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Leandro Vilar

terça-feira, 22 de abril de 2014

Repensando a história da descoberta do Brasil

Na presente data de 22 de abril, o Brasil celebra ou deveria celebrar, já que o Dia do descobrimento em geral é esquecido, eclipsado pelo feriado do Dia de Tiradentes, em 21 de abril, uma tradição inventada no início do período republicano brasileiro; mesmo assim, 22 de abril marca o aniversário do Brasil. Todavia, ainda existem algumas questões em aberto as quais indagam se realmente Pedro Álvares Cabral teria sido o primeiro a chegar ao Brasil, ou na realidade ele veio apenas oficializar uma descoberta que já tinha sido feita anos antes, mas foi mantida em sigilo pela Coroa portuguesa. 

A verdade é que o caso do descobrimento do Brasil é igual ao caso do descobrimento das Américas. Embora Cristóvão Colombo receba o crédito pela descoberta feita a 26 de outubro de 1492, os vikings já haviam chegado ao que hoje é o Canadá, quase cinco séculos antes dele, mas eles não levaram e ainda hoje não levam o crédito por terem "descoberto as Américas" antes de Colombo. Embora já se saiba a verdade por trás de tais acontecimentos, ainda assim, hoje prefere-se manter a formalidade dos descobrimentos feitos pelos europeus em fins do século XV e ao longo dos séculos XVI em diante. 

A proposta deste texto e mostrar que a expedição de Pedro Álvares Cabral a qual partiu em 1500, com destino a Calicute, na Índia, a fim de repetir o caminho e êxito da expedição de Vasco da Gama (1497-1499), onde se conta que durante a viagem pela costa africana uma tempestade teria desviado doze naus de seu rumo, e Cabral veio a atravessar o Atlântico e por fim descobriu terras. A realidade não é bem assim, não foi um mero acaso que fizera Cabral chegar ao que hoje é o Brasil. Ele veio tomar posse oficialmente das terras que a Coroa portuguesa já haviam negociado com os espanhóis, desde o ano de 1494. Cabral veio oficializar a descoberta antes que outro fizesse e gerasse problema para os portugueses. 

Introdução: Da viagem de Colombo ao Tratado de Tordesilhas

Cristóvão Colombo
Cristóvão Colombo (1451-1506) ainda é um homem de passado controverso, muitas hipóteses questionam se ele realmente nasceu em Gênova, ou teria nascido em Portugal ou Espanha. De qualquer forma, a historiografia diz que Colombo nasceu em 1451 em local incerto. Sabe-se também que Cristóvão tinha um irmão mais velho, chamado Bartolomeu, o qual era cartógrafo e trabalhou alguns anos em Portugal. Acerca de sua infância muito é desconhecido, mas acredita-se que desde sua adolescência já viajasse junto com o pai, por Portugal e Espanha. Por volta de 1470 ou 1471, Cristóvão se mudou para a ilha de Porto Santo no arquipélago da Madeira (algumas teorias sugerem que ele teria nascido na Madeira). Sobre tal data ainda existem divergências; cronistas da época apontam diferentes datas para a mudança de Colombo de Gênova para Portugal, logo as datas variam de 1470 a 1477, e outros dizem que Colombo não chegou a viver em Portugal, pelo menos antes de 1481. 

Em Porto Santo, ele conheceu sua futura esposa, Felipa de Perestrelo Moniz, filha do capitão-mor de Porto Santo, Bartolomeu Perestrelo. Colombo passou a trabalhar por alguns anos em Porto Santo e na Madeira e por volta de 1479 casou-se com Felipa e dois anos depois nasceu o primeiro filho do casal, Diogo. A família se mudou para o Funchal na ilha da Madeira, de onde posteriormente se mudaram para Portugal. 

De acordo com relatos do próprio Colombo, no ano de 1481, este viajou para o golfo de Guiné indo visitar o Castelo de São Jorge da Mina, além de outras localidades da região, tal fato prova que Colombo já estivesse familiarizado com as expedições portuguesas e as descobertas realizadas. Alguns historiadores acreditam que Colombo possa ter conhecido Diogo Cão nessa época. Mas, enquanto Diogo Cão prosseguia com suas viagens rumo ao sul da África, Colombo retornou para Lisboa a fim de procurar o rei D. João II e lhe apresentar a sua proposta: uma rota ocidental para as Índias, cruzando o Oceano Atlântico. 

Colombo já vinha alguns anos estudando mapas e teorias geográficas para fundamentar sua própria teoria. Uma de suas principais influências fora a projeção feita pelo astrônomo, matemático e geógrafo italiano Paolo Toscanelli (1397-1482), o qual em suas pesquisas fundamentava que a Terra fosse esférica e que era assim possível chegar-se as Índias navegando pelo Atlântico rumo ao Poente. Uma das bases para a teoria de Toscanelli advieram dos relatos de Marco Polo (1254-1323) sobre suas viagens e estada na China e no extremo oriente, assim na projeção, representava a China, o Japão e as ilhas mencionadas na descrição de Polo.

Paolo dal Pozzo Toscanelli defendia no século XV a teoria que era possível navegar em direção as Índias, seguindo pelo Ocidente. 
Quando Colombo foi apresentar sua teoria e o mapa de Toscanelli ao rei D. João II, tais hipóteses não eram desconhecidas pelo rei naquela época. Fernando Martins de Reriz era amigo de Toscanelli e em 1476 já havia enviado uma carta deste para o então rei D. Afonso V, o qual não deu atenção a teoria do italiano. Posteriormente quando Colombo se apresentou, D. João II, também não deu muita atenção as ideias do navegador, os motivos não são bem claros, já que de fato Portugal empreendia expedições pelo ocidente do oceano, tentando encontrar novas ilhas e terras, porém acredita-se que o resultado da viagem de Diogo Cão, quando o mesmo retornou em 1483, avivou ainda mais a esperança de se está próximo do fim da África, e logo cada vez mais perto do Oceano Índico e a rota para as Índias

Por volta de 1485, cansado de esperar, Cristóvão Colombo mudou-se com a família para Castela, a fim de pedir ajuda ao rei Fernando de Castela para concretizar o sonho de sua expedição, no entanto o rei estava mais interessado e ocupado com as guerras da Reconquista (batalhas para se expulsar os mouros da Península Ibérica) e com a unificação dos reinos hispânicos no que com projetos de navegação. Colombo pediu várias vezes ao rei, a nobreza e a burguesia mercantil que alguém o patrocina-se, foi até chamado de louco por muitos. 

Em 1488, Bartolomeu Dias retornou a Lisboa trazendo a notícia de que havia chegado ao fim da África e alcançado o Oceano Índico. Ainda no mesmo ano, D. João II enviou uma carta para Colombo o convidando a voltar para Portugal e trabalhar para a coroa, participando da próxima expedição que seguiria a rota descoberta por Dias em direção ao Índico e de lá para as Índias. Colombo recusou a oferta. 

Quatro anos depois, em 1492 a vez de Colombo havia chegado. Os mouros haviam sido expulsos de Granada, o último reduto islâmico na Ibéria, e os reinos hispânicos foram unificados sobre as coroas de Fernando de Castela e sua esposa, Isabel de Aragão, os quais passaram a serem chamados de Reis Católicos. Devido a afeição da rainha pelos trabalhos de Colombo na Corte, ela deu-lhe um voto de confiança, e logo o rei fez o mesmo, e assim lhe ofereceram três navios e uma tripulação para partir ao Poente e chegar as Índias. 

Em 3 de agosto partindo de Palos de la Frontera, Colombo seguiu com seus três navios em direção ao desconhecido. Em 12 de outubro de 1492, fora avistado terra, e Colombo aportou numa ilha que fora batizada por ele de San Salvador (hoje Bahamas). Acreditando que aquela terra fosse nas Índias, ele chamou os nativos erroneamente de índios

Em 1493, Colombo retornou para a Espanha trazendo a grande novidade, havia chegado as Índias, embora que posteriormente ele começou a questionar se realmente aquelas terras eram as Índias ou um "Novo Mundo". No mesmo ano, os Reis Católicos trataram de oficializar sua descoberta e pedir a benção do papa para continuar a exploração daquelas terras e levar a palavra de Deus para aqueles infiéis. 

Mapa representando a rota da expedição de Colombo em sua primeira viagem (1492-1493). 
Entre 3 e 4 de maio, o então papa Alexandre VI, patriarca da família Bórgia, assinou a bula Inter Coetera, expedindo um limite formal entre os domínios portugueses no Atlântico e as novas terras descobertas por Colombo no ano anterior. De acordo com os limites estipulados pelo papa, a linha fronteiriça ficaria estipulada a 100 léguas de distância das Ilhas Canárias, possessões espanholas no Atlântico, em contra-partida, era vetado aos espanhóis explorarem a rota oriental descoberta por Bartolomeu Dias. Porém, o rei D. João II não gostou da questão envolvendo o limite fronteiriço a 100 léguas das Canárias, então ele decidiu elaborar uma nova proposta.

Devido a falta de mais documentos ainda fica vago alguns pontos que envolvem a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), a resposta do rei português a proposta do papa aos Reis Católicos. Ainda hoje não se sabe ao certo até onde ia o conhecimento de Portugal acerca da possibilidade da existência de terras ao sul de onde Colombo havia chegado, teria sido mera sorte, ou uma jogada arriscada? Ou Portugal de alguma forma já suspeitava de haver terras no que hoje é a América do Sul, daí propor uma revisão nos limites fronteiriços da bula papal?

"Nenhum outro acordo entre os Estados modernos revestiu da importância histórica do Tratado que assinou, na vila castelhana de Tordesilhas, a 8 de junho de 1494. As coroas de Castela e Portugal reconheciam a necessidade a política dos descobrimentos que mais convinha aos seus interesses nacionais". (SERRÃO, 1994, p. 135).

Na visão de Serrão [1994] o Tratado de Tordesilhas foi uma saída pacífica entre Portugal e Espanha para se evitar uma guerra pela disputa das terras do Novo Mundo, já que alguns membros da expedição levada por Colombo eram portugueses; de acordo com alguns cronistas portugueses, Colombo viveu pelo menos 14 anos em Portugal, serviu a coroa em viagens marítimas; e de certa forma, parte do conhecimento adquirido pelo mesmo adveio de seus anos morando e estudando em solo português; não obstante, D. João II alegava que Portugal havia iniciado as viagens empreendidas para o ocidente, algo no que resultou na descoberta dos Açores. Os espanhóis só fizeram ir mais além do que Portugal já havia ido, mas foram os portugueses os primeiros a se arriscarem oceano adentro.

Assim, para se evitar um impasse entre as duas nações, já que de certa forma foram os espanhóis que ficaram com a fama de "descobridores da América", embora não fossem os primeiros ali a chegar, já que os Vikings haviam feito isso quase cinco séculos antes. A assinatura do tratado foi a melhor saída naquele momento. 

"No dia 14 de agosto de 1493 chegavam a Barcelona os dois enviados régios, o doutor Pedro Dias e o cronista Rui de Pina: Levavam poderes para transmitir aos Reis Católicos o ponto de vista português, a propor a fixação da linha divisória a 250 léguas a oeste das Canárias ou de uma ilha de Cabo Verde. A resposta dos Reis Católicos ficou subordinada ao parecer técnico que, no dia 5 de setembro, solicitaram de Cristóvão Colombo, quanto à fronteira marítima a estabelecer. No mês de novembro chegavam a Lisboa os delegados castelhanos D. Garcia de Carvajal e Perlo de Aiala, cuja missão não conduziu logo aos fins desejados". (SERRÃO, 1994, p. 138).

A proposta portuguesa acabou pulando de 250 léguas para 370 léguas, passando a usar como marco referente a ilha de Santo Antão no Cabo Verde, assim em junho de 1494, o rei D. João II e sua comitiva seguiram para Tordesilhas onde encontraram os Reis Católicos e sua comitiva, e lá embora pela grande mudança sugerida pelo rei português, os Reis Católicos aceitaram, e por fim fora assinado o Tratado de Tordesilhas, o qual permitia os portugueses apenas explorarem as terras que estivessem dentro dessa marca, que por coincidência ou já planejado, veio a ser a costa do Nordeste e do Sudeste do Brasil. 

Mapa representando os limites geográficos proposto pela bula Inter Coetera (1493) e o Tratado de Tordesilhas (1494). 
Além dessa mudança da delimitação dos limites, os acordos chegados anteriormente na bula papal, reconhecendo a exclusividade espanhola em explorar as terras descobertas por Colombo, e a exclusividade portuguesa com o caminho de Bartolomeu Dias permaneceu. Em 1506, o papa Júlio II reconheceu oficialmente os desígnios propostos em Tordesilhas, porém os problemas não acabaram por aí. Devido ao fato de não saberem na época as reais proporções do planeta, muitos geógrafos e cartógrafos contestaram até onde ia os limites estipulados por Portugal no tratado, havendo variações para mais e para menos do que fora delimitado. De qualquer forma, no século XVII Portugal já havia quebrado o tratado, adentrando cada vez mais pelo interior da América do Sul.

Não obstante, até o fim da vida, Cristóvão Colombo retornou mais três vezes para o Novo Mundo, o qual passou a se chamar América devido ao navegador, cartógrafo, mercador e cosmógrafo italiano Américo Vespúcio (1454-1512), o qual navegou pela América Central e do Sul, descrevendo as suas costas. Não obstante, Vespúcio já era consideradamente respeitado na época, e somando-se a isso, Colombo acabou sendo acusado por mau conduta em seu cargo de governador no Novo Mundo, além de receber acusações de corrupção, descaso, abuso de autoridade, etc., o mesmo acabou sendo preso e deportado para a metrópole, não chegou a ser condenado a prisão, mas perdeu seus títulos e posses na América, e até mesmo o título de descobridor da América fora lhe negado, já que por alguns anos constou nos documentos oficiais o nome de Américo Vespúcio como o descobridor daquelas terras. 

Labrador e Terra Nova (1499-1500)

Enquanto a armada de Vasco da Gama retornava da Índia, outros quatro navegadores voltavam a Portugal trazendo notícias que haviam descoberto terras no noroeste do Atlântico, no "Novo Mundo" descoberto por Colombo, no que seria a atual América do Norte. Tal questão é bastante significativa, pois antecede é um ano a descoberta do Brasil, e ao mesmo tempo, revela que os portugueses possuíam uma maior noção sobre as Américas do que se imaginava até então.

Os ingleses inicialmente reinvidicaram para si, o fato de terem descoberto Labrador e Terra Nova, por volta de 1498, tendo sido o seu descobridor, um navegador veneziano de nome João Cabot, a serviço de mercadores de Bristol. Entretanto, pesquisas posteriores desmentem tal fato. Cabot, chegou a essas terras posteriormente a essa data, mas os descobridores dessa, foram o português nascido nos Açores, chamado João Fernandes Lavrador e seu amigo Pedro de Barcelos. E os irmãos Corte RealGaspar e Miguel que descobriram a Terra Nova. 

Sabe-se que em 28 de outubro de 1499, D. Manuel I expediu um documento autorizando a viagem de Lavrador para  se descobrir novas terras no Atlântico ocidental. Não se sabe ao certo, se Lavrador chegou a América do Norte ainda em 1499 ou no começo de 1500, mas quando o mesmo retornou, disse que havia descoberto terras, as quais batizou de "ilha de Lavrador" ou "terra de Lavrador". O rei posteriormente confirmou a descoberta de Lavrador e esse recebeu o direito de explorar as terras que descobriu e colonizá-las. Lavrador faleceu em 1505, e alguns historiadores acreditam que tenha morrido na América do Norte, enquanto realizava outras viagens de descobrimento.



Localização de Labrador no atual Canadá. Os portugueses João Fernandes Lavrador e Pedro Barcelos descobriram esse lugar entre fins de 1499 e começo de 1500. 
Quanto a ilha de Terra Nova (Newfondland) essa fora descoberta pela mesma época, pelos irmãos Gaspar e Miguel Corte Real, filhos do capitão donatário e navegador, João Vaz Corte Real, o qual havia realizado expedições entre 1473-1474 pelo oceano, e teria descoberto Terra Nova nessa época, porém hoje muitos historiadores contestam tal informação pela falta de fontes que a corroborem. Os filhos herdaram do pai o direito concedido pelo rei, de explorar o oceano e as terras descobertas seriam administradas por eles. Assim, seguindo quase que a mesma rota de Lavrador e Barcelos, eles chegaram a uma ilha de fato que batizaram de Terra Nova. 


Mapa da ilha de Terra Nova, descoberta pelos irmãos portugueses Gaspar e Miguel Corte Real. 
Em um documento de 12 de maio de 1500, D. Manuel I reconheceu a descoberta dos dois irmãos, e estes voltaram a Terra Nova, porém na segunda viagem de Gaspar em 1501, o qual havia partido com três caravelas, seu navio acabou se perdendo dos demais, e nunca mais foi encontrado, as outras duas caravelas, procuraram em vão por ele, então retornaram para Portugal, a fim de noticiar ao rei. Gaspar estava ansioso em desbravar a região que ele chamou de "terra verde", embora que hoje não se saiba exatamente onde ficava tal região, se seria ou não perto de Terra Nova. 

Em 1502, seu irmão Miguel partiu em viagem à Terra Nova, decidido a encontrar o irmão, mas para azar do destino, este também não retornou e nunca mais fora visto. Até hoje, se desconhece o que realmente aconteceu com os dois irmãos e suas tripulações. No entanto, uma singela pista sugere, que Miguel tenha vivido alguns anos na América do Norte.

Em 1918 o professor Edmund Delaberre, descobriu inscrições em uma pedra no condado de DightonMassachusetts, onde eles propôs a hipótese que naquela pedra havia inscrições de origem portuguesa, indicando o nome de Miguel Corte Real e a data de 1511. Segundo consta a análise de Delaberre, e posteriormente do historiador amador Manuel Luciano da Silva, na rocha pode se ler as seguintes inscrições: 

"MIGVEL CORTEREAL V DEI HIC IND AD 1511"

Além disso, existe um símbolo que segundo os dois, lembra muito a cruz da Ordem de Cristo, a qual era comumente usada nas velas dos navios portugueses.  Porém, ainda hoje tal teoria é questionável. Outros historiadores sugerem que as inscrições contidas na rocha de Dighton, foram feitas por indígenas locais ou até mesmo pelos Vikings, já que os mesmos, cinco séculos antes dos portugueses chegarem, já haviam estado no Canadá. De certa forma os portugueses não foram os primeiros europeus a chegarem a Labrador e Terra Nova, pois os vikings já haviam passado por essas regiões. 



A pedra de Dighton.
Entretanto, sabe-se que após a morte dos irmãos Corte Real e de Lavrador em 1505, a coroa portuguesa acabou desistindo de colonizar as terras descobertas por eles, o fato pode ser bem simples: D. Manuel I, estava mais interessado no comércio com as Índias. Porém uma questão fica evidente nessa descoberta, o limite estipulado pelo Tratado de Tordesilhas havia sido quebrado anos antes do que se pensava, já que Labrador e Terra Nova, pelo o que consta no tratado, faziam parte dos domínios espanhóis. 

Antes de Cabral chegar (1497-1499):

Oficialmente o Brasil foI descoberto em 22 de abril de 1500 por Pedro Álvares Cabral (1467/68-1520?), quando ali chegou com doze das treze naus que partiram do Cabo Verde, no entanto, alguns relatos apontam que Cabral e seus homens não haviam sido os primeiros portugueses e europeus a chegarem naquela terra.

Duarte Pereira Pacheco
Baseado na pesquisa do professor Luciano Pereira da Silva, a partir da análise de outras fontes documentais do início do reinado de D. Manuel I, o mesmo aponta que em 1498, o rei teria enviado o navegador Duarte Pacheco Pereira (1460-1533), em uma missão especial, para averiguar a existência de terras no limite delineado no Tratado de Tordesilhas. No relato de Álvaro Velho, um dos escrivães da armada de Vasco da Gama, conta que em 18 de agosto de 1497, enquanto haviam retomado a viagem a partir do Cabo Verde, seguindo uma rota aberta para pegar as correntes cíclicas do Atlântico sul, o mesmo relata que a tripulação avistou gaivotas voando no horizonte, logo Velho constatou que poderia haver terra para o ocidente, não muito distante, possivelmente uma ilha ainda desconhecida. A partir de tal relato, Duarte Pacheco viajou para Cabo Verde e de lá partiu para oeste, em busca de tais terras.

Segundo o relato de Duarte Pacheco, contido no livro Esmeraldo de Situ Orbis, obra que ele escreveu, ele e sua tripulação chegaram ao mar das Caraíbas, um pouco distante das pequenas Antilhas, região essa hoje localizada na América Central. Das Caraíbas, eles passaram perto das atuais ilhas de Trinidad e Tobago e seguiram para sul-sudeste, até que avistaram terra, e lá começaram a margeá-la rumo a leste, passando pela foz de um grande rio (provavelmente o rio Amazonas), chegando a um cabo que hoje é o atual cabo São Roque, no estado do Rio Grande Norte, no Brasil. Ainda continuando o relato, a expedição de Pacheco teria cruzado este cabo e prosseguido para sul. O mesmo também relata a grande abundância de pau-brasil naquelas terras. 

O porém de se legitimar a viagem de Pacheco nessa data, é que o relato que se encontra no Esmeraldo data de depois de 1505, e de fato sabe-se que Pacheco visitou a costa brasileira algumas vezes, porém não se encontram mais evidências que apoiem que o mesmo teria "descoberto" essas terras em 1498. Para outros historiadores, Pacheco realmente chegou a América do Sul, mas seu sucesso fora guardado em sigilo por ordens do rei D. Manuel I, embora não se saiba os motivos exatos sobre isso. 

Não obstante, existem também relatos de que três possíveis expedições espanholas passaram pela costa brasileira no ano de 1499. Desde a descoberta de Colombo, os Reis Católicos nos anos seguintes trataram de aumentar o número de expedições para o Novo Mundo, a fim de mapeá-lo.


Em 18 de maio de 1499, o nobre Alonso de Ojeda, o piloto e cartógrafo Juan de la Cosa e o mercador e cartógrafo florentino Américo Vespúcio, seguiram para o Novo Mundo, através da rota da terceira viagem de Cristóvão Colombo, realizada no ano anterior. Sabe-se que a expedição chegou ao mar das Antilhas e seguiu para o sul, atingido o continente, no que hoje é a costa das Guianas e da Venezuela. E pelo o que consta no relato, Vespúcio teria seguido viagem para leste tendo chegado ao cabo de São Roque, porém muitos contestam a veracidade desse relato. Sabe-se que Américo Vespúcio viajou pela costa do Brasil, mas isso aconteceu anos depois. Acredita-se que a história de sua viagem em 1499 tenha sido mesclada com fatos posteriores. 

Vincente Yánez Pinzón
A segunda expedição espanhola, que teria passado pela costa brasileira foi realizada pelo navegador Vincente Yánez Pinzón, o qual partiu com destino as Antilhas, mas ventos desfavoráveis o levaram a ter que aportar em Cabo Verde, e de lá ele voltou a seguir viagem para oeste, tendo avistado um cabo em janeiro de 1500, o qual batizou de Santa Maria de la Consolácion (atualmente cabo de Santo Agostinho em Pernambuco). Pinzón teria chegado ao Brasil, três meses antes de Cabral. Porém pelo o que consta, este não teria aportado em terra, mas continuou a seguir rumo ao norte, contornando o continente, até alcançar a foz do rio Amazonas e depois do rio Orenoco, e de lá seguiu para a ilha de Hispaniola (atualmente Cuba). Mesmo que Pinzón tenha avistado terras e aportado ou não, este não reivindicou tais terras para si ou para a Espanha, simplesmente, passou por ali. Por fim, a terceira expedição espanhola ocorreu com Diogo de Lepe, primo de Pinzón, o qual fora nomeado para comandar uma expedição ao golfo de Pária na América Central. O mesmo teria partido de Sevilha, mas devido a problemas com os ventos acabou chegando a costa pernambucana, mais ou menos na altura de onde Pinzón passou, de lá prosseguiu para o norte até encontrar o caminho para as Antilhas. 

"À semelhança do que aconteceu a Vicente Pinzón, também a passagem de Lepe pela costa brasileira tem de considerar-se episódica, por não traduzir qualquer descoberta seguida de reconhecimento ou ocupação do local atingido. Por tal motivo, a versão de que os dois nautas da Andaluzia descobriram o Brasil não encontrou ainda a necessária comprovação histórica". (SERRÃO, 1992, p. 313). 

Independente de Pacheco, Pinzón e Lepe terem chegado ao Brasil entre 1497 e início de 1500, a oficialização da descoberta foi dada pela expedição de Pedro Álvares Cabral, e diferente do que fora proposto e ensinado nas escolas, a armada de Cabral não chegou por acaso, devido a ventos contrários que os levaram a chegar ao Brasil. Pelo contrário, a missão de Cabral foram duas: tomar posse das terras na América do Sul e chegar na Índia. 


A descoberta do Brasil por Cabral (1500):

Pedro Álvares Cabral
Assim como Vasco da Gama era um nobre, estava intimamente ligado a corte, Cabral também pertencia a nobreza, e possuía certo prestígio perante o rei D. Manuel I, tal fato lhe agraciou para ser indicado como capitão-mor na segunda viagem para as Índias. Junto a Cabral seguiram outros importantes e experientes capitães e pilotos da época, dentre os quais: Bartolomeu Dias e seu irmão Diogo Dias; Nicolau Coelho, Pêro Escobar, ambos haviam sido pilotos na armada de Gama; Vasco de AtaídeSancho de TovarSimão de MirandaAires Correia, entre outros. Nessa expedição também ia um escrivão de nome Pêro Vaz de Caminha (1450-1500) imortalizado na História pela carta que escreveu a D. Manuel I falando sobre as belezas naturais da terra recém descoberta. Se levarmos em consideração esta equipe de peso e experiência, como se dizer que a armada acabou se perdendo em águas já conhecidas? Se tendo a bordo pessoas que já havia realizado a viagem de ida e de volta? Não obstante, devo ressaltar o fato de que o próprio Vasco da Gama conversou com Cabral lhe dando recomendações a se seguir na viagem. 

Em 9 de março de 1500, a armada de treze navios e 1500 homens deixaram o porto no Tejo e seguiram viagem até Cabo Verde, entretanto a nau do capitão Vasco Ataíde desapareceu simplesmente, e nunca mais foi encontrada. Acredita-se que tenha se perdido durante a noite ou num nevoeiro, mas o curioso é que a armada aportou na ilha de São Nicolau no arquipélago cabo-verdense e esperaram o navio de Vasco aparecer, mas esse não apareceu. Mesmo assim continuaram a seguir viagem. De São Nicolau partiram para oeste a fim de tomar posse das terras negociadas no Tratado de Tordesilhas.

Em 21 de abril, a armada avistou algas na superfície e gaivotas sobrevoando os navios, então avistaram no horizonte uma mancha marrom-esverdeada, era terra. Em meio ao horizonte, Cabral avistou um monte o qual batizou de Monte Pascoal, devido ao fato de estarem no mês da Páscoa. No dia seguinte, eles decidiram desembarcar em terra firme e conhecer os nativos que haviam avistado de longe na praia.


O Monte Pascoal, Bahia, Brasil.
Em 22 de abril alguns barcos e membros da tripulação aportaram em terra, e Cabral reivindicou aquelas terras ao rei D. Manuel I de Portugal, e a batizou de Ilha de Vera Cruz, devido ao fato de estarem no período de Páscoa e também por acreditarem no início que se trata-se de uma ilha e não de uma porção do continente. 

Quando os portugueses chegaram a praia ficaram curiosos em ver os índios andando nus, embora que alguns já deveriam saber que os mesmos assim o fizessem, devido ao relato de Colombo, o qual também conta que os índios andavam sem roupa e não tinham vergonha de seus pudores. Os portugueses encontraram uma baía segura e amistosa para a ancoragem, Cabral a batizou de Porto Seguro


Desembarque de Cabral em Porto Seguro. Oscar Pereira da Silva, óleo sobre tela, 1904. 
"Naquela zona, depois chamada Porto Seguro, vivia uma tribo de índios - os tupiniquins. Belos, simpáticos, afáveis, deixaram os marinheiros encantadíssimos! Pêro Vaz de Caminha descreveu-os muito bem: pardos, de pele avermelhada, com feições bonitas e cabelos negros muito lisos, que os homens suavam cortados por cima das orelhas e as mulheres soltos pelos ombros. Andavam nus e não demonstravam vergonha. Sendo tão elegantes, ninguém se sentiu chocado. Lembravam a inocência do Paraíso. Ostentavam pinturas no corpo, bonitos toucados feitos com penas de papagaio e colares de continhas miúdas. No lábio inferior atravessavam um osso branco, que aparentemente não perturbava nenhuma função". (ALBUQUERQUE; MAGALHÃES; ALÇADA, 1992, p. 57). 

Cabral convidou alguns índios para sua nau, lá lhe mostraram alguns animais, os quais os índios reconheceram, no caso o papagaio, mas estranharam um carneiro e uma galinha. Lhe foi dado comida, porém os índios não gostaram do pão de trigo, do vinho e de alguns doces ofertados. Naquele primeiro momento tudo era maravilhoso, os índios eram simpáticos e ingênuos; Cabral enviou dois degredados para passarem a noite na aldeia local, para observar os costumes do mesmos, posteriormente ofereceu presentes, como colares, brincos, chapéus, guizos, entre outras bugigangas, as quais os índios achavam engraçado. Em troca, os portugueses conseguiram algumas aves da região, colheram pau-brasil, e receberam presentes dos indígenas, que lhe entregaram colares, cocares de penas e outros adornos. 

A beleza daquelas terras, a pureza daquela gente, levou alguns portugueses a acreditarem que aquele fosse o "paraíso terrestre". Tal fato é bem avidado pela eloquência que Caminha descreve a terra em sua longa carta para o rei D. Manuel I. 

"Esta terra, senhor, me parece que da ponta que ais contra o sul vimos até outra ponta que contra o Norte vem, de que nós deste porto houvemos visto, será tamanha que haverá nela bem vinte ou cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia-palma, muito chã e formosa". (SERRÃO, 1992, p. 316 apud CAMINHA, 1500).



Uma das páginas da carta de Pêro Vaz de Caminha, 1500. 
Pêro Vaz de Caminha exalta em seu relato a beleza daquelas terras, dizendo haver enormes florestas; que o clima era agradável, embora quente; que havia abundância de aves e outros animais; que a gente dali era bela e simpática; que a água era doce e potável; que havia portos naturais pela costa, e que ao horizonte aquela formosa terra se estendia até se perder de vista. 

"Este texto foi definido por Capistrano de Abreu, com inteira justiça, como 'a carta de baptismo do Brasil'. O notável historiador chamou a atenção para a novidade, ao mesmo tempo de valor histórico e literário, de um país ter encontrado o primeiro cronista na hora da sua revelação ao Mundo. Por isso, considera a carta de Pêro Vaz de Caminh, numa alegoria de belo significado, como 'o diploma natalício lavrado à beira do berço de uma nacionalidade futura'". (SERRÃO, 1992, p. 316 apud ABREU, 1929, p. 238-239).

Os portugueses ainda realizaram a "Primeira Missa" na ilha de Vera Cruz, no domingo 26 de abril, tendo sido erguido uma cruz em uma clareira ou na praia, onde o frei Henrique de Coimbra rezou a missa em latim. Os índios assistiram tudo aquilo curiosos e atentos, embora nada entendessem do que se falava ou tratava ao certo. Provavelmente ao verem a cruz e o frei, constataram que o mesmo seria um tipo de sacerdote, e que aqueles homens brancos, estavam rezando ao seu deus ou deuses. De qualquer forma, Caminha conta que terminada a missa, os índios pegaram seus instrumentos musicais e começaram a cantar e dançar, alegrando todo mundo.



Primeira missa no Brasil. Victor Meirelles, óleo sobre tela, 1860. 
Finalmente a 2 de maio, Cabral decidiu que era hora de partir e retomar o rumo para a Índia. Mas antes de partir, ele escolheu dois degredados (criminosos forçados ao trabalho), para ficarem ali com os nativos, a fim de aprenderem a língua dos mesmos e seus costumes. Porém, dois marujos acabaram desertando de um dos navios e fugiram para floresta e nunca mais foram vistos. Assim, quatro portugueses ficaram em Vera Cruz. Cabral escolheu Gaspar de Lemos capitão de uma das naus, para levar a carta de Caminha, e os presentes dados pelos índios para Portugal, assim a esquadra se despediu e tomaram direções diferentes, Lemos seguiu em direção a Cabo Verde e o restante da armada para o cabo da Boa Esperança. 

Sabe-se que o rei ao receber a carta ficou tão empolgado e contente que tratou de escrever cartas para os fidalgos de sua terra e até mesmo para os Reis Católicos enviou uma carta falando sobre a descoberta da terra de Santa Cruz, assim como ele passou a chamá-la, e assim como oficialmente era conhecida nos documentos: "Província de Santa Cruz". Porém, a medida que as viagens para Santa Cruz se intensificavam devido a exploração do pau-brasil, logo os marinheiros começaram a se referir aquela terra pelos nomes de: "terra do pau-brasil", "terra do Brasil", e finalmente Brasil. Entretanto, apenas anos depois que o nome Brasil seria oficializado pela coroa. 

Em 1 de novembro de 1501, dia de Todos os Santos, Gaspar Lemos de volta ao Brasil, em companhia de Américo Vespúcio, descobriu uma baía que batizou em homenagem a tal data. Hoje, o estado da Bahia, é um dos estados mais conhecidos do país, principalmente devido a sua capital Salvador, e pelo fato de que Porto Seguro, local batizado por Cabral se encontrar em solo baiano. Em 1 de janeiro de 1502, Gaspar Lemos e Vespúcio navegando pela costa brasileira em missão de reconhecimento e mapeamento chegaram a uma baía que acreditavam ser a foz de um grande rio, na época eles batizaram aquela localidade de Rio de Janeiro, entretanto, descobriram posteriormente de que se tratava de uma baía. Atualmente usa-se o nome indígena Guanabara para se referir a antiga baía do Rio de Janeiro. 

De 1500 a 1530, o Brasil era visitado apenas pela extração do pau-brasil, de algumas outras árvores, pela captura de animais, especialmente de aves, algo que era visto como um luxo exótico. Entretanto na década de 1530, o rei D. João III, decidiu iniciar a colonização do Brasil, devido ao fato de que franceses e espanhóis estavam invadindo aquelas terras para contrabandear pau-brasil e fazer alianças com os indígenas; temendo que os mesmo viessem a fundar feitorias ou colônias ali, D. João III estabeleceu o sistema das capitanias hereditárias e distribuiu as terras no Brasil para os capitães-mor, incumbidos de colonizá-las, desenvolvendo lavouras, pastos, vilas, comunidades, além de defender as terras dos inimigos.


Referências bibliográficas: 
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial (1500-1800). Rio de Janeiro, M. Orosco & C, 1907. (Capítulo 3). 
AB'SABER, Aziz N [et al]. História Geral da Civilização Brasileira: A época colonial - v. 1: do descobrimento a expansão colonial. Introdução geral de Sérgio Buarque de Holanda. 15a ed, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007. (Capítulo 3). 
ALBUQUERQUE, Luís de; MAGALHÃES, Ana Maria; ALÇADA Isabel. Os Descobrimentos Portugueses: As Grandes Viagens - II volume. Editorial Caminho SA, Lisboa, 1992.
BUENO, Eduardo. A viagem de descobrimento: a verdadeira história da expedição de Cabral. Rio de Janeiro, Objetiva, 1998. 
CALMON, Pedro. História da Civilização Brasileira. Brasília, Senado Federal, 2002. (Capítulo 1). 
PEIXOTO, Afrânio. História do Brasil. 2a edição, Rio de Janeiro, Cia. Editora Nacional, 1944. (Capítulo II). 
PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portugueza, desde o anno de mil e quinhentos do seu descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro. Lisboa, Oficina de Joseph Antonio da Silva, 1730. (Capítulo 1). 
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Portugal e o Mundo: Nos século XII a XVI. Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 1994.
SOUTHEY, Roberto. História do Brazil - tomo I. Tradução de Luiz Joaquim de Oliveira e Castro, anotações de J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro, Garnier Editores, 1862. (Capítulo 1). 
VARNHAGEN, Francisco de Adolfo. História geral do Brazil - tomo I. Madrid, Imprensa de V. Dominguez, 1854. (Capítulos 1 e 2). 

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sábado, 19 de abril de 2014

As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-nação na era Vargas

 As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-nação na era Vargas

Seth Garfield 
Bowdoin College

OBS: Os grifos e as imagens foram escolhidos por mim, independente do autor. 

Este artigo analisa as construções culturais por meio das quais o Estado Novo (1937-1945) buscou dominar a população indígena. Propulsor no processo da integração nacional brasileira, o Estado Novo foi marcado pela centralização do poder federal, pela ampla intervenção estatal na economia e na sociedade e por um programa nacionalista. O exame do modo como funcionários do Estado e intelectuais criaram e disseminaram noções de indianidade, e de como os índios nelas se engajaram, abre uma perspectiva interessante sobre o processo de formação do Estado nesse momento crítico da história brasileira. Inspirado em The Great Arch de Philip Corrigan e Derek Sayer, este artigo repensa análises das relações entre o povo indígena e o Estado brasileiro.

Em seu estudo sobre a formação do Estado inglês como uma "revolução cultural", Corrigan e Sayer examinam o papel do Estado ao restringir o comportamento social e moldar a vida dos seus cidadãos. No entanto, como eles apontam, o poder do Estado não só restringe e reprime, como por vezes fortalece e capacita seus súditos2. Nem o martírio descrito nas histórias institucionais, nem o plano magistral de um Estado Leviatã de análises revisionistas, a política indígena durante o Estado Novo delineia-se como um projeto ambíguo moldado por fatores históricos e atores sociais3. Os índios emergem não como cifras, mas como interlocutores sociais que seguem e/ou contestam a política estatal, criando novas possibilidades4.

VARGAS E OS ÍNDIOS

Em agosto de 1940, o presidente Getúlio Vargas visitou a aldeia dos índios Karajá na Ilha do Bananal, no Brasil Central. Foi o primeiro presidente brasileiro a visitar uma área indígena, ou o Oeste da nação nesse sentido. Três anos antes ele havia dissolvido o Congresso e abolido todos os partidos políticos, proclamando um Estado Novo compromissado com o desenvolvimento e a integração nacional. Como parte de seu projeto multifacetado de construção de um Brasil novo - mais independente economicamente, mais integrado politicamente e socialmente mais unificado, Vargas voltou-se para o valor simbólico dos aborígenes. Diferentemente de "plantas exóticas" do liberalismo econômico e do Marxismo, os quais o regime autoritário nacionalista procurou extirpar o solo brasileiro mediante repressão política, censura e intervenção federal em assuntos regionais, os índios seriam defendidos por Vargas por conterem as verdadeiras raízes da brasilidade.

Getúlio Vargas e um índio Karaká, trocam cumprimentos.
Os Karajá, então sob a responsabilidade de um órgão federal, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), receberam a delegação presidencial com uma grande cerimônia. Eles apresentaram rituais "tradicionais" e cantaram o Hino Nacional diante da bandeira brasileira e Vargas, por sua vez, distribuiu facas, machadinhas e ferramentas para os índios. Consoante com sua imagem de "Pai dos Pobres", o presidente segurou um bebê Karajá nos braços. Depois de explorar a Ilha, Vargas manifestou o desejo de reconhecer o território dos "Xavante extremamente ferozes" que habitavam as redondezas. Da segurança de seu avião, Vargas viu, através de binóculos, uma aldeia Xavante não contactada. Encorajado por essa oposição potencial, o ilustre visitante esboçou seu plano para o Oeste. Vargas prometeu distribuir terras para os índios e caboclos que viviam na região. Ao "fixar o homem à terra", o Estado extirparia as raízes do nomadismo, convertendo índios e sertanejos em cidadãos produtivos. O SPI iria doutrinar os índios, "fazendo-os compreender a necessidade do trabalho"5.

A viagem de Vargas ao Centro-oeste, arquitetada para se assemelhar às ousadas expedições dos bandeirantes no período colonial, não foi na verdade uma aventura perigosa. As maravilhas da aeronáutica facilitaram o acesso a lugares antes inacessíveis ao centro do poder estatal. Além disso, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), encarregado de disseminar as diretrizes culturais e ideológicas do Estado Novo, assegurou uma viagem tranquila. Um cinegrafista do DIP acompanhou Vargas, filmando imagens que o regime autoritário nacionalista procurou tornar relíquias: índios vigorosos, emblemáticos da força inata dos nativos brasileiros; o "tradicionalismo" das comunidades indígenas; a camaradagem entre índios e brancos; a bonomia do presidente, epítome do homem cordial brasileiro; o longo braço do Estado estendendo-se ao sertão para dar-lhe assistência6.

Os índios, que representavam uma porcentagem minúscula da população brasileira situada predominantemente nas fronteiras remotas, foram de repente convocados para o palco da política. Diferentes fatores provocaram o seu aparecimento: o esforço do Estado Novo para consolidar o poder e redefinir o território nacional; e as preocupações da elite sobre as origens da nação e a composição racial da época. Tudo isso influenciaria uma formulação do Estado sobre a identidade cultural dos índios e uma política para a sua integração.

A MARCHA PARA O OESTE E OS ÍNDIOS

A redescoberta do índio fez parte da campanha governamental para popularizar a Marcha para o Oeste. Lançada na véspera de 1938, a Marcha para o Oeste foi um projeto dirigido pelo governo para ocupar e desenvolver o interior do Brasil. Nas palavras de Vargas, a Marcha incorporou "o verdadeiro sentido de brasilidade", uma solução para os infortúnios da nação. Apesar do extenso território, o Brasil havia prosperado quase que exclusivamente na região litoral, enquanto o vasto interior mantinha-se estagnado - vítima da política mercantilista colonial, da falta de estradas viáveis e de rios navegáveis, do liberalismo econômico e do sistema federalista que caracterizaram a Velha República (1889-1930). Mais de 90% da população brasileira ocupava cerca de um terço do território nacional. O vasto interior, principalmente as regiões Norte e Centro-oeste, permanecia esparsamente povoado. Muito índios, é claro, fugiram para o interior justamente por estas razões. Mas os seus dias de isolamento, anunciou o governo, estavam contados.

Propaganda da Marcha para o Oeste durante o governo do Estado Novo, após 1940. 
Sob os cuidados do governo federal, afirmavam funcionários do Estado Novo, o potencial do sertão não mais seria desperdiçado. A extração dos preciosos recursos naturais e humanos do sertão asseguraria a prosperidade da nação. Como observou Vargas, o Brasil não precisava olhar para além de seu próprio quintal esquecido, "vales férteis e vastos" e "entranhas da terra, ...de onde os instrumentos de nossa defesa e do nosso progresso industrial seriam forjados"7. Ao proporcionar escolas e serviços de saúde para índios e sertanejos, e redes de comunicação e transporte, o governo consolidaria a nação como um todo orgânico.

Vargas incorporou o Brasil central e sua população ao repertório ideológico de seu regime. O Estado havia arrumado o palco com pioneiros vigorosos e funcionários valorosos8. O espetáculo foi até acompanhado por música, variando desde uma composição de Villa-Lobos até uma canção carnavalesca, de 1939, Marcha para o Oeste9. Vargas era o personagem principal. Sem mesmo serem ouvidos, os índios receberam o papel de heróis - embora necessitassem de uma adaptação.

Cândido Rondon
A campanha do regime Vargas para glamourisar o índio encontrou um ardente colaborador em Cândido Rondon. Primeiro diretor do SPI, estabelecido em 1910, Rondon entusiasmou-se com a atenção do Estado Novo para com os índios e seus "problemas". Após a revolução de 1930, quando as alocações do orçamento para o SPI foram reduzidas à metade, o órgão procurou cair nas boas graças do regime Vargas; em 1944, o orçamento anual do SPI era o segundo mais alto dos 35 anos de sua história10. Prezando os índios e o seu valor ideológico para o Estado Novo, Vargas nomeou Rondon diretor do Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI), um órgão criado em 1939 para promover a conscientização pública sobre a cultura indígena e a política estatal11Num discurso intitulado Rumo ao Oeste, difundido pelo DIP em setembro de 1940, Rondon enalteceu as contribuições indígenas para a história brasileira, e o inestimável papel do Estado para a sua integração. Amigo, guerreiro, confidente e parceiro sexual, o índio deu assistência vital ao português em seu estabelecimento no Brasil, afirmou Rondon. "Eles nos deram a base do novo caráter nacional", exultou ele, "resistência, bravura, generosidade e honestidade trazidos pelo índio à formação do nosso povo, eis o que consideramos precioso, tanto no passado como ainda no presente"12.

Inventando tradições, Rondon omitiu a deslealdade do índio para com o português e minimizou atrocidades cometidas contra os índios13. Por exemplo, ele distorceu a narrativa da guerra dos portugueses contra os holandeses, ocorrida no século XVII no Nordeste. Ao citar relatos históricos, Rondon exaltou que índios e caboclos confrontaram não só os holandeses como também uma coroa portuguesa covarde, prestes a render-se e a entregar o sagrado território brasileiro.

Apesar da insistência de Rondon de que "foi essa a primeira manifestação heroica da nossa existência nacional", o índio teve um papel muito mais complexo que o de proto-patriota durante a invasão holandesa. De fato, muitos índios ficaram ao lado dos holandeses e, com a derrota e a expulsão dos
holandeses, lamentaram o seu abandono14. Estas verdades foram empurradas para debaixo do tapete pelo governo: elas eram inapropriadas para a imagem do nobre selvagem e de uma nação que procurava pôr a casa em ordem.

Do ponto de vista de Rondon, "no conjunto de preciosidades com que nos deparamos nessa nova Marcha para o Oeste, todas elas relevantes para a grandeza do Brasil, nenhuma ultrapassa o índio"15. Lá, na fronteira, o Brasil poderia beneficiar-se da essência cultural dos índios não contactados (e portanto incorruptos): paciência, fidalguia e orgulho. Para garantir a sobrevivência dos índios, o SPI demarcaria suas terras, tais como estabelecido pela Constituição Federal de 1937. Mas, como a cultura e identidade indígenas eram vistas como transitórias - um estágio evolutivo -, os lotes demarcados não seriam necessários para manter o seu modo de vida16. Rondon, positivista ortodoxo, junto com seus colegas ideólogos no SPI, acreditava no progresso inevitável das sociedades como evolução dos chamados estágios de primitivismo ao racionalismo científico ou "positivo".

Num futuro dourado, Rondon poderia antever "índios emancipados", dividindo as terras de suas reservas em parcelas individuais, ou até residindo com não-índios nas colônias agrícolas que o governo estabeleceria como parte da Marcha para o Oeste. Os índios certamente deveriam ser integrados à sociedade brasileira; como declarou o SPI: "Não queremos que o índio permaneça índio. Nosso trabalho tem por destino sua incorporação à nacionalidade brasileira, tão íntima e completa quanto possível"17. A integração não beneficiaria apenas os índios, mas também a nação, que não poderia desperdiçar recurso tão valioso. Assim, Vicente de Paulo Vasconcelos, diretor do SPI em 1939, declarou:

É claro que os índios, assim como o negro, terão que desaparecer um dia entre nós, onde não formam 'quistos raciais' dissolvidos na massa branca cujo afluxo é continuo e esmagador; mas do que se trata é de impedir o desaparecimento anormal dos índios pela morte, de modo o que a sociedade brasileira, além da obrigação que tem de cuidar deles, possa receber em seu seio a preciosa e integral contribuição do sangue indígena de que carece para a constituição do tipo racial, tão apropriado ao meio, que aqui surgiu18.

A PRODUÇÃO CULTURAL DA INDIANIDADE

O Estado Novo representou a relação entre os índios e o Estado-nação numa ótica romântica. Em 1934, consagrando um ícone cultural, Vargas decretou que o dia 19 abril seria o Dia do Índio. Nos anos seguintes, o Dia do Índio ocasionou numerosos eventos culturais e cerimônias públicas. Numa verdadeira blitz, o Estado organizou exibições em museus, programas de rádio, discursos e filmes sobre o índio - tudo isso com assistência do DIP.

O conjunto de textos dos indianistas publicados nesta era de censura estatal revela o interesse intelectual pelo índio e o seu suporte tácito pelo Estado. No seu livro sobre o Oeste brasileiro, Agenor Couto de Magalhães aclamou o índio por auxiliar na "construção de uma grande nação, dando sangue e trabalho aos portugueses para a formação da raça atual"19. Francisca de Bastos Cordeiro afirmou que o território brasileiro teria sido o verdadeiro local das civilizações antigas do Oriente Médio, e que os índios seriam descendentes das nações bíblicas20. Afonso Arinos de Mello Franco, o futuro ministro das Relações Exteriores, argumentou que os índios brasileiros, com suas sociedades igualitárias, contribuíram para o nascimento do liberalismo, sobre o qual os europeus agora alegavam a paternidade exclusiva21.

Angyone Costa, professor de arqueologia, superou todos os seus pares com Indiologia, uma celebração do índio publicada em 1943. O índio, enfatizava Costa, forneceu aos brasileiros:

a mansidão, a delicadeza no trato, certa ironia que dispensamos às pessoas, a meiguice para os animais, a acuidade para todas as coisas. Veio-nos também a força no sofrimento, a ternura contemplativa pela terra, o apego excessivo às crianças, a sensibilidade com que envolvemos em nossa simpatia o mundo que nos cerca.22

Capa do livro Indiologia de Angyone Costa, 1943. 
Os atributos dos indígenas transmitiam também uma outra mensagem. Junto com a exibição dos índios, e não muito sutilmente, estavam a "benevolência" do regime de Vargas e a onipotência do SPI. O Estado iria "civilizar" índios que viviam no sertão remoto. A exibição de fotografias e documentos traziam à luz a aculturação dos índios sob a direção do SPI23. Reificando o Estado-nação, os funcionários do governo brasileiro representavam uma entidade consolidada, na qual os índios seriam integrados24. De fato, o cenário era muito mais complexo: os esforços para integrar o índio faziam parte do processo de consolidação do Estado - um processo, veremos adiante, no qual os próprios povos indígenas tiveram um papel formativo.

O RETORNO DO NATIVO

Restam, no entanto, algumas questões relativas à celebração do índio pelo Estado. Por que as elites construíram a imagem do índio desta maneira? A que propósito servia a retórica enaltecedora da contribuição indígena para o "caráter nacional"? Ao analisar-se a propaganda governamental, percebe-se que, apesar das narrações românticas sobre o passado e das visões utópicas sobre o futuro, o Estado Novo construiu a imagem do índio a partir de preocupações do momento.

A paixão do Brasil pelo índio na era Vargas fez parte de um movimento continental de expansão do interesse pela cultura indígena e pelas políticas indigenistas. O Dia do Índio, por exemplo, foi promovido no Congresso de Pátzcuaro em 1940, reunião internacional patrocinada pelo governo mexicano que tinha por meta desenvolver a compreensão cultural dos povos indígenas e projetos para a sua integração. Mas, se o México liderou o movimento indigenista continental, sobretudo com a organização do Instituto Indigenista Interamericano, este movimento também encontrou adeptos no Brasil25. De fato, o imponente monumento do líder asteca Cuauhtémoc, dado pelo governo mexicano à cidade do Rio de Janeiro, veio a inspirar as festividades brasileiras do Dia do Índio.

Monumento a Cuauhtémoc (1502-1525), último imperador asteca. O monumento foi um presente dado pelo governo mexicano ao governo brasileiro na década de 40. Fica localizado na Praça Cuauhtémoc, na cidade do Rio de Janeiro. 
Os índios, assim denominados por força da crença européia de que eram asiáticos, agora eram celebrados por sua americanidade. De fato, Zoroastro Artiaga, diretor do Museu Histórico de Goiás, afirmou em seu livro que o índio brasileiro originou-se na América do Sul, e não na Ásia26. Oswaldo Aranha, ministro das relações exteriores, aclamou "o herói anônimo, histórico, indígena, ou cósmico, filho valente do Mundo Novo"27. Artigos de jornal saudavam o índio desde "Yukon até a Patagônia"28. No seu discurso no Dia do Índio de 1944, Rondon censurou os antigos colonizadores europeus pela exploração da população indígena29.

Ao difamar o europeu e consagrar o indígena, os ideólogos e intelectuais brasileiros da Era Vargas inverteram ou subverteram a concepção eurocêntrica da história da cultura e do destino nacional, vigente na elite brasileira. A essência da brasilidade havia sido redefinida por membros da elite e da intelligentsia: ela não atravessou mais o Atlântico, mas brotou do solo da nação, da sua fauna, flora e de seus primeiros habitantes.

Esta tática não era nova. No século XIX, José de Alencar e Gonçalves Dias celebraram o nascimento de uma cultura brasileira própria, com narrativas altamente romantizadas dos índios30. Mais recentemente, na sequência da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, o poeta modernista Oswald de Andrade abraçou simbolicamente a cultura indígena com o Manifesto Antropofágico (1928), criticando a imitação de estilos europeus na arte brasileira e endossando a síntese do autóctone e do estrangeiro31. Embora afastados de Andrade, intelectuais do movimento de direita Verde-amarelo, tais como Plínio Salgado, Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo, rejeitaram os europeus completamente; ao mesmo tempo em seus textos nacionalistas que glorificavam o passado anterior ao descobrimento, endossavam o estudo da língua Tupi e defendiam o índio como símbolo nacional32. No início dos anos 30, Gilberto Freyre louvou a contribuição indígena para a formação da cultura brasileira33. Deste modo, os intelectuais da era Vargas podiam se apropriar de uma rica tradição brasileira de homenagem aos índios34.

No entanto, não só os motivos, como também o tom e o timbre destas homenagens aos índios variaram com o tempo. Se, por exemplo, o nativismo do século XIX teve como meta a separação de Portugal e a literatura romântica serviu para camuflar a instituição da escravidão africana, sob o regime Vargas a retórica indigenista transmitiu outras mensagens. Durante o Estado Novo, o Estado orquestrou ou promoveu um discurso indigenista que ecoava todas as questões proeminentes na política mundial da época: racismo, xenofobia e chauvinismo.

Numa época de crise econômica mundial e nacionalismo exacerbado, os brasileiros foram criticados por admirarem ideologias estrangeiras. O marxismo e o liberalismo, afirmavam os funcionários do Estado Novo, eram inapropriados às realidades nacionais. O mesmo valia para as teorias europeias de superioridade racial, as quais eram criticadas por provocar ultraje - para não mencionar desconforto, uma vez que muitas famílias influentes careciam de ascendência puramente branca. Como Angyone Costa ironizava, apesar das deferências e pretensões da elite, todos os brasileiros eram considerados pelos europeus como "povo situado pouco acima dos negroides, abaixo dos amarelos e infinitamente distanciados dos brancos". Costa, portanto, convocava a nação para valorizar suas raízes indígenas:

Nós não chegaremos a ser um grande país, realmente com espírito e formação nacional próprios, se não nos orientarmos, social e politicamente, fora dos moldes alheios, numa firme diretriz americana, com o sentido de amor à terra, de compreensão e valorização do índio, seu legítimo dono35.

No entanto, Costa e sua coorte ideológica continuavam a antiga prática das elites brasileiras de pensar com "modelos externos" a realidade doméstica36. O Estado Novo, apesar de proclamar autenticidade própria, fez exatamente o oposto, ao adotar amplamente um modelo corporativista europeu em seus esforços para reordenar a sociedade brasileira. No seu discurso sobre a raça, o regime de Vargas também difundiu doutrinas europeias, mas redefinindo os grupos considerados indesejáveis.

Com sua esmagadora população inter-racial, o Brasil não poderia abraçar com credibilidade uma ideologia que depreciasse todos os não-europeus. Os brasileiros não-brancos deveriam não só ser defendidos mas aceitos37. O SPI afirmava que, ao se falar de raça, "inferior" era sinônimo de "atrasado", substituindo assim a noção de inferioridade racial inerente pela de aperfeiçoamento racial38. Defendendo a estirpe do índio brasileiro, o SPI apontou: "A alma indígena está sujeita às mesmas paixões a que está sujeita a alma européia, mostrando, porém, superioridade na temperança, na energia paciente e até, digamos a verdade, na justiça e na caridade"39.

Se alguém menosprezasse a mistura racial no Brasil, o antropólogo Roquette-Pinto contestava:

Para contradizer a opinião daqueles que creem na má influência do cruzamento sobre a vitalidade da raça, devemos apontar, entre muitos outros exemplos, a população do nordeste do Brasil (Ceará, etc.) que é a região de grandes e fortes famílias de homens corajosos e ativos, conquistadores das florestas da Amazônia, quase todas com algum sangue índio e branco40.

Além disso, para que estes argumentos dissipassem os temores sobre a composição racial e a coesão social do Brasil, e as elites pudessem renovar sua antiga crença no "branqueamento" do índio, as políticas do SPI sustentaram a quimera de que integração e miscigenação, um dia iriam finalmente chegar. O obstáculo ao progresso nacional se escondia, ao invés, no "imigrante inassimilável", que residia (ou tentava residir) no Brasil, deteriorando sua harmonia racial41. O índio, entretanto, desde a conquista portuguesa, fortificara a nação brasileira através de alianças sexuais e militares.

O ÍNDIO COMO SENTINELA

Conquista e fortificação foram temas que preocuparam os brasileiros durante a época turbulenta da Segunda Guerra Mundial. A guerra, na qual o Brasil entrou formalmente em 1942, proporcionou um constante pano de fundo para as imagens projetadas do índio. A conquista portuguesa foi reexaminada à luz das últimas ameaças europeias à soberania nacional. Sempre fiéis ao Brasil, os índios mais uma vez estavam provando seu patriotismo, contribuindo para os esforços de guerra através da produção agrícola e de borracha42. A retórica do governo sublinhava que, dado o amor do índio a seu território, seu amor ao Brasil seria uma "simples extensão"43.

Numa época em que o governo falava no crescimento da nação determinado pela proporção de homens saudáveis "dotados de maior energia", o índio representava um patrimônio44. Os tributos ao índio louvavam sua "higidez física, comparável à beleza masculina dos helenos das olimpíadas"45. Quem poderia proteger melhor as fronteiras desprotegidas e "espaços vitais" das "nações cobiçosas" que buscavam um depósito para seus "excessos de população" do que o índio?46 Rondon, orgulhoso da força e patriotismo indígena, endossou o serviço militar para os índios.47

Além disso, a incorporação na sociedade brasileira evitaria a possibilidade de que "seja nossa população indígena atraída para os países limítrofes"48. O medo de uma quinta coluna indígena - de atração para "países limítrofes" -, demonstrou que por todo seu simbolismo nacionalista, os índios apresentavam um problema complicado também para as elites. Os índios, como primeiros habitantes do Brasil, desafiavam as instituições e tradições do Estado-nação. Apresentavam uma alternativa às leis brasileiras e ao sistema sócio-econômico - em suma, a tudo em que a legitimidade do governo se apoiava49. Ao heroicizar o índio, o Estado Novo buscou camuflar este conflito que sugeria não ser a lealdade indígena inata nem iminente.

Nem todos os funcionários do governo escondiam suas apreensões. Na posição de oficial do exército perto da fronteira ocidental, o Coronel Themístocles Paes de Souza Brasil concluía sobre o índio:

Nada produz, nem suficiente para o próprio conforto, é nômade, não obedece a leis e nem deles tem conhecimento, não tem a noção de Pátria... tem o cérebro pouco evoluído, não estando em condições satisfatórias para assimilar de modo completo a educação e as outras exigências da nossa civilização50.

Do mesmo modo, Ildefonso Escobar, um antigo membro do Conselho Nacional de Geografia, via o índio como um peso morto para a nação. Após quatro séculos, denunciou Escobar, os índios permaneciam "ingênuos e contemplando a natureza enquanto todos os outros brasileiros trabalhavam para o progresso da nação"51.

DEFENDENDO O NOBRE SELVAGEM

A figura do selvagem ignóbil e de sua contraparte nobre tinha raízes profundas que se vinculavam à conquista europeia, durante o período colonial e no século XIX52. Esta dicotomia se originou da ambivalência europeia para com as suas próprias sociedades, ambivalência esta que foi projetada nas populações indígenas. As várias respostas dos povos indígenas em relação aos europeus foi um outro fator que contribuiu para esta dicotomia53. Ambas as imagens, de fato, continuavam a ter credibilidade entre a população brasileira. Assim, ao construir sua imagem do índio como cidadão brasileiro primevo, o regime Vargas selecionou uma das várias imagens existentes54. Mas como, então, poderia o Estado rebater as acusações feitas contra o selvagem ignóbil, cujo comportamento, em séculos anteriores, teria justificado uma "guerra justa"?55

Quando o SPI reconheceu "a ferocidade dos nossos índios", como os Xavante, ele culpou os civilizados por provocarem a agressão dos índios. Por natureza "mansos e afáveis", os índios não puderam tolerar o que "em sua compreensão constituía uma afronta ou falta de respeito"56. Tal ponto de vista protegia a imagem consagrada do bom selvagem. No entanto, também furtava ao índio seu papel histórico, despindo-o das diretrizes sociais complexas e agendas políticas que marcaram sua interação com o mundo branco. Além disso, o modelo de relações interétnicas do Estado sugeria que, assim como a malevolência branca poderia desfigurar as sociedades indígenas, a benevolência branca poderia surtir o efeito contrário.

O governo, afinal, deu uma grande tarefa aos índios: tornar o interior produtivo, impedir as tramas imperialistas e garantir a "formação étnica" do Brasil. Para assistir os índios, o Estado iria ampliar para o sertão a rede de transporte, a saúde pública e educação para o sertão. Outros "problemas" tais como nomadismo, falta de disciplina no trabalho e a ausência de sentimento cívico seriam também remediados pelo governo.

O DUPLO LEGADO DE VARGAS

Os defensores do governo Vargas aplaudiram a sua iniciativa de redimir os desfavorecidos rurais. Finalmente, os índios - "os modestos mas dedicados trabalhadores da floresta, a verdadeira sentinela da fronteira, os vigilantes soldados da nação" - seriam incorporados definitivamente como trabalhadores para a glória nacional57. O governo federal exaltou o diretor do SPI José Maria de Paula em 1944 e prenunciou uma era promissora para os índios58.

Esta linguagem protecionista refletiu a tendência do Estado Novo de outorgar noções de cidadania e de direitos aos grupos sociais previamente marginalizados59. De fato, o abraço simbólico do índio pelo Estado Novo acabou por sufocá-lo. Esmagados pela retórica do governo, os índios teriam de lutar para expressar seus próprios pontos de vista em relação a sua terra, comunidade, cultura e história.

Sob Vargas, o Estado continuou a cultivar uma relação com os grupos indígenas fundamentada na legislação ditada décadas antes. O Código Civil de 1916 definiu os índios como "relativamente incapazes" em relação a questões civis. Em 1928, eles foram colocados sob um sistema de tutela federal, administrado pelo SPI. Em teoria, a tutela se destinava a proteger os grupos indígenas - muitas vezes despreparados ou não familiarizados com o sistema sócio-econômico brasileiro - da exploração. Quando o SPI defendia comunidades indígenas, como João Pacheco de Oliveira ilustra na sua etnografia sobre os Ticuna, os índios se beneficiavam e valorizavam a assistência governamental60. Neste mesmo espírito de boa vontade, o regime Vargas enobrecia os seus tutelados, dotando de prestígio cultural os grupos indígenas ao consagrá-los como os primeiros brasileiros.

Mas, ao mesmo tempo, a tutela e outras políticas paternalistas endossadas pelo regime Vargas possibilitavam o abuso e a repressão pelo Estado. O sistema de tutela permitiria o descuido sistemático dos interesses indígenas; políticas foram implementadas pelo Estado sem consulta aos grupos indígenas, considerados incompetentes para cuidar de seus próprios assuntos. Como o SPI pronunciava em 1939: "O índio, dado seu estado mental, é como uma grande criança que precisa ser educada"61. Os esforços para disciplinar a força de trabalho e eliminar o nomadismo - disfarçados em temas de redenção - exemplificavam este tratamento autoritário; nesse sentido o Estado procurou redesenhar as fronteiras do território indígena com a Marcha para o Oeste.

Embora aproximadamente duzentos grupos diferentes vivessem no Brasil com diversas culturas, línguas e relações com a sociedade brasileira, o Estado reduziu-os todos a "índios", uma construção cultural que incorporou objetivos e ideias dos brancos. Rica em seu valor simbólico, a invenção estadonovista do índio contradizia as realidades atuais e passadas dos índios. Além do mais, os objetivos quixotescos e as instituições governamentais seriam sistematicamente lesados pela corrupção burocrática, pela oposição da elite e pela resistência indígena. Não obstante, os índios, junto com o governo e seus críticos, teriam de lidar com as imagens e políticas ambíguas popularizadas na era Vargas durante muito tempo.

No entanto, desde o início da Marcha para o Oeste, grupos indígenas engajaram-se num projeto do Estado que tentava programar seu destino.

Alguns índios rejeitaram totalmente a política governamental. Outros colaboraram com os esforços do Estado para "civilizar" a fronteira, aliando-se aos funcionários do SPI, que lhes ofereciam a promessa de uma vida melhor. Contudo, outros abraçaram a retórica indigenista do Estado Novo, apesar de criticarem a atuação do Estado e de proporem alternativas. De fato, a variedade das respostas indígenas demonstra, como apontou William Roseberry, que a hegemonia cria não uma ideologia partilhada, mas uma matéria-prima comum e uma estrutura significativa para lidar e atuar diante das ordens sociais caracterizadas pela dominação62.

OS XAVANTES E A MARCHA PARA O OESTE

Em 1941, um ano após Vargas ter sobrevoado a área dos "Xavante extremamente ferozes", uma equipe de "pacificação" do SPI partiu para contactar os índios. Os Xavante não seriam uma audiência fácil de convencer. Em primeiro lugar, eles se autodenominavam A'uwe, que em sua língua Gê significa "as pessoas". Outros grupos não poderiam aspirar tal humanidade; o etnocentrismo do governo brasileiro encontrara seu par. Além do mais, os Xavante tinham dolorosas recordações da dominação branca.


Índios Xavante em celebração. 
Quando os bandeirantes aventureiros começaram a penetrar Goiás em busca de ouro, no século XVIII, os A'uwe se tornaram alvo de ataque militares, caçadores de escravos, ataques de colonizadores e projetos de aldeamento. As guerras, doenças, migrações e aldeamentos desagregaram as comunidades A'uwe63. Por volta de 1840, segundo David Maybury-Lewis, aconteceu uma cisão definitiva. Um grupo, que se tornaria conhecido como Xerente, estabeleceu-se perto do rio Tocantins, onde manteria contacto contínuo com o mundo branco. Outro grupo, hoje conhecido como Xavante, fugiu de Goiás para Mato Grosso, atravessando o rio Araguaia para escapar de exploração dos colonos64.

Os Xavante apropriaram-se de um extenso território do norte do Mato Grosso. Por quase um século, difundiram o terror na região, amendrontando garimpeiros, fazendeiros e outros índios que invadissem seu território65. Com a Marcha para o Oeste, a necessidade de contactar ou "pacificar" os Xavante tornou-se urgente. Bem no centro do território brasileiro existia um grupo indígena hostil, sem sentimento cívico ou ética de trabalho "apropriada", alheio à língua portuguesa, impedindo a expansão e o desenvolvimento econômico do Oeste. Lá, no cerrado impenetrável, também se encontrava um valioso recurso humano. Por seu valor, os Xavante incorporavam o ideal das elites de uma essência indígena com suas contribuições potenciais para o então chamado caráter nacional brasileiro. Como afirmava um jornal: "Os Xavantes são os grandes índios do Brasil, os índios realmente representativos, os índios que deveriam ser eleitos como o símbolo da raça nativa - ao invés da criação romântica de José de Alencar".66

Genésio Pimentel Barbosa liderou a expedição do SPI que estabeleceu um "posto de atração" próximo a uma aldeia Xavante no Rio das Mortes. A equipe do SPI, que consistia de cinco brancos e três índios, incluindo dois Xerente recrutados para servir de tradutores, ofereceu roupas, ferramentas e outras bugigangas como proposta de paz, marcando o início da assistência estatal67. Os Xavante, no entanto, desconsideraram o discurso nacionalista de Vargas. Em novembro de 1941, assassinaram Pimentel Barbosa e cinco de seus assistentes a bordunadas. Os tradutores Xerente e outros membros da equipe, que se encontravam fora do acampamento no momento do ataque, encontraram seus companheiros mortos68. Os corpos ensanguentados de seus companheiros serviram de testemunhas da resposta dos Xavante; eles não desejavam ser colocados em pedestais nem reconstruídos pelo Estado.

A Marcha para o Oeste encontrara um obstáculo e o governo correu para mascarar a rejeição dos Xavante. Preservando a imagem do índio como bom selvagem e patriota inato, Cândido Rondon declarou: "O índio é uma criatura dócil de inteligência primária que só necessita de meios brandos para se render aos nossos apelos. Só posso, por isso, atribuir, o gesto impensado dos Xavante a alguma represália".69

O "gesto impensado" de fato, formou parte de um complicado universo nunca investigado com seriedade pelo governo: a cultura indígena. A estratégia Xavante de ataques surpresa manteve invasores à distância durante décadas. A defesa de extenso território foi essencial para manter sua economia mista baseada na caça e coleta e, em menor escala, na agricultura. Embora o governo Vargas retratasse o Oeste como uma utopia, os Xavante conheciam a variabilidade do clima e a pobreza do solo da região, que faziam da agricultura um empreendimento arriscado70. Por requisitar um extenso território para a caça de animais e coleta de frutas, babaçu e raízes, a comunidade Xavante combatia qualquer invasor que ameaçasse acesso ao precioso recurso natural.

Além disso, do ponto de vista dos índios, a importância de tal demonstração de força, longe de ser um "gesto impensado", estendia-se para além do campo de batalha. A força física, valorizada entre os jovens Xavante, definia masculinidade e posição social. Tal como a caça, a expressão mais comum de virilidade, a guerra requeria resistência e agilidade. Apesar de os homens Xavante orgulharem-se de sua força física - validando as homenagens do Estado Novo à força "natural" dos índios brasileiros - dificilmente aspiravam ser sentinelas da fronteira. A exibição pública de masculinidade serviu para reforçar as divisões de gênero e hierarquia de idade que estruturava a ordem social Xavante.

Devido às suas diretrizes sociais, orientação cultural e memória histórica, o amor dos Xavante pelo Brasil apenas podia ser "uma simples extensão" do amor que sentiam pelo seu território. A aldeia Xavante no Rio das Mortes não seria "pacificada" até cinco anos mais tarde - quando um grupo do SPI mais equipado, abençoado pelo suporte aéreo, retornou à região.

"TODOS OS ÍNDIOS ESTÃO A SERVIÇO DO BRASIL"

Nem todos os grupos indígenas, no entanto, gozavam da autonomia que permitiu aos Xavante rejeitar a oferta do governo. Os índios explorados por fazendeiros, barões da borracha, contratadores de mão-de-obra, missionários ou por outros grupos indígenas não poderiam aspirar a tal teimosia. De fato, os Karajá talvez não tivessem se voltado tão impetuosamente para Vargas se não estivessem cada vez mais rodeados por brancos e atacados por seus inimigos mortais - os Xavante.

Do mesmo modo, embora não saibamos as motivações pessoais que impeliram alguns Xerente a colaborar na "pacificação" dos Xavante, conhecemos os problemas sócio-econômicos que atingiam suas comunidades na época. Quando Curt Nimuendaju realizou sua pesquisa etnográfica entre os Xerente, em 1937, encontrou um grupo indígena rodeado por colonos brancos. A aldeia nativa, ela observou, tinha se tornado "um local de escassez" e os Xerente deixaram de trabalhar, exercendo a mendicância e roubando dos brancos71. A Marcha para o Oeste, no entanto, ofereceu a alguns Xerente a oportunidade de emprego e aventura no SPI e o glamour de contactar seus famosos parentes distanciados numa grande campanha patriótica.

O Estado Novo, com suas promessas de longo alcance de proteção e assistência estatal, oferecia um raio de esperança para vidas precárias como as do Xerente e Karajá. Há muito vistos como "brutos" pelos seus vizinhos "civilizados", os índios agora podiam se orgulhar de serem os primeiros brasileiros, além de antever novos aliados na sua luta. Podiam até se dirigir ao presidente da nação, que havia demonstrado tanto interesse pessoal em seus problemas. Em setembro de 1945, Lírio Arlindo do Valle, um índio Tembé, fez exatamente isso. Em uma carta de dez páginas para Vargas, Valle agradeceu o presidente pela "promessa feita aos índios do Brasil" e narrou o sofrimento dos índios nas mãos dos fazendeiros no Pará, seu estado natal. Valle escreveu, no entanto, não somente para expressar gratidão, mas para se autopromover: ele desejava ser nomeado inspetor do SPI do Pará, cargo então ocupado por um funcionário branco. Na sua tentativa de mobilizar apoio do chefe da nação, a carta nos revela uma fascinante perspectiva sobre o papel do índio no processo da formação do Estado brasileiro. Mesmo não sendo amplamente representativo de todos os povos ou comunidades indígenas, este texto merece uma análise mais minuciosa, uma vez que evidências escritas pelos índios documentando sua resposta ao Estado Novo e à Marcha para o Oeste são extremamente fragmentárias.

Nascido em 1895 numa aldeia Tembé, de mãe indígena e pai desconhecido, Valle estudou quando jovem num seminário católico em Belém. Em 1911, um inspetor do recém fundado SPI recrutou Valle para o escritório do Pará. Desestimulado pela falta de pagamento, ele abandonou seu trabalho, retomou os estudos e passou um breve período na Marinha. Ao retornar ao SPI em 1934, foi nomeado para um posto entre os índios Anaubé, no Rio Carari, mas trabalhou "sem conforto, sem a proteção do SPI e nada ganhando". Em 1941, Valle foi nomeado delegado do SPI na região de Moju, no Pará72. Em 1945, viajou para o Rio de Janeiro para participar do movimento queremista, o grande movimento popular em apoio à candidatura de Vargas nas próximas eleições. Em sua peregrinação para a capital, Valle passou pelo estado de Minas Gerais, pedindo apoio para Vargas e popularizando a causa indígena. Para dar provas de suas últimas campanhas pelo presidente, Valle incluiu depoimentos dos políticos locais.

Aristide Sousa Torres, um funcionário da cidade mineira de Conde Lafaiete, afirmou que em abril de 1945, Valle entreteve um sindicato com canções e costumes indígenas e agradeceu o cuidado e a proteção dispensados pelo Estado Novo para com os trabalhadores, índios e crianças. Neste mesmo mês, o auto-nomeado porta-voz indígena discursou em Barbacena, cujo prefeito elogiou o "cacique Lirio do Valle, [que] demonstrou ser um grande patriota e amante do crescente desenvolvimento de nossa querida Pátria".

No seu apelo a Vargas, Valle articulou idéias que devem ter agradado os habitantes de Minas Gerais. Ele ressuscitou Poti - um guerreiro Potiguara que resistiu à invasão holandesa no século XVII - uma inspiração para todos os índios e brasileiros "que amam a liberdade e sabem lutar por ela"73. Prometeu integrar os índios e fazê-los cidadãos brasileiros "respeitáveis". Finalmente, Valle abraçou a imagem do índio genérico, o que buscava parceria com os brasileiros: "Sou um índio conhecedor de todos os costumes dos índios do Brasil e falo o idioma oficial entre eles, e todos os dialetos de suas tribos". Apesar de suas pretensões antropológicas, é improvável que Valle conhecesse "todos os costumes" de aproximadamente 200 grupos indígenas. Nem é provável que seu talento linguístico o capacitasse a falar todos os seus dialetos.

O que Valle certamente conhecia, baseado nas suas declarações, eram os costumes dos funcionários brancos. Assim como os propagandistas do Estado Novo, Valle não fez distinções entre grupos indígenas. Articulou uma narrativa européia da história indígena, começando com a conquista portuguesa, enriquecida por índios mitificados e focalizou a contribuição indígena para o "caráter nacional" do Brasil. A afirmação de Valle de que "nós índios somos a raiz de uma planta que hoje é o Brasil" e sua promessa de que "os índios estão de pé pelo Brasil" parece ter sido escrita por um ideólogo do DIP.

REINTERPRETANDO O ÍNDIO E O ESTADO-NAÇÃO

Como podemos entender a relação entre os índios e o Estado Novo? As narrativas celebratórias da política indigenista brasileira podiam saudar a assistência e a redenção proporcionada pelo Estado aos povos indígenas, tais como os Karajá e os Xerente. Os revisionistas, por outro lado, podem denunciar o projeto hegemônico do Estado em relação aos Xavante e seus efeitos sobre o comportamento e a identidade de índios como Valle. Para nos deslocarmos para além desta dicotomia - na qual o Estado substituiu o índio como a síntese tanto do bem como do mal - devemos não só reconhecer a ambiguidade do projeto estatal como também prestar mais atenção à variedade e às nuances da reação indígena ao poder do Estado.

Assim como os Xavante rejeitaram o governo Vargas, os Karajá, Xerente e Tembé ajudaram a reforçá-lo. No entanto, mesmo enquanto representavam o papel que lhes foi designado, alguns grupos indígenas procuraram editar o script. De fato, um exame mais detalhado da carta de Valle revela como alguns índios promoveram o projeto estatal, ao mesmo tempo em que buscavam emendar o seu formato.

Os anos de trabalho sem pagamento e recursos adequados no SPI levaram Valle a criticar não a missão do Estado de proteger e integrar os índios, mas seu modus operandi. O tradicionalismo indígena não arruinou o seu trabalho nos postos do SPI, afirmou, mas sim a corrupção dos oficiais do SPI, que roubavam as verbas alocadas. Além do mais, Valle denunciou o racismo no SPI: "o SPI ultimamente não se enteressa [sic] pelos índios, por que lá só trabalham brancos e os brancos não se enteressa [sic] pelos índios". Na agência estatal remodelada por Valle, os índios iriam ocupar cargos superiores. Com Valle no comando e outros "índios competentes e civilizados" responsáveis pela diretoria, a verdadeira integração dos povos indígenas poderia ocorrer. Voltando à fábula de Poti, Valle o imbuiu de novo simbolismo. Poti ainda vivia nas comunidades indígenas na sua luta para repelir não só o estrangeiro, mas o "invasores [sic] brancos do SPI, brancos desonestos".

O discurso de Valle revela como os índios brasileiros, com outros grupos subalternos, tanto apropriaram-se dos símbolos dominantes como os desafiaram74. Ao celebrar a proteção do governo aos povos indígenas, Valle difundiu as noções elaboradas pela elite sobre um caráter essencialmente indígena, um ícone proto-patriota cultural. O ataque Xavante confirmara que nem todos os índios viam Vargas como seu salvador nem o Brasil como sua pátria. No entanto, a elaboração de Valle, mediada pela sua experiência pessoal, não era de modo algum acrítica. A corrupção e o racismo dos funcionários do SPI coloriram as percepções de Valle sobre o governo, galvanizando sua exigência por um órgão liderado por índios.

Se Valle exibia o que Gramsci define como "conscientização contraditória" de grupos subalternos - abraçando uma essência indígena consagrada pelas elites, desprezando os brancos enquanto procura sua assistência - vários fatores explicam tal comportamento75. Em primeiro lugar, o Estado Novo enviou sinais contraditórios aos povos indígenas. Políticas protecionistas endossadas pelo regime foram burladas pela prática social. O índio perfeito louvado por ideólogos foi uma criação que uniu o bom selvagem ao brasileiro genérico. Sobretudo, as correlações de força na sociedade brasileira circunscreviam opções de índios tais como Valle. Sem o domínio territorial e a autonomia dos Xavante, tais índios "competentes e civilizados" tentaram fazer o máximo de um projeto governamental ambíguo. Uma vez despidos da sua capa protetora, índios como os Xavante e vários outros na região Amazônica seriam forçados a seguir uma estratégia similar. E assim o fizeram.

NOTAS:
O autor deseja agradecer a Emília Viotti da Costa, Gil Joseph, Jeff Lesser e Vivian Flanzer por suas valiosas observações e sugestões na elaboração deste artigo, originalmente publicado no Journal of Latin American Studies, nº 29, 1997, pp. 747-768.
2 CORRIGAN, P. e SAYER, D. The Great Arch: English State Formation as Cultural RevolutionOxford, 1985. [ Links ]
Para um relato celebratório das origens e objetivos do SPI - se não necessariamente de seus sucessos - ver RIBEIRO, D., Os Índios e a Civilização. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970. [Links]Para uma análise revisionista inspirada em Foucault, que enfatiza o papel repressivo do Estado ao controlar questões indígenas, ver LIMA, A. C. de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no BrasilPetrópolis, Vozes, 1995. [ Links ]
No decorrer deste artigo, utilizo o termo "índio" tal como definido na legislação brasileira, para se referir a um indivíduo que é descendente de povos pré-colombianos e que se identifica e é identificado como pertencendo a um grupo étnico cujas características culturais são distintas da sociedade nacional. Utilizo o termo "branco" tal como é popularmente empregado no contexto das relações interétnicas brasileiras, para se referir a todos os não-índios.
Departamento de Imprensa e Propaganda. Rumo ao Oeste (n.d.), p. 04. Sobre o DIP ver CARONEO Estado Novo (1937-45). São Paulo, Difel,1997, pp. 169-172. [ Links ]
A fotografia de Vargas segurando um bebê Karajá foi distribuida aos postos indígenas por todo o Brasil. Ver Serviço de Proteção aos Índios (SPI) Boletim 20, jul. 1943, p. 196.[ Links ]
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Goiânia. Rio de Janeiro, 1942, p. 01. [ Links ]
Otávio Velho argumenta que a Marcha serviu para evitar a reforma estrutural do coronelismo nas áreas rurais brasileiras. Ver VELHOCapitalismo autoritário e campesinato. São Paulo, Difel, 1976, pp. 148-151. [ Links ]De modo similar, Alcir Lenharo aponta que a Marcha, com sua retórica e ostentação, criou um sentimento ilusório de participação política popular numa sociedade marcada por um regime ditatorial. Ver LENHAROColonização e trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste - os anos 30. Campinas, Papirus, 1986.  [ Links ]
Ver LENHAROSacralização da Política. Campinas, Papirus, 1986, pp. 53-73. [ Links ]
10 De acordo com o relatório anual do SPI de 1954, o orçamento anual da agência entre 1910 e 1930 variava (com reajustes em cruzeiros) desde a quantia mínima de CR$300.000 (1915) até a quantia máxima de CR$3.880.000 (1930). A média variava em torno de CR$1.000.000. Em 1931 o orçamento caiu para CR$1.560.000, caindo para menos de um milhão em 1940, mas aumentando constantemente de 1941 a 1944, quando atingiu CR$3.703.000. SPI, Relatório das Atividades do Serviço de Proteção aos Índios durante o ano de 1954. Rio de Janeiro, 1954, p. 117.
11 Para uma discussão mais completa sobre as origens e trajetórias do CNPI, ver FREIRE, C.A. da Rocha. Indigenismo e Antropologia - O Conselho Nacional de Proteção aos Índios na Gestão Rondon (1939-55), Dissertação de Mestrado, UFRJ-Museu Nacional, 1990.        [ Links ]
12 RONDON, Cândido Mariano da Silva. Rumo ao Oeste: Conferência Realizada Pelo General Rondon no D.I.P. em 3-IX-40 e discursos do Dr. Ivan Lins e do General Rondon, pronunciados na Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, 1940, pp. 21-22.        [ Links ]
13 Sobre invenções de tradições pelo governo para naturalizar processos e relações sociais, ver HOBSBAWM, Eric J. and RANGER, Terence. (eds.). The Invention of TraditionCambridge University Press, 1983.         [ Links ]
14 Ver HEMMING, J. Red Gold: The Conquest of Brazilian Indians, 1500-1760Cambridge University Press, 1978, pp. 292-311.         [ Links ]
15 Ao colocar os índios no centro das representações do Oeste, a tática de Rondon se diferia da imagem do índio no discurso dos EUA sobre a colonização do Oeste americano no fim do século XIX. Richard White focaliza as duas principais imagens empregadas. A tese clássica de Frederick Jackson Turner sobre a fronteira dos EUA marginalizou os índios da história da colonização do oeste americano. Bufalo Bill, por outro lado, estigmatizou os povos indígenas como selvagens sanguinários. Ver WHITE. "Frederick Jackson Turner and Buffalo Bill". In GROSSMAN, James, (ed.). The Frontier in American Culture. Berkeley, 1994, pp. 06-65.         [ Links ]
16 Ver LIMA, A.C. de Souza. "A identificação como categoria histórica". In OLIVEIRA, João Pacheco de, (ed.). Os poderes e as terras dos Índios. Rio de Janeiro, s.n., 1989, pp. 139-197.         [ Links ]
17 SPI, "Memórias sobre as causas determinantes da diminuição das populações indígenas do Brasil". Paper apresentado no IX Congresso Brasileiro de Geografia, 29 de Julho, 1940, p. 02. Fundação Nacional do Índio (Brasília) Documentação SPI/Documentos Diversos. [ Links ]
18 Vasconcelos, citado no Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Revista do Serviço Público, vol. 03, nºs 1-2, jul.-ago. 1939, p. 34. [ Links ]
19 MAGALHÃES, A. Couto de. Encantos do Oeste. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945, p. 42. [ Links ]
20 CORDEIRO, F. de Bastos. Brasilidades. Rio de Janeiro,Niemeyer, 1943. [Links]
21 FRANCO, A. Arinos de Mello. O Índio Brasileiro e a Revolução Francesa. Rio de Janeiro, José Olympio, 1937. [ Links ]
22 COSTA, A. Indiologia. Rio de Janeiro, Gráfica Laemmert, 1943, p. 13. [Links]
23 Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI). 19 de Abril: O Dia do Índio - as Comemorações Realizadas em 1944 e 45. Rio de Janeiro, 1946. [Links]
24 Os historiadores do Estado Novo enfatizaram uma manipulação ideológica similar na repressão contra os imigrantes alemães, por presumirem sua simpatia ao regime nazista. Os governantes falavam de uma "nacionalidade brasileira" ameaçada de destruição por um grupo étnico subversivo; na realidade, a construção de uma "nacionalidade brasileira" era fundamentada na eliminação das distinções étnicas. Ver SCHWARTZMAN, S.; BOUSQUET BOMENY, H M. e COSTA, V.M. Ribeiro. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. [Links] O caso dos índios difere do imigrante alemão, no entanto, pelo fato de que a maioria das publicações e pronunciamentos governamentais não retratava o índio como um inimigo, mas como um ícone.
25 Para uma discussão mais completa sobre a relação entre o indigenismo mexicano e as políticas do governo brasileiro ver FREIRE. op. cit., pp. 57-68.
26 ARTIAGA, Z. Dos Índios do Brasil Central. Uberaba,Triângulo, n.d., pp. 13-26. [Links]
27 Oswaldo Aranha, no prefácio da tradução brasileira de PADILHA, E. O homem livre da America. Trad. Fernando Tudé de Souza, Rio de Janeiro, 1943. [Links]Como o título sugere, o livro de Padilla era uma homenagem ao pan-americanismo.
28 O Dia, Abril 1945, p. 15.         [ Links ]
29 CNPI, 19 de abril, pp. 39-41.
30 BROOKSHAW, D. Paradise Betrayed: Brazilian Literature of the Indian. Amsterdam, 1988, p.75. [Links]
31 GONZALEZ, M e TREECE, D. The Gathering of Voices: TheTwentieth-Century Poetry of Latin America. London, 1992, pp. 96-101. [Links]Para uma discussão sobre a adoção do "primitivismo" por intelectuais brasileiros - e suas influências europeias - durante a Semana de Arte Moderna, ver JACKSON, K.D. A prosa vanguardista na literatura brasileira: Oswald de Andrade. São Paulo, Perspectiva, 1978, pp. 09-18. [Links]
32 O símbolo do movimento Verdeamarelo era o curupira, o protetor Tupi-guarani do sertão. Ver VASCONCELOS, G. Ideologia Curupira: Análise do Discurso Integralista. São Paulo, Brasiliense,1979, p. 20. [Links]
33 FREYRE, G. The Masters and Slaves. Berkeley, 1986, pp. 81-184. [Links]
34 De fato, o Estado Novo não só foi influenciado pelos movimentos ideológicos dos anos 20, como incorporou alguns de seus intelectuais mais proeminentes (de todas as correntes políticas) no regime. Ver OLIVEIRA, L. Lippi; VELLOSO, M. Pimenta e GOMES, A. Castro. Estado Novo, Ideologia e Poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, pp. 10-11. [Links]
35 COSTA. op. cit., p. 11.
36 Para uma discussão sobre a adesão seletiva das elites brasileiras do século XIX às idéias liberais europeias, ver COSTA, E. Viotti da. The Brazilian Empire: Myth and HistoriesChicago University Press, 1985, pp. 53-77 [Links]e SHCWARTZ, R. Misplaced ideas: Essays on Brazilian Culture. Londres, 1992, pp.19-31.
37 SKIDMOREBlack into White: Race and Nationality in Brazilian Thought. Durham, 1993, pp. 205-207. [Links]Skidmore observa os manifestos de doze intelectuais brasileiros proeminentes contra o racismo e em 1942 pela Associação Brasileira de Antropologia e Etnologia.
38 Os eugenistas brasileiros, com o mostra Stepan, rejeitam as noções de supremacia racial e abraçam a fé lamarckiana no aperfeiçoamento através da mudança ambiental. Ver STEPAN, N. Leys. "The Hour of Eugenics: Race, Gender and Nation in Latin America"Ithaca, 1991. [Links]
39 SPI, "Memória sobre as causas", pp. 01-02. [Links]
40 PINTO, E. Roquette. "Contribuição a antropologia do Brasil". In Revista de Imigração e Colonização, vol I, nº 03, jul. 1940, p. 440.         [ Links ]
41 Ver, por exemplo, PADILHA, Leão. O Brasil na posse de si mesmo. Rio de Janeiro, Gráfica Olímpica, 1941. [Links]Para análises históricas sobre políticas imigratórias durante a Era Vargas, que tinha por objetivo evitar um grupo "indesejável", os judeus, ver LESSER, J. Welcoming the Undesirables. Berkeley, 1994 [ Links ]e CARNEIRO, M. L. O anti-semitismo na era Vargas (1930-1945). São Paulo, Brasiliense, 1988. O tratamento diferencial dado pelos intelectuais brasileiros aos índios em relação a outros grupos "não-europeus", é talvez mais fortemente revelado no trabalho de Afonso Arinos de Mello Franco. O mesmo autor que celebrou a herança indígena brasileira e as contribuições para a civilização ocidental também escreveu o anti-semita Preparação ao nacionalsimo: Cartas aos que têm vinte anos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1934, que opunha a entrada de judeus no Brasil.
42 CNPI, Relatório. Rio de Janeiro, 1946, p. 54. [Links]
43 Relatório do Diretor do SPI, Coronel Vicente de Paulo Teixeira da Fonseca Vasconcelos (1940?). Museu do Índio, Rio de Janeiro, Setor de Documentação (MI/SEDOC) Filme 237/Fot 1237-1273.
44 LYRA, João. "Raça, educação e desporto". In Estudos e Conferências. nº 14, dez. 1941, p. 32.         [ Links ]
45 BARROS, Olegário Moreira de. "Rondon e o Índio". In Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso, vol. 22, nºs 43-44, 1940, p. 17.[Links]Para uma discussão sobre o projeto de educação física do Estado Novo para forjar cidadãos robustos, ver CARNEIRO,op. cit., pp.139-142.
46 Revista de Imigração e Colonização. vol. I nº 02, abr. 1940, p. 207. [Links]
47 SPI, "Memória sobre as causas", p. 29. [Links]
48 DASP, Revista do Serviço Público. vol. 03, nº 03, set. 1943, p. 84. [Links]
49 Para uma discussão sobre a relação conflituosa entre índios e o Estado-nação, ver URBAN, G. e SHERZER, J. "Introduction: Indians, Nation-States, and Culture". In URBAN, Greg e SHERZER, Joel (eds.). Nation States and Indians in Latin America. Austin, 1991, pp. 01-18; [Links] e DURHAM, E. Ribeiro. "O lugar do índio". In Comissão Pró-Índio/SP, O Índio e a Cidadania. São Paulo, Brasiliense, 1983, pp. 11-19.
50 BRASIL, T. Paes de Souza. Íncolas Selvícolas. Rio de Janeiro, 1937, pp.65-69. [Links]
51 ESCOBAR, I. A Marcha para o Oeste: Couto Magalhães e Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 1941, p. 116. [Links]
52 Sobre o período colonial, ver PERRONE-MOISÉS, B. "Índios Livres e Índios Escravos: Os Princípios da Legislação Indigenista do Período Colonial (Séculos XVI-XVIII)". In CUNHA, Manuela Carneiro da (ed.). História dos Índios no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1992, pp. 115-132; [Links]sobre a dicotomia do século XIX entre o Tupi "pacífico" e o Tapuia "feroz", ver CUNHA, M. Carneiro da. "Prólogo". In: CUNHA, Manuela Carneiro da (ed.). Legislação Indigenista no Século XIX: Uma Compilação 1808-1889São Paulo, EDUSP, 1992, pp. 07-08. [Links]
53 Ver BERKHOFER JR, R.F. The White Man's Indian: Images of the American Indian from Columbus to the Present. New York, 1978. [Links]
54 Tucci Carneiro fornece uma extensa revisão sobre os pensadores brasileiros influenciados por teorias racistas europeias que estigmatizavam os índios, negros e mestiços. Ver CARNEIRO, Tucci. op. cit., pp. 83-154.
55 Sobre a escravidão de índios inimigos durante o período colonial, ver PERRONE-MOISÉS.op. cit., pp. 123-128.
56 O tema do índio corrompido pelo branco mau, comum nas publicações do SPI durante este período, seria reiterado por MARÇAL, Heitor. Moral Ameríndia. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1946, um texto publicado pelo Ministério da Educação e Saúde. [Links]
57 RONDON, J. O Índio como sentinela das nossas fronteiras. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1944, p. 34. [Links]
58 PAULA, J.M. de. Terra dos Índios. Rio de Janeiro, 1944, pp.90-91.   [Links]
59 Para um exame sobre como o governo Vargas engajou a classe trabalhadora, ver GOMES, A. de Castro. A Invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro, IUPERJ, 1994, p. 185. [Links]
60 Ver OLIVEIRA FILHO, J. Pacheco de. 'O Nosso Governo': os Ticuna e o Regime TutelarSão Paulo, Marco Zero, 1988, pp. 176-192. Sobre a assistência do SPI aos Mundurukú, [Links]ver ARNAUD, E. O Índio e a expansão nacional. Belém, CEJUP, 1989, p. 203-255.
61 SPI, Relatório, (1939), p. 03. [Links]
62 ROSEBERRY, W. "Hegemony and the Language of Contention". In JOSEPH, Gilbert M. and NUGENT, Daniel (eds.). Everyday Forms of State Formation: Revolution and the Negotiation of Rule in Modern MexicoDurham, 1994, p. 361. [Links]
63 Ver SILVA, A. Lopes da. "Dois Séculos e meio de História Xavante". In História dos Indios no Brasil. pp. 362-365. [Links]
64 MAYBURY-LEWIS, D. Akwe-Shavante Society. New York, 1974, p. 02.   [Links]
65 Idem, pp. 167-170. Ver também GIACCARIA, B. e HEIDE, A. Xavante (aúwe Uptabi: Povo Autêntico)São Paulo, Dom Bosco, 1972, pp. 36-43. [Links]
66 A Noite, 24 Agosto 1944, p. 01. [Links]
67 SOUZA, L. de. Os Xavante e a Civilização. Rio de Janeiro, 1953, p. 31. [Links]
68 MAYBURY-LEWIS. op. cit., p. 05.
69 RONDON, citado A Noite, 16 de Novembro 1941, p. 01.
70 Sobre a ecologia do Brasil Central e as adaptações dos Xavante a ela, ver FLOWERS, N. "Forager-Farmers: The Xavante Indians of Central Brazil". Tese de doutorado, City University of New York, 1983. [Links]
71 NIMUENDAJU, C. The Serente. Los Angeles, 1942, p. 08. [Links]
72 Carta de Lírio Arlindo do Valle para Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, Setembro de 1945. MI-SEDOC, Documentos Avulsos. [Links]
73 Para um resumo biográfico de Poti, ver ALMEIDA, Geraldo Gustavo de. Heróis Indígenas do Brasil. Rio de Janeiro, 1988, pp. 105-106. [Links]
74 Para maiores discussões sobre a natureza contraditória da cultura popular ver JOSEPH, G. e NUGENT, D. "Popular Culture and State Formation". In Everyday Forms of State Formation: Revolution and the Negotiation of Rule in Modern MexicoDurham, 1994, pp. 21-22. [Links]
75 GRAMSCI, Antonio. Selections from the Prison Notebooks. Trad. Geoffrey Nowell Smith, New York, 1971, p. 333.