Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Tamerlão, o "homem de ferro"

"Passado um século depois da morte de seu fundador, o império mongol de Genghis Khan parece dividido e enfraquecido, e um novo conquistador vai aparecer para unificar com punhos de ferro o mundo das estepes e uma boa parte da Ásia". (CONRAD, 1976, p. 299).

Nesse texto procurei contar um pouco da história de um dos "Senhores da Guerra da Ásia", o qual tentou se igualar a Genghis Khan, na tentativa de fundar um novo império continental. Tamerlão acabou não atingido sua ambição, mas construiu em pouco tempo um império significativo, mas a custa de massacres, mortes, destruição e medo. Sua política expansionista agressiva moldou a Ásia Central. 

Devido as poucas fontes que pude encontrar, acabei seguindo a linha da "história da guerra tradicional", focando mais nos feitos militares do que em outros aspectos da vida e do governo de Tamerlão. Mas a medida que encontrar novas fontes, atualizarei o texto. 

O "homem de ferro":

Em 8 de abril de 1336 na pequena aldeia de Kesh, ao sul de Samarcanda a dois dias de cavalo, hoje Uzbequistão, nascia no seio de uma família de camponeses, Timur, o qual ficaria conhecido pelo seu apelido desdenhoso de Timur-i-lenk ("Timur, o manco"), ou como ficou mais conhecido pela forma cristianizada do seu nome, Tamerlão. Timur era filho do chefe Taragai, o qual era um protegido do Clã dos Barlas, uma família nobre e influente na região, e foi através desse padrinhado que Timur galgaria posições para alcançar seus objetivos. 


Estátua de Tamerlão em Samarcanda, Uzbequistão.

Seu pai era turco, mas sua mãe era de descendência mongol, no entanto, Timur cresceu sendo criado nos costumes turcos, inclusive aderindo a fé islâmica. Mas pelo fato que governantes mongóis ainda controlavam a Ásia Central naquele tempo, a política mongol e alguns dos costumes desse povo das estepes, ainda era presente. Algon que Timur se valeria para justificar sua posição no poder futuramente.

Sobre a infância e juventude de Timur pouco se sabe, e as informações são questionáveis. Todavia se sabe que ele foi treinado na arte da guerra, e demonstrou aptidão para o combate e também para o comando e a política, tais aspectos se tornariam mais visíveis na fase adulta, quando ele começaria a adentrar o ciclo político da Transoxiana (região hoje no Uzbequistão). 

O apelido de "homem de ferro" adveio de dois motivos: primeiro, Timur significa "ferro" na língua turca, todavia, o principal motivo para tal apelido era gerado pelo fato de Timur ter se tornado um líder bastante rígido e cruel com seus inimigos. Além disso, alguns relatos o descreviam como um homem de feições duras e caráter frio.

Naquela época, a região que Timur vivia compreendia parte do Canato de Djaghatai, um dos Estados mongóis surgidos após a fragmentação do Império Mongol. O canato havia sido fundado em em 1227 por Djaghatai, segundo filho de Gengis Khan, e perduraria até o ano de 1687. 

A região que Timur vivia era governada pelo emir Kasgan, príncipe da Transaxônia. Timur acabou conseguindo chegar ao ciclo pessoal do príncipe graças aos seus serviços militares, ao ponto que Kasgan ofereceu uma de suas filhas em casamento, chamada Aldjai. Descrita como uma mulher bela como a Lua. Ao se casar com a princesa Tamerlão garantia assim acesso a Corte da Transoxiana. O próprio Kasgan era de descendência mongol, dessa forma, Timur reforçava ainda mais seus laços com os clãs mongóis. 

É importante mencionar que os mongóis davam muito valor as famílias, e, embora não fossem naquela época hostis aos estrangeiros, devido a mais de um século de miscigenação com outros povos, o governo dos canatos ainda estavam nas mãos das famílias mongóis tradicionais que descendiam da linhagem de Genghis Khan, ou possuíam algum parantesco. Mas além desse fato, devemos também observar que Timur provinha de uma família de camponeses, ele não era nobre, logo, uma conquista a mais alcançada ao se casar com a princesa Aldjai. 

Contudo, a situação mudaria drasticamente alguns anos depois, quando seu sogro faleceu, e o governo local ficou vazio. O príncipe não havia deixado herdeiros varões, logo, vários senhores gananciosos passaram a disputar o governo da Transoxiana. Entre os pretendentes ao controle, estava o Khan Tukluk Timur, senhor de Ili - um descendente de Djaghatai.

Em 1360 o khan Tukluk Timur avançou sobre a Transoxiana com seu exército, subjugando seus rivais ao poder, perseguindo a oposição e a matando. Um dos tios de Tamerlão, Hadji Barlas, homem proeminente na região, acabou fugindo para salvar a vida, e se exilou na região do Khorassan, no nordeste da Pérsia (atual Irã). Tamrlão preferiu não fugir, mas percebendo que não teria formas de disputar o governo contra o khan Tukluk, decidiu se tornar seu aliado. 


Embora sendo ríspido e frio para alguns, Tamerlão pelo o que parece dizer as fontes persas medievais, era um homem que sabia ter carisma quando necessário. Assim ele conseguiu se tornar funcionário do khan, alcançando o posto de conselheiro, estando subordinado a um dos filhos do khan, Ilyas Khodja. Nessa época, Tamerlão contava com 25 anos.

"O jovem Timur não pôde suportar muito tempo o novo poder e começou a incitar uma agitação antimongol no país. Desmascarado e condenado por Ilyas Khodja, foge em direção ao Afeganistão, onde seu cunhado Mir Hossen, rei de Balkh e de Kabul, poderia fornecer-lhe ajuda e proteção. Durante dois anos, aquele que seria o flagelo da Ásia leva uma vida de proscrito". (CONRAD, 1976, p.  301).


Tamerlão acabou se desentendendo com seu cunhado devido a esse desistir de apoiá-lo em seu plano de conquistar o poder na Transoxiana. Por outro lado, Tamerlão tentou conquistar o apoio de ricos comerciantes, chefes militares, aristocrátas, etc., no intuito que eles lhe fornecessem homens, armas e recursos para sua campanha. Isso acabou gerando raiva em Mir Hossen, que considerava tal ato como uma espécie de conspiração sob seus próprios olhos, então ele ordenou a prisão do cunhado.

Timur ficou preso por dois anos, mas de alguma forma conseguiu fugir, algo que lhe rendeu fama. Todavia, não consegui encontrar informações sobre seu cativeiro e sua fuga, mas se sabe que após deixar a prisão, ele abandonou temporariamente a família e se tornou mercenário, indo prestar seus serviços ao Emir do Seistão, uma pequena região hoje entre os atuais territórios do Afeganistão e Irã. Timur viveu como mercenário por cerca de um ano.

De mercenário a senhor:

"O emir do Seistão, inquieto com a fama deste chefe de bando, ataca inesperadamente, numa dessas traições usuais na história oriental. É no decorrer do combate que Timur recebe uma flecha na perna, o que foi a origem de sua aleijão. Ele acabava de ganhar seu pseudônimo de "Manco [Leng em persa] e é este nome Timur Leng, Tamerlão, que iria sacudir o Mundo Antigo". (CONRAD, 1976, p. 301). 

Mesmo ferido e humilhado, Tamerlão fez vigorar seu antigo epíteto de o "homem de ferro", passando a ser um líder mais rígido e frio, mais ainda conservava seu carisma junto aos seus soldados e seguidores, dessa forma, ele conseguiu obter um séquito de aliados que o acompanhiriam nos anos seguintes. Vendo que sua vida como mercenário não o levaria aos locais que ambicionava, ele decidiu refazer as pazes com seu cunhado, então retornou a Bakh, onde em 1363 convenceu Mir Hossen a ajudá-lo na empreitada de conquistar o governo da Transoxiana.


Nessa época, o khan Tukluk Timur havia morrido e seu filho Ilyas assumira o poder. Tamerlão possuía uma velha rixa com Ilyas, e estava na hora de cobrá-la. Ele marchou com seu exército e libertou Kesh, depois disso esmagou o exército do khan perto de Samarcanda, isso levou o khan a fugir para o norte. Tamerlão colocou no poder um dervixe (monge muçulmano) chamado Kabil Chah, que se dizia ser descendente de Genghis Khan. Mir Hossen assumiu o cargo de vizir (primeiro-ministro) e Timur tornou-se o chefe do exército. A Transoxiana estava recuperada temporariamente. 

Pintura persa retratando Tamerlão ao centro, durante um banquete celebrado em Samarcanda.
No ano de 1365, o khan Ilyas Khodja retornou com um exército e sitiou Samarcanda, capital da Transoxiana. Todavia seu exército foi derrotado pelas tropas de Tamerlão e por um surto epidêmico, o que levou o khan a fugir novamente para não mais voltar. Ele morreu em 1368. 

Tendo se livrado definitivamente da ameaça de Ilyas, Tamerlão passou a pensar nas suas próximas campanhas militares. Ele pretendia se tornar o novo grande líder mongol, o problema é que não poderia assumir o título de de khan, pois não era um mongol de nascença, mas sim um mestiço, além dos fatos de não pertencer a nobreza e nem ser parente de Genghis Khan. Mas para contornar tal problema, Tamerlão se apresentou como guardião do khan Kabil Chah, e dessa forma, assegurava sua posição no governo da Transoxiana, que na prática, o khan era um mero fantoche nas mãos de Timur.

Porém, Mir Hossen acabou descobrindo tais planos e entrou em conflito com seu cunhado. O desentendimento foi tamanho que em 1370 eles guerrearam próximo a Samarcanda, nos desfiladeiros de Gahalgar. Com a vitória, a cidade de Samarcanda reconheceu a autoridade de Tamerlão, no entanto, Hossen recuou para Balkh, e Timur marchou com seu exército para lá, sitiando a cidade.

"Os habitantes de Balkh, que permaneceram fiéis a seu adversário, foram na sua maioria massacrados e a antiga capital da Bactriana, norte do atual Afeganistão, inscreveu-se em primeiro lugar na lista de cidades mártires que iriam sofrer a cólera do novo Conquistador (1370)". (CONRAD, 1976, p. 303). 


Cerco a Balkh em 1370. Pintura persa do século XVI.
"A coragem, a astúcia e a perseverança permitiram a vitória de um príncipe  cuja reputação começava a estender-se por toda a Ásia Central. Senhor, aos 34 anos da Transoxiana e da Bacteriana, Timur apresenta-se como o continuador do império mongol". (CONRAD, 1976, p. 303). 

A construção de um império:

Tamerlão não adotou o título mongol de khan (senhor), mas adotou o título muçulmano de emir (comandante), o que reforçava seu pertencimento a religião islâmica. Ainda em 1370, após vencer Mir Hossen e exterminar seus aliados, Timur ordenou que Kabil Chah fosse morto, pois descobriu que ele havia se debandando para o lado de Hossen. No lugar de Chah, ele escolheu Soyorghatmich, o qual "permaneceu no poder" da Transoxiana até 1388, sendo seguido por seu filho Mahmud Khan, o qual governou até 1402. 

Tamerlão alegou que ambos eram descendentes de Genghis Khan, como também surpreendeu a todos dizendo que havia tido uma visão, na qual lhe revelara que ele estava destinado a fundar um novo império mongol, como Genghis Khan havia feito mais de um século antes. Por dez anos Timur governou a Transoxiana e a Bactriana, preparando seus exércitos e recursos para empreender uma série de campanhas que durariam mais de vinte anos seguidos. 

"Verdadeiro detentor do poder, o "Grande Emir", vai se lançar, no decorrer dos anos seguintes, numa série de cavalgadas e conquistas que revelerão, à Ásia terrificada, a potência do "Homem de Ferro". (CONRAD, 1976, p. 303).

No ano de 1379, os exércitos de Tamerlão invadiram Khwarezm, a leste do mar Cáspio, tendo como meta a próspera cidade de Gurgendj, uma dos principais centros mercantis da região. Controlá-la, daria acesso a uma vasta rota comercial que cruzava o Canato de Djaghatai. Timur esperava que o emir de Gurgendj não apresenta-se resistência aos exércitos do "homem de ferro", mas o contrário ocorreu. O emir preferiu a guerra, então Tamerlão respondeu com ferro e fogo, sangue e morte. A outrora rica cidade mercantil sofreu a fúria das hordas de Tamerlão. Sua população foi massacrada e escravizada, a cidade foi saqueada e incendiada. 

"Na primavera de 1381, foi a vez de Herat, a antiga Alexandria de Ária, cujo sultão também se recusava a render honras "a um antigo escravo que outrora lavava estrebarias e tirava a lama dos cavalos..." A cidade, aos pés do Hindu-Cuxe, era um maravilhoso oásis perdido nas paisagens áridas e desoladas do Irã oriental, atual Afeganistão ocidental". (CONRAD, 1976, p. 304).

Após Herat ser saqueada e devastada, foi a vez da região do Seistão, região na qual  Timur atuou como mercenário e passou a ser perseguido pelo senhor de lá em 1363. Quase vinte anos depois ele retornava, conquistando a região e massacrando os descendentes daqueles que o enganaram. Os habitantes de Sabzuar uma vila com cerca de 2 mil habitantes, foram emparedados vivos em torres que foram construídas para a ocasião. A selvageria era tamanha, algo que se tornou marca dos exércitos de Tamerlão, que nem as crianças e idosos foram poupados, e até mesmo as plantações foram queimadas. Tornou-se uma prática de Tamerlão o extermínio e a desolação. 

Por volta de 1378 Tamerlão decidiu ajudar o jovem Tokthtamysh, sobrinho de Urus Khan, senhor da Horda Branca (outro dos Estados mongóis). Tokthmaysh havia sido expulso por seu tio, e agora ambicionava vingança e lhe tomar o poder. Tamerlão vendo aí uma oportunidade de firmar aliança com esse jovem e impetuoso nobre da linha de Genghis Khan por parte de Djotchi (um dos filhos de Genghis). Logo, Timur forneceu apoio ao jovem Tokthamysh e numa conspiração, Urus Khan foi assassinato, e ele agora se tornara o novo khan da Horda Branca, posteriormente Horda de Ouro como viria a ficar conhecida. Anos depois tal acontecimento repercutiria e graves consequências.

Em meados da década de 1380 após ter conquistado o Seistão e grande parte da Pérsia, Tamerlão passou a olhar para o oeste do mar Cáspio, a região da Geórgia, local cristianizado a bastante tempo, mas que para ele seria a porta de entrada para a Europa, lhe dando acesso ao mar Negro. A outra alternativa era atravessar as terras dos Otomanos e dos Bizantinos, um caminho bem mais arriscado. Em 1386, Tamerlão deixou a cidade de Samarcanda com cerca de 100 mil homens, decidido a continuar suas campanhas de expansão, nos seis anos seguintes, ele conquistou os atuais territórios da Armênia, Georgia e Azerbaidjão, todos caíram sob o fogo e ferro da fúria dos exércitos turco-mongóis de Tamerlão. 

Pintura persa retratando Tamerlão planejando seu ataque a Geórgia.
Igrejas foram saqueadas e incendiadas, uma atrocidades para aqueles povos cristãos. Sem contar que população de cidades e vilas foram massacradas ou escravizadas, nem as mulheres, crianças e idosos foram poupados. Novamente campos foram destruídos.

A capital do reino cristão da Geórgia, Tífilis, resistiu vários dias sob o comando do rei Begrat V, mas no fim fora tomada e arrasada, a cidade fora saqueada e incendiada, sua população fora massacrada. Pilhas de cabeça se amontoaram em seus arredores, a barbárie das tropas de Tamerlão fizeram os europeus recordarem dos dias em que os mongóis passaram por aquelas terras um século antes. Tamerlão parou seu avanço antes de chegar propriamente a Rússia, nessa época, tais territórios pertenciam a Horda de Ouro, e por hora, ele queria a paz com este vizinhos. Porém, ele acabou ficando sabendo que Tokhtamysh Khan possuía planos de invadir seus domínios, que ele havia traído a sua confiança. 

Mas por hora ele decidiu dá atenção a outro problemas. Tamerlão retornou com seu exército já fraco e abatido, em direção a Pérsia, de lá ele seguiu em direção ao Iraque Adjemi, e conquistou a capital do país, a cidade de Isfahan, a qual relatos da época, dizem que cerca de 200 mil pessoas fora executadas. A cidade que era conhecida por ser uma das mais belas da Ásia, devido a seus jardins e canais, ficou manchada de sangue. Posteriormente a chidade de Chiraz, localizda ao sul de Isfahan, se rendeu. 


Parte do Iraque agora pertencia ao império Tamerlão, no entanto, lhe chegaram notícias preocupantes. As informações alertavam para que Tokthtamysh Khan, o mesmo que Timur havia ajudado anos antes, agora se revelava com um inimigo. Tokthtamysh planejava invadir a Transoxiana no ano de 1388.

"A reação do vencedor de Isfahan foi fulminante: ele se põe em marcha imediatamente para atravessar os 2.500 quilometros que separavam Chiraz de Samarcanda (fevereiro de 1388). Surpreso, Tokhtamysh retira-se para as estepes do norte, mas Tamerlão desta vez estava decidido a golpear até à morte este vizinho ameaçador". (CONRAD, 1976, p.309).


A campanha contra a Horda de Ouro: 

A Horda de Ouro, era então o mais forte dos Estados mongóis da Ásia Central, confrontar seu poderio não seria algo fácil, e para isso, Tamerlão novamente decidiu se preparar para a guerra. Ainda no ano de 1388, Tamerlão adotou o título turco de sultão ("autoridade", "poder"). Ampliando ainda mais sua autoridade e reforçando sua posição como senhor de um império.

A campanha contra a Horda de Ouro demorou mais três anos para acontecer. Em 1391 aos 55 anos, Tamerlão partiu com seu exército em direção ao traidor Tokhtamysh Khan o qual havia recuado para o interior de seus domínios na Rússia. A viagem foi longa e difícil, já que o exército tivera que atravessar as estepes frias de kirghizes no Cazaquistão, conhecidas como "estepes da fome". muitos soldados morreram no caminho, e a moral do exército caíra. 

Pintura persa do século XVI, representando Tamerlão convocando seu exército para ir atrás de Tokhtamysh Khan.
Em 19 de junho de 1391, Tamerlão chegou ao esconderijo do traidor nos Montes Urais na Rússia, após meses de viagem, o traidor ainda se mantinha escondido e não arriscava um confronto direto. Quando a luta veio acontecer, a mesma durou três dias. As tropas de Tamerlão saíram vitoriosas, mas Tokhtamysh acabou fugindo para o interior da Rússia, isso enfureceu o sultão, e sua cólera ainda ficou maior, quando soube que os territórios que havia conquistado, agora se rebelavam contra seu domínio.

"O conquistador não soubera dotar os territórios conquistados de estrutura administrativa sólida, e esta fraqueza hipotecava seu sonho de reconstituição do império de Genghis Khan". (CONRAD, 1976, p. 311).


Embora fosse um homem que soubesse conversar e convencer seus guerreiros e generais, Tamerlão não soube como governar direito seu crescente império. Muitas das províncias na Pérsia, Iraque, Geórgia e Armênia, eram submetidas a autoridade do sultão através do medo imposto por seus exércitos estacionados naquelas regiões. Quando tais exércitos eram pequenos ou aparentavam ser fracos, os líderes locais se rebelevam e os atacavam, e assim, iniciavam revoltas contra a autoridade do sultão Timur. De 1394 a 1396, Tamerlão teve que cuidar de várias revoltas.

Tamerlão desistiu de perseguir o traidor, e retomou para seus domínios, e no ano seguinte voltou a empreender novas campanhas para recuperar os territórios perdidos e abafar as revoltas. Pelos três anos seguintes, os exércitos de Tamerlão, liderados pelo próprio ou pelos seus filhos e generais, promoveram campanhas de reconquista pela Pérsia, Iraque, Armênia e Geórgia, e em 1395, Tokhtamysh voltava a ameaçar o velho conquistador, o qual completara 60 anos.

Mapa retratando as expedições punitivas de Tamerlão contra as revoltas que eclodiram em seu império entre 1394 e 1395.
Novamente o confronto se deu na Rússia, e Tokhtamysh foi derrotado, e mais uma vez acabou fugindo, mas esta fora a última vez que fugira, o mesmo acabou morrendo em algum lugar da Sibéria. Tamerlão agiu com uma vingança sangrenta:

"A capital de Berké e Tokhtamish, fixada no baixo Volga, a florescente Sarai, que antes de sua destruição contava com mais de 10.00 habitantes, foi inteiramente incendiada. A bela cidade comercial evocada por Al Omari e Ibu Batutah, sem dúvida a mais linda cidade da Rússia do século XIII, não era mais do que um amontoado de ruínas depois da passagem das hordas de Tamerlão. Caffa, Tna, Astrakan, foram também destruídas". (CONRAD, 1976, p. 313). 

Tamerlão não chegou a conquistar de fato o Canato da Horda de Ouro, já que novos khans apareceram para assumir o poder, mas enquanto estes não se intrometessem em seu caminho tudo estaria em paz, então ele retornou triufante para Samarcanda em 1396.


 A Índia como próximo alvo?

A península indiana eram uma terra de oportunidades, principalmente para os povos que viviam nas estepes e nos desertos. Uma região abundante em matas e recursos alimentares, hidrícos e minerais; sem contar que era uma região densamente habitada a milhares de anos, tendo algumas das culturas mais antigas do mundo ainda em desenvolvimento, tendo ao longo de séculos, acumulado imensas riquezas. O próprio Genghis Khan teve planos de tentar invadir a Índia, mas acabou desistindo deles, contudo, Tamerlão também tinha em mente invadir a Índia, mas a questão era de como convencer seus generais de empreender uma arriscada campanha contra os poderosos exércitos indianos, conhecidos pelo uso de elefantes de guerra. 


Após se retorno a Samarcanda em 1396, Timur passou os dois anos seguintes planejando sua possível investida contra a Índia. O foco não seria atacar toda a península a qual estava dividida entre pequenos reinos, mas atacar o mais poderoso de seus reinos, o Sultanato de Deli (1206-1526), na época, governado pela dinastia turca dos Tughlaq (1320-1414). O sultanato era um Estado próspero que governava o norte da península, além de ser uma nação muçulmana, aspecto esse que Tamerlão usaria como prextexto para sua campanha. 

"O sultanato de Deli estava convulsionado por diversos pretendentes sempre dispostos a se devorarem: assassinatos e revoluções de palácio tinha se tornado moeda corrente. Compreendendo o proveito que poderia tirar de tal situação, Tamerlão resolveu estender suas conquistas nessa direção". (CONRAD, 1978, p. 314).

Tendo em mente que o governo de Deli estava frágil diante das contínuas conspirações, isso significava que o exército estaria dividido, e sabendo como escolher seus aliados, isso garantiria a vitória. No entanto, isso não era o suficiente, faltava uma motivação forte para elevar a moral dos homens. Logo, o "homem de ferro" se valeu do Alcorão para isso. 

Tamerlão argumentou que a população do Sultanato de Deli havia se distanciado das leis islâmicas pregadas pelo profeta Mohammed, além do fato, de serem coniventes com práticas pagãs. Vale lembrar que grande parte dos indianos eram e ainda são hinduístas. Para Tamerlão, sua campanha seria um falso pretexto de uma "jihad" apenas para invadir o sultanato e saqueá-lo, pois ele não teve interesse em conquistá-lo, já que previra que seria algo bastante difícil. Sendo assim, o mais interessante seria uma campanha de entrada e saída, e não de ocupação.

Assim, em 1398 ele partiu de Samarcanda com cerca de 150 mil homens, atravessando o Afeganistão e o Paquistão, então adentrou a Índia, nos domínios do sultão Mahmud. A invasão de seus domínios foi fácil, as defesas eram fracas, e as fortalezas e cidades no caminho fora subjugadas e destruídas, estima-se que pelo menos quase duzentos mil pessoas morreram apenas no percurso por onde os turcos-mongóis passaram. Em 17 de dezembro ocorreu o grande encontro com os exércitos do sultão Mahmud próximo ao rio Djumma. A batalha durou alguns dias, o sultão possuía um exército de 120 elefantes de guerra, parte do exército de Tamerlão fora massacrada devido aos furiosos elefantes, a solução para derrotá-los veio no dia seguinte.

"No dia seguinte a solução foi encontrada: camelos cobertos de palha foram lançados na frente da cavalaria e, no momento do confronto, a palha em chamas aterrorizou os elefantes que iriam semear o pânico nas linhas adversárias". (CONRAD, 1976, p. 316).


Gravura turca retratando a vitória de Tamerlão contra o sultão de Deli em 1399. Gravura datada de 1595-1600.
O problema de se usar elefantes no campo de batalha é que os animais diferente dos cavalos, ficam mais tensos rapidamente, e quando se descontrolam são muito difíceis de serem parados, isso fora um problema que Alexandre notou e que os romanos também notaram, quando combateram Aníbal no século III a.C. Com a desordem gerada, o exército do sultão foi derrotado e em janeiro de 1399, a cidade de Deli fora tomada, e Tamerlão proclamou-se Imperador das Índias. Nos meses seguintes, ele continuou com suas conquistas.

"A cavalgada que se seguiu através de todo o Norte do país espalhou o terror por todos os lados. Eram pilhagens, massacres, torturas, violações, degolamentos coletivos; a população induísta de Meerut foi esfolada viva; os exércitos hindus que tentaram opor-se ao avanço dos Mongóis foram regularmente aniquilados e todos os prisioneiros foram sistematicamente executados". (CONRAD, 1978, p. 316). 

Em 1400 o exército de Tamerlão retornava para sua suntuosa capital Samarcanda, trazendo pilhas de espólios de guerra. A rápida invasão a Índia deu certo. 

A ameaça otomana: 

O que os grandes conquistadores da História tiveram em comum? Todos foram ambiciosos a ponto de sempre querer conquistar mais e mais. Aos 63 anos, Tamerlão era dono de um império com mais de 3 milhões de km2 e uma população de mais de 1 milhão de habitantes. Todavia, o "homem de ferro" não considerava isso o bastante. No entanto, antes de retomar suas campanhas, ele passou a se preocupar com uma possível ameaça que se agigantava no Ocidente, o crescente Império Otomano (1299-1923). O território dos turcos da Dinastia Otomana estava se extendendo para o oriente, atravessando o Iraque e chegando as fronteiras do império de Tamerlão. 

Os otomanos haviam conquistado grande parte do território dos bizantinos, além de ter expandido suas fronteiras pela Síria e pela Terra Santa, e agora eles ameaçavam subjugar os bizantinos os quais estavam restritos a um pequeno território nos arredores de Constantinopla. Os reis cristãos da Europa temiam que se Constantinopla caísse, os otomanos invadiriam a Europa por completo, já que tropas otomanas já se encontravam presentes na Trácia e nos Bálcãs. Porém Tamerlão, não estava interessado no perigo que os europeus corriam, ele estava interessado em manter a cordialidade e a paz com os otomanos, não queria eles como inimigos, mas também não como meros amigos, mas sim como súditos. 


Os três principais império do Oriente Médio e da Ásia Central no ano de 1405. Em vermelho o Império Otomano, em verde o Sultanato Mameluco e em amarelo o Império Timúrida de Tamerlão.
No ano de 1400 o então sultão otomano Bayezid Yildrim (1354-1403) após uma série de campanhas vitoriosas sobre a Trácia e os Bálcãs, estava confiante de seu poderio, e isso ameaçava cada vez mais que seus exércitos avançassem pelo leste europeu. Todavia, enquanto as campanhas na Europa seguiam bem, Bayezid Yildrim (Bayezid, o Claro) passou a se interessar pelo oriente. Ahmud Djelair, o sultão deposto de Bagdá e Kara Yusuf, o chefe da Horda do Carneiro Negro no Azerbaidjão, foram procurar proteção e auxílio do monarca otomano, visando recuperar seus territórios os quais foram perdidos para Tamerlão. 

Bayezid I atacou o príncipe Tahertu na Armênia, território sob o governo de Tamerlão, iniciando assim uma desavença política. No primeiro momento o sultão timúrida evitou uma ação impulsiva, então enviou o emir Barlas para agir de forma diplomática, enviando presentes e as parabenizações pelas conquistas alcançadas pelo sultão Bayezid I.


Sultão otomano Bayezid I Yildrim.
"O emir Barlas foi friamente recebido em Andrinopla; o que levou ao ápice a cólera de Bajazet, foi que o embaixador vindo de Samarcanda reclamava-lhe a ida de dois filhos, para viverem como reféns, na capital de Transoxiana. O sultão turco rapidamente fê-lo compreender o pouco temor que Tamerlão lhe inspirava, numa resposta com toda a aparência de declaração de guerra. O embaixador retoma o caminho da Pérsia. O choque era inevitável de agora em diante dois impérios assim potentes não podiam coexistir pacificamente neste setor geográfico da Ásia menor e média". (CONRAD, 1978, p. 319). 

Em resposta a tal afronta, Tamerlão decidiu atacar o Império Otomano. Tamerlão era um homem que não gostava de aceitar um não como resposta. Em agosto de 1400 ele partiu segundo algumas fontes persas, com um gigantesco exército de 700 mil homens, números bastante exagerados por sinal. De qualquer forma, a Armênia foi arrasada, a cidade de Alepo a qual era defendida pelos Mamelucos egípcios, por sua vez aliados dos otomanos, os mesmos que haviam derrotado Hulagu Khan há mais de um século, foram finalmente derrotados pelos turcos-mongóis, e a cidade tomada e destruída. 

Gravura turca retratando o ataque do exército de Tamerlão ao exército mameluco na Armênia.
Damasco, capital da Síria, foi tomada em 1401, a cidade foi saqueada e incendiada. Segundo o historiador árabe Ibn Khaldun (1332-1406), Tamerlão contemplou a cidade arder em chamas do alto de uma colina. 


“Ibn Khaldun viveu no Cairo até morrer. Passou grande parte do tempo lendo e escrevendo, mas o esquema de sua vida anterior voltou a repetir-se naquelas alternâncias de prestígio e desfavor que ele atribuía a inimigos, mas que talvez tivessem causas em sua própria personalidade. Várias vezes o governante nomeou-o juiz num dos principais tribunais, mas todas as vezes ele perdeu ou abandonou o cargo. Foi com o sultão à Síria e visitou os lugares santos de Jerusalém e Hebron; esteve lá uma segunda vez na época em que Damasco foi sitiada por Tamerlão, um dos grandes conquistadores asiáticos, criador de um Império que se estendia do norte da Índia à Síria e à Anatólia. Manteve conversas com Tamerlão, no qual viu um exemplo daquele poder de comando, firmemente baseado na força de seu exército e seu povo, que podia fundar uma nova dinastia. Não pôde salvar Damasco da pilhagem, mas conseguiu garantir seu retorno em segurança ao Egito; no caminho, porém, foi assaltado e roubado nos morros da Palestina”. (HOURANI, 2011, p. 14).

Em julho do mesmo ano foi a vez da cidade de Bagdá sofrer o mesmo terrível destino, devido a conspiração que seus líderes tramavam com os otomanos. Nesse caso, relatos apontam que pilhas de milhares de cabeças humanas foram erguidas nos arredores da cidade, algo que se tornou característico da bárbarie dos exércitos de Timur, o emprego recorrente do terror psicológico. O terror imposto por Tamerlão era um aviso, aqueles que ousassem confrontá-lo novamente, seriam massacrados. 

"Após Bagdá, hever sido punida por ter subestimado a potência de seu senhor, o exército mongol retomou o caminho do Noroeste. A Geórgia, sempre turbulenta, foi obrigada a submeter-se novamente, e Tamerlão pôde preparar a campanha que decidiria se ele ou Bajazet iria instaurar sua hegemonia nesta parte do mundo. A oposição entre os dois imperialismos era ainda reforçada pelo ódio religioso: os Otomanos eram sunitas, enquanto os Turcos-Mongóis haviam adotado o islamismo xiita". (CONRAD, 1978, p. 321).

Em julho de 1402, ocorreu na planície de Angora (atualmente na Turquia) o grande confronto entre as forças dos dois sultões. Relatos apontam que Tamerlão levou consigo um contingente de 500 mil homens, enquanto o sultão dispunha de 300 mil, sendo estes formados pela hábil cavalaria de croatas e a poderosa infantaria dos janízaros, mesmo assim isso não bastou para derrotar a fúria mongol. A batalha acabou após dez horas ininterruptas de combate, o sultão otomano tentou fugir, mas acabou sendo capturado e feito prisioneiro.
 

Pintura retratando a visita de Tamerlão a Bayezid I, na prisão.
A derrota e prisão do sultão Bayezid I ganhou versões romanceadas, inclusive na literatura europeia. Mas no ponto de vista histórico, Tamerlão mostrava a todo Império Otomano o quão poderoso era seu exército e sua autoridade, pois o sultão mais forte que estava apto a confrontá-lo no mesmo nível, agora jazia preso, e acabou morrendo de fome em 1403. Com isso, Tamerlão se tornava o mais poderoso sultão em seu tempo. O "Sultão de Ferro".

A última grande ambição:

"A derota dos Turcos abria a Ásia menor à avalanche mongol. Brusse desapareceu, com as maravilhas arquitetônicas que os Seldjúcidas e os Otomanos haviam adornado; suas ricas mesquitas, como a de Damasco foram vítimas do incêndio. Nicéia, Nicomedia e Lampsaque tiveram um destino parecido". (CONRAD, 1978, p. 323).


A cidade de Smirna, defendida pela Ordem dos Cavaleiros Hospitalários foi sitiada e por oito dias houve massacres. A cidade foi saqueada e incendiada. A região da Focéia na tentativa de evitar tal calamidade, pagou um tributo a Tamerlão, o qual a popou, no entanto, a antiga colônia grega de Éfeso não teve a mesma sorte e sofreu destino similar a de Smirna.

A Ásia Menor ainda continuou a ser arrasada por mais alguns dias, contudo, Tamerlão não possuía interesse de prosseguir em direção ao Império Bizantino ou a Europa. Se no passado esse interesse estava presente, o velho "homem de ferro" agora o deixara de lado. Por hora, ele mantinha boas relações com os reis cristãos europeus, como ficou atestado em uma carta que enviou ao rei de França Carlos VI, lhe prestando saudações e mandando presentes. Posteriormente o próprio recebeu a visita de um embaixador do Reino de Castela (hoje uma das províncias da Espanha), lhe enviando saudações e respeitos. 

Após encerrar seus saques na Ásia Menor, Tamerlão retornou com a pilhagem para Samarcanda. Ele preferiu não se empenhar em conquistar o império otomano, pois tinha respeito pela dinastia, e seu problema havia sido de ordem pessoal com o sultão Bayezid I. Em compensação com a morte de Bayezid o império entrou numa guerra civil de dez anos, onde seus filhos disputaram o poder. 

Todavia, Tamerlão, um homem de quase setenta anos poderia viver sossegado em sua suntuosa e rica capital, aproveitando o restante da velhice, mas como todo grande conquistador, o desejo de conquistar sempre falou mais alto. No ano de 1403, enquanto descansava de seus dois anos de campanha nos domínios otomanos, Tamerlão apresentou a seus filhos, netos e generais talvez o seu plano mais ousado: conquistar o Império Chinês da Dinastia Ming

Mais de um século antes, Genghis Khan conquistou o norte da China e seus filhos conquistaram o resto. Um de seus netos, Kublai Khan, governou o império mongol a partir de Pequim, atual capital da China. Todo o império chinês se encontrava sob domínio mongol. As pretensões de Tamerlão era refundar um novo império mongol sobre a China, mas agora com influência turca e muçulmana. Ele tinha em mente levar o islamismo aos chineses, convertê-los a fé de Alá. Nota-se aqui novamente uma justificativa com preceitos religiosos de conversão. Diferente da Índia, onde Timur apenas esteve de passagem, no caso da China, ele pretendia anexá-la de vez ao seu império. Se isso ocorre-se, ele seria senhor do maior império em seu tempo. 

Em 19 de janeiro de 1405 aos 71 anos, Tamerlão veio a falecer depois de uma grave febre que contraiu enquanto se encontrava a caminho de iniciar sua marcha em direção a China. O último grande conquistador das estepes, estava morto. Dois de seus filhos haviam morrido, Jahangir e Umar; o terceiro, Miran Chah havia ficado louco durante suas campanhas na Pérsia; e o quarto filho, Chah Rokh, senhor do Khorassan, assumiu o trono. 

Chah Rokh governou até a sua morte em 1447, posteriormente foi sucedido por seu filho. Todavia, o império timúrida perdeu sua glória com a morte e Tamerlão. Durante o governo de Rokh rebeliões eclodiram pelo império, após a sua morte, seu filho Ulug Beg governou por três anos até ser destronado pelo próprio filho. Após tal acontecimento uma série de conflitos pelo poder se estenderiam por cinco décadas, levando o fim do império em 1502. 

O império de Tamerlão em sua máxima extensão até o fim da sua vida em 1405.
Considerações Finais:

Ao longo de mais de cinco décadas de governo, Tamerlão ergueu um vasto império na Ásia Central. Sua fama de general ríspido e conquistador hábil se espalhou. Sua ambição foi sentida com peso por aqueles que estavam em seu caminho, e a carnificina feita por seus exércitos tornaram-se pesadelos que ecoariam pelo tempo. 

Tamerlão para alguns foi o último grande conquistador das estepes, advindo de linhagem turco-mongol, conservou no sangue, mas também nos costumes a tradição mongol dos conquistadores iniciada com Genghis Khan no começo do século XIII. 

Curiosamente seus atos deixaram algumas marcas profundas na época. Com a morte do sultão otomano Bayezid I, o império entrou numa guerra pela disputa do poder, algo que contribuiu para prolongar a vida do Império Bizantino, o qual veio a ruir em 1453. Por outro lado, essa instabilidade política otomana, também interrompeu o avanço de seus exércitos sobre o leste europeu, algo que foi retomado após a conquista de Constantinopla. 

No caso do Sultanato de Deli, esse após a rapina feita por Tamerlão, conseguiu se recuperar um pouco, mas nunca mais retomou sua estabilidade, o que lhe tornou vulnerável a Dinastia Mogol de Babur, o qual em 1526 fundou o Império Mogol na Índia. Babur (1483-1530) se dizia ser descendente de Genghis Khan e herdeiro do legado de Tamerlão. Os mogóis governariam parte da Índia até o século XIX. 

No que diz respeito a Samarcanda a capital de Tamerlão, ele procurou transformá-la numa cidade grandiosa, equiparável a Damasco, Bagdá, Constantinopla e Jerusalém. Ordenou a construção de imponentes mesquistas e palácios, trouxe artistas, artesãos, professores, etc., de outros cantos do império e até de nações estrangeiras para desenvolver a cultura em Samarcanda, algo que foi seguido por alguns de seus sucessores. 

Gur Emir ("Tumba do Rei"), mausoléu construído por Tamerlão para abrigar seu corpo. Até hoje os seus restos mortais se encontram nesse prédio. Além dos restos de seu neto Ulug Beg e de outros parentes.
Referências bibliográficas:
CONRAD, Phillipe. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro, Editions Ferni, 1978
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo, Companhia de Bolso, 2011.  
MIQUEL, André. Os Islame e a sua civilização: séculos VII-XX. Tradução de Francisco Nunes Guerreiro. Lisboa/Rio de Janeiro, Edições Cosmos, 1971.
QUATAERT, Donald. O império otomano: das origens ao século XX. Lisboa, Edições 70, 2008. 

Links relacionados:

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Leandro Gomes de Barros, grande mestre da poesia popular brasileira

Leandro Gomes de Barros, 
grande mestre da poesia popular brasileira


Arievaldo Viana*


Obs: Grifos e a imagem, escolhidos por mim. 


1 .  Leandro, fundador de uma literatura

A arte do trovadorismo, proveniente da Península Ibérica, chegou ao Novo Mundo, e floresceu tanto na América Espanhola quanto na América Portuguesa. Houve um tipo de literatura popular em verso no México, Chile, Nicarágua e Argentina muito parecido com o folheto nordestino... Até a gravura popular usada para ilustrar os corridos mexicanos e as folhas soltas da lira popular chilena apresenta características parecidas com a nossa, sem falar que muitos dos temas aproveitados pelos autores da literatura de cordel nordestina também foram explorados naqueles países. 

O que torna o nosso romanceiro bastante singular é o formato padrão adotado desde os primórdios por Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Francisco das Chagas Batista e outros poetas-editores. Os folhetos impressos no Nordeste medem geralmente 11 x 15,5 cm - um ofício dobrado em quatro partes -, o que corresponde a oito páginas, que podem se multiplicar para 16, 24, 32, 40, 48 ou mais páginas, sempre múltiplas de oito, conforme o tamanho do texto. Outro aspecto que surpreende os pesquisadores de todo o mundo é a fabulosa quantidade de folhetos impressos no Brasil nos últimos cem anos: mais de 26 mil títulos, em milhares e milhares de edições, conforme atesta o pesquisador Altimar Pimentel

A literatura de cordel brasileira surgiu de maneira tardia, porque antes da vinda da Corte Portuguesa, em 1808, era proibida a existência de prelos aqui no Brasil. A poesia popular oral ou manuscrita, que já existia desde os tempos de Agostinho Nunes da Costa, Hugolino do Sabugi, Inácio da Catingueira e Romano da Mãe D'água, só viria a se servir dos tipos móveis quando o poeta Leandro Gomes de Barros mudou-se da Vila do Teixeira, na Paraíba, para Vitória de Santo Antão (PE), e passou a editar os primeiros folhetos nas tipografias de Recife

Leandro não se limitou a reaproveitar os temas correntes, oriundos do romanceiro medieval e dos ABCs manuscritos compostos em quadra, que já circulavam aos montes pelo Nordeste narrando a gesta do boi e do cangaceiro. Ele foi mais longe. Criou um tipo de poesia cem por cento brasileira, versejou em diversas modalidades (sextilha, setilha e martelo), utilizando a redondilha menor (versos de cinco sílabas), a redondilha maior (sete sílabas) e o decassílabo. Em sua vasta produção, orçada em torno de mil poemas publicados em mais de seiscentos folhetos, destacou-se, sobretudo, pela qualidade de sua poesia e por sua sátira mordaz e instigante

Leandro Gomes de Barros era filho de José Gomes de Barros Lima e Adelaide Gomes de Barros. Nasceu na fazenda Melancia, em Pombal (PB) (hoje pertencente ao município paraibano de Paulista), no dia 19 de novembro de 1865, e faleceu no Recife (PE), em 4 de março de 1918. Ele foi o fundador da poesia popular no Brasil e o mais importante poeta de seu tempo, conforme o testemunho do poeta Francisco das Chagas Batista. É também autor de dois folhetos, dos três que serviram de inspiração para Ariano Suassuna compor O Auto da Compadecida. São eles: O Dinheiro - O testamento do cachorro -, de 1909, e O Cavalo que Defecava Dinheiro.

2 .  Primeiro contato com a obra de Leandro
 

Em 1976, com apenas nove anos de idade, estive na cidade cearense de Canindé, conhecida como o "maior santuário franciscano das Américas", onde há uma grande romaria dedicada a São Francisco das Chagas. Por lá, apareciam vendedores de poesia popular, os famosos folheteiros, atraídos pelo aglomerado de gente. Naquela oportunidade, meu pai presenteou-me com os dois volumes do folheto A Vida de Canção de Fogo e seu Testamento, de Leandro Gomes de Barros. A partir daquela data, Canção e Leandro passaram a ser meus heróis (ou anti-heróis?) prediletos. Mais que quaisquer outros que eu viria a conhecer posteriormente, nacionais ou importados, dos quadrinhos ou do cinema. 

Toda criança sente-se fascinada pelos contos de encantamento que, em plena era de consideráveis (e por vezes abusivos) avanços tecnológicos, ainda influenciam o desenho animado e até mesmo os jogos de videogame. O folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo, em Cinco Livros do Povo, justifica a permanência e as transformações da novelística fantástica e dos contos de encantamento, tema freqüente dos livretos de cordel, lembrando que o cinema e os quadrinhos também estão impregnados desses motivos:

A necessidade do maravilhoso, a tendência natural à libertação das leis físicas da proporção e do equilíbrio explicam muito dessa literatura fantástica que resiste e se transfigura nas revistas infantis em que as fadas passam aos brutos SUPERMAN desenhados em Nova Iorque. Todo o indispensável amor ao maravilhoso explica a perpetuidade do conto infantil e popular, como defende a vulgaridade dos filmes em série, dos horse ópera, romances em folhetins, as novelas gritadeiras e radiofônicas [o texto de Cascudo é de meados do século XX] que disputam o reino perdido de Ponson du Terrail, Alexandre Dumas, Pai, e Michel Zevaco.

Os cordéis já exerciam um grande fascínio sobre mim desde minha alfabetização, e constituíam a minha leitura predileta, embora, por conta disso, eu sofresse a crítica de diversas pessoas que não entendiam como uma criança de oito anos perdia o seu tempo "com esses livretos de gente velha". 

Pois bem, no caso do folheto de Canção de Fogo, foi paixão à primeira vista, identificação total com o irreverente personagem e seu criador, cuja importância nunca foi devidamente reconhecida em nosso país. Apesar dos esforços de Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Sílvio Romero, Gustavo Barroso, Manuel Diegues Jr., Sebastião Nunes Batista e outros intelectuais, Leandro só veio a ter algum valor nos meios acadêmicos nacionais depois que virou alvo da pesquisa de intelectuais franceses e norte-americanos, como Raymond Cantel e Mark J. Curran. E mais ainda, depois que Carlos Drummond de Andrade o considerou superior a Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, que, curiosamente, nasceu e faleceu também nas mesmas datas que Leandro (1865 - 1918). 

Pode, aparentemente, haver certo exagero da parte de Drummond, mas levemos em conta o fato de que Leandro foi muito mais popular, pois suas obras tiveram milhares de edições, e foram consumidas até por analfabetos, que compravam seus folhetos e pediam para que terceiros, semi-alfabetizados, longe dos salões engalanados, os lessem em voz alta. Tais leituras formavam verdadeiros saraus de poesia nas noites sertanejas, com dezenas de ouvintes, embevecidos pela leitura alegre e cadenciada de: Cachorro dos Mortos, Juvenal e o Dragão, Donzela Teodora, Soldado Jogador, Sofrimentos de Alzira, Alonso e Marina e Meia-Noite no Cabaré.

3. Retalhos da infância de Leandro
 

Leandro ficou órfão de pai aos sete anos, e mudou-se para a Vila do Teixeira (PB), na companhia de seu tio materno, padre Vicente Xavier de Farias, que ajudou a criá-lo. Deixou a companhia deste ao completar 11 anos de idade, por se considerar vítima de maus-tratos. A Vila do Teixeira era o berço dos grandes cantadores do passado - pioneiros do gênero - como Francisco Romano Caluête (o temido Romano da Mãe D'água ou Romano do Teixeira, que travou peleja com Inácio da Catingueira), e do famoso glosador Agostinho Nunes da Costa, pai de Ugolino e Nicandro Nunes da Costa, tidos como os melhores cantadores de seu tempo. Teixeira foi ainda a terra de grandes valentões, com destaque para os Guabirabas, família de celerados cuja bravura Leandro imortalizaria em versos, muitos anos depois:

Deixo agora os cangaceiros
Da nossa atualidade,
Para vos contar a história
De outros da antiguidade:
Quatro cabras destemidos
Assombro da humanidade.

Os Guabirabas, um grupo
De três irmãos e um cunhado,
Tudo assassino por índole,
Cada qual o mais malvado!
Aquele sertão inculto
Tinha essas feras criado.

Parte deste poema encontra-se no livro Ao som da viola, de Gustavo Barroso, publicado em 1921. Liberato da Nóbrega, subdelegado de Teixeira, e Cirino Guabiraba são o cerne da questão. O delegado Delfino Batista havia ficado de fora da contenda, mas acabou sendo a principal vítima da refrega... Os atos de bravura de Cirino e seu cavalo Retróz são descritos com minúcias pelo poeta, que cresceu embalado por aquelas histórias. Até a intervenção do Padre Vicente Xavier de Farias é vista pelo repórter Leandro com imparcialidade. Os laços de família e as questões pessoais são deixadas de lado:

Achando o Padre Vicente,
Essas feras sem destino,
Disseram a ele: - Seu padre
Mande o sacristão ao sino
E pode escutar os tiros
Que vamos dar no Delfino!

Nessa conversa que estavam
Disse-lhes o padre Vicente
Que o Delfino Batista
Dessa morte era inocente.
O culpado disso tudo
Foi Liberato somente.

Mas eles nem escutaram
O que o padre dizia,
Cortaram em pequenas postas
Com a maior tirania
Uma das melhores almas
Que naquela terra havia!

Informa-nos o escritor Pedro Nunes Filho, autor de Guerreiro Togado, que o Padre Vicente, além de vigário da Vila do Teixeira, era também professor de latim e humanidades, o que no passado chamava-se padre-mestre, tendo sido, provavelmente, o responsável pela educação daquele garoto, que cedo revelou os seus pendores para a literatura. Leandro abandonou a companhia de seu tutor aos 11 anos, devido os maus-tratos que ele lhe infligia e algumas desavenças por causa da herança deixada por seu pai (o padre era o tutor da herança de sua família, e andou transferindo alguns bens para outras pessoas, deixando Leandro e seus irmãos na miséria). Este fato encontra-se minuciosamente descrito num livro ainda inédito, escrito pela professora Cristina da Nóbrega. Leandro abandonou a escola e fugiu de casa ainda adolescente, tendo passado por muitas privações. Qualquer semelhança com a história de Canção de Fogo e Alfredo, personagens criados pelo mestre de Pombal, talvez não seja mera coincidência...

Esse homem que me cria
Me maltrata em tal altura
Que nem um preso no cárcere
Sofrerá tanta amargura
Não foi Deus, é impossível
Que me deu tanta amargura.

Canção de Fogo, um amarelinho da mesma estirpe de Pedro Malazartes e João Grilo, é descrito por Leandro como "o quengo mais fino/ dessa nossa geração".  Familiares do poeta contam que o jovem Leandro era um menino "endiabrado", sempre disposto a aprontar travessuras, que ainda hoje estão retidas na oralidade de seus parentes. Não eram exatamente brincadeiras de mau gosto, mas atitudes que demonstravam grande irreverência. Já adulto, seu espírito brincalhão continuava o mesmo... No velório de um tio, trepou-se numa janela e ficou de atalaia, esperando a passagem de uma criada da casa, fingindo-se de onça. E não é que acabou pulando em cima dela, imitando o rosnado do feroz felino?! Foi uma situação de grande hilaridade, exceto para sua tia, a viúva, que ficou muito magoada: "- É, Leandro, eu sempre fico lhe devendo!"

Câmara Cascudo comparou esse folheto - A Vida de Canção de Fogo e o seu Testamento -, em seu Vaqueiros e Cantadores, a um livro outrora famoso, Palavras Cínicas, do escritor português Albino Forjaz de Sampaio, uma das obras mais lidas no Brasil, no início do século passado... Realmente, a obra de Forjaz de Sampaio é plena de irreverência, cheia de máximas que podem haver inspirado o autor de O padre jogador. Já em Cinco Livros do Povo, Cascudo afirma que o Canção de Fogo é uma "espécie matuta do Lazarillo de Tormes, Guzmán de Alfarache ou Estebanillo Gonzáles", quengos finos da velha Europa, personagens de novelas picarescas. Porém, somos de opinião que Leandro inspirou-se em sua própria história e outros tipos populares do Recife para compor o irrequieto Canção:

Cancão de Fogo já tinha
Nove ou dez anos de idade
Quando o pai dele morreu...
Deixou-os em orfandade;
Cancão quando soube disse:
- Isso não é novidade!

- Mamãe está sem marido,
Por isso não vá chorar;
Eu também fiquei sem pai
Porém, sempre hei de passar.
Ela pode achar marido -
Pai é que eu não posso achar!

4.  A família de Leandro
 

Segundo informações da escritora Cristina da Nóbrega, professora de Teologia no Recife, bisneta de Daniel Gomes da Nóbrega, Leandro era irmão de seu bisavô e também de Adonias, Cândida e Raimunda. Graças aos seus esforços, foi possível, pela primeira vez, fazer-se um esboço da árvore genealógica do poeta, mesmo que faltem algumas peças primordiais, como o nome e a origem de seus avós. Sabe-se que a mãe se chamava Adelaide, e era sobrinha do já citado padre Vicente Xavier de Farias, que ficou como tutor da família, após a morte do pai de Leandro. Segundo Cristina, os dois não se entendiam. 

Por esse motivo, Leandro acabou mudando o próprio sobrenome, renegando o "da Nóbrega" (da família de seu tio) e adotando "de Barros", que era o outro sobrenome de seu pai. Cristina também suspeita que a questão do subdelegado Liberato da Nóbrega com os Guabirabas, cangaceiros da antiga Vila do Teixeira, também haja contribuído para essa decisão do poeta. A certidão de óbito de Leandro, encontrada recentemente por Cristina, informa que o nome completo do pai de Leandro, era José Gomes de Barros Lima. Provavelmente, o Nóbrega vem de sua mãe, Adelaide.

Leandro residiu até os 15 anos de idade no Teixeira, fonte irradiadora de poesia e nicho sagrado de grandes poetas populares do passado. A convivência com esses menestréis matutos, aliada às lições que recebeu do padre-mestre Vicente Xavier de Farias, afora a leitura de livros como as Escrituras Sagradas e a História de Carlos Magno e os Doze Pares de França fizeram de Leandro um verdadeiro elo entre o popular e o erudito. Diria mais: Leandro foi o veículo de transição entre a poesia oral "matuta" e a poesia popular urbana no Brasil!

Por volta de 1880, mudou-se para Pernambuco, fixando-se inicialmente em Vitória de Santo Antão (PE). Após uma curta permanência em Vitória, Leandro mudou-se para Jaboatão, onde casou-se com dona Venustiniana Eulália de Sousa (que se tornou "de Barros"), com quem teve quatro filhos, segundo informa a pesquisadora Ruth Brito Lemos Terra em sua obra Memórias de Lutas: Literatura de Folhetos do Nordeste: 1893-1930

Seus contemporâneos relatam que o poeta, apesar de ter constituído uma família numerosa, nunca teve outro ofício além de escrever, imprimir e revender os seus versos, coisa muito rara no Brasil... Os filhos de Leandro eram Rachel Aleixo de Barros Lima (que se casou em 1917 com o escritor Pedro Batista, irmão do também poeta Francisco das Chagas Batista), Herodías (Didi), Julieta e Esaú Elóy. Este último seguiu a carreira militar, tendo participado da Revolução de 1924 e da Coluna Prestes. Durante as pesquisas realizadas para elaboração de sua obra, Ruth Terra conseguiu entrevistar Julieta Gomes de Barros, uma das filhas de Leandro. Esaú assinou, juntamente com a mãe, o documento de venda da obra de seu pai ao poeta João Martins de Athayde, em 1921.

5.  Um "matuto" de gosto apurado
 

A única foto de Leandro que chegou à posteridade mostra um cidadão de meia-idade, elegantemente trajado, de pele e olhos claros, rosto arredondado, de serena expressão e a testa ampla dos homens inteligentes. Erram aqueles que o taxam de "matuto" e de "caboclo atarracado". 

Leandro Gomes de Barros
Pela obra de Leandro, deduz-se que ele era um homem cosmopolita, pois se mudara ainda adolescente para as imediações do Recife, uma das mais prósperas capitais do Brasil. Nacionalista que era, e ainda mais por seus minguados rendimentos, advindos unicamente da venda de seus folhetos, Leandro não adquiriu hábitos de um lord inglês, cuja moda era copiada pela sociedade das capitais nordestinas, mas nem por isso pode-se dizer que ele não tinha um gosto refinado. Lia regularmente, além dos livros úteis à sua pesquisa, jornais e revistas (seus folhetos de época mostram que ele era muito bem informado), andava constantemente de trem, hospedava-se em hotéis quando viajava e andava regularmente calçado de sapatos ou botinas. 

Mesmo morando nos arrabaldes, Leandro trajava-se decentemente, e criou a sua família com dignidade, conforme atesta Câmara Cascudo. Bebia vinho do porto, quando podia, cerveja e cachaça. Uísque não, porque deliberadamente não simpatizava com os ingleses. Pela letra de Rachel Aleixo, que se vê na coleção de folhetos pertencente a Casa de Rui Barbosa, nota-se que a filha de Leandro teve boa instrução, numa época em que era raro os "matutos" nordestinos colocarem as filhas nas escolas. Vejamos estas três estrofes, extraídas do folheto O Cometa, de 1910:

Eu andava a meus negócios,
Na cidade de Natal,
No hotel que hospedei-me
Apareceu um jornal,
Que dizia que no céu
Se divulgava um sinal.

Tratei de tomar o trem
E seguir minha viagem,
Disse: - Tudo vai morrer,
Para que comprar passagem?
Inglês vai perder a vida,
Perca logo essa bobagem.

Eu estava tirando as botas
Quando chegou um caixeiro,
Esse vinha com a conta
Que eu devia ao "marinheiro"
Eu disse: - Vai morrer tudo,
Seu patrão quer mais dinheiro?

6. A morte e a morte de Leandro 

Do mesmo modo que a sua vida, a morte de Leandro também é envolta em lendas e controvérsias. Há pelo menos umas quatro versões para esse fato. O jornalista Permínio Ásfora, em artigo publicado no Diário da Noite do Recife, em 13 de dezembro de 1949, intitulado "Crise no romanceiro popular", diz o seguinte:

"Trechos de sua vida são lembrados ainda hoje. Contam que já morava aqui no Recife quando um senhor de engenho, indignado com um morador, resolveu aplicar neste uma sova de palmatória. (...) Um dia o senhor de engenho é surpreendido por violenta punhalada vibrada pela mesma mão que levara seus bolos. O poeta Leandro aproveita o caso policial, transformando-o em folheto que era um libelo contra o senhor de engenho. Descreve em "O punhal e a palmatória", com calor e simpatia, a inesperada vindita. O chefe de polícia, enfurecido com a literatura de Leandro, manda metê-lo na cadeia. Apesar de folgazão, Leandro era homem de muita vergonha e de muito sentimento. E como naquele já distante ano de 1918 a cadeia constituía uma humilhação, à humilhação da cadeia sucumbiu o grande trovador popular".

Outros pesquisadores afirmam que Leandro morreu vítima da influenza espanhola, uma gripe mortífera que assolou o Brasil no início do século passado. Egídio de Oliveira Lima, por sua vez, diz que Leandro morreu "de uma enfermidade que o havia atacado uns dez anos antes" (Lima, 1978: 156), e no seu ATESTADO DE ÓBITO consta como causa mortis ANEURISMA.

7. Encontrada a certidão de óbito de Leandro
 

Cristina da Nóbrega, seguindo pistas fornecidas pelo autor destas linhas, pesquisou nos cartórios do Bairro de São José, no Recife, e localizou o livro onde está assentada a CERTIDÃO DE ÓBITO do grande poeta. Algumas informações curiosas, prestadas por seu filho Esaú Eloy de Barros Lima (quem, por sinal, assina o documento), são bem reveladoras. Ele informa que seu pai tinha 58 anos de idade, e não 53, na data de seu falecimento, o que remete seu nascimento para 1860, ao invés de 1865, data divulgada oficialmente. 

Diz que Leandro era filho de José Gomes de Barros Lima e Adelaide Gomes de Barros (seu nome de solteira era Adelaide Xavier de Farias). Era comerciante, faleceu na rua Passos da Pátria, bairro de São José, às 9h30 da noite do dia 4 de março de 1918, tendo como causa mortis aneurisma. Nessa data, Rachel Aleixo de Barros Lima, a filha mais velha, tinha 24 anos, Esaú Eloy, o declarante, 17 anos, e as suas irmãs Julieta (na certidão está grafado erroneamente Juvanêta) e Herodias eram também menores. 

Após a morte de Leandro, seu genro Pedro Batista (irmão de Chagas Batista e esposo de Rachel Aleixo de Barros) continuou editando a obra do sogro em Guarabira (PB), fazendo algumas revisões de linguagem, entre 1918 e 1921. 

Em 1921, após desentender-se com o genro, a viúva do poeta, Dona Venustiniana Aleixo de Barros, vendeu seu espólio literário a João Martins de Athayde. O pesquisador Sebastião Nunes Batista, que muito se empenhou pela restituição de autoria de Leandro e de outros poetas populares, informa como se deu essa transação, em artigo intitulado "O seu ao seu dono...", publicado na revista Encontro com o Folclore (Rio de Janeiro, 5 de abril de 1965):

D. Vênus, como era chamada na intimidade, desentendera-se com o seu genro Pedro Batista, porque tendo este enviuvado de sua filha Rachel Aleixo de Barros, que faleceu de parto da pequena Djenane, não concordou em que a menina fosse para companhia da avó materna, e esta em represália autorizou João Martins de Athayde a editar parte da obra literária do grande poeta popular paraibano Leandro Gomes de Barros.

8. Conclusão 

O estilo de Leandro é inconfundível. Ele teve fôlego para transitar em todos os gêneros e modalidades correntes: peleja, romance, gracejo, crítica social, e o fez com maestria. Poucos conseguiram igualar-se. No geral, ninguém o superou até hoje. José Camelo de Melo, autor do Romance do Pavão Misterioso, foi um gênio no gênero romance, assim como José Pacheco, autor de A Chegada de Lampião no Inferno, foi um gênio em matéria de gracejo. Mas ninguém teve a grandeza de Leandro, que foi gênio em todos os estilos. 

Recentemente, o jornalista Lorenzo Aldé, da Revista de História da Biblioteca Nacional, comparou-o a Machado de Assis, pelo fato de ser um dos patriarcas da literatura nacional e por ter sido um "crítico mordaz dos valores de seu tempo, observador sensível da vida pública e da política tupiniquim, dono de um estilo irônico e imaginação inesgotável". Também por haver influenciado as gerações de poetas populares que o sucederam.

É esse o Leandro que o Brasil precisa conhecer.


*Arievaldo Viana: Poeta popular, criador do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula. 

Bibliografia
ALDÉ, Lorenzo. "Hora de Conhecer Leandro", in Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 3, n. 29, fevereiro de 2008.
BARROSO, Gustavo. Ao Som da Viola (Folclore), nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949.
BATISTA, Francisco das Chagas. Cantadores e poetas populares. 2. edição. João Pessoa, 1997.
BATISTA, Sebastião Nunes. Bibliografia Prévia de Leandro Gomes de Barros. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação da Biblioteca Nacional, 1971.
CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. São Paulo: Ediouro, 2000.
__________. Cinco Livros do Povo. 2. edição. João Pessoa: Editora Universitária/UEPb, 1979.
CURRAN, Mark. História do Brasil em cordel. 2 ed. São Paulo: EDUSP, 2001.
FILHO, Pedro Nunes. Guerreiro Togado - Fatos Históricos de Alagoa do Monteiro. Recife: Editora Universitária - UEPE, 1997.
LIMA, Egídio de Oliveira. Folhetos de Cordel. João Pessoa: UFPB, 1978.
LITERATURA POPULAR EM VERSO. Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1973 (Coleção de textos da Língua Portuguesa moderna).
__________. ANTOLOGIA, Tomo III. Leandro Gomes de Barros - 2. João Pessoa: UFPB, 1977.
LOPES, Ribamar. Literatura de Cordel - Antologia. 3. edição. Banco do Nordeste do Brasil S.A., 1984.
PIMENTEL, Altimar. F. das Chagas Batista, Antologia. São Paulo: Hedra, 2007.
TERRA, Ruth Brito Lemos. Memória de Lutas: Literatura de Folhetos no Nordeste - 1893 - 1930. São Paulo: Global, 1983.


LINKS: