosas camadas de linho coladas com resina, formando-se deste modo uma pela rígida com meio centímetro de espessura. Abaixo da cintura era cortado em faixas (pteruges) para facilitar os movimentos, e colocava-se uma segunda camada de pteruges atrás da primeira, cobrindo os espaços que ficavam abertos e formando uma espécie de sia que protegia as virilhas". (FIELDS, 2010, p. 23). 

"Finalmente, as canelas do hoplita estavam protegidas por umas caneleiras de bronze (knemides), às quais se dava a forma dos músculos da perna para que se ajustassem perfeitamente a ela. Desse modo, o hoplita estava perfeitamente protegido da cabeça aos pés". (FIELDS, 2010, p. 24). 

Os hoplitas poderiam lutar descalços, ou usando sandálias e até um tipo de bota, em épocas mais frias. Mas no caso dos espartanos devido ao rigor do seu treinamento, não era incomum que lutassem descalços. Não obstante, o fato deles usarem armadura, elmo, escudos e espadas de bronze, lhe renderam a fama de serem chamados de "guerreiros de bronze". 

Hoplitas espartanos em marcha. Nota-se as icônicas capas vermelhas e o símbolo da letra grega lambda nos escudos. A lambda que equivale a letra romana "L", era o símbolo de Esparta, por estar associada a Lacedemônio, o rei mitológico, fundador da cidade. 

Vimos a respeito do vestuário, agora vejamos sobre o armamento. A lança usada pelos espartanos variava de 2 m a 2,5 m, sendo que sua ponta era feita de ferro ou de bronze. A lança também possuía um contra-peso na outra ponta, feito de bronze (pois não oxidava em contanto com a terra), o qual poderia inclusive ser afiado, pois permitia fixar a lança no chão. Tal ponta era chamada de sauroter ("assassina de lagartos"), e poderia ser usada para o ataque também. Eles também faziam uso de uma lança menor e mais leve, a qual era usada para arremesso. A espada era curta e com fio nos dois lados, possuindo cerca de 60 cm. Era feita de bronze ou de ferro, e usada apenas com uma mão, diferente de espadas mais longas para uso com as duas mãos. O fato de ser uma espada curta e leve permitia ser usada em combinação com o escudo. (FIELDS, 2010, p. 24). 

O escudo embora fosse um equipamento de defesa, também poderia ser usado para o ataque principalmente no confronto entre duas falanges, onde se poderia golpear o adversário com o escudo. E até mesmo matá-lo esmagando sua cabeça. A frente do escudo poderia receber alguma pintura, a qual poderia ser a letra Lambda ou qualquer outro símbolo pelo qual o seu dono estivesse associado. Muitos dos soldados eram destros, logo eles exercitavam mais o braço esquerdo para ter força a fim de erguer o pesado escudo. 

Tais apetrechos de vestuário e de armamento compunham o hoplita de qualquer cidade grega, já que era um modelo padrão de infantaria pesada. A infantaria leve também usava lança e espada, mas os escudos eram menores, as vezes não se usava escudo, e não se usava uma couraça de bronze, apenas uma túnica reforçada de linho. No entanto, como foi dito embora a infantaria hoplita fosse a principal formação de guerra dos gregos do século VII a.C ao século III a.C, não significava que não houvesse cavaleiros ou arqueiros em seus exércitos. 

Em regiões como a Lacedemônia, Messênia e a Tessália onde havia campos, o uso de cavalos era mais comum e facilitado em detrimento do restante do território montanhoso. Logo nestas regiões, especialmente a Lacedemônia e a Messênia que eram controladas pelos espartanos, eles faziam uso de cavalaria. Embora se desconheça quantos cavaleiros costumavam destacar para as batalhas. Mas excetuando-se esse caso, os cavalos eram usados no exército grego basicamente para o transporte de carga e para a locomoção de oficiais e de mensageiros. Sekunda (1999, p. 45-46) assinala que os espartanos não fizeram um uso recorrente da cavalaria, pois mesmo habitando uma região mais plana, cavalos eram caros, e poucos eram os soldados que sabiam cavalgar, além disso, os exércitos gregos em geral nunca foram de usar muito a cavalaria.


A cavalaria praticamente não existia em Esparta, raramente se fez uso de cavaleiros.

No caso dos arqueiros, de início Esparta fez uso deles, mas a medida que formalizou-se a formação dos hoplitas, os arqueiros foram postos de lado. Inclusive os autores antigos dizem que os espartanos desprezavam os arqueiros, os considerando covardes, pois guerreiros de verdade deveria lutar corpo a corpo, cara a cara. Sekunda (1999, p. 48) assinala que houve algumas batalhas travadas no século V a.C, as quais os espartanos fizeram uso de mercenários arqueiros, contratados de Creta. 

No caso de Esparta, de acordo com o poeta espartano Tirteu, o qual escreveu sobre algumas batalhas, ele conta que durante a Segunda Guerra Messênica (685-688 a.C) a qual resultou na conquista efetiva da região da Messênia; o exército espartano era dividido em três "tribos" chamadas Pamphyloi, Hylleis e Dymanes. De acordo com Sekunda (1999, p. 13) essas "tribos" deveriam ser uma espécie de regimento o qual era subdividido nas phratra (fraternidade), o que seriam algo como batalhões. E em Esparta haveria 27 phratra, pelo menos na época que o poeta Tirteu escreveu.

Adiante, no século seguinte outro poeta chamado Alkman, o qual também cantou as vitórias de seu país, conta que a organização do exército havia mudado. As três tribos eram subdivididas em cinco obai ou lochoi (algo como companhias), as quais teriam entre 30 a 60 homens cada uma, perfazendo um total de cerca de 4.500 soldados. De acordo com Heródoto (2006, p. 681/liv. 9-10) diz que para a Batalha de Plateia (480 a.C) os espartanos enviaram 5 mil soldados. Nota-se uma aproximação nos dados fornecidos por Alkman e Heródoto, além de lembrar que a população espartana nunca foi grande, logo, cinco mil homens deveria ser um valor muito alto se tratando do número de habitantes de Esparta.

Nos séculos seguintes a organização foi modificando, mas o básico da divisão em tribos e lochoi ainda se mantinha, o que se mudou foi a quantidade destes e o número de soldados por batalhão. Todavia passemos para comentar brevemente sobre como as batalhas eram travadas. 

Devido ao terreno montanhoso da Grécia, a cavalaria grega nunca foi um ponte forte, inclusive era pouco utilizada, pois os cavalos possuem dificuldade para percorrer terrenos irregulares e montanhosos, logo, optou-se pela infantaria a pé. No caso dos arqueiros de início eles foram bastante usados e ainda eram usados, mas o foco das batalhas dava-se entre os confrontos de hoplitas. Daí eles portarem grandes escudos para se protegerem das lanças e flechas inimigas. Mas além dessa função os escudos também serviam para criar barreiras, pois a estratégia habitual era a formação de falange, e as formações compactas, daí os batalhões possuírem entre 30 a 60 homens, pois garantiria mobilidade da tropa. 

Desenho representando a formação de falange dos hoplitas. 

As lutas era basicamente travadas com o uso das lanças, algo que difere de alguns filmes, desenhos e quadrinhos nos quais mostram várias lutas com espadas. O guerreiros grego daquele tempo preferia usar a lança em vez da espada, daí quando a formação era rompida, e caso a lança tivesse quebrado, o soldado passava a usar a sua espada. (FIELDS, 2010, p. 24-25). Na Ilíada, Homero narra que a luta entre Aquiles e Heitor foi travada com lança e escudo. 

"Os gregos desenvolveram aquilo a que Hanson chamou a "forma ocidental da guerra", uma colisão cabeça com cabeça de soldados numa planície aberta, numa magnífica revelação de coragem, compleição física, honra e jogo justo. Consequentemente, sentiam repugnância pelas emboscadas, pelas esparrelas, pelos ataques enganosos e pela participação de não combatentes. Para os helenos também não era uma honra lutar à distância, e não se tinham em grande estima os arqueiros nem os lançadores de dardo que atiravam as suas armas de uma grande distância, dado que podiam matar com pouco risco para sua própria integridade. Só aqueles que se confrontavam com lança e escudo, desafiando a morte e que desdenhavam a retirada, eram considerados honráveis". (FIELDS, 2010, p. 27).  

Porém é preciso ressalvar que os espartanos presavam bastante pela organização e a disciplina, logo, um dos motivos que os tornavam guerreiros superiores aos demais guerreiros gregos devia-se não apenas ao rígido treinamento que recebiam, mas a intensa disciplina e harmonia que possuíam em movimentar e compor as formações de batalha. No entanto isso não era garantia de vitória, ainda assim foi um bom diferencial, pois durante as Guerras Médicas ou Guerras Greco-Persas (481-479 a.C), Esparta foi designada para ser o Estado comandante dos exércitos da Hélade (nome pelo qual os gregos chamavam a Grécia). 


Desenho retratando uma batalha entre gregos e persas. 

Religião: 

Diferente do que se pensa, em Esparta não se cultuava apenas Ares e Zeus, mas se cultuavam vários outros deuses e deusas, dos quais alguns serão vistos aqui, embora devido ao isolamento social dos espartanos, pouco se conhece de suas práticas religiosas e ritos. Sabe-se que alguns eram comuns a todos os gregos, mas cada cidade possuía seus ritos particulares. 


Ares o deus da guerra, padroeiro de Esparta. 

Como mencionado anteriormente, o rito de açoitamento (diamastigosis) dos efebos (adolescentes) ocorria no Limnaeum, o qual ficava situado no templo de Ártemis Ortígia, o qual era um dos maiores templos da cidade, algo curioso, pois Ares era o padroeiro de Esparta, porém sua meia-irmã Ártemis, a deusa da caça e uma das deusas da Lua, a qual também estava associada a natureza, possuía um templo maior do que o dele. 

O motivo para isso ainda não é claro, mas acredita-se que o culto a Ártemis fosse bem mais antigo do que o de Ares em Esparta, e apenas depois quando os espartanos se tornaram uma sociedade marcial propriamente, foi que Ares tornou-se padroeiro da cidade-estado. Além disso o culto de Ártemis em Esparta possuía a particularidade de que parece ter havido sacrifícios humanos, os quais segundo os autores antigos como Xenofonte e Plutarco, Licurgo os substituiu pelo diamastigosis. Mas o que difere o culto espartano a Ártemis Ortígia é esse lado sangrento, que normalmente não era visto em outras cidades que também cultuavam a deusa. 


Desenho representando como teria sido o visual do templo de Ártemis Ortígia em Esparta. 

Depois de Ártemis, a deusa mais cultuada em Esparta era Atena, a deusa da guerra e da sabedoria. Por mais que Atena fosse a deusa padroeira de Atenas, isso não significava que os espartanos não prestassem culto a ela. No caso de Atena não há muito o que se falar, pois tratando-se de uma deusa da guerra, os espartanos lhe prestariam culto pedindo proteção, força e coragem. Além disso, diferente de Ares seu irmão, Atena era mais conhecida por ser solidária aos heróis e aos guerreiros, pois enquanto Ares representava a "guerra violenta", Atena personificava a "guerra astuta"(MÉNARD, 1991, p. 237-238). Ares seria a "força bruta" e Atena a "estratégia", e mesmo os espartanos reconheciam que nem sempre a força bruta era eficaz.  

Estátua da deusa Atena.

Xenofonte nos capítulos 11 e 13 da sua Constituição dos Lacedemônios, dizia que antes de partir para uma guerra os soldados eram convocados para participarem de sacríficos que seriam prestados a Zeus Agetor (Zeus, o Líder) e para Atena. Na ocasião de tais sacríficos os reis presidiam ao lado dos sacerdotes os ritos. Animais como bois, cabras e ovelhas eram mortos na ocasião e sua carne era jogada ao fogo, pois era costume dos gregos que a fumaça gerada da queima da carne serviria de oferenda aos deuses (SEKUNDA, 1999, p. 17). Tal rito a Zeus e Atena era realizado para se pedir proteção e vitória na batalha. 

Além das deusas Ártemis e Atena, a deusa Hera também era cultuada devido a sua associação ao casamento e a maternidade, pois um dos atributos de Hera, consistia em auxiliar as mulheres durante a gravidez e o parto (MÉNARD, 1980, p. 88). Logo, lembrando que um dos deveres e propósitos das espartanas era gerar filhos, nada melhor do que orar para uma deusa que zelava pelas grávidas. Mas além dessas três deusas, outras deusas como Afrodite e a Cárites também eram cultuadas pelos espartanos. 

Afrodite devido ao amor, e as Cárites por estarem associadas as graças benfazejas, pois acreditava-se que prestar oferendas as Cárites antes de ir a batalha, isso poderia conceder sorte ao guerreiro, embora que as Cárites não estivessem associadas a guerra, mas a ideia era que elas pudessem conceder alguma graça aos guerreiros, como no caso a vitória e não morrer em combate. Sabe-se também que em alguns casos, os espartanos antes de iniciar uma batalha, sacrificavam um carneiro, pedindo sorte e vitória naquele conflito.

No que diz respeito aos deuses, Ares e Zeus estavam entre os deuses cultuados, além deles também cultuava-se Apolo, devido a sua ligação ao Sol como também estava associado as artes, e de acordo com Brandão (1986, p. 71), Apolo Peã era um epíteto o qual associava o deus-sol aos guerreiros, algo que posteriormente se perdeu. Dionísio por sua associação aos banquetes e festas não era muito apreciado pelos espartanos, pois era visto como um deus "fanfarrão" e indisciplinado. Os espartanos não eram afeitos a banquetes e bebedeiras como em outras cidades, pois preservam a disciplina. É importante assinalar que deuses como Afrodite, Atena, Ares, Zeus, Hera, Apolo e Ártemis  eram bastantes cultuados em toda a Grécia, logo, não seria de se estranhar que não fossem cultuados em Esparta. 

Mas além do culto a tais deuses, o culto aos heróis foi algo bastante forte em várias cidades gregas, e no caso de Esparta isso não foi diferente. Os irmãos gêmeos Cástor e Pólux eram adorados; Menelau e Agamênmon, heróis da Guerra de Troia, também eram adorados; Héracles por ser o mais famoso dos heróis gregos, recebia honras em toda a Grécia, e no caso de Esparta isso também ocorria. Aquiles embora não fosse espartano, mas era adorado e visto como um ideal de guerreiro. Além disso, reis espartanos também se tornavam heróis e recebiam honras e festejos, daí Heródoto ter criticado isso, comparando tais festejos a "idolatria" que os "bárbaros" faziam. 


Os irmãos gêmeos mitológicos, Cástor e Pólux estavam entre os principais heróis cultuados em Esparta. Embora não tenham realizado grandes façanhas como Héracles, Aquiles, Perseu, Odisseu, Teseu e Jasão, mas o fato de serem heróis nascidos em Esparta, já garantiam um ideia de nacionalismo. 

Neste ponto é importante dizer que os gregos antigos eram temerosos quanto ao destino. Os deuses eram responsáveis pela vida dos homens, logo cabia a eles também por um fim nesta. Mas no caso dos espartanos e dos demais guerreiros gregos eles não lutavam almejando uma recompensa na outra vida, pois essa não existia propriamente falando. Os Campos Elísios os quais seriam uma "espécie de Paraíso", não era para todos e nem mesmo os heróis conseguiam ir para lá, pelo menos de acordo com algumas fontes como por exemplo, na Odisseia, quando Odisseu desce ao Hades ele encontra Aquiles e outros heróis da Guerra de Troia, mas eles não estavam vivendo nos Elísios. 

Se na cultura viking, o guerreiro viking almejava morrer com glória para ir a Valhala, na Grécia Antiga tanto faz se você morresse com glória ou não, sua alma iria para Érebo, os campos sombrios do Hades, pois se você fosse bom ou ruim, seu destino era o Érebo. Já aqueles que foram grandes criminosos e afrontaram os deuses, iriam ao Tártaro; e os verdadeiros puros de coração, iriam aos Campos Elísios. Todavia os mitólogos debatem se o Érebo não seria algo parecido com o "Purgatório", no qual a alma após ser purgada de suas falhas e crimes poderia passar aos Elísios, para depois reencarnar (BRANDÃO, 1986, p. 319-320).  

Sendo assim, para um espartano a recompensa na outra vida não interessava, pois era incerta. Porém o que interessava era o seu patriotismo, nacionalismo, lealdade e fidelidade, os quais concederiam glória ao seu nome e a sua família. Viver e morrer pelo Estado era algo que todo espartano crescia aprendendo, embora não se possa dizer que todos pensassem dessa forma ou aceitavam essa servidão. Porém, sabe-se que os heróis de guerra recebiam honrarias e eram "imortalizados" na história da cidade. A recompensa estava na fama, em se deixar um nome para posteridade. 

Considerações finais: 

Assim nota-se que Esparta começou a se tornar uma sociedade marcial após o século VIII a.C, período no qual o governo havia passado pelos mudanças propostas pelo legislador Licurgo, figura que hoje se questiona se teria existido. Por outro lado, a militarização espartana não deve ser confundida como a militarização como por exemplo, de Roma. Enquanto o Império Romano foi um Estado expansionista, Esparta não teve esse caráter. A única colônia espartana conhecida foi a colônia de Taras (atual Tarento na Itália), fundada por volta de 700 a.C (FINLEY, 1990, p. 122), embora haja dúvidas se tal cidade realmente foi uma colônia espartana, pois Esparta nunca foi de enviar expedições para fora da Grécia. 

Mas se por um lado Esparta não foi um Estado imperialista e expansionista como Roma, Esparta foi uma nação mais marcial do que a dos romanos; inclusive a mais belicosa de toda a Grécia, não no ato de travar mais batalhas, mas de ter constituído toda uma cultura marcial fundamentada no serviço militar obrigatório, no valor as armas, a força, a coragem; no respeito, lealdade, fidelidade, compromisso, honra e patriotismo. Por mais que as cidades-estados gregas fossem conhecidas pelo ideal de patriotismo, este personificado pela poléis, a qual era sinônimo de civismo e civilidade, Esparta fez isso com base no exército, o qual se tornou o primeiro a ser profissional e regular. Algo que os romanos fariam séculos depois quando criariam suas legiões. 

Enquanto Atenas desenvolveu uma democracia, Esparta manteve viva a tradição oligárquica grega, e inclusive uma estranha monarquia dual, ainda hoje pouco compreendida. De qualquer forma, o pouco que se compreende da política espartana, é evidente que por mais que na legislação todos os homens fossem iguais (homoioi) em direitos, mas o privilégio das elites se mantinha, assim como, o conselho da Gerúsia e o magistério dos Éforos eram regidos por uma aristocracia. Mas isso não seria incomum, já que Esparta era uma monarquia.

Por outro lado, também vimos que a vida do esparciata era bastante rígida e voltada para uma vida pública. O homem vivia para servir o Estado de forma direta, convivendo com outros homens fosse no exército ou na política. O ideal de vida era ter uma boa carreira nas armas e depois se fosse o caso na política, mas acima de tudo era fazer seu nome; ter fama e glória, para deixar isso de lembrança. Por sua vez, desprezavam-se as atividades rurais e comerciais, e outras formas de serviço relacionados com a manufatura e o trabalho manual. Neste caso a sobrevivência econômica do Estado era pautada no trabalho dos hilotas e depois nos periecos. 

Mas enquanto o homem pouco usufruía de uma vida familiar e caseira, a mulher espartana estava praticamente limitada ao lar, tendo como obrigações gerar filhos, cuidar destes e cuidar da casa. Por mais que algumas mulheres possuíssem escravas e escravos para realizarem os afazeres domésticos, as mulheres em geral não participavam da vida pública. Inclusive existe dúvidas se as mulheres espartanas serviriam o exército, pois sabe-se que elas praticavam exercícios, mas isso era para terem um corpo belo e saudável, não necessariamente significava que iriam para o campo de batalha. 

Por fim, Esparta imperou por vários séculos como uma potência grega ao ponto de derrotar seus principais rivais os atenienses na longa Guerra do Peloponeso 431-404 a.C, o que marcou seu último suspiro de glória, pois no século seguinte o rei Filipe II da Macedônia invadiu a Grécia e começou a conquistá-la. Seu filho Alexandre, o Grande concluiu a conquista, tornando Esparta vassala de seu império. Com a morte de Alexandre em 323 a.C, Esparta pôde recuperar sua autonomia, porém seu apogeu já havia ficado no passado. Nas décadas seguintes os espartanos manteriam certa autoridade e domínio em seus antigos territórios até serem no século II a.C assimilados pelos romanos, tornando-se parte da República Romana. No começo da Idade Média, a cidade já decadente foi abandonada. 

NOTA: Pausânias em seu livro Descrição da Grécia, livro 3.1-13, narra a história de vários reis de Esparta, desde Lelex, o bisavô da rainha Esparta. Todavia, muitos dos reis que ele menciona são lendários, embora que em determinado momento ele comece a se referir a reis reais. 
NOTA 2: Em 1834, foi fundada a atual cidade de Esparta (Sparti em grego). A nova cidade foi erguida ao lado das ruínas da antiga cidade. 
NOTA 3: Na prestigiada franquia de jogos God of War, o protagonista é um espartano chamado Kratos
NOTA 4: Na famosa franquia de jogos de ação Halo, existe o Spartan Program cuja função era criar supersoldados. Inclusive seus membros como o Master Chief é referido como Spartan. 
NOTA 5: A graphic novel 300 (1998) escrita pelo famoso quadrinista Frank Miller, tornou-se filme em 2007, tornando-se bastante popular tanto nos quadrinhos quanto no cinema, por retratar, embora de forma fantasiosa, os espartanos durante a épica Batalha das Termópilas (480 a.C). 
NOTA 6: Na série de videogames Devil May Cry (2001-2008/2013), o protagonista Dante é um meio-demônio filho de uma humana com o demônio Sparda. Percebe-se que o nome do demônio Sparda aproxima-se bastante do nome Esparta. 
NOTA 7: No filme O Demolidor (Demolition Man) de 1993, estrelando no papel principal Sylvester Stallone, cujo personagem é um policial chamado John Spartan.

Referências Bibliográficas:
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega, vol. 1. Petrópolis, Vozes, 1986. 3v
FERREIRA, José Ribeiro. Educação em Esparta e Atenas: dois métodos e dois paradigmas. In: LEÃO, Delfim Ferreira; FERREIRA, José Ribeiro; FIALHO, Maria do Céu. Cidadania e Paideia na Grécia Antiga. Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra (CECH), 2010. (Coleção Autores Gregos e Latinos, série Ensaios). 
FIELDS, Nic. Termópilas 480 a.C: a resistência dos 300. Tradução de Pérez Galdós. Barcelona: RBA Coleccionables, S.A. 2010. (Osprey - Grandes Batalhas). 
FINLEY, Moses Israel. Economia e Sociedade na Grécia Antiga. Tradução de Marylene Pinto Michael. São Paulo, Martins Fontes, 1989. (Coleção o homem e a história). 
FINLEY, Moses Israel. Grécia Primitiva: Idade do Bronze e Idade Arcaica. São Paulo, Martins Fontes, 1990. 
FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo, Editora Contexto, 2002. 
GLOTZ, Gustave. A cidade grega. Tradução de Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda. São Paulo, Difel, 1980. 
HERÓDOTO. História. São Paulo, Editora Ebooks, 2006. 
LLYOD-JONES, Hugh. O mundo grego. Tradução de Waltensir Dutra. 2ed, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1962. 
MÉNARD, René. Mitologia greco-romana, vol. 1. Tradução de Aldo Della Nina. São Paulo, Opus, 1991. 3v
SEKUNDA, Nicholas. The Spartan Army. United Kingdom, Osprey Publishing, 1999. (Elite Series, v. 66)

Referências da Internet:
PAUSÂNIAS. Description of Greece. Translation by W. H. S. Jones. http://www.theoi.com/Text/Pausanias1A.html