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Leandro Vilar

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O engenho e o fabrico do açúcar no Brasil colonial

"De 1500 a 1822, do descobrimento à independência, o Brasil exportou mercadorias num total de 586 milhões de libras esterlinas. Nesse total de valores, a que produção cabe o maior contingente? Ao ouro, responder-se-á. Não: o ouro contribuiu apenas com 170 milhões. O café, só começou no fim, e, na nossa balança comercial, pesava menos do que o arroz, do que o algodão, do que o fumo, as madeiras, os couros, e apenas um pouco mais que o cacau. Sua exportação, no período colonial, não passou de quatro milhões, no total. Houve, do descobrimento à independência, um produto que, sozinho, rendeu mais do que todos os outros reunidos, aí incluindo-se os da mineração: o açúcar, do qual exportamos 800 milhões de libras esterlinas". Luís Amaral, história geral da agricultura brasileira v. 1, p. 326, 1958. 

A proposta deste texto é mostrar como o açúcar da cana-de-açúcar chegou ao Brasil, como se estruturavam os canaviais, os engenhos, como era o fabrico do açúcar, assim como relatar um pouco da história econômica brasileira no período colonial, época na qual o açúcar no século XVII se tornou o "ouro branco" da colônia portuguesa. 


Um dos melhores relatos sobre a produção açucareira e o fabrico do açúcar foi escrito pelo jesuíta italiano Giovanni Antonio (1649-1716), o qual morando no Brasil passou a adotar o nome de André João Antonil. Em 1711 ele publicou em Lisboa seu livro, Cultura e Opulência no Brasil por suas drogas e minas. Neste livro ele comenta de forma detalhada a realidade do cultivo da cana, a estrutura do engenho e o fabrico do açúcar, tendo como base os engenhos baianos nos fins do século XVII e idos do XVIII. O livro original possui mais de 200 páginas, embora trate também da produção do tabaco, da mineração do ouro, da pecuária, etc. A primeira parte do livro é dedicada apenas a abordar a produção do açúcar. Aos interessados, recomendo ler este livro que possui versões em português atual. 

O açúcar: da Ásia as Américas

Originalmente havia seis espécies de Saccarum, nome científico da cana-de-açúcar. A primeira espécie a ser domesticada foi a Saccarum officinarum, a qual com o passar dos séculos e o aumento pelo interesse do cultivo dessa planta, levou-se a hibridização entre as espécies, levando a criação de espécies híbridas, as quais possuíam características melhores do que as plantas originais. O cruzamento entre espécies no cultivo de plantas ou na criação de animais é algo comum e bastante antigo, pois o ser humano notou que determinadas características físicas poderiam ser transmitidas pelo cruzamento. Vale lembrar que essa ideia surgiu muito antes da concepção de DNA, genética, fenótipo, etc. 

Outro fato curioso é que a cana-de-açúcar pertence a família das Poaceae, família esta a qual pertence o milho, o arroz, o sorgo, trigo, cevada, centeio, aveia, bambu, etc. 


"A cana sacarina não atinge a altura de uma árvore, mas a do milho e de outras canas, erguendo-se em calamos de sete a oito pés, com uma polegada de grossura. É esponjosa, suculenta e cheia de um miolo doce e branco. Teem as folhas dois côvados de comprimento, a flor é filamentosa e a raiz macia e pouco lenhosa. Desta saem rebentos para a esperança de nova safra. Gosta de solo úmido, clima quente e ar mais tépido. A índia Ocidental é feracíssima destas canas, conquanto também as produza a Oriental". (BARLÉUS, 1940, p. 74).

Uma plantação de cana-de-açúcar.

A cana-de-açúcar é originária da ilha de Nova Guiné, de onde se espalhou pelo arquipélago malaio, a Indonésia, até que migrou para o continente, se estabelecendo na Índia e no sudeste asiático em países hoje como Vietnã, Camboja, Laos, Myanmar e o sul da China. Na Índia encontramos menções ao cultivo dessa planta e ao uso ritualístico da mesma em alguns textos antigos, por exemplo, no Mahabharata, importante poema hindu, há menções a cana-de-açúcar, inclusive que o deus do amor Kama, possuía um arco feito de cana. Seria daí a ideia que o amor é doce?

A cana foi cultivada ao longo de séculos por diferentes povos asiáticos, contudo não se tem uma certeza de quando ela migrou para o oeste asiático. Amaral [1958] apontou que a cana teria sido levada para a Pérsia ainda no tempo de Alexandre, o Grande no século IV a.C, pois sabemos que Alexandre realizou incursões até a Índia. E da Pérsia a planta teria chegado a Síria. Contudo, sua distribuição pelo Oriente Médio se deu com os árabes, séculos depois, já na Idade Média. 

Com a expansão do império islâmico dos descendentes do legado do profeta Maomé (570-632), no final do século XI a Europa cristã entrou em conflito com o mundo árabe, o principal motivo, a conquista da sagrada cidade de Jerusalém. Com o desenrolar das Cruzadas, os europeus tiveram contato com novas plantas, animais, povos e culturas, e um destes contatos foi com a cana-de-açúcar a qual atraiu o interesse de alguns comerciantes italianos, que levaram algumas mudas para serem plantadas na Sicília e na ilha de Rodes. Além disso, a expansão árabe levou esse povo do deserto a adentrar o Egito e se espalhar pelo norte e o leste da África



O império islâmico entre 632 a 750. Os árabes foram os responsáveis por direta ou indiretamente levarem a cana-de-açúcar para a África e a Europa. 

Na região que hoje é o Marrocos, os árabes atravessaram o Estreito de Gibraltar e adentraram o que hoje é o sul da Espanha. Nos séculos seguintes eles expandiram seus domínios na península Ibérica, governado grandes partes dos atuais territórios de Portugal e Espanha, e com essa colonização, eles implantaram o cultivo de novas plantas: laranjas, limões, chá, inclusive a cana-de-açúcar. Os árabes que se miscigenaram nesse tempo com povos berberes do norte da África, passaram a serem chamados pelos espanhóis e portugueses de mouros. Na Itália, Grécia e na Terra Santa, os europeus chamavam os árabes também de sarracenos.

O açúcar por muito tempo foi usado na Europa como medicamento, nesse caso, os médicos recitavam o seu consumo puro, ou o mesmo era usado como ingrediente no fabrico de poções, pastas, beberagens, etc. Embora propriamente não possua propriedades curativas eficientes, o açúcar com seu alto teor de sacarose é um energético natural. 

"Servia de remédio, de emplastro, de moeda e até de agente para a magia negra, com bruxedos e quiromancias." Segundo Thevet, "les Anciens estimerent for le sucre de l'Arabie, pour se qu'il estoit souverain... en médecines, mais aujord'huy la volupté est augmentée jusques là que l'on ne saurait faire si petit banquet que toutes les saulces ne soyent sucrées, et aucune Pois les viandes". (AMARAL, 1958, p. 327).


"O sumo das primeiras é de louvar pela limpidez e utilidade, e esta utilidade conhecem-na as cozinhas e as farmácias, os sãos e os enfermos, pois serve o açúcar de alimento e de remédio. É depois da manteiga, um regalo da nossa alimentação e um grato estímulo da gula nos doces e nas sobremesas". (BARLÉU, 1940, p. 74).

Ainda hoje existem medicações que utilizam açúcar na receita, por exemplo, o soro caseiro leva açúcar e sal no seu preparo. Mas hoje se sabe que em grande quantidade ele é bastante prejudicial a saúde, contudo, na Idade Média e na Idade Moderna era comum o uso do que chamamos hoje de medicina alternativa, logo, possuímos uma infinidade de medicamentos naturais que usavam os mais diversos tipos de ingredientes, que lembram as mirabolantes poções mágicas vistas na literatura, nos filmes e desenhos. Com o açúcar não foi diferente. Barléu [1940] conta brevemente que o açúcar em tempos antigos, era usado como remédio para problemas no estômago, intestinos, fígado e outros males. 


Além do fato de ser usado como medicamento, o açúcar também era usado no preparo de alimentos e bebidas, afinal era uma das especiarias das Índias. Logo, vemos em alguns países como Portugal, os Reinos hispânicos (a Espanha só foi unificada no final do século XV), nas cidade-Estados italianas, na França e na Inglaterra, nobres ou ricos comerciantes dando baús com açúcar como presente, algo considerado um presente de luxo. 

"Antigamente um pão de açúcar (cada pão tinha pouco mais de dois quilos) era arrolado como bem precioso, nos tesouros reais. Atribuía-se ao produto da cana virtudes miraculosas para a saúde. Sete pães de açúcar (14 quilos), deixa a mulher de Carlos V da França, no seu testamento, entre joias preciosas. E o sucessor deste rei dá a outro soberano, como presente real, mais alguns quilos da mágica mercadoria." À época do descobrimento do Brasil, a Europa tomava tudo com açúcar: a carne, o vinho, o peixe". (AMARAL, 1958, p. 327).

Na Inglaterra do governo dos Tudor no século XVI, o açúcar era tão caro, que apenas os ricos o compravam. Uma fato curioso é que como as pessoas não tinham o hábito de escovar os dentes, ou usar outro meio para limpá-los; de tanto consumirem açúcar e doces, os dentes acabavam ficando escuros devido as cáries. Contudo, a nobreza soube contornar esse fato. Os dentes cariados passaram a ser sinônimo de "riqueza", pois significava que para ter dentes escuros devido ao açúcar, você deveria ter muito dinheiro para comprar açúcar. Logo, havia casos de pessoas menos abastadas que passavam fuligem e outras substâncias para escurecerem os dentes. As classes mais baixas sempre quiseram imitar o modo de vida das elites. 

Até o século XVIII na Europa, o açúcar ainda continuaria a ser um produto lucrativo e por muito tempo acessível apenas pelas elites, pois nos casos das classes baixas, quando essas conseguiam ter acesso a esse produto, consumiam um açúcar de péssima qualidade, geralmente o chamado açúcar mascavo, que era visto como de qualidade inferior, e relegado as classes menos abastadas. 

Infante Dom Henrique

No século XV, os portugueses já possuíam seus canaviais no sul de Portugal, na região de Algarves, e com o início da Era dos descobrimentos em 1415 com a conquista da cidade moura de Ceuta no Magreb (hoje Marrocos), os lusos iniciaram suas viagens ultramarinas pela costa ocidental africana e pelo oceano adentro. Por volta de 1418 os navegadores João Gonçalvez Zarco e Tristão Vaz Teixeira descobriram a ilha do Porto Santo, e no ano seguinte, Zarco retornou em companhia de Bartolomeu Perestrelo e descobriram a ilha da Madeira, a qual veio a batizar o arquipélago. O infante D. Henrique (1394-1460) um dos principais responsáveis pela política expansionista marítima de Portugal, foi quem expediu as ordens para se iniciar o cultivo de cana na Madeira, nos Açores, no Cabo Verde e em outras localidades. D. Henrique viu que o açúcar era um produto rentável, e decidiu ampliar os canaviais nos domínios portugueses. 

Na Ilha da Madeira onde surgiram os primeiros engenhos portugueses, neste caso em 1452Diogo Vaz de Teive, escudeiro do infante D. Henrique, construiu o primeiro engenho na ilha, na Capitania do Funchal. Seu engenho era movido a água. Em 1590, Gaspar Frutuoso, autor de Saudades da Terra, apontava a existência de mais de 30 engenhos apenas na Madeira, embora salienta-se que a produção açucareira madeirense estivesse em declínio devido a produção brasileira que a ultrapassara. 


"Em 1440 uma arroba valia, na Inglaterra, 18,30 gramas de ouro, que representam 1:120$000 em poder aquisitivo de hoje, ou sejam 75$000 o quilo. Em 1470, este preço havia baixado para 45$000, e, em 1501, valia apenas 8$500 o quilo.  A produção portuguesa, principalmente a da Ilha da Madeira, provocou a destruição das culturas do Mediterrâneo e o desequilíbrio no comércio". (SIMONSEN, 1937, p. 145).

Para tentar aumentar o preço da arroba do pão-de-açúcar, em 1496 o rei português, D. Manuel I limitou a produção açucareira da Madeira em 120 mil arrobas anuais, a fim de controlar a disponibilidade do produto e logo os preços de venda e compra. Diminuindo a oferta da mercadoria, os preços aumentariam. Dessas 120 mil arrobas, segundo uma nota de Furtado [2005], 40 mil arrobas destinadas a Flandres, 16 mil para Veneza, 13 mil para Gênova, 15 mil para Chios e 7 mil para a Inglaterra. Tais países eram os principais consumidores do açúcar português.


Em 1493, Cristóvão Colombo (1451-1506) retornava ao Novo Mundo, ao mar da Caraíbas ou mar do Caribe, onde um ano antes havia chegado, acreditando que se encontrava em algum lugar das Índias, daí ter chamado os habitantes naturais de índios. Colombo havia "descoberto" o Novo Mundo, as Índias Ocidentais, as Américas em 12 de outubro de 1492, nessa viagem de retorno ele foi incumbido pelo rei de Espanha de continuar a exploração de outras ilhas, pois embora no ano anterior Colombo havia chegado a uma ilha nas Bahamas que ele batizara de San Salvador, nessa segunda viagem, ele avistou e visitou outras ilhas, mas optou em aportar numa grande ilha que foi batizada em 1493 de Hispaniola ("pequena Espanha") atual ilha de São Domingos, onde se localizam os países da República Dominicana e o Haiti, os quais dividem a mesma ilha. Foi em Hispaniola que Colombo fundou a vila de La Natividad e plantaram o primeiro canavial das Américas. 


Em destaque a ilha de São Domingos antiga Hispaniola. A ilha é dividida pelos territórios do Haiti e da República Dominicana. Foi aqui em 1493 que se plantou o primeiro canavial das Américas. 

"Houve nas novas possessões ibéricas a primeira tentativa séria de colonização, em 1502, dirigida por Nicolás de Ovando; e o primeiro engenho americano parece ter funcionado na Antilha espanhola no ano de 1506. Até 1520 havia instalados 20 engenhos; em 1550 funcionavam, em Espaniola, cerca de 40. Depois de 1553, o México começou também a exportar açúcar para a metrópole. Apesar desse bom início, devido ao êxodo das populações das Ilhas para o México e Peru, ao desvio das atenções para a mineração de metais preciosos, e às grandes lutas e revoluções que caracterizam os primeiros tempos das ilhas do Mediterrâneo americano, arrefeceu ali a indústria açucareira, que só tomou novo impulso em meados do século posterior, quando se verificou a grande alta e considerável aumento na procura do artigo". (SIMONSEN, 1937, p. 146).

O açúcar chega ao Brasil:

Em 22 de abril de 1500 a frota de doze navios comandados por Pedro Álvares Cabral (1467/1468-1520) avistou terra, a qual batizara de Ilha de Vera Cruz. Após fazerem contato com os indígenas, poucos dias depois a terra "descoberta" foi rebatizada para Terra de Santa Cruz, para que décadas depois viesse a ser chamado de Brasil. Mas de qualquer forma dessa data de 1500 até 1532, Santa Cruz não foi colonizada, os portugueses apenas se ocuparam em mapear a costa, fazer contato com os indígenas, descrever a fauna e flora, extrair pau-brasil, pois ouro e prata não foram descoberto neste tempo. Além disso, o comércio de especiarias na Ásia era bem lucrativo e concentrava os esforços políticos e econômicos da Coroa, afinal Cabral iniciou sua viagem com a missão inicial de chegar novamente a Índia, usando a rota descoberta por Vasco da Gama (1460/1469-1520) em 1498. 


Além desse lucrativo comércio das especiarias orientais, Portugal também não mostrou interesse em plantar inicialmente cana no Novo Mundo algo que os espanhóis fizeram, pois a produção na Madeira, Açores, Cabo Verde e Algarves supria as necessidades de consumo. Normalmente nas escolas vemos que as primeiras mudas chegaram em 1531 na expedição de Martim Afonso de Sousa, contudo há indícios que houve tentativas anteriores de se cultivar cana no Brasil, e possivelmente teriam dado êxito. 


Amaral [1958] aponta que no ano de 1516 a Casa da Índia, uma companhia mercantil portuguesa que cuidava de negócios nas Índias, cogitou enviar alguns produtores de cana-de-açúcar para Santa Cruz, a fim de estudar a terra e as possibilidades de se plantar cana. O historiador brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), nos revelou um parecer interessante sobre a proposta da Casa da Índia:


“Sabemos, que em 1516 ordenou, por um alvará, ao feitor e officiaes da Casa da Índia que dessem machados e enchadas e toda a mais ferramenta ás pessoas que fossem a povoar o Brazil"; e que, por outro alvará, ordenou ao mesmo feitor e officiaes que «procurassem e elegessem um homem prático e capaz de ir ao Brazil dar principio a um engenho de assucar; e que se lhe desse sua ajuda de custo, e também todo o cobre e ferro e mais cousas necessárias" para a fabrico do dito engenho”. (VARNHAGEN, 1858, p. 95). 

Em 1526, nos registros alfandegários de Lisboa já constava imposto sobre açúcar produzido em Santa Cruz. Amaral sugere que se houvesse canaviais por essa época, provavelmente eles deveriam estar ou em Ilhéus como sugeriu Gabriel Soares de Sousa, ou em Itamaracá, onde se encontrava uma das mais importantes feitorias da colônia. Para Amaral, os canaviais deveriam estar em Itamaracá, pois lá ficava a feitoria de Cristóvão Jacques (ca. 1480 - ca. 1530), um nobre português que chegou ao Brasil em 1503. Jacques retornou em 1516 e permaneceu três anos, liderando patrulhas marítimas para se combater os piratas franceses, indo da costa do Rio Grande do Norte até a foz do Rio da Prata. Sabe-se que ele em suas viagens combatera os franceses algumas vezes, e fez prisioneiros. Em 1521 ele retornou e fundou uma feitoria em Itamaracá, a qual Amaral [1958] cogitava ser o local de onde provinha o açúcar mencionado nos registros alfandegários lisboetas de 1526, contudo, não se tem certeza se o açúcar realmente proveria dali, ou se havia canaviais antes de 1532.

"A lavoura de cana no Nordeste - pode-se acrescentar, no Brasil - parece ter começado nas terras de Itamaracá, à beira da água doce, como também da salgada; das duas águas ao mesmo tempo. E quando depois se regularizou, com Duarte Coelho, foi para acompanhar as 'terras vizinhas das ribeiras'". (FREYRE, 1967, p. 20). 


Em 1527, Cristóvão se encontrava em Portugal e sugeriu ao rei D. João III, retornar ao Brasil para iniciar a colonização, mas o rei recusou a aceitar tal pedido, e três anos depois enviou a expedição de Martim Afonso de Sousa com esse intuito. É importante mencionar que expedições regulares partiam todos os anos de Portugal para o Brasil, a fim de cortar pau-brasil, explorar a costa e defender as terras, principalmente dos franceses, embora que os espanhóis também passaram por ali nesse tempo. 


Martim Afonso de Sousa

Em 1530 o rei de Portugal D. João III nomeou o nobre e militar Martim Afonso de Sousa (c. 1490/1500-1571) para uma importante missão na colônia portuguesa de Santa Cruz, pois oficialmente só passaria a ser chamada Brasil, alguns anos depois, embora que extraoficialmente alguns marinheiros já chamassem a colônia de Brasil devido ao comércio do pau-brasil. A missão de Martim era proteger a costa dos navios franceses que iam contrabandear pau-brasil, além de realizar novas explorações por terra e até mesmo escolher um local para iniciar um pequeno núcleo urbano, esse foi o antecedente das capitanias hereditárias. 

"31 de Janeiro de 1531 estavam diante do Cabo de Santo Agostinho e já na costa de Pernambuco; encontrando navios franceses deram-lhes caça, tomando três, um queimado, outro enviado ao reino carregado de brasil, o terceiro encorporado à armada, que ia a caminho do Rio da Prata. Na Bahia foram acolhidos por Diogo Álvares, o Caramurú, e Pero Lopes achou, das baianas, que “eram mui fermosas e não haviam nenhuma inveja às da rua Nova, de Lisboa”. (Diário de Navegação, ed. de E. de Castro, Rio, 1927, p. 154). Depois no Rio de Janeiro, (p. 174) onde se demoraram, fizeram desembarque(14) e exploração, terra a dentro: “a gente deste rio é como a da Baía de Todos os Santos, senão quanto é mais gentil gente”, diz ainda Pero Lopes". (PEIXOTO, 1944, p. 86). 


Martim e seus homens seguiram até o Rio da Prata, mas em 1532 retornaram para o norte e aportaram na ilha de São Vicente (hoje na costa de São Paulo), lá ele escolheu o local para fundar a primeira vila da colônia, a Vila de São Vicente, na ocasião também se plantaram mudas de cana-de-açúcar e se construiu um engenho chamado "Engenho dos Erasmos". Ainda no mesmo ano fundou-se a Vila do Piratininga com o apoio de João Ramalho, português exilado naquela região que acabou se tornando genro do cacique Tibiriça. A vila do Piratininga ficava continente adentro, já indo em direção ao planalto. Anos depois fundou-se a Vila de Santos e a Vila de Santo Amaro



Ruínas do Engenho dos Erasmos. Thiagoavanci, 2009.

"A cana de açúcar trazida para aí, da Madeira (Gabriel Soares diz que viera primeiro de Cabo Verde para os Ilhéus) deu o primeiro engenho de açúcar, que chegou a ser próspero, sob o nome engenho dos “Erasmos”, de uma firma de ricos homens de Flandres, Erasmo Schetz, a cujos feitores se refere Anchieta. Na futura vila de Santos, junto a S. Vicente, Braz Cubas estabeleceu o primeiro monjolo, ou engenhoca, de pilar cereais". (PEIXOTO, 1944, p. 89).


Mapa da ilha de São Vicente, Luiz Teixeira, 1586. 

Dois anos após a fundação da Vila de São Vicente, o rei D. João III decretava a criação das Capitanias Hereditárias no Brasil, dividindo a costa em 15 capitanias iniciais e as doando a seus donatários responsáveis para colonizar a terra e desenvolver a agricultura e a pecuária, assim como continuar a explorar aquelas matas em busca de riquezas. 

As quinze capitanias hereditárias originais (1532-1534). 

"Os donatários seriam de juro e herdade senhores de suas terras; teriam jurisdicção civil e criminal, com alçada até cem mil reis na primeira, com alçada no crime até morte natural para escravos, indios, peões e homens livres, para pessoas de mór qualidade até dez annos de degredo ou cem cruzados de pena; na heresia (se o herege fosse entregue pelo ecclesiastico), traição, sodomia, a alçada iria até morte natural, qualquer que fosse a qualidade do réu, dando-se appellação ou aggravo somente si a pena não fosse capital. Os donatários poderiam fundar villas, com termo, jurisdicção, insignias, ao longo das costas e rios navegáveis; seriam senhores das ilhas adjacentes até distancia de dez léguas da costa; os ouvidores, os tabelliães do publico e judicial seriam nomeados pelos respectivos donatários, que poderiam livremente dar terras de sesmarias, excepto á própria mulher ou ao filho herdeiro". (ABREU, 1907, p. 36).

Em 1535, o donatário de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira (ca. 1485-1554) fundou o primeiro engenho da sua capitania, nas cercanias da Vila de Olinda (fundada por Duarte em 1534), chamado Engenho Velho. Para Amaral [1958] a importância do Brasil como novo polo açucareiro era demasiadamente clara, ao ponto de que em 1535 na Vila de São Vicente já havia mais de três engenhos, ou seja, três anos depois da fundação do primeiro. 


"Desde o alvará de D. Manuel e depois, conforme observou João Lúcio de Azevedo, o "privilégio, outorgado ao donatário, de só ele fabricar e possuir moendas e engenhos de água, denota ser a lavoura de açúcar a que se tenta especialmente em mira". No mesmo sentido eram feitos os regimentos e as leis referentes à colônia: o de Tomé de Sousa, excluindo o senhor de engenho das execuções por dívidas; e dos governadores de Pernambuco, assegurando privilégios aos que edificassem ou reedificassem engenhos; a meia fidalguia concedida a quantos se tornassem senhores de engenho". (AMARAL, 1958, p. 328). 

“Em 1576, Pernambuco exportava cerca de 70 mil arrobas de açúcar e em 1583 a cifra subia a 200 mil arrobas. "Nos princípios do século XVII, diz de Carli, possuindo o Brasil 200 engenhos, a sua produção era de 25 mil a 35 mil caixas de açúcar de 35 arrobas cada uma. É o tempo áureo do açúcar no Brasil”. (AMARAL, 1958, p. 329).

Na Europa dos fins do século XVI até os idos do século XVIII, o açúcar estaria em bastante alta. Bebidas como chá e café começaram a se disseminar pelos países europeus, bebidas estas trazidas pelos árabes. Logo, como nem todo mundo gostava de tomar chá ou café puro, preferiam por açúcar ou misturá-lo com leite. Além disso, o chocolate começava a ser fabricado na Europa, e demandava muito açúcar para adoçar o gosto amargo do cacau. Lembrando que chocolate foi um artigo de luxo por muito tempo, e até mesmo o chá e o café só começaram se popularizar no final do século XVII em alguns países, mas em outros foi a partir do XVIII.

"Após a vulgarização do chocolate, foi o café, cujo se espalhou desde 1650, um dos produtos que mais contribuiu para a expansão do açúcar, sabido como é que o consumo de café obriga ao do açúcar em peso pelo menos igual ao daquele". (SIMONSEN, 1937, p. 173).


The morning chocolate. Pietro Longhi,  1775–1780. O açúcar passou a ser importante para adoçar o chocolate, o chá, o café e na própria preparação dos doces consumidos pelas elites. 

"Mas o grande inimigo, agente incansável de Satanás, era o açúcar. Entrando na República em quantidades adequadas para reduzir suficientemente o fator custo e chegar às mesas das camadas médias, o açúcar brasileiro alimentava o apetite dos holandeses por doces - apetite então já sedimentado. Na década de 1640, havia mais de cinquenta refinarias de açúcar operando em Amsterdã, e petiscos tradicionais como waffles, panquecas e poffertjes podiam ser complementados com açúcar polvilhado ou caldas caramelizadas. Bolos e biscoitos que antes não recebiam nenhum tipo de tempero, a não ser um pouco de mel ou, nas cozinhas ricas, açafrão e anis, agora podiam incluir pedaços de frutas cristalizadas ou misturas até então inéditas de gengibre oriental e melaço ocidental". (SCHAMA, 1992, p. 169).

Para termos uma ideia de quanto o açúcar se tornou valioso entre os séculos XVI e XVII, pois no XVIII ele começou a entrar em declínio, darei dois exemplos de fator internacional. O primeiro diz respeito ao fato que em 1580, com a morte do rei de Portugal, D. Henrique I (1512-1580), o trono ficou sem herdeiros, pois o rei era cardeal e não tivera filhos, e seu antecessor que era seu sobrinho, D. Sebastião, morreu jovem e não teve filhos, logo o trono ficou vago e alguns candidatos apareceram para disputá-lo, um deles era o rei de Espanha, Filipe II (1527-1598). 

Filipe conseguiu ser eleito rei de Portugal, tornando-se Filipe I de Portugal, passando a ser o rei mais poderoso e rico da Europa e do Ocidente. Filipe possuía as prósperas minas de prata de Potosí no Alto Peru (atual Bolívia) e agora passara a deter a lucrativa produção açucareira do Brasil. Por 60 anos Portugal e suas colônias ficaram sob o domínio espanhol, sendo esse período chamado de União Ibérica (1580-1640). 

O segundo exemplo, ocorreu no século XVII, o açúcar se tornou um bem tão valioso que isso levou os holandeses a criarem a Companhia das Índias Ocidentais (1621) para tratar de negócios nas Américas e na África, e em 1624 eles atacaram a cidade de Salvador, capital do Brasil a fim de tomá-la, embora tenham tido êxito, falharam depois de um ano de ocupação, contudo, eles não desistiram, e retornaram cinco anos depois. De 1630 a 1654, ou seja, por 24 anos, os holandeses ocuparam parte do Nordeste do Brasil, controlando a produção açucareira de PernambucoParaíba, Itamaracá e Rio Grande, os principais produtores desse tão cobiçado "ouro branco". 



Em roxo o Domínio holandês ou a Nova Holanda. Por 24 anos os holandeses controlaram a produção açucareira de seis capitanias brasileiras, sendo Pernambuco o maior produtor da colônia. 

De acordo com o relatório do holandês Adriaen van der Dussen, concluído em 1639 para a Companhia das Índias Ocidentais, Dussen apontava que Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande possuíam pelo menos 166 engenhos, embora hoje sabe-se que há incertezas na exatidão do cálculo dele, contudo, seu relatório ainda é um dos melhores que existem desse período da história brasileira. 

"O açúcar brasileiro dominou o comércio do produto entre 1600 e 1700, como já registrava Barlaeus na obra que escreveu, em 1660, e numa época em que era o mais importante artigo do escambo marítimo internacional. Não existiam ainda os grandes transportes de cereais, combustíveis, artigos manufaturados e metalúrgicos, não havia surgido a revolução industrial". (SIMONSEN, 1937, p. 179).

A terra, água e a mata:


Gilberto Freyre (1900-1987) e o padre jesuíta José de Anchieta (1534-1597) chegaram a dizer que um dos principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento da cultura da cana no Brasil não foi propriamente o clima tropical similar ao do sul da Ásia, mas sim a regularidade das chuvas e a fértil terra de massapê ou massapé. 


O solo de massapê é um solo escuro, pegajoso (pois é rico em argila), rico em húmus, algo que lhe concede sua fertilidade. Na geologia, o massapê como é chamado no Brasil esse tipo de solo, é o segundo mais fértil, ficando atrás da chamada "terra roxa", embora que na realidade seja de tom avermelhado, esse solo é o resultado de milhões de anos de decomposição e sedimentação, principalmente de origem basáltica. A "terra roxa" e o massapê são considerados os solos mais férteis no Brasil, e ambos foram explorados; o primeiro, principalmente pelo açúcar, e o segundo, principalmente pelo café. 


"O massapê é acomodatício. É uma terra doce ainda hoje. Não tem aquêle ranger da areia dos sertões que parece repelir a bota do europeu e o é do africano, a pata do boi e o caso do cavalo, a raiz da mangueira-da-índia e o brôto da cana, com o mesmo enjôo de quem repelisse uma afronta ou uma intrusão. A doçura das terras de massapê contrasta com o ranger da raiva terrível das areias sêcas dos sertões". (FREYRE, 1967, p. 7). 


"A qualidade do solo tornou possível o avanço civilizador da cana em várias outras terras do Brasil. Mas a estabilidade de sua cultura no extremo Nordeste e no Recôncavo se explica por condições particularmente favoráveis de solo, de atmosfera, de situação geográfica". (FREYRE, 1967, p. 8).


Canavial plantado em solo massapê. 

Além da ótima qualidade do solo, havia o fator do clima tropical ser adequado para o cultivo da cana, além disso, havia a disponibilidade de chuvas regulares no litoral, como também a existência de vários rios e riachos que não apenas forneciam a irrigação, o abastecimento de homens e animais, mas também as rotas de transporte para cana, onde barcos e barcaças seguiam pelos rios até o mar ou próximo dele, para onde o açúcar era conduzido aos navios que lhe aguardavam para levá-lo a Europa. 

"No Nordeste da cana-de-açúcar, a água foi e é quase tudo. Sem ela não teria prosperado do século XVI ao XIX uma lavoura tão dependente dos rios, dos riachos e das chuvas; tão amiga das terras gordas e úmidas e ao mesmo tempo do sol". (FREYRE, 1967, p. 19).


É importante também mencionar que além dos fatores ligados a água mencionados anteriormente, os engenhos brasileiros eram movidos a força da água ou por tração animal. Embora os portugueses já conhecessem os moinhos de vento, algo trazido pelos mouros, séculos antes para Portugal e Espanha; no Brasil, tais moinhos não foram aplicados aos canaviais. Logo, vemos engenhos próximos a rios, riachos ou canais construídos para que levassem água para mover a roda d´água. 

"Acarretavam, pois, um grande serviço de transporte de canas, de lenha e do artigo produzido. Dadas as dificuldades de locomoção e os riscos de ataques dos selvícolas, evitava-se o afastamento da costa, e estabeleciam-se os engenhos de preferência na faixa litorânea, junto aos pequenos rios, onde se utilizavam de barcas para os serviços de transporte; tornou-se, porém, logo necessário o emprego do carro de boi e o apelo à junto de tiro". (SIMONSEN, 1937, p. 149).



Rio Capibaribe na cidade de Recife, Pernambuco. O Capibaribe foi um dos importantes rios nordestinos no desenvolvimento dos canaviais. Hoje o rio sofre com a poluição.

“Junto ao braço do rio a que chamam Afogados, há numerosos engenhos de onde os portugueses costumam embarcar suas caixas de açúcar em barcos, ao longo do rio, ou em carroças, para Barreta, daí transportando-as em chatas para o Recife e Olinda”. (NIEUHOF, 1682, p. 24). 

Outro fator foi o de ordem de distância. O Nordeste estava mais próximo da África de onde passara a vir os escravos africanos para trabalhar na lavoura, e ao mesmo tempo, estava mais próximo de Portugal. Embora houvesse canaviais em Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente, tais locais eram muito mais distantes de Portugal, e isso prejudicava o comércio açucareiro, além disso, o solo de lá era menos fértil do que a terra escura do massapê no litoral nordestino. Logo, a produção açucareira do sul ficou mais voltada para o mercado interno, embora também para o mercado africano, pois era mais perto ir para África do que ir para a Europa. Contudo, havia navios que mesmo com a distância, ainda seguiam para Portugal, levando açúcar. 


A disponibilidade de madeira também foi importante para o desenvolvimento das lavouras, algo irônico, já que grande parte da Mata Atlântica foi derrubada ou queimada para ceder espaço para os canaviais, mas era destas densas e verdejantes matas que provinha a madeira para a construção das casas, das capelas, dos engenhos, das rodas d'água, das moendas, das carroças, das ferramentas, dos móveis, dos barcos; além de servir como lenha para os fornos. 


"O empobrecimento do solo, em tantos trechos do Nordeste, por efeito da erosão, não se pode atribuir aos rios, à sua ânsia de correr para o mar levando a gordura das terras, mas principalmente à monocultura. Devastando as matas e utilizando-se do terreno para uma cultura única, a monocultura deixava que as outras riquezas se dissolvessem na água, se perdessem nos rios. O fato liga-se também à destruição das matas pelo fogo e pelo machado, em que tanto se excedeu a monocultura. Desapareceu assim aquela vegetação como que adstringente, das margens dos rios, que resistia às águas, tempo de chuva, não deixando que elas levassem o tutano das terras: conservando o húmus e a seiva do solo". (FREYRE, 1967, p. 22).


Além do fator das queimadas de coivara, da expansão monocultora dos canaviais, o avanço do desmatamento praticado nestes séculos de ocupação, levou quase a extinção do bioma da Mata Atlântica. 

"O drama que se passou e se passa ainda no Nordeste não veio do fato da introdução da cana, mas do exclusivismo brutal em que, por ganância de lucro, resvalou o colono português, estimulado pela Coroa na sua fase já parasitária. Dêsse drama, um dos aspectos mais cruéis foi o da destruição da mata, importando na destruição da vida animal e é possível que em alterações do clima, de temperatura e certamente de regime de águas". (FREYRE, 1967, p. 46).

O canavial e a escravidão:


Até aqui vimos a trajetória da cana-de-açúcar em se cruzar metade do mundo até chegar ao Brasil, como esse produto estava em evidência na Europa moderna, daí ser tão requerido e lucrativo; como os fatores naturais e geográficos favoreceram o desenvolvimento da cana, impulsionados por uma política econômica monocultora (chamada de plantation pelos ingleses), onde se visava grandes latifúndios com mão de obra escrava. Contudo, como veremos adiante, nem todos os canaviais eram grandes latifúndios, havia pequenas e médias propriedades que plantavam cana, e as levavam aos engenhos para serem moídas. Havia uma relação entre esse pequenos e médios produtores com os senhores de engenho, algo que normalmente não é dito nas escolas. 



Ilustração em preto e branco de trabalhadores colhendo cana. 

Com o início da colonização os donatários passaram a deter do monarca o direito de doar sesmarias (títulos de terra) para que colonizadores se estabelecessem nas terras de suas capitanias.

"As doações foram em regra muito grandes, medindo-se os lotes por muitas léguas. O que é compreensível: sobravam as terras, e as ambições daqueles pioneiros recrutados a tanto custo, não se contentariam evidentemente com propriedades pequenas; não era a posição de modestos camponeses que aspiravam no novo mundo, mas de grandes senhores e latifundiários. Além disso, e sobretudo por isso, há um fator material que determina este tipo de propriedade fundiária. A cultura da cana somente se prestava, economicamente, a grandes plantações. Já para desbravar convenientemente o terreno (tarefa custosa neste meio tropical e virgem tão hostil ao homem) tornava-se necessário o esforço reunido de muitos trabalhadores; não era empresa para pequenos proprietários isolados. Isto feito, a plantação, a colheita e o transporte do produto até os engenhos onde se preparava o açúcar, só se tomava rendoso quando realizado em grandes volumes. Nestas condições, o pequeno produtor não podia subsistir". (PRADO JR, 1981, p. 19). 

Prado Jr [1981] e Furtado [2005] apontaram que o trabalho assalariado nesses latifúndios não era uma condição econômica viável por alguns fatores: primeiro, a população portuguesa era pequena, e boa parte da qual poderia atuar na agricultura tinha que permanecer na metrópole, ou se encontrava nas ilhas, ou estava de serviço no comércio com a África e a Ásia; segundo, seria necessário contratar trabalhadores de outros países, porém os salários teriam que ser muito bons para convencer um agricultor deixar sua terra, e mudar-se com sua família para o outro lado do oceano, para uma região considera "selvagem" pelos europeus; terceiro, a grande quantidade de mão-de-obra necessária somada aos custos da viagem, dos salários, levaria a inviabilidade do projeto, pois se construir um engenho era algo bastante caro na época. Quarto, os colonos que iam para o Brasil, iam em busca de enriquecimento e glória, para assim retornarem para seus países. Logo, a solução final e a mais viável foi apelar para o uso da escravidão. 



Escravos cortando cana. Nota-se que tanto homens e mulheres exerciam tal tarefa, pois erroneamente pensava-se que apenas os homens cortavam cana, embora que na maioria das vezes eram os homens que trabalhavam no canavial.  

Para se trabalhar nestes latifúndios os portugueses inicialmente escravizaram os índios, mas estes percebendo a verdadeira intenção dos portugueses começaram a se rebelar. Os chamados "mansos", acabaram aceitando trabalhar para os europeus, mas em outros afazeres; já os mais arredios preferiram fugir para as matas, retornando para suas aldeias, e passaram a combater os portugueses. Além disso, houve o fato de que as ordens religiosas começaram a intervir no governo protestando contra o uso de índios nos canaviais, alegando que eles deveriam ser catequizados e usados em outros afazeres. 

A escravidão indígena no Brasil perdurou até o século XIX, onde centenas milhares de indígenas foram mortos. Como os índios começaram a ficar contrários ao trabalho forçado na lavoura, e além disso, não possuíam experiência com aquele tipo de trabalho, a solução foi trazer escravos da África. 

"Em primeiro lugar, à medida que afluíam mais colonos, e portanto as solicitações de trabalho, ia decrescendo o interesse dos índios pelos insignificantes objetos com que eram dantes pagos pelo serviço. Tornam-se aos poucos mais exigentes, e a margem de lucro do negócio ia diminuindo em proporção. Chegou-se a entregar-lhes armas, inclusive de fogo, o que foi rigorosamente proibido, por motivos que se compreendem. Além disto, se o índio, por natureza nômade, se dera mais ou menos bem com o trabalho esporádico e livre da extração do pau-brasil, já não acontecia o mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade organizada e sedentária como a agricultura. Aos poucos foi-se tornando necessário forçá-lo ao trabalho, manter vigilância estreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono da tarefa em que estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi apenas um passo. Não eram passados ainda 30 anos do início da ocupação efetiva do Brasil e do estabelecimento da agricultura, e já a escravidão dos índios se generalizara e instituíra firmemente em toda parte". (PRADO JR, 1981, p. 21).

Índios aprisionados para serem vendidos como escravos. As bandeiras no sul da colônia tinham como um dos objetivos a captura de indígenas para a escravidão. 

Os africanos já tinham maior experiência com as plantações, a criação de animais, e além disso, o sistema de escravidão no continente era mais desenvolvido do que entre os indígenas do Brasil. Outro fator era que os portugueses já vinham usando africanos nos canaviais em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, e até na Madeira e nos Açores, não obstante, o contato entre Portugal e algumas nações africanas como o Kongo, já possuía algumas décadas de relação, logo, não foi difícil para os portugueses arranjarem escravos em África, pois a escravidão já era praticada, e já se tinha ciência dela, embora o trato com o escravo fosse diferente entre os povos africanos; a escravidão imposta pelos europeus, se tornou mais abusiva e agressiva. Contudo, embora houvesse abundância em se conseguir cativos em África, o transporte destes homens e mulheres não era fácil, e tornava a viagem dispendiosa, perigosa, e somando-se tudo isso, no final, o preço de um escravo aumentava muito. Dependendo da idade, do porte físico, da aparência e da localidade, o valor dos escravos variava.

Navio negreiro. Rugendas, c. 1830. 

"O processo de substituição do índio pelo negro prolongar-se-á até o fim da era colonial. Far-se-á rapidamente em algumas regiões: Pernambuco, Bahia. Noutras será muito lento, e mesmo imperceptível em certas zonas mais pobres, como no Extremo-Norte (Amazônia), e até o séc. XIX em São Paulo. Contra o escravo negro havia um argumento muito forte: seu custo. Não tanto pelo preço pago na África; mas em conseqüência da grande mortandade a bordo dos navios que faziam o transporte. Mal alimentados, acumulados de forma a haver um máximo de aproveitamento de espaço, suportando longas semanas de confinamento e as piores condições higiênicas, somente uma parte dos cativos alcançavam seu destino. Calcula-se que, em média, apenas 50% chegavam com vida ao Brasil; e destes, muitos estropiados e inutilizados. O valor dos escravos foi assim sempre muito elevado, e somente as regiões mais ricas e florescentes podiam suportá-lo". (PRADO JR, 1981, p. 23).

Assim como os índios se rebelaram contra a escravidão, os africanos também fizeram o mesmo. Os quilombos e mocambos, além de algumas revoltas e rebeliões, foram a resposta destes homens e mulheres a abusiva e nefasta escravidão imposta pelos europeus modernos. Contudo, os escravos africanos se tornaram a solução para a demanda de mão-de-obra na colônia. Logo, a escravidão africana e indígena se tornaram o sustentáculo da economia colonial por quatro séculos. Pois temos que pensar que em terras longe dos principais portos onde se chegava os escravos africanos, o acesso a estes era difícil, logo, a opção era usar os índios como escravos. Na Capitania de São Vicente (atualmente o estado de São Paulo), a escravidão indígena foi superior a africana. 

Os tipos de engenho:


Neste caso refiro-me a tipo ao se tratar o quesito da força motriz usada para girar as engrenagens das moendas, as quais esmagam a cana, e dela jorra o chamado caldo de cana, o qual por sua vez consiste na matéria-prima para o fabrico do açúcar, de aguardente e de rapadura (tipo de doce), embora o caldo de cana possa ser consumido puro. Basicamente os portugueses usaram três tipos de engenho ao longo da história colonial brasileira, pois o terceiro tipo foi só incluído no Brasil, no século XIX, na época do Império do Brasil.
  • Alçaprensa ou alçaprema: engenho movido a força humana. Geralmente usado nas chamadas engenhocas (pequenos engenhos), os quais fabricavam rapadura ou aguardente para consumo interno. Poderiam também fabricar pequenas quantidade de açúcar para uso caseiro. 
  • Almanjarra, trapiche, molinote, atafona ou de bois: engenho movido pela força de animais, geralmente bois, mas havia casos que se usavam cavalos. 
  • Água ou real: engenho movido pela força da água, usando-se uma roda d'água. Foram considerados os mais eficientes, por longos séculos. 
  • Banguê: engenho movido a vapor. Começou a ser usado a partir do século XIX. O termo também foi usado anteriormente para se referir a engenhos que produziam garapa. 
  • Entrosa: pequeno engenho movido por três paus. Usava-se também a força humana.
  • Gangorra: pequeno engenho de madeira manual com dois cilindros. Usava-se também a força humana. 
  • Fogo-morto: termo usado para se referir a um engenho inoperante. 
É importante ressalvar que as palavras, almanjarra, trapiche e banguê possuem outros significados, daí serem escritas como: engenho de trapiche, engenho de almanjarra ou engenho-banguê, como forma de referir-se ao uso dessas palavras com a estrutura dos engenhos de açúcar. Não obstante, dependendo do lugar, pode-se encontrar outros termos para se referir a força motriz usada nos engenhos. Aqui fiz uso dos nomes mais comuns usados no Brasil, na Madeira e nos Açores. 

"Quem chamou as oficinas, em que se fabrica o açúcar, engenhos, acertou verdadeiramente no nome. Porque quem quer que as vê, e considera com reflexão, que merecem, é obrigado a confessar, que são uns dos principais partos, e invenções do engenho humano, o qual com pequena porção do Divino, sempre se mostra no seu modo de obrar, admirável. Dos engenhos uns se chamam reais, outros inferiores vulgarmente engenhocas. Os reais ganharam este apelido, por terem todas as partes, de que se compõem, e todas as oficinas perfeitas, cheias de grande número de escravos, com muitos canaviais próprios, e outros obrigados à moenda; e principalmente por terem a realeza de moerem com água, à diferença, de outros, que moem com cavalos e bois, e são menos providos e aparelhados; ou pelo menos com menor perfeição, e largueza, das oficinas necessárias, e com pouco número de escravos, para fazerem como dizem, o engenho moente e corrente”. (ANTONIL, 1711, p. 13-14).

No caso do Brasil, os engenhos de água proliferaram devido a grande disponibilidade de rios e riachos, além de também não haver inicialmente muito gado, embora que o uso de bois requeria a existência de pastos mais vastos e currais maiores para mantê-los.

Moinho de cana de açúcar em Minas Gerais. Rugendas, 1835.  

"No Brasil não podia ser assim; eram de tal monta as despesas das instalações coloniais, nas suas terras virgens e num meio hostil, com todo o seu necessário aparelhamento de defesa, cultura, transporte e embarque, que nos primeiros tempos não se justificava a montagem dos então chamados pequenos engenhos. Daí a construção desde logo de engenhos médios, produzindo acima de três mil arrobas anuais, os quais, a seguir, foram se desenvolvendo pela construção de instalações com produção acima de dez mil arrobas". (AMARAL, 1958, p. 329).

A estrutura de um engenho:

Na nomenclatura rural, a palavra engenho passou a se referir tanto a chamada Casa de Engenho, local onde se moia a cana e produzia o açúcar, rapadura ou aguardente; mas também passou a se referir a toda a fazenda em si, a todo o complexo agroindustrial envolvido no cultivo da cana e no preparo do açúcar. 

"O seu elemento central é o engenho, isto é, a fábrica propriamente, onde se reúnem as instalações para a manipulação da cana e o preparo do açúcar. O nome de "engenho" estendeu-se depois da fábrica para o conjunto da propriedade com suas terras e culturas: "engenho" e "propriedade canavieira" se tornaram sinônimos". (PRADO JR, 1981, p. 23).


"O engenho representava uma verdadeira povoação, obrigando a utilização não só de muitos braços, como as necessárias terras de canaviais, de mato, de pasto e de mantimentos. Com efeito, além da casa do engenho, da de moradia, senzalas e enfermarias, havia que contar com uns cem colonos ou escravos, para trabalharem umas 1.200 tarefas de massapê (de 900 braças quadradas), além dos pastos, cercas, vasilhames, utensílios, ferro, cobre, juntas de bois e outros animais". (SIMONSEN, 1937, p. 149). 

"Que seria um engenho, no século do descobrimento? A mesma coisa ainda descrita por Saint-Hilaire, no século XIX. Descreve-o Fernão Cardim: "Cada um deles é uma máquina e fábrica incrível; uns são de água rasteiros, outros de água copeiros, os quais moem mais e com menos gastos; outros não são de água, mas moem com bois, e chamam-se trapiches; estes têm muito maior fábrica e gasto, ainda que moem menos, moem todo o tempo do ano, o que não têm os de água, porque às vezes lhes falta. Em cada um deles, de ordinário há seis, oito e mais fogos brancos e ao menos 60 escravos, que se requerem para o serviço ordinário, mas os mais deles têm cento e duzentos escravos de Guiné e da terra. Os trapiches requerem 60 bois, os quais moem de 12 em 12 revezados; começa-se de ordinário a tarefa à meia-noite e acaba-se ao dia seguinte às três ou quatro horas depois do meio-dia. Em cada tarefa se gasta uma barcada de lenha que tem 12 camadas, e deita 60 fôrmas de açúcar branco, mascavado, mole e alto. Cada fôrma tem pouco mais de meia arroba, ainda que em Pernambuco se usam já grandes de arroba." (AMARAL, 1958, p. 329).

Gilberto Freyre em seus livros Casa-grande & Senzala (1933), Nordeste (1937) e Açúcar (1939) assinalara que as principais estruturas de um engenho (aqui no sentido de fazenda) eram a casa-grande, a senzala, o engenho, a capela e o canavial. A casa-grande era a moradia do senhor de engenho e de sua família, o nome "casa grande" não era por menos, pois realmente eram verdadeiros casarões, mas estes casarões só começaram a ficar luxuosos a partir de fins do século XVIII e ao longo do XIX. Nos séculos XVI e XVII, as casas-grandes não eram tão luxuosa assim, e eram até mesmo feitas de taipa, pedra-lavada, cal, teto de palha ou de sapê. Freyre aponta que no século XIX, já notamos materiais mais caros e mais luxuosos na construção e decoração destas casas.


Pintura de uma casa-grande. Inicialmente as casas-grandes lembravam casas-fortes, construções fortificadas, pois a ameaça de ataques de indígenas era ocasional. No século XIX já vemos as casas-grandes como palacetes, principalmente na região cafeeira. 

"O ser senhor de engenho é título, a que muitos aspiram, porque traz consigo, o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal, e governo; bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulos entre os fidalgos do reino. Porque engenhos há na Bahia, que dão ao senhor quatro mil pães de açúcar, e outros pouco menos, com cana obrigada à moenda, de cujo rendimento logra o engenho ao menos a metade, como de qualquer outra, que nele livremente se mói; e em algumas partes ainda mais que a metade”. (ANTONIL, 1711, p. 19). 

As senzalas eram as habitações onde os escravos negros residiam. Eram locais com péssimas acomodações e insalubres, em muitos casos, os escravos dormiam com os pés presos para evitar de tentarem fugir ou de brigarem entre si, pois os escravos eram mercadorias caras.. As senzalas eram extensas, pois abrigavam de 20, 50 ou mais escravos, pois dependia da fortuna do senhor do engenho para se poder comprar mão de obra, mas em geral os grandes engenhos tinham entre 50 e 60 escravos. Não havia divisão de cômodos; homens, mulheres e crianças dormiam no mesmo lugar. Diante das senzalas ficava o chamado tronco ou pelourinho, lugar usado para se castigar ou "educar" como se falava no século XVI, os escravos. 



Foto do século XIX mostrando alguns escravos diante da senzala. Possivelmente essa senzala fosse de uma fazenda de café. 

A capela era uma necessidade religiosa e governamental, pois como Portugal era uma nação católica, e sua população massivamente católica, pois os índios e africanos eram convertidos ao catolicismo, era necessário que os cristãos católicos frequentassem as missas de domingo, que fossem se confessar com o padre, fossem realizar o batismo dos filhos, a catequização, o crisma, o casamento, participar dos dias litúrgicos, etc. Como as fazendas ficavam distantes das vilas e cidades, era necessário levar a palavra de Deus até os seus fiéis, daí as grandes fazendas terem capelas e capelães. 

Os capelães além de serem os representantes clericais nestas fazendas, eram também os responsáveis por educar os filhos do senhor engenho. No caso do menino, quando este chegava a adolescência seria enviado para uma outra escola na vila ou na cidade, ou se fosse o caso, iria para Portugal para ir estudar nas universidades em Lisboa ou Coimbra, contudo, essa prática de enviar os varões para Portugal começou a se tornar mais comum no século XVIII, antes disso, temos poucos senhores de engenho enviando os filhos para a Europa, pois para eles, o que os filhos deveriam aprender, aprenderiam ali mesmo, para poderem administrar a fazenda. 


Engenho com capela. Frans Post, 1667.

Além dos canaviais que eram as principais plantações do engenho, havia outras pequenas lavouras, pois não se vive apenas de açúcar. Encontramos nas grandes fazendas e até mesmo nas médias e pequenas, as lavouras ou roçados, usando um termo brasileiro para isso. Os roçados ou roça cultivavam principalmente a mandioca, da qual fazia-se farinha (a mandioca se consumida crua oferece o risco de envenenamento, daí a necessidade de se fazer a farinha para expurgar a substância venenosa). Pelo fato de por muito tempo não haver plantações de trigo na colônia, apenas os ricos podiam importar farinha de trigo para poderem fazer pão, bolos, massas, etc., mas até mesmo os ricos que não gostavam dos altos preços da farinha de trigo, tinham que se contentar com a farinha de mandioca. A farinha de mandioca era o alimento base para a sociedade colonial, e até mesmo se alimentar os escravos e os animais. 

Esses roçados foram criados para garantir a alimentação dos escravos, pois inicialmente não havia roçados nos engenhos, logo, os senhores de engenho dependiam de ter que comprar alimento nas vilas, cidades ou em outras fazendas, contudo, com o passar do tempo, já notamos estes roçados nas grandes propriedades. Estas lavouras que além de plantar mandioca, plantavam outros gêneros vegetais como leguminosas, feijão, arroz, milho, batata, bananas, laranjas, limões, abacaxis, mangas, jacas, batatas, etc., eram cuidados por escravos ou por pessoas livres. Além do senhor de engenho, da sua família e do capelão, havia outros homens e mulheres livres, que exerciam diversos trabalhos, desde trabalhos no fabrico do açúcar como será visto mais a frente; trabalhavam como capatazes, supervisionando os escravos; trabalhavam como artesãos, ferreiros, barqueiros, pescadores, vaqueiros, pastores, oleiros, etc., cuidavam dos roçados, atuavam como mensageiros, médicos-informais, etc. 



Habitação de negros. Rugendas, 1822-1825. Em algumas fazendas podíamos encontrar escravos com casa própria, embora fossem residências medíocres. 

Nas fazendas havia galinheiros, currais, pocilgas, estábulos, oficinas, olarias, armazéns, casas para os moradores livres ou para os escravos que conseguiram o direito de constituir família; nos engenhos de trapiche, os currais eram maiores para abrigar os bois e vacas usados no serviço de mover a moenda, além disso havia a necessidade de pasto para alimentar o gado, pois nos grandes canaviais, era problemático dedicar terras para o pasto, além de ter que se manter a vigília para que o gado não fosse comer o canavial. 

"Tirando isto, o engenho representa uma economia autónoma; para os escravos tecia-se o pano alí mesmo; a roupa da família era feita no meio dela; a alimentação constava de peixe pescado em jangadas ou, por outro modo, de ostras e mariscos apanhados nas praias e nos mangais, de caça pegada no mato, de aves, cabras, porcos para as bandas do Sul, para as do Norte ovelhas principalmente, criadas em casa — daí a facilidade de agasalhar convivas inesperados, e daí a hospitalidade colonial, tão característica ainda hoje de lugares pouco frequentados. De vacas leiteiras havia currais, poucos, porque não fabricavam queijos nem manteiga; pouco se consumia carne de vaca, pela dificuldade de criar rezes em lugares impróprios à sua propagação, pelos inconvenientes para a lavoura resultantes de sua propagação, que reduziu êste gado ao estritamente necessário ao serviço agrícola". (BRANDÃO, 1956, p. 6).

Representação de um engenho. Infelizmente não encontrei a legenda dos números, mas podemos notar que se trata de um engenho movido a água. 1) Casa-grande, 2) Capela, 3) Senzala, 9) Roçado, 11) Canavial. 

"Engenhos havia movidos por água e por bois; servidos por carros ou barcos; situados à beira-mar ou mais afastados, não muito, porque as dificuldades de comunicações só permitiam arcos de limitados raios; havia-os suficientes para produzir mais de dez mil arrôbas de açúcar e incapazes de dar um têrço desta soma. Imaginemos um engenho esquemático para termo de comparação — do esquema os engenhos existentes divergiam mais ou menos, como é natural. Devia possuir grandes canaviais, lenha abundante e próxima, escravaria numerosa, boiada capaz, aparêlhos diversos, moendas, cobres, formas, casas de purgar, alambique; devia ter pessoal adestrado, pois a matéria prima passava por diversos processos antes de ser entregue ao consumo; daí certa divisão muito imperfeita de trabalho, sobretudo certa divisão de produção. O produto era diretamente remetido para além-mar; de além-mar vinha o pagamento em dinheiro ou em objetos dados em troca e não eram muitos: fazendas finas, bebidas, farinha de trigo, em suma, antes objetos de luxo. Por luxo podiam comprar os mantimentos aos lavradores menos abastados e isto era usual em Pernambuco, tanto que entre os agravos dos pernambucanos contra os holandêses capitulava-se o de por êstes terem sido obrigados a plantar certo número de cóvas de mandioca". (BRANDÃO, 1956, p. 6). 

Um fato a se mencionar antes de prosseguir para a próxima parte desse trabalho, é importante salientar que os senhores de engenho poderiam ceder parte de suas terras para arrendatários, como também recebiam a produção de lavradores menores, para ser moída em seu engenho. 

"Embora o proprietário explore, em regra, diretamente suas terras (como ficou entendido acima), há casos freqüentes em que cede partes delas a lavradores que se ocupam com a cultura e produzem a cana por conta própria, obrigando-se contudo a moerem sua produção no engenho do proprietário. São as chamadas fazendas obrigadas; o lavrador recebe metade do açúcar extraído da sua cana, e ainda paga pelo aluguel das terras que utiliza uma certa porcentagem, variável segundo o tempo e os lugares, e que vai de 5 a 20%. Há também os lavradores livres, proprietários das terras que ocupam, e que fazem moer a sua cana no engenho que entendem; recebem então a meação integral. Os lavradores, embora estejam socialmente abaixo dos senhores de engenho, não são pequenos produtores, da categoria de camponeses. Trata-se de senhores de escravos, e suas lavouras, sejam em terras próprias ou arrendadas, formam como os engenhos grandes unidades". (PRADO JR, 1981, p. 23). 

Um engenho em Pernambuco no século XVII.

Como Caio Prado Júnior apontara, os senhores de engenho cooperavam com alguns lavradores que lhes exploravam parte da suas terras, ou no caso de serem seus próprios proprietários, eles forneciam cana para ser moída em seus engenhos. Tal prática é antiga, pois antes da metade do século XVII, o holandês Adriaen van der Dussen menciona em seu já referido relatório que muitos dos engenhos possuíam negócios com arrendatários, com estes lavradores livres. Logo, em seu relatório ele usa os termos "partido da fazenda" e "tarefa". O primeiro termo refere-se ao senhor de engenho, já o segundo termo refere-se aos lavradores que fornecem cana para ser moída no engenho. Em troca de ceder suas estalagens para moer a cana de outros, o senhor do engenho ficava com uma porcentagem dessas "tarefas". Contudo, os lavradores eram responsáveis por transportar a cana para o engenho e ir buscar o açúcar.

"Cada tarefa representa o que um engenho pode moer em um dia e uma noite, isto é, em um engenho de bois entre 25 e 35 carros de cana e em um engenho d'água entre 40 e 50 carros. O lavrador obriga-se a plantar cana, com a ajuda ou não do senhor de engenho conforme a condição do contrato. A cana uma vez plantada tem a duração igual à da existência humana e não precisa ser replantada senão aqui e ali, onde morre uma soca, a menos que ocorra uma queimada durante o verão ou a sêca de um rio. [...]. Além disto o lavrador tem que zelar pelo seu canavial e limpá-lo 2, 3, 4 vêzes por ano, porque se deixar crescer ao lado da cana mato daninho, tôda a plantação fenece". (DUSSEN, 1947, p. 93).


"O açúcar produzido é divido com o senhor de engenho, segundo o caso: os lavradores que possuem terras e partidos próprios e que podem moer a sua cana onde melhor lhes convier, a divisão do açúcar geralmente é feita metade e metade; os que plantam em terreno pertencente ao senhor do engenho, dividem alguns na proporção de 1/3 para o lavrador e 2/3 para o senhor de engenho, quando as terras são férteis e próximas do engenho e por isto o lavrador tem pouca despesa; para a maioria a divisão faz-se na base de 2/5 para o lavrador e 3/5 para o senhor do engenho". (DUSSEN, 1947, p. 93). 


O fato de nem todos esses lavradores possuírem engenhos, era porque tais estalagens eram caras. Simonsen [1937] apontara que um engenho custaria algo entre 10 e 15 mil contos de réis na época, contudo Amaral [1958] discordara dele, e apontara que os engenhos custariam a partir de 30 mil contos de réis. Outros historiadores sugerem que os engenhos custassem na faixa dos 35 mil contos réis, apenas a estrutura, sem contar a mão-de-obra, pois se acrescentar isso, o valor subia para pelo menos 50 mil contos de réis, apenas para adquirir as dezenas de escravos para o trabalho. 


Esse fato é interessante, pois a maioria dos engenhos eram provenientes de capital particular, pois apenas em alguns casos o Estado fornecia verba para se construir engenhos no Brasil, logo, fala-se em uma empreitada de particulares. Ao longo da história colonial brasileira, veremos engenhos construídos com capital espanhol, genovês, veneziano, holandês, flamengo, belga, alemão, francês, inglês, etc. Também notaremos donos de engenho católicos, protestantes e judeus. Em compensação, os senhores de engenho possuíam algumas regalias, como a isenção da cobrança de alguns impostos, além de certa autonomia no controle de suas terras e da sua gente. 


O fabrico do açúcar:


Geralmente estudamos o contexto macro da produção açucareira, mas as etapas do fabrico do açúcar ficam de fora. Logo, nesse tópico, dediquei a relatar como o açúcar era fabricado, como também mostrar as seções do engenho de açúcar ou casa de engenho. Um fato interessante é que Antonil [1711] o qual relatou a produção de açúcar no século XVIII, nos fala que muito dos trabalhadores no engenho de açúcar eram mulheres como será visto adiante, um dos motivos é porque as mulheres teriam maior atenção e os homens ficariam com o trabalho mais pesado no canavial e no transporte. Embora que é necessário mencionar que isso não era algo homogêneo, pois Antonil falou a partir do começo do século XVIII, mas o essencial a saber é que eram os escravos que faziam o grosso desse trabalho, embora houvesse trabalhadores livres envolvidos na produção açucareira. 


Celso Furtado [2005] apontara que um dos motivos para o êxito de Portugal no desenvolvimento do agronegócio açucareiro foi o investimento no desenvolvimento de equipamentos e técnicas no fabrico do açúcar. Ele conta que no século XIV e XV, o fabrico do açúcar era conhecido em todo o Mediterrâneo, mas neste caso, os genoveses e venezianos eram os principais conhecedores dessas técnicas e na produção de equipamentos, logo, possuíam um certo monopólio sobre as técnicas do fabrico do açúcar. É interessante também salientar que nos século XV ao XVII os holandeses, flamengos e belgas se especializaram no refinamento do açúcar, pois os engenhos não faziam esse refinamento. As elites não queriam consumir um açúcar denso, escuro e duro; queriam um açúcar branco, fino e cristalino, logo da necessidade dele ser refinado.


"A partir da metade do século XVI a produção portuguesa de açúcar passa a ser mais e mais uma empresa em comum com os flamengos, inicialmente representados pelos interesses de Antuérpia e em seguida pelos de Amsterdã. Os flamengos recolhiam o produto em Lisboa, refinavam - no e faziam a distribuição por toda a Europa, particularmente o Báltico, a França e a Inglaterra. A contribuição dos flamengos - particularmente dos holandeses - para a grande expansão do mercado do açúcar, na segunda metade do século XVI, constitui um fator fundamental do êxito da colonização do Brasil. Especializados no comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de grandes dimensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar". (FURTADO, 2005, p. 20). 

O engenho de açúcar estava dividido basicamente em três partes: a casa da moenda, a casa das caldeiras e a casa de purgar. Cada uma destas etapas representavam as fases do fabrico do açúcar. No caso do fabrico da cachaça e da rapadura existem diferenças após a segunda etapa, algo que voltarei a falar brevemente adiante. 

1) a casa da moenda


Nesse recinto se encontrava a moenda, máquina feita de madeira, na qual possuía prensas que ao serem movimentadas por um mecanismo de engrenagem movido por força humana, animal ou por força hidráulica, esmagava a cana de forma a espreme-la com força, assim forçando o caldo ou suco a sair. Esse caldo era coletado em tachos e levado para a próxima etapa. Antonil [1711] considera a casa da moenda a etapa mais perigosa, pois havia o risco de um escravo ficar com a mão presa e ser puxado pela prensa, sendo assim esmagado, podendo perder o braço ou até mesmo vim a morrer. O perigo era dobrado pelo fato de que a moenda funcionava dia e noite como já foi dito, logo, os escravos cansados devido ao árduo dia poderiam cair no sono, daí a necessidade de sempre manter várias pessoas no recinto para evitar tragédias como essas. 



Ilustração de uma moenda e suas partes e funcionamento. 

"O lugar de maior perigo que há no engenho é o da moenda, porque se por desgraça a escrava que mete a cana entre os eixos, ou por força do sono, ou por cansada, ou por qualquer outro descuido, meteu desatentamente a mão mais adiante do que devia, arrisca-se a passar moída entre os eixos, se lhe não cortarem logo a mão ou o braço apanhado, tendo para isso junto da moenda um facão, ou não forem tão ligeiros em fazer parar a moenda, divertindo com o pejador a água que fere os cubos da roda, de sorte que deem depressa a quem padece, de algum modo, o remédio. E este perigo é ainda maior no tempo da noite, em que se mói igualmente como de dia, posto que se revezem as que metem a cana por suas equipações, particularmente se as que andam nesta ocupação forem boçais, ou acostumadas a se emborracharem. (ANTONIL, 1711, p. 54).


Escravos na moenda. Debret, 1835. Aqui podemos ver uma moenda pequena para uso caseiro. 

Como foi salientado, as moendas mais eficientes eram as movidas a força hidráulica, gerada pelas rodas d´água, embora fossem as mais caras. No caso das moendas de trapiche, usava-se vários bois para mover o trapiche que girava a moenda. Dependendo do engenho, podia-se usar oito, dez ou doze bois por vez para cada ciclo de trabalho; Dussen [1947] e Amaral [1958] apontam que a moedura da cana as vezes levava o dia inteiro, adentrando pela noite e pela madrugada, como forma de poupar perda de tempo.

"As escravas de que necessita a moenda ao menos são sete ou oito, a saber: três para trazer cana, uma para a meter, outra para passar o bagaço, outra para concertar e acender as candeias, que na moenda são cinco, e para limpar o cocho do caldo (a quem chamam cocheira ou calumbá) e os aguilhões da moenda e refrescá-los com água para que não ardam, servindo-se para isso do parol da água, que tem debaixo do rodete, tomada da que cai no aguilhão, como também para lavar a cana enlodada; e outra, finalmente, para botar fora o bagaço, ou no rio, ou na bagaceira, para se queimar a seu tempo. E se for necessário botá-lo em parte mais distante, não bastará uma só escrava, mas haverá mister outra, que a ajude, porque de outra sorte não se daria vazão a tempo e ficaria embaraçada a moenda". (ANTONIL, 1711, p. 54-55).  


Moagem na Fazenda Cachoeira. Benedito Calixto, 1830. 

É importante salientar que dependendo da época, a forma das moendas e seu tamanho variava. Logo, não podemos falar numa máquina homogênea, pois primeiro eram feitas a mão, embora seguissem certas especificações nas proporções. 

2) a casa das caldeiras


Provavelmente esse era o local mais perigoso para se trabalhar, devido aos riscos de conseguir uma queimadura ou iniciar um incêndio, embora Antonil discorde dessa opinião como já apresentado aqui. Gilberto Freyre chegou a dizer que nesta parte do engenho, os escravos trabalhavam sob forte observação e até mesmo poderiam ficar acorrentados, pois poderiam tentar sabotar a produção, derramar os tachos ou iniciar um incêndio. A casa das caldeiras ou das fornalhas foi comparada como um "pequeno vulcão" nos dizeres de Antonil, de qualquer forma era realmente um lugar muito quente e abafado. Alguns estudiosos preferem separar a casa das caldeiras da casa das fornalhas pois assinalam que eram locais diferentes, mas isso depende de que período eles estejam se referindo. 


Nessa ala do engenho, ficavam as caldeiras de cobre as quais eram usadas para ferver o caldo. Dussen [1947] o qual escreveu no século XVII, menciona que os engenhos possuíam 4, 5 ou 6 tachos grandes, e de 3 a 4 tachos menores. Era nos tachos grandes que o caldo era fervido, e nos tachos menores ele era deixado para esfriar antes de prosseguir para a próxima etapa. Tais tachos eram importados, vinham da Metrópole, pois não havia ferrarias capazes de produzir tais equipamentos na colônia.


Na casa das caldeiras havia vários tachos como já foi dito, passamos para conhecê-los, pois eles perfaziam etapa por etapa na fervura do caldo de cana:

  1. Caldeira clarificadora: nos primeiros engenhos misturava-se o caldo com cal, para ajudar a filtrar as impurezas antes de seguir para a fervura;
  2. Caldeira de caldo: tacho onde se recebia o caldo vindo da casa da moenda;
  3. Caldeira do meio: tacho que se iniciava a fervura e se retirava a primeira e a segunda espumas, as quais continham impurezas como pedaços de folhas, caule, bagaço da cana, etc; 
  4. Caldeira de melar: continuava-se a fervura e onde se retirava a terceira espuma a qual era levada para o parol de escuma. Aqui também se fazia a garapa;
  5. Parol de melar: após ser fervido e ter as espumas retiradas, o caldo era posto aqui para ser coado; 
  6. Parol de coar: recebia o caldo para ser coado. Usa-se o termo temperar também nessa etapa;
  7. Tacha de receber: após ser coado, o caldo era mexido, fervido e decoado (filtrar), onde se acrescentava água com cinzas para ajudar na filtração das impurezas existentes;
  8. Tacha de porta: após o caldo ter suas espumas retiradas, ter sido coado e  decoado, o caldo continuava a ser fervido;
  9. Tacha de cozer: o caldo continuava a ser fervido e aqui atingia seu "ponto". Consistia na última etapa de fervura, pois a partir daqui o chamado melaço seria posto para iniciar a etapa de descanso e esfriamento;
  10. Tacha de bater: o melaço era batido com uma batedeira para atingir o ponto de cristalização, ficando mais consistente e massudo;
  11. Bacia de repartir: Após ser batido, o melaço era desafogado, termo usado para se referir ao ato de transferir o melaço da tacha anterior para esta, onde seria levado para resfriadeira, onde iria descansar e esfriar;
  12. Parol de escuma: local que se depositava a espuma das três espumas para ser reutilizada. 
Aqui expus as principais etapas, mas dependendo da época, notaremos novas etapas e tachos usados na filtração do caldo, pois o processo foi recebendo novas técnicas ao longo da História. 


O caldo de cana sendo fervido nos tachos de cobre do jeito artesanal de se fabricar o açúcar desde o século XVI. Essa foto foi tirada no Engenho Mororó no Rio Grande do Norte, engenho este que ainda produz açúcar de forma tradicional. 

Na casa de caldeira trabalhavam alguns homens livres chamados de caldeireiros, os quais ficavam responsáveis por verificar o "ponto do açúcar", ou seja, a temperatura exata de fervura. Antonil [1711] menciona que nessa seção da fabricação do açúcar a maioria dos trabalhadores eram homens, mas havia uma escrava chamada de "calcanha" a qual era responsável por limpar o recinto, acender as candeias, coletar a segunda e a terceira espuma retirada e voltar a colocá-la em um parol (um tipo de vasilha), pois essa espuma possuía outras utilidades como será visto adiante. 

Interior de um engenho de açúcar. Aqui nota-se escravos movendo a moenda no fundo da imagem; a esquerda pode se ver um tacho fervendo o caldo-de-cana, e um escravo depositando o melaço em recipientes de barro. 

Além dos tachos, paróis e caldeiras outras ferramentas e recipientes usados nessa etapa eram: 
  • Batedeira: parecido com a escumadeira, mas sem os furos. Era usada para bater no melaço após este terminar de ser fervido.
  • Caneca: recipiente usado para passar o caldo de um tacho para o outro.
  • Cinzeiro: tanque quadrangular onde se misturava água quente com cinzas para ser usado na decoada, na tacha de receber.
  • Colher: uma grande colher com furos, usada para mexer o melaço após a fervura. 
  • Concha: uma concha de ferro de cabo longo, usada para se provar o caldo.
  • Escumadeira: tipo de colher com vários furos, usada para se extrair a espuma.
  • Fôrma: vaso de barro onde se colocava o melaço para iniciar a purgação.
  • Passadeira: grande colher usada para transferir o caldo fervente para o tacho seguinte.
  • Picadeira: lança de ferro usada para se retirar os restos de melado que ficavam grudados nos tachos, paróis e caldeiras. 
  • Pomba ou reminhol: grande colher usada para retirar o melaço da última tacha. Era usada também para se acrescentar água na decoada. 
  • Resfriadeira: tanque onde o melaço descansava e esfriava para depois ser depositado nas formas. 
Tais equipamentos e recipientes foram comumente usados na produção do açúcar, contudo, quando chegamos ao século XIX já encontramos outros utensílios e máquinas como centrífugas, filtradores, espumadores, evaporadores, etc., usados neste processo, reflexos da Revolução Industrial do século XVIII. 

Após a fervura, o caldo antes inicialmente de coloração verde claro ou amarelada, após ser fervido ele se torna o que se chama de mel-de-cana, mel-de-engenho, mel-de-furo ou melaço. Uma substância amarronzada rica em sacarose, carboidratos, ferro, etc. O melaço além de ser usado para fazer açúcar também é usado para se fazer cachaça, rapadura, rum, caldos, etc. 


Melaço de cana em uma panela de cobre. 

Os potes de barro, também chamados de fôrma, pão-de-açúcar e sino-de-mel eram recipientes em formato cônico ou piramidal que possuíam um buraco na ponta, onde na etapa de purgação o melaço restante saía por esse buraco e era depositado na jarra de castela, uma bacia que coletava esse melaço para ser reutilizado.

“São as formas do açúcar uns vasos de barro queimado na fornalha das telhas, e tem alguma semelhança com os sinos, altas três palmos e meio, e proporcionalmente largas, com maior circunferência na boca, e mais apertadas no fim, aonde são furadas, para se lavar, e purgar o açúcar por este buraco” (ANTONIL, 1711, p. 75). 

Etapas da fervura do caldo-de-cana. 

"No espaço de 24 horas fazem num engenho de bois, 20 a 30 fôrmas, 40, 50 ou 60 num engenho d'água e 40, 50, 60 ou 70 e mais fôrmas se o engenho fôr capaz de moer muita cana e se esta fôr rica em açúcar, o que depende, como já ficou dito, do tempo e dos cuidados no cultivo. A fôrma comporta uma arroba de açúcar se êste fôr mais ou menos bom, se fôr inferior, menos. O melhor açúcar pesa mais e uma fôrma chega a ter 40 ou mais libras até 50 e 60". (DUSSEN, 1947, p. 94).

O valor de uma arroba na época que Dussen se refere, valeria atualmente algo aproximado em 14,688 kg, que equivale aproximadamente 25 libras. Sendo assim, um pote de barro pesando 2 arrobas, ou seja, 50 libras, equivaleria a quase 30 kg de açúcar. 


3) casa de purgar


Antonil escrevendo do século XVIII nos relata que a casa de purgar (purgar significa retirar as impurezas) normalmente ficava separada do engenho de açúcar, e as vezes era o maior recinto, pois era lá que se armazenava o açúcar para ser purgado como será visto adiante. Ele nos conta que na Bahia e no Sergipe havia grandes casas de purgar feitas de pedra, cal e madeira de maçaranduba. Essas casas teriam mais de 200 metros quadrados de área, seriam verdadeiros galpões com várias janelas de forma a se permitir uma boa circulação de ar e a entrada de luminosidade, no que ajudaria com o calor do sol a secar mais depressa o açúcar. Nesse grande espaço se estendiam fileiras de andaimes onde os pães-de-açúcar eram depositados. Esse relato é interessante, pois diferente de Dussen e Barléus que se referem a Pernambuco, aqui temos um exemplo da Bahia. 



Pintura do interior de uma casa de purgar na ilha da Madeira. 

"Na casa de purgar encontram-se as prateleiras onde as fôrmas se adaptam e ficam em descanso. Em cada prateleira colocam-se de 10 a 12 fôrmas, 8 a 10 prateleiras uma ao lado da outra, debaixo de cada uma das quais estão os receptáculos para o mel. Êsse conjunto chama-se andaime. Assim, cada andaime comporta cêrca de 100 fôrmas e em uma casa de purgar há 20, 25 e 30 andaimes, permitindo o depósito de 2.000 a 3.000 fôrmas". (DUSSEN, 1947, p. 94).

Como foi dito anteriormente, dependendo do tamanho do engenho e da força motriz usada para mover a moenda, a produção de açúcar variava. O exemplo dado por Dussen vem de algum engenho de Pernambuco que ele visitou na década de 1630, período esse que os holandeses controlavam a região. 


Essas formas de barro possuíam um formato cônico ou piramidal para facilitar a saída do restante de melaço que ficou dentro do recipiente, pois esse melaço concede uma coloração escura ao açúcar, algo que é conhecido como açúcar bruto, mais comumente chamado de açúcar mascavo ou açúcar mascavado. O açúcar mascavo possui um tom entre o caramelo, marrom claro e amarelo-escuro, além de possuir um gosto diferente do açúcar branco.
 



Açúcar mascavo. Sem passar pela etapa de purgação, o açúcar mantém-se nessa cor.

Dentro das formas, Dussen conta que o açúcar ficava de seis a oito dias em descanso, sendo batido com um pequeno martelo de forma a comprimi-lo cada vez mais, no intuito de espremer o restante do melaço para que este saísse pelo buraco na ponta de baixo. Antonil [1711] menciona o prazo de 3 a 15 dias para se esperar o açúcar purgar. Antonil também fala que o açúcar que se endurecia, mas não se tornava quebradiço era chamado de "cara fechada", já o que se tornava quebradiço era chamado de "cara quebrada", logo, devia-se dá maior atenção aos potes de açúcar quebradiço, pois isso significava que não secaram de forma adequada. 

"O buraco dessas fôrmas, a princípio tapado, conserva o açúcar coalhado e úmido; abrindo-se depois, deixa passar o mel para purgar o açúcar. Depois cobre-se de barro a cara da fôrma, porque se acredita que, repetindo-se várias vezes esta operação, se expelem mais completamente as impurezas, e o açúcar clareia mais". (BARLÉUS, 1940, p. 95). 


Além dessa técnica mecânica de compressão do açúcar, derramava-se uma fina camada de argila ou de barro, a qual lentamente ia se misturando ao açúcar e por sua vez a argila absorve o melaço. Essa etapa era realizada no balcão de purgar e no cocho, local onde ficava o tendal, espaço usado para o assentamento das formas. 


“Diante da porta da Casa de purgar levanta-se sobre seis pilares um alpendre de oitenta e dois palmos de comprimento, e vinte e quatro de largo, debaixo do qual estar o Balcão de mascavar; e de outra parte está o Cocho para amassar o barro, que se bota nas Formas, para purgar o Açúcar; e mais adiante o Balcão para o secar, comprido oitenta palmos, e largo cinquenta e seis, sustentado de vinte e cinco pilares de tijolo”. (ANTONIL, 1711, p. 78). 

Antonil nos fala que na casa de purgar trabalhavam quatro mulheres, responsáveis por prepararem as formas de barros para o açúcar, além de também lavar as mesmas. 

"Cavam primeiro as quatro escravas purgadeiras com cavadores de ferro no meio da cara da forma (que é a parte superior) o açúcar já seco, e logo o tornam a igualar e entaipar muito bem com macetes; botam-lhe então o primeiro barro, tirando-o com um reminhol dos tachos, que vieram cheios dele do seu cocho, estando já amassado em sua conta, e com a palma da mão o estendem sobre toda a cara da forma, alto dois dedos. Ao segundo ou terceiro dia botam em riba do mesmo barro meio reminhol ou uma cuia e meia de água, e para que não caia no barro de pancada, e caindo faça covas no açúcar, recebem sobre a mão esquerda, chegada ao barro, a água, que botam com a direita igualmente sobre toda a superfície, e logo com a palma da mão direita mexem levemente o barro, de sorte que com os dedos não cheguem a bulir na cara do açúcar”. (ANTONIL, 1711, p. 83-84). 

Formas usadas para purgar o açúcar. Eram chamadas de pão-de-açúcar, sino-de-mel, entre outros termos. Nota-se aqui o formato cônico e o orifício na ponta. Também pode-se ver os andaimes e os buracos onde as formas ficavam encaixadas. 

Dussen menciona que dependendo do caso, aplicava-se de duas a três camadas de argila de forma a tornar o açúcar mais puro e branco. 

"Livre o açúcar de seu mel é trazido para fora da casa-de-purgar e retirado das fôrmas e pôsto a secar ao sol sôbre panos estendidos, retirando-se então o açúcar que ainda se encontra misturado ao mel. A isto chamam os portuguêses 'mascavar', com o que querem dizer que tiram a máscara cinzenta do açúcar e daí chamarem também o açúcar acinzentado de 'mascavado'".(DUSSEN, 1947, p. 95).


"No balcão de mascavar assistem duas negras das mais experimentadas, que chamam mães do balcão, e com outras o mascavam e apartam o inferior do melhor uns negros que trazem e aventam as formas, e tiram delas os pães de açúcar, e o amassador do barro de purgar, que é também outro negro". (ANTONIL, 1711, p. 79).



Pintura de um balcão de mascavar em uma casa de purgar na ilha da Madeira. 

"Ao pé do balcão, que chamam de mascavar, se aventam as formas sobre um couro, que vem a ser bulir nelas devagar com as bocas viradas para o dito couro, para que saiam bem os pães, os quais postos sucessivamente por um negro sobre um toldo, que está estendido neste balcão, por mão de uma negra (à qual chamam mãe do balcão), se lhes tira com um facão todo aquele açúcar mal purgado e de cor parda que têm na parte inferior, e isto se diz mascavar, e ao tal açúcar chamam depois mascavado. E, entretanto, outra sua companheira, que é das mais práticas, tira com um machadinho do mesmo mascavado o mais úmido, que chamam pé da forma ou cabucho, e este torna para a casa de purgar em outras formas, até acabar de se enxugar; e logo outras negras quebram com toletes os torrões do mascavado sobre um toldo, que também há de ir ao balcão de secar." (ANTONIL, 1711, p. 87). 

Os pães-de-açúcar eram desformados no aventador, uma prateleira de madeira localizada no balcão de mascavar. Como foi descrito por Antonil, o açúcar mascavado era raspado e separado do açúcar branco, sendo este dirigido para uma última etapa de secagem. O açúcar branco era levado para a área chamada de balcão de secar, onde passaria algumas horas exposto ao sol.


Algumas das ferramentas usadas nessa etapa, segundo a descrição de Antonil, eram:

  • Cavador: feito de ferro, era usado para escavar o açúcar a fim de se colocar a argila ou barro.
  • Facão: usado para raspar o açúcar mascavado após a fase de purgar. 
  • Furador de ferro: usado para furar a ponta do pão de açúcar por onde escorreria o melaço durante a fase de purgação dentro dos potes.
  • Macete: espécie de martelo usado para socar e comprimir o açúcar dentro dos potes. 
  • Machadinha: usada para raspar o açúcar mascavado.
  • Peça de couro: pedaço de couro (geralmente de couro de vaca) usado para se ajeitar o açúcar dentro dos potes. 
  • Rodo: usado para mexer o açúcar quando este era posto para secar nos toldos. 
  • Tolete: espécie de martelo para se quebrar os pães de açúcar. Pelo formato cônico que ele possuía, isso levava a dividir o pão em partes chamadas de "caras", começando-se do alto até a ponta. Cada "cara" possuía uma qualidade diferente, sendo a ponta afunilada de qualidade inferior.  
Etapas de se desenformar o açúcar após este ter sido purgado. 

"No balcão de secar trabalham as mesmas duas mães com as suas companheiras, que são até dez, estendendo os toldos e quebrando com toletes as lascas e os torrões grandes em outros menores atrás dos quebradores dos pães. E na caixaria ajudam ao caixeiro no peso e encaixamento do açúcar as negras e negros que são necessários, como também no pilar, igualar, pregar e marcar". (ANTONIL, 1711, p. 80).

O açúcar retirado das fôrmas era posto em alguns caso nas chamadas pilheiras plataformas de madeira onde ele secava. Enquanto parte ficava na pilheira, outra parte era levada para ser depositada em toldos no chão, onde ele ficaria diretamente exposto a luz do sol. Tal prática também era usada para secar o café e o cacau. Os escravos dispersavam o açúcar sobre estes toldos, e usavam rodos para espalhá-lo e revirá-lo de forma que se conseguisse secá-lo da melhor forma possível. Antonil aponta que se houve "tarefas" naquela produção, cada lavrador era responsável por levar seus toldos e escravos para realizar a secagem da sua parte da produção. Ele conta que o senhor de engenho se reunia com seus arrendatários ou lavradores para ver o açúcar secar ao sol. Os toldos eram organizados em fileiras de forma a indicar a produção do "partido da fazenda" e das "tarefas". 

Barléus em seu livro nos conta uma outra receita para se purgar o açúcar e deixá-lo mais alvo. Nessa receita ele revela o uso de outros agentes no processo de fervura e purgação. 


"Assim, derrama-se no açúcar mais impuro uma lixívia de cal viva e claras de ovo, e, mexendo-se sem parar, escuma-se o caldo, limpando- o das impurezas, e, quando êle, fervendo, ameaça entornar-se, impede-se isto com deitar-se-lhe um pouco de manteiga. Coam-no depois num pano grosseiro ou numa estôpa, não estando ainda absorvida toda a lixívia, para se apanharem as fezes que por acaso restem, deixando-o ferver de novo até consumir-se a lixívia. Em seguida o viram, como que renascido, nas fôrmas, cobrem-se as caras destas com barro mais puro, e, secando este à maneira de crosta, põe-se outro mais algumas vezes, com o mesmo fim que dantes, escorrendo de novo um mel mais grosso e mais impuro". (BARLÉUS, 1940, p. 74-75). 



Nessa ilustração podemos ver dois escravos mexendo nos tachos das caldeiras, e no lado esquerdo pode-se ver o melaço sendo colocado nos pães de açúcar para iniciar a purgação. 

4) pesagem e encaixotamento do açúcar:

Após essa etapa enquanto ainda continuava a secar, partes do açúcar são postas em uma balança para ser pesado, de forma que o senhor de engenho, o lavrador e o caixeiro possam quantificar as suas partes. Antonil [1711] nos fala de alguns instrumentos usados nessa fase de pesagem e armazenamento do açúcar em caixas:


“No Peso, balanças, pesos de duas arrobas, e outros menores, como o da tara; Pás, e panacûs. Na Caixaria, pilões, rodo, pão de assentar, ao qual uns chamam de moleque de assentar, e outros juiz, enxó, verrumas, martelos e pregos. Pé de cabra para tirar pregos das caixas, e o gastalho que serve para reunir as tábuas rachadas, ou abertas, metendo duas cunhas entre os lados da tábua, e os dentes, cabaraços do gastalho que abraça por cima, e desce pelas ilhargas, e as marcas de ferro, com que se marca, e declara a qualidade do açúcar, o número das arrobas, e o oficial do Engenho”. (p. 80). 

Depois de ser pesado, o açúcar era carregado com pás para as caixas que eram forradas com barro e sobre este colocava-se folhas de bananeira. Se houve lavradores envolvidos no processo, estes levavam suas carroças e escravos para coletar seu açúcar depois de pesado pelo caixeiro. Além do açúcar branco ser pesado e dividido, o açúcar mascavo também passava por este processo. E em meio a essa divisão, havia também uma terceira parte, o dízimo da Igreja, onde um funcionário específico chamado contratador do dízimo, ia buscar os 10% da produção tanto do "partido da fazenda" quanto das "tarefas". 


Antonil [1711] chama a atenção para o fato de quando o açúcar estava sendo depositado nas caixas, algo que se chamava "cara de caixa", ou seja, o açúcar pronto para ser vendido, não se batia o açúcar para compactá-lo nas caixas, pois isso poderia ser usado como um engodo, onde poderia-se colocar açúcar de qualidade inferior no fundo da caixa e cobrir-se com açúcar bom, contudo, o peso bruto da "cara de caixa" seria de açúcar ruim. 


Após as caixas serem enchidas, usava-se um porrete, chamado de "pau de assentar" ou "moleque de assentar" como já mencionado por Antonil, para socar o açúcar de forma que coubesse adequadamente dentro da caixa e a tampa pudesse ser pregada. Todas as tampas eram fechadas com pregos. Após as caixas serem fechadas estas recebiam a marca que designava o tipo de açúcar, pois como foi dito, além de açúcar branco e mascavo havia outras variações, chamadas de "caras" (voltarei a tratar disso adiante). Sobre isso Antonil nos deixou detalhes:

  • Açúcar branco macho: marcava-se na caixa um B.
  • Açúcar branco batido: marcava-se na caixa dois BB.
  • Açúcar mascavado macho: marcava-se na caixa um M.
  • Açúcar mascavado batido: marcava-se na caixa um MB. 
Além dessas marcas para se identificar o tipo de açúcar, havia mais três marcas que eram gravadas a ferro quente ou em tinta. 
  • Marca das arrobas: gravada na tampa a ferro quente, identificava o peso da caixa. 
  • Marca do engenho: era gravada a ferro quente, e colocada no canto inferior direito da tampa. Designava o engenho no qual o açúcar foi fabricado. No caso de fosse alguma entidade religiosa ou organização mercantil, leva-se o selo ou iniciais dessa ordem ou organização. 
  • Marca do senhor ou do mercador: poderia ser gravada a ferro quente ou pintada. Era marcada no centro da tampa se fosse a fogo, e seria marcada na lateral da caixa se fosse em tinta, onde se escrevia o nome do proprietário ou do comprador.
Após serem marcadas todas as caixas eram conduzidas para o porto. Os engenhos reais dispunham dos rios para transportar as caixas em barcaças, mas em geral usava-se os carros de boi para o transporte dessas caixas que chegavam a pesar seis arrobas, u que equivale a 150 libras ou 90 quilos. Todavia, Amaral [1958] informa que ao longo da história colonial houve variações no peso das caixas de açúcar, podendo-se encontrar caixas que pesavam de seis até cinquenta arrobas. Mello [2012] fala que na primeira metade do século XVII, a média de peso das caixas de açúcar eram de 30 a 35 arrobas (o que equivalia de 450 a 525 quilos). 

Trabalhadores assalariados envolvidos na produção do açúcar:


Embora os escravos exercessem várias atividades, havia determinados ofícios que eram exercidos por gente livre, alguns destes já mencionados anteriormente, contudo, darei atenção aos que estavam ligados especificamente a produção açucareira:

  • Feitor-mor: era o responsável por administrar o engenho. Cabia ao seu encargo fiscalizar o exercícios de todas as atividades no engenho desde o corte da cana até o carregamento do açúcar. Verificava como estavam os estoques do engenho, verificava se todos os escravos estavam exercendo corretamente seus trabalhos, e se fosse o caso remanejava-os para outras atividades. Em caso de um escravo adoece-se o enviava para ser tratado e colocava outro no lugar, contudo, deveria comunicar ao senhor do engenho o fato ocorrido. O feitor-mor também tinha que relatar tudo o que se passava no engenho para o senhor. Os demais feitores eram subordinados a ele. Antonil [1711] falara que o feitor-mor possuía um salário de sessenta mil réis ao ano, mas vale lembrar que isso era um salário do início do século XVIII, não significa que o salário fosse o mesmo ao longo do tempo. 
  • Feitor de moenda: era o responsável por fiscalizar a colheita, o transporte da cana e sua moedura. Enquanto a cana era moída ele deveria ficar atento para que as escravas ou escravos não se acidentassem no processo, como também deveria controlar o processo para evitar que houvesse caldo em demasia, pois poderia acabar estragando enquanto aguardava iniciar o processo de fervura. Antonil [1711] falara que o feitor de moenda tinha um salário que variava de quarenta a cinquenta mil réis ao ano, mas vale lembrar que isso era um salário do início do século XVIII, não significa que o salário fosse o mesmo ao longo do tempo. 
  • Feitor ou capataz: era responsável por vigiar e punir os escravos, assim como proteger a fazenda, os canaviais e os roçados e manter o controle dos escravos, evitando que brigassem, fugissem ou ficassem ociosos. 
  • Mestre de açúcar: era o responsável por verificar a qualidade do solo e a localização para o plantio da cana, devia saber distinguir onde se brotava cana de melhor qualidade e de menor qualidade, pois dependendo do solo e da quantidade de água recebida havia variações. Na casa das caldeiras, era o responsável por manter todos os funcionários trabalhando adequadamente, e manter um controle de qualidade, pois as vezes o caldo teria que ser fervido por mais tempo, ou ser coado ou decoado novamente. Na casa de purgar também era responsável por avaliar o trabalho dos escravos e empregados nesse setor. Em suma, o mestre de açúcar controlava a administração do fabrico do açúcar. Nos grandes engenhos Antonil [1711] fala que o salário do mestre de açúcar era em torno de 130 mil réis ao ano, mas podia ficar na casa dos 100 mil réis ao ano.
  • Banqueiro ou soto-mestre: era um dos ajudantes do mestre de açúcar. Quando esse se ausentava, era o banqueiro o responsável por manter o controle e a eficiência na produção de açúcar na casa das caldeiras. Sua responsabilidade era bastante grande. O banqueiro substituía o mestre de açúcar pelo turno da noite, e era auxiliado pelo ajuda-banqueiro ou soto-banqueiro. O banqueiro podia receber entre 30 a 40 mil réis ao ano. 
  • Ajuda-banqueiro ou soto-banqueiro: era o ajudante do banqueiro, possuía também uma grande responsabilidade no processo de fabricação, pois teria que se manter atento todo tempo para evitar atrasos, perda de matéria-prima e acidentes. Antonil nos fala que tais cargos eram ocupados necessariamente não por gente livre, mas poderiam ser ocupados por algum escravo ou mestiço. Ele também era responsável por supervisionar o envio dos pães de açúcar para a casa de purgar. No caso do empregado ser um escravo ou um mestiço - que também sofria com status de ser um escravo, mesmo tendo uma mãe ou pai branco -, eles as vezes não recebiam salário, mas recebiam alguma espécie de recompensa. 
  • Caldeireiro e tacheiro: trabalhavam nas caldeiras e tachos cuidando em se controlar a temperatura de fervura e o processo de purificação do caldo. Eram responsáveis por ver o "ponto", temperatura exata na qual o caldo estaria bem fervido. 
  • Purgador: trabalhava na purificação do açúcar na casa de purgar. Era o responsável por verificar como seguia o processo de purgação do açúcar nos dias que ele residia no recinto. Também tinha que verificar a qualidade do barro ou argila que seria usado no processo de purgação, auxiliava na organização dos pães nos andaimes. Deveria zelar pela organização e limpeza do recinto e ordenar a coleta do melaço nos jarros para ser armazenado ou reutilizado. Antonil conta que o salário de purgador variava de acordo com a quantidade da produção. Se se produzissem 4 mil pães numa leva, ele receberia 50 mil réis anualmente, mas se a produção fosse menor, receberia de forma proporcional. 
  • Caixeiro de engenho: era o responsável por pesar o açúcar antes deste ser encaixotado e marcado. Também cuidava de separar e contabilizar a produção do senhor de engenho, dos lavradores e de repassar o dízimo para a Igreja. Também eram incumbido de supervisionar o carregamento do açúcar nas caixas, e até mesmo auxiliar no carregamento, verificava se todas as caixas foram devidamente marcadas, e até mesmo supervisionava o transporte até o porto, como verificar o embarque do produto. Antonil falara que dependendo do tamanho do engenho e da sua produção, o caixeiro poderia receber de 30 a 50 mil réis por ano. 
  • Caixeiro da cidade: diferenciava-se do caixeiro de engenho, pois atuava mais como um contador, contratador, procurador e depositário, cuidando das finanças do engenho, das negociações, da contratação dos navios, da contratação dos compradores, etc. Recebia um salário anual em torno de 40 a 50 mil réis. 
Tipos de açúcar:

Já foi mencionado aqui que havia alguns tipos de açúcar, pois quando se dividia as "caras" do pão-de-açúcar, cada "cara" possuía uma qualidade diferente, e além disso, o próprio açúcar mascavo também possuía seus tipos. Existem distintas nomenclaturas para tratar dessa tipologia sacarina, contudo, exporei aqui os termos usados pelos portugueses, pois os espanhóis, italianos, holandeses, franceses, ingleses, etc., usam outras terminologias. 

1) Açúcar branco: Embora seja parecido com o atual açúcar que normalmente usamos, na Idade Moderna havia algumas diferenças. Antonil [1711] dizia que o açúcar branco possuía algumas classificações referentes a sua qualidade:

  • Fino: era o mais branco, fechado e pesado, provinha da primeira "cara" do pão-de-açúcar. Era considerado o de melhor qualidade.
  • Redondo: era menos fechado e pesado, provinha normalmente da segunda "cara", e era considerado de segunda qualidade. 
  • Baixo: era de uma cor amarronzada, provinha da terceira "cara", embora a cor, ainda era considerado de qualidade relativa, mas inferior. 
  • Branco batido: era feito a partir do melaço escorrido durante a fase de purgação, onde tal melaço era cozido novamente e era batido. Antonil diz que as vezes ele se tornava branco e bem encorpado, daí ser chamado de "branco batido". 
O açúcar branco do tipo fino, redondo e baixo eram chamados de açúcar macho, pois eram bem purgados, puros e de excelente qualidade. 

2) Açúcar mascavo: era chamado também de mascavado, pés e cabucho. Era considerado de menor qualidade se comparado com o açúcar branco. O açúcar mascavo como vimos é de coloração amarronzada, possui uma maior quantidade de melaço, não é bem purgado e nem refinado. Era usado no preparo de alimentos, e até na fabricação de rapadura, garapa, cachaça, rum, etc. 

  • Macho: resultante das sobras do açúcar macho. Quando o açúcar era retirado da forma, ele tinha a sua crosta raspada, o que lhe separava do açúcar branco, e essa crosta era o açúcar mascavo. 
  • Batido: resultante das sobras do açúcar branco batido. 
  • Mel: açúcar mascavo feito do mel da purga. Era usado também para fazer o mascavo batido ou para se fazer garapa e cachaça.
  • Remel: resultante do mel da purga do batido branco. Se fosse batido poderia virar mascavo batido, e também era usado para se fazer garapa e cachaça.
3) Açúcar de escuma: era feito a partir das espumas resultantes da fase de fervura do caldo. Era de coloração escura, usado para fazer garapa, como também dado de alimento para os escravos e os animais. 
  • Neta: feito com a primeira espuma.
  • Rescuma: feito com a segunda espuma. 
  • Nata: feito com a terceira espuma. Era batido e cristalizado.
    4) Açúcar por região: Gaspar Barléus escrevendo no século XVII, assinalou que dependendo do lugar de onde vinha o açúcar esse recebia certos nomes. Aqui temos um outro tipo de nomenclatura. 
    • Madeira: proveniente da ilha da Madeira.
    • Canárias:  proveniente das Canárias, arquipélago de posse dos espanhóis. 
    • Meli: proveniente de uma pequena ilha na costa ocidental da Índia, sob o controle dos portugueses. 
    • São Tomé: proveniente da ilha de São Tomé, possessão portuguesa na África. Barléus nos conta que esse açúcar era de qualidade inferior, e era usado para se fazer xaropes, conservas, remédios, etc. 
    • Antilhas: proveniente das Antilhas no mar do Caribe. Nesse caso, era produzido pelos espanhóis, holandeses ou franceses, dependia de que ilha provinha.
    • Açores: proveniente dos Açores.
    • Cabo Verde: proveniente do Cabo Verde. 
    Havia outro lugares, mas mencionri estes mais importantes. Contudo, não se encontra a nomenclatura de açúcar brasileiro ou Brasil nos livros que usei para fazer este texto. 

    5) Outros tipos de açúcar:
    • Misturado: era formado a partir da mistura de diferentes açúcares que eram transportados em caixas de forma inadequada. 
    • Panela: o caldo que escorria no processo de fervura era coletado em panelas e não era purgado. Era de baixa qualidade e de coloração escura. Por ser vendido em panelas, recebeu esse nome.
    • Cândi ou cande: açúcar branco refinado e cristalizado, usado para adoçar bebidas, alimentos e preparar medicamentos. 
    Aqui apresentei alguns tipos de açúcar e suas nomenclaturas usadas entre os séculos XV e XVIII, já nos séculos XIX e XX vemos novas nomenclaturas, mas como o foco aqui é tratar da produção açucareira no período colonial brasileiro, me reterei a estes exemplos. 

    Produtos derivados do caldo de cana:


    Ao longo do texto mencionei alguns produtor derivados do caldo-de-cana além do próprio açúcar, foco desse trabalho, mas agora para encerrar este texto, falarei brevemente de alguns destes produtos.


    1) caldo de cana


    O caldo de cana é a matéria-prima para vários tipos de substâncias, o que inclui o próprio açúcar como já visto, contudo, o caldo de cana pode ser consumido puro. Desde os tempos antigos o caldo já era consumido, bastava-se espremer a cana e colher o caldo em algum recipiente e bebê-lo. Não há necessidade de uma filtragem na hora, embora seja recomendável coá-lo antes de consumi-lo. As pessoas que trabalhavam ou trabalham nos canaviais as vezes consome o caldo direto da fonte, cortando uma cana, descascando-a então se corta o talo e o quebra com os dentes para extrair o sumo. 


    Caldo de cana pronto para o consumo.

    O caldo é rico em sacarose, logo é um energético puro. Além da sacarose encontramos glicose, frutose, amido, uma pequena quantidade de proteínas, minerais, vitaminas, antioxidantes, etc. No Brasil o caldo pode ser encontrado facilmente nas grandes cidades em algumas lanchonetes e até mesmo em pequenas lanchonetes, pois graças a versatilidade das prensas mecânicas, em questão de segundos o caldo fica pronto. 

    Além do Brasil, outros países da América Latina como Cuba, Venezuela, Colômbia, Porto Rico, México, etc,. pode-se encontrar tal produto, assim como na Índia, Indonésia e nos países do sudeste asiático. Faço menção aqui ao fato de se consumir o caldo, pois em outros lugares que se planta cana, não há o costume de bebê-lo. 


    2) garapa:


    A palavra garapa em língua portuguesa possui vários significados, sendo alguns significados recorrentes do regionalismo, ou seja, só existem em determinada região ou país. Em alguns lugares, garapa é sinônimo de caldo de cana. Contudo, na Idade Moderna, garapa era o termo dado para uma bebida de baixa qualidade com o gosto adocicado e coloração amarronzada. Como vimos no processo de fabrico do açúcar, geralmente as espumas que não fossem reutilizadas, poderiam ser destinadas para se fazer garapa. 


    Dussen [1639] nos aponta um detalhe interessante; ele conta que quando o engenho estava moendo, ou seja, estava iniciado o processo do fabrico do açúcar, a garapa era feita com as espumas, no entanto, quando o engenho não estava moendo, a garapa era feita com o açúcar de baixa qualidade, fosse ele açúcar mascavo, melaço ou açúcar de panela. Mas em ambos os casos, a garapa era misturada com um pouco de água e consumida assim mesmo. 


    "Os negros fazem, às vêzes, uma mistura detestável de açúcar preto e água, sem a mínima fermentação, à qual dão o nome de Garapa. Bebida barata, os negros usam-na em suas festas que chegam a durar 24 horas entre dansas, cantos e beberagem. Só brigam, nessas ocasiões, por ciúmes. Às vêzes adicionam à garapa, folhas de cajueiro que, dada a sua natureza quente, torna a bebida mais forte". (NIEUHOF, 1682, p. 304).

    A garapa era uma bebida adocicada como já dito, e era consumida geralmente pelos escravos, embora Dussen [1639] fale que se dava também garapa para os cavalos, vacas e porcos. Gilberto Freyre chegou a dizer que os cavalos que consumiam muita garapa, era baixos e gordos, mas possuíam muita resistência.



    Tanque com garapa em uma engenhoca moderna. 

    Logo, a garapa era uma bebida de baixa qualidade e barata, consumida pelos escravos, índios e pela população pobre que não tinha dinheiro para comprar cachaça, pois vinho e cerveja não eram produzidos no Brasil, logo, apenas os ricos tinham dinheiro para importar principalmente vinho, pois cerveja era encarada como uma bebida das classes baixas. Os bandeirantes em alguns casos levavam garapa nas suas viagens, pois servia como energético. 

    3) rapadura


    A rapadura é um doce amarronzado com sabor parecido com o do açúcar mascavo. Possui grande quantidade de sacarose, carboidratos e alguns minerais como o ferro, fósforo, potássio, cálcio, sódio, etc. É um alimento energético devido a grande quantidade de açúcares. Foi inventada no século XVI no arquipélago das Canárias ou no arquipélago dos Açores, embora se tornou um doce popular no Brasil, especialmente na região nordestina onde se concentrava a maioria dos engenhos. 


    Melado sendo fervido para o preparo de rapadura numa produção contemporânea. 

    A rapadura originou-se do ato de se raspar o melaço das caldeiras e dos tachos, para que este fosse reaproveitado, daí ser inicialmente chamada de raspadura. Neste caso estas raspas, eram fervidas novamente e batidas, para que o melado se tornasse uma massa encorpada, então se colocava em formas retangulares e deixadas para esfriar e endurecer. Isso facilitava o transporte e a conservação, pois poderia durar por meses. Era usado como complemento da alimentação dos mais pobres, era consumido pelos viajantes, era dado de alimento para os escravos e até mesmo consumido como sobremesa.


    Barras de rapadura. 

    Dependendo do país esse doce recebe outros nomes, mas no Brasil é amplamente conhecido como rapadura, assim como em Portugal. Hoje temos rapaduras com sabores mistos, como rapadura de leite, rapadura com amendoim, com castanha, com chocolate, etc. 

    4) cachaça


    A cachaça também chamada em alguns lugares do Brasil de pinga, cana, canha, etc., é um aguardente feito da cana de açúcar, e da mesma forma que outros aguardentes como a vodca, a tequila, o rum, o gim, etc., possuem um alto teor alcoólico. A cachaça hoje é considerada uma bebida nacional brasileira, e surgiu por volta do século XVI.


    Não existe uma certeza acerca da origem dessa palavra. Algumas pesquisas sugerem que o termo era uma referência aos porcos selvagens que eram chamados de "cachaço", pois para amolecer a carne dura deles, usava-se esse aguardente, logo teria passado a se chamar essa bebida de cachaça. Outra hipótese sugere que seja uma variação da palavra espanhola "cachaza", nome dado a um vinho de baixa qualidade consumido em Portugal e Espanha, pelo fato de inicialmente esse aguardente ser de baixa qualidade, fizeram essa analogia. Contudo essa palavra possuía outros significados.


    Antonil [1711] menciona que ainda no século XVIII a palavra cachaça era usada para se referir a primeira espuma do processo de fervura do caldo de cana. Essa primeira espuma geralmente era dada aos animais como complemento alimentar, embora também se fizesse um açúcar de baixíssima qualidade como já visto neste texto. A segunda espuma também passou a ser chamada de cachaça com o tempo, e era dada para os animais e escravos. 


    Contudo, quando se começou a pegar essas segundas e terceiras espumas e passou-se a fermentá-la, começou a surgir uma bebida de teor alcoólico chamada por alguns de garapa azeda, termo usado por Barléu no século XVII, contudo, outros chamavam de aguardente de canacagaça, vinho de cana, vinho da terra (referência a ser feito no Brasil). Alguns historiadores sugerem que a palavra cachaça adveio de uma variação da palavra cagaça que era usada também para se referir a espuma da fervura do caldo de cana. 


    A cachaça original era feita ou das espumas ou do melaço, onde após passar por outra fervura, era depositado em algum recipiente (o uso de barris foi posterior, pois inicialmente não se deu interesse para a produção dessa bebida) para fermentar por algum tempo, e assim adquirindo seu teor alcoólico, contudo, quando passou-se a se empregar a técnica da destilação, a qualidade da bebida melhorou e seu teor alcoólico elevou-se. A cachaça geralmente é transparente, mas alguns tipos possuem uma coloração branca ou amarelada, e se for o caso de ser uma cachaça envelhecida a coloração escurece. 




    Em fins do século XVI foram introduzidos no Brasil os alambiques, instrumento de destilação antigo e de fácil uso, o qual inicialmente feito de barro ou de cobre passou a destilar a espuma ou o melaço, onde se passou a se acrescentar outros ingredientes para melhorar a destilação e o sabor da bebida, os melhores alambiques são os de cobre para o fabrico artesanal. No século XVI e XVII, Gabriel Soares de Sousa [1587] menciona a expressão "casa de cozer méis" para se referir ao local onde se produzia cachaça. Contudo, com o tempo passou-se a usar a palavra alambique para se designar o local onde se produzia e armazenava a cachaça, ainda hoje se usa esse termo nos dois sentidos.


    Um pequeno alambique de cobre e uma moenda mecânica. Ainda hoje no Brasil embora haja a produção industrial de cachaça, algumas empresas adotam a produção artesanal. 

    No século XVII a cachaça começou a atrair o gosto da população inclusive das elites, ao mesmo tempo tornou-se moeda de troca em alguns lugares da África como Angola, Congo e Guiné e Costa da Mina, locais onde os portugueses tinham negócios há várias décadas. Os portugueses notando que alguns povos africanos passaram a apreciar essa bebida começaram a negociá-la em troca de escravos, logo, vemos a menção da cachaça sendo trocada por escravos. Contudo, alguns comerciantes mais escrupulosos, vendiam cachaça adulterada. 

    5) rum


    O rum surgiu nas ilhas caribenhas por volta do século XVI, o local exato ainda é uma questão de debates, alguns sugerem Barbados, Cuba, Jamaica, etc. Originalmente ele era descartado, ou dado de alimento para os animais ou os escravos. Depois que se descobriu sua potencialidade como bebida alcoólica, começou-se a se investir em seu desenvolvimento. 



    O rum teria surgido em Barbados, embora não haja total certeza disso. 

    As palavras mais antigas para se referir a essa bebida vem da língua inglesa e francesa. Do inglês havia expressão "kill-devil", pois na época o rum foi apresentado por alguns como um tipo de medicamento, que supostamente poderia expurgar os maus espíritos. Esse fato é interessante, pois se o leitor lembrar que o próprio açúcar já foi usado como remédio, então tal aspecto não é nada estranho. Já os franceses o chamavam de "rumbullion". Outros termos eram: guildive e tafia. A palavra rum começou a se tornar mais comum após meados do século XVII quando a bebida havia se popularizado. A primeira menção oficial data de um documento da Jamaica de 1661, expedido pelo então governador da ilha.

    Assim como a cachaça o rum passou a ser usado também como moeda de escambo, sendo usado para se negociar escravos em África, e até mesmo negociar-se com os ameríndios, trocando rum por alimentos, peles de animais, madeiras, etc. O rum se tornou não apenas uma bebida apreciada, e supostamente um medicamento, mas também uma moeda de troca valiosa ao longo do século XVII e idos do XVIII, a ponto de haver contrabando dessa bebida. Os piratas ficaram famosos por contrabandeá-lo, daí a associação dos piratas a essa bebida.



    Piratas carregando rum para se comprar escravos como descrito no livro The Pirates Own Book de Charles Ellms. 

    O rum originalmente era feito da fermentação do caldo de cana, que após ser fermentado era destilado, concedendo seu alto teor alcoólico e uma coloração transparente. Posteriormente foi desenvolvida uma técnica para produzir-se rum a partir do melaço. O rum puro é de coloração transparente o levemente amarelada ou esbranquiçada. Já a coloração mais amarela, caramelo e marrom, advém do envelhecimento dessa bebida, ou da adição de corantes. Hoje existem vários tipos de rum, e o mesmo é usado como base para se produzir alguns tipos de drinques e até mesmo existe calda de rum, usada para se fazer bolos e doces. 

    Uma dose de rum.

    NOTA: As bebidas produzidas com caldo de cana ou com seu melaço não surgiram na Idade Moderna, pois há relatos de alguns tipos de bebidas feitos na Índia e China, onde se tinha como base a cana de açúcar. 
    NOTA 2: No Brasil a cachaça é o ingrediente base para o famoso drinque chamado de "caipirinha"
    NOTA 3: Gaspar Barléus menciona brevemente em seu livro, que os romanos teriam conhecimento da cana de açúcar em suas viagens ao Oriente Médio, e já mencionavam o uso medicinal dessa substância, embora eles não se interessaram em cultivá-la. 
    NOTA 4: No começo do século XVIII a cachaça e o rum foram proibidos em alguns países e colônias, pois estavam superando a produção de vinho das metrópoles. Contudo, devido ao contrabando, a proibição foi suspensa.
    NOTA 5: Outro elemento que se pode produzir a partir da cana é o álcool etílico ou etanol. Utilizado principalmente na indústria automobilística como combustível. 
    NOTA 6: No Brasil os engenhos perduraram até o começo do século XX quando começaram a serem substituídos pelas usinas. Contudo, ainda hoje se encontram engenhos modernos, ligados a produção de açúcar, cachaça e rapadura. 
    NOTA 7: Em 1660 no Brasil ocorreu a Revolta da Cachaça, onde os senhores de engenho protestaram contra o abusivo aumento dos impostos sobre a bebida.  

    Referências Bibliográficas:

    ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-1800. Rio de Janeiro, M. Orosco & C., 1907. (Capítulo V). 
    AMARAL, Luís. História geral da agricultura brasileira no tríplice aspecto: político-social-econômico - vol. 1. 2a ed, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1958. 
    BARLÉUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício, Conde Nassau, etc. Tradução e anotações de Cláudio Brandão. Rio de Janeiro, Ministério da Educação, 1940. p. 73-75. 
    ANTONIL, André João. Cultura e Opulência no Brasil por suas drogas, e minas. Lisboa, Oficina Real de Slandesiana, 1711. 
    BRANDÃO, Antônio Fernando. Diálogos das Grandezas do Brasil. [1618], edição comentada por Capistrano de Abreu, Salvador, Progresso, 1956. 
    DUSSEN, Adriaen van der. Relatório sôbre as capitanias conquistadas no Brasil pelos holandeses (1639): suas condições econômicas e sociais. Tradução de José Antonio Gonsalves de Mello Neto, Rio de Janeiro, Instituto do Açúcar e do Álcool, 1947. (Série História III). 
    FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. 4a ed, Rio de Janeiro, José Olympio, 1967. 
    FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32a ed, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 2005. 
    MELLO, Evaldo Cabral de. O bagaço da cana: os engenhos de açúcar no Brasil holandês. São Paulo: Penguin Classics & Companhia das Letras, 2012. 
    NIEUHOF, Joan. Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil. [1682]. Traduzido por Moacir N. Vasconcelos, São Paulo, Livraria Martins, 1966. 
    PRADO JR, Caio. História econômica do Brasil. 26a ed, São Paulo, Editora Brasiliense, 1981. 
    PEIXOTO, Afrânio. História do Brasil. 2a ed, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 2008. (Série 3: História e Biografia), (Capítulos 1 e 3). 
    PITTA, Sebastião da Rocha. História da America Portugueza, desde o anno de mil e quinhentos do seu descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro. Lisboa, Oficina de Joseph Antonio da Sylva, 1730. p. 17-22. 
    SCHAMA, Simon. O desconforto da riqueza: a cultura holandesa na época do ouro. Tradução Hildegard Feist. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. 
    SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500-1820. São Paulo, Companhia da Editora Nacional, 1937. (Série 5, vol. 100), (Capítulo V).  
    SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descriptivo do Brasil em 1587. 2a ed, Rio de Janeiro, Typographia de João Ignácio da Silva, 1879. 
    VARNHAGEN, Adolfo de. História geral do Brazil antes da sua separação e independencia de Portugal - tomo I. 2a ed, São Paulo, L & H. Lammert, 1866. (Capítulos VIII ao X). 

    12 comentários:

    Unknown disse...

    Material completo!muito obrigada!!!

    Unknown disse...

    Parabéns pelo site, conteúdo muito rico em informações.

    Clara do pienrao disse...

    Muito bom tudo que presisava

    Unknown disse...

    Ola!

    Parabéns pelo trabalho, muito didático. Seria possível saber os créditos das imagens, sobretudo à partir da 13 e seguintes.

    Obrigado.

    Leandro Vilar disse...

    Deri agradeço sua aprovação pelo meu trabalho.

    Quanto as imagens. As que consegui créditos (em geral as pinturas), eu coloquei o nome do autor e data. Todavia, muitas das imagens não consegui achar a autoria.

    Mas uma dica que lhe dou, algo simples, mas que somente descobri semana passada: é que o Google tem a opção de procurar por imagem.

    Sendo assim, escolha a imagem que você quer no artigo, clique com o botão direito, e no menu, lá em baixo haverá a opção "Procurar imagem no Google".

    O Google vai listar vários sites que contém essa imagem. Aí cabe a ti procurar se um deles contém os créditos.

    Unknown disse...

    Excelente trabalho de pesquisa!
    Recomendável a todos os que se interessam em conhecer um pouco mais sobre a Nossa História
    Jaime Moraes

    Fabio disse...

    Simplesmente o texto mais completo da internet sobre o assunto. Muito bem detalhado com todas as fontes da pesquisa. As imagens são espetaculares! Meus parabéns!! Continue com esse grande trabalho!! Adoro História e aprendi muito com seu esforço!! Aconselha a leitura de alguma obra sobre o Brasil Colônia para um maior aprofundamento ainda? Obrigado!!

    Leandro Vilar disse...

    Fábio obrigado por ter gostado de meu trabalho. Quanto a recomendações de obras sobre o Brasil Colônia; caso você se refira a temática da produção açucareira, recomendo os seguintes livros:

    Cultura e Opulência no Brasil
    A Civilização do Açúcar
    A economia colonial brasileira
    História Econômica do Brasil: 1500-1820
    História geral da agricultura brasileira no tríplice aspecto: político-social-econômico

    Bruno Fernandes disse...

    Mt bom esse artigo, muito obrigado🙏

    Unknown disse...

    Leandro Vilar, achei sua pesquisa maravilhosa. As imagens são excelentes. Vou utilizar parte de seu texto em minhas aulas, mas sempre, sempre mencionarei sua fonte.
    Obrigada

    Maria Augusta de Castilho

    Leandro Vilar disse...

    Maria Augusta, fico contente que tenha apreciado meu trabalho e que ele poderá ser usado como material didático em suas aulas. Agradeço a divulgação de minha pesquisa.

    Unknown disse...

    Excelente o seu trabalho de pesquisa, parabéns e sucesso.