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Leandro Vilar

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Uma tipologia dos estudos históricos: uma orientação para a pesquisa histórica

Alguns historiadores não gostam de debater o assunto que aqui abordei por considerarem muito amplo, complexo, difícil de classificar, etc. Mas creio que é interessante se debater sobre esse assunto, conhecer os tipos de história, eu não diria todos, pois não existe nenhuma lista que liste o que pode ou não pode ser interesse para o historiador. Logo, aqui preferi conceber uma lista própria mostrando algumas classificações que abarcam e orientam os estudos históricos, pois contar e estudar a História não é apenas falar datas, nomes e lugares, mas é construir uma cadeia de fatos, causas, hipóteses, argumentos, fontes, discursos, exemplos, datas, nomes, lugares, etc. 

Encaro este texto como uma tentativa de exibir ou construir um esquema que esboce essa tipologia, que possa orientar o público leigo, estudantes de história e até mesmo os historiadores e outros estudiosos. 

Introdução

Não irei adentrar o debate do que seria a História ou a sua serventia, isso é um debate amplo, difícil, complexo e polêmico, logo pretendo apresentar os tipos de história e comentar suas características e pontos de vista. Pois estudar a História é se trabalhar sobre uma "colcha de retalhos", neste caso, o historiador fia o "manto temporal", procurando através de seus "recortes" ir criando formas, ligando pedaços, criando estruturas, imagens, etc. O passado por si só não faz a História, o passado é desconexo, é o dever do historiador é encontrar coesão e racionalidade. 

Geralmente entendemos a História como a narrativa de eventos passados, narrar como era o mundo ao longo do tempo; explicar revoluções, guerras, descobertas, conquistas, etc.; explicar como eram as cidades, as leis, os governos, costumes, religiões, o pensamento, os modos, gestos, as artes, ciências, filosofia, etc. Contar como as pessoas viviam, o que faziam, o que pensavam, como estudavam, como imaginavam o mundo, o universo, o ser humano, etc. 

Sim, de fato tudo isso a História nos conta, e tudo isso forma a História, mas a ideia de tipologia que aqui quero apresentar, diz respeito a orientação da pesquisa histórica, ou seja, os assuntos, aspectos, questões que o historiador irá investigar. Qual é o tema da pesquisa de um historiador? Ou que ele procura investigar, analisar, criticar, resolver e explicar? Essa tipologia que apresentei serve de guia para orientar principalmente o público leigo que não esta familiarizado com a teoria da história, a ter noção de que existem várias formas de se realizar a pesquisa histórica, de se orientar em suas investigações e delinear temas e objetos de estudo. Pois como Jörn Rüsen mesmo dissera em seu livro História Viva, a história no campo da pesquisa é uma ciência.

Sendo assim, partamos para conhecer essa tipologia dos estudos históricos, lembrando que essa tipologia que aqui exponho é meramente teórica para uso metodológico do trabalho do historiador, mas todos esses tipos compreendem a História em si. Encaro esses tipos, gêneros ou áreas, como uma forma de delimitar a orientação dos historiadores em suas pesquisas e trabalhos, e ao mesmo tempo ressalvo que essa tipologia não é estática, ela é dinâmica, se entrelaça, se conecta com outros tipos. Um livro de história mesmo de caráter social, pode ter ligações com a economia, política, cultura, etc. 

1) História política: O tipo da história política é um dos mais antigos da historiografia, ou seja, desde tempos antigos as pessoas que escreviam sobre a História delineavam seu relato tendo como finalidade contar aspectos da organização dos Estados, das formas de governo, decisões políticas, manifestações, reivindicações, conceito de poder, direito político, cidadania, dever, etc. A história política gira em torno de algumas perspectivas, mas em geral possui como objetivo contar a história do ponto de vista político, remetendo as questões de poder, governo, representação, gestão, governamentalidade, etc. O livro Microfísica do Poder do filósofo e historiador francês Michel Foucault, aborda alguns aspectos dessa ideia de poder e seu uso. Embora sua obra seja mais de caráter filosófico do que histórico. 

"História política e convencionalmente definida como o estudo de todos os aspectos do passado que têm a ver com a organização formal do poder na sociedade que, para a maioria das sociedades humanas na história documentadas, significa o Estado". (TOSH, 2011, p. 70). 
  • História estatal ou história administrativa: Foca em narrar a organização dos Estados. Como eram suas divisões de poder, suas políticas de ação, a função de órgãos, funcionários, etc. Explicar como funcionava a democracia na Grécia Antiga, ou a república romana, ou o parlamentarismo na Inglaterra, são exemplos dessa categoria. Tal categoria também estuda como se dava a administração do governo, a aplicação das leis, cobrança de impostos, fiscalização, etc. Aqui também pode se estudar as relações diplomáticas com outros povos e nações, ou seja, a política externa. Tosh [2011] conta que o estudo da política externa dos Estados era chamado de história diplomática
  • História dos governos: Essa categoria procura explicar num sentido prático, teórico e filosófico a caracterização das formas de governo, por exemplo: democracia, tribalismo, aristocracia, oligarquia, tirania, monarquia, republicanismo, parlamentarismo, socialismo, comunismo, partidarismo, etc. Tendo em mente aqui que tais formas de governo também se aplicam a estudos sociais, econômicos e culturais. Livros como: O Príncipe de Nicolau Maquiavel, O Leviatã de Thomas Hobbes, O Espírito das Leis de Montesquieu, são obras que tratam os conceitos de governo, poder, administração, direito ao governo, etc. 
  • História das representações políticas: Aqui entendo o conceito de representação no intuito de referir-se as lutas políticas, as manifestações políticas, sejam passeatas, protestos, greves e até mesmo revoltas e revoluções. Estudar a organização de sindicatos trabalhistas, o movimento operário, o movimento rural, o movimento LGBTS, o movimento feminino, o movimento pela paz, etc., personificam organizações e ações que buscam defender direitos, causas, exigir reivindicações, etc. Neste âmbito também podemos inserir estudar os conceitos de cidadania, colono, súdito, servo, escravo, etc., tendo em mente partir para a análise destes conceitos de um ponto de vista político, ou seja como tais categorias eram representadas numa sociedade. Lembrando que tal categoria também pode ser analisada por uma óptica social, cultural, econômica, etc. 
  • História das ações políticas: Ações como declarações de guerras, declarações de paz, declarações de acordos, alianças, tréguas, embargos, plebiscitos, referendos, constituições, etc.; criação de governos, de colônias, de partidos, representações governamentais; divisões territoriais, imposição de leis, imposição de autoridade; movimentos revolucionários, golpes de Estado, ditaduras; sanções, proibições, banimentos, isolamentos, escândalos, corrupção, reformas políticas, etc. Encaro tudo isso como ações advindas do governo, dos próprios governantes e do próprio povo. 

2) História da guerra: A história da guerra é um dos gêneros históricos mais antigos que se tem notícia, de fato os renomados historiadores gregos, Heródoto de Halicarnasso (c. 484 - c. 425/420 a.C) e Tucídides (c. 470/460 - c. 400 a.C) ambos escreveram sobre guerras. No caso de Heródoto, dito o "Pai da História" este escrevera sobre as Guerras Médicas (492-491/480-479 a.C), confronto entre gregos e persas; por sua vez o livro de Tucídides batizado posteriormente com o título de História da Guerra do Peloponeso, trata da guerra homônima travada entre Atenas e Esparta e seus aliados. Um conflito que durou quase trinta anos, arruinando as cidades-Estados gregas. Mas, excetuando-se estes casos, em geral a história da guerra foi escrita mais por militares. 
  • História das batalhas ou "história combate": Aqui busca-se se estudar como as batalhas foram travadas, em outras palavras, a situação e a realidade no campo de batalha; as operações de guerra. Conhecer os números de tropas, a organização no campo de batalha, a estratégia utilizada, o cenário do confronto, etc. Existem livros sobre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial que visam este ponto de vista, contam como era a situação nos campos de batalha.
  • História militar: Neste caso ao invés de tratarmos da luta propriamente, estuda-se a organização das Forças Armadas ao longo da História. Como era organizado o Exército, a Marinha e mais recentemente a Aeronáutica. Como era a disciplina, as hierarquias, as promoções, obrigações, ordens, deveres, táticas de batalha, instrução, formação, etc. 
  • História das armas e equipamentos: Estuda o desenvolvimento das armas e equipamentos militares, dessa forma pode-se ter ciência de como eram travadas as batalhas em determinadas épocas, como eram organizadas as tropas, como era feito o treinamento e elaborado as estratégias, etc. 
  • História das fortificações militares: Indo para um lado arquitetônico, essa categoria estuda como era a estrutura e a construção de fortes, fortalezas, redutos, bases, acampamentos, trincheiras, etc. 
  • História da filosofia militar ou história da arte da guerra: A guerra é vista de formas diferentes entre as sociedades e povos ao longo do tempo. Nessa categoria procura-se estudar como ela era aceita por determinada sociedade, como eram os ritos a ela ligado; a influência na sociedade e na cultura daquele povo. Os rituais de iniciação, de masculinidade; a caça, o sacrífico humano de inimigos, etc. O livro Uma história da guerra de John Keegan, aborda alguns deste aspectos entre outros. 
3) História demográfica: Tal tipo ou gênero é recente, começou a se desenvolver propriamente no século XX, embora que ainda tenha seu prenúncio no século XIX com estudos demográficos e geográficos. Ainda hoje é um campo pouco explorado, embora bastante importante. A história demográfica visa estudar o desenvolvimento e a variação populacional, para isso o historiador ou o pesquisador passa a se embasar em muitos dados quantitativos e estatísticos dependendo dos seus objetivos. Os historiadores e pesquisadores que estudam este tipo, devem ter conhecimento de estatística, probabilidade, e saber lê gráficos, dados qualitativos e quantitativos, etc. 
  • Estudo das migrações: Nesta categoria analisa os fluxos migratórios intermunicipais, interestaduais e entre países, como forma de delinear motivos externos e internos para o aumento ou a diminuição de número de indivíduos ou famílias que se descolam por tais lugares. Nessa categoria também se associa várias outras questões como índices de desemprego, qualidade de vida, violência, etc. Aqui também pode-se estudar os grupos nômades e seu modo de vida.
  • Estudo dos índices demográficos: Aqui estuda-se os índices de analfabetismo, escolaridade, qualidade de vida, natalidade, mortalidade, desemprego, envelhecimento populacional, violência, matrimônio, divórcios, etc. 
  • Estudo dos perfis sociais: Embora também esteja ligado a história social, urbana e cultural, no caso da demografia procura-se entender como as zonas urbanas e rurais se tornaram centros para o desenvolvimento residencial, comercial, industrial, etc. Porque num certo bairro moram apenas ricos, e em outros apenas pobres, quais foram os fatores que levaram a isso? Onde são o bairros que moram o maior número de negros, indígenas, brancos, estrangeiros? Qual é o bairro que possui o maior número de católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, etc? A ideia de perfil social, é conhecer essas identidades e divisões sociais. 

4) História urbana: Também chamada de história das cidades visa estudar o desenvolvimento dos centros urbanos ao longo da História. Tal tipo está associado aos estudos sociais, culturais, demográficos, econômicos, etc. Inicialmente tal categoria surgiu mais voltado para se estudar o desenvolvimento urbano na Antiguidade, mas hoje já pode-se estudar todos os períodos históricos, até mesmo o próprio presente. Na história urbana dependendo da época que irá se estudar, procura-se conhecer os fatores que levaram ao surgimento e ao crescimento dos centros urbanos, para assim poder se analisar questões que implicam em sua estrutura e organização social.
  • Formação dos núcleos urbanos: Tal categoria está mais relacionada com o surgimento das cidades, onde procura-se conhecer o nível tecnológico de determinadas sociedades para poder ter desenvolvido o sedentarismo, pois as cidades começaram a surgir quando os grupos humanos passaram a se sedentarizar em determinado local, criando acampamentos, que se tornaram vilas para depois crescerem virando cidades. O desenvolvimento agrícola fora um dos principais fatores para esse sedentarismo, ao mesmo tempo, outros fatores como a abundância de caça, pastos, pesca, madeira, barro, pedras, etc., nas redondezas, não levava a constantes migrações e ao mesmo tempo fornecia matéria-prima para a construção das casas e demais estabelecimentos, como também no desenvolvimento de uma produção familiar e comercial. Outro fato que implica neste estudo diz respeito a paisagem, a flora, a fauna e ao clima, pois sã fatores importantes como brevemente salientado, para se compreender os motivos da escolha de tais locais para a fixação de determinados grupos.
  • Organização social: Essa categoria assimila-se aos estudos de perfis visto na história demográfica, onde procura-se compreender e identificar o arranjo populacional nas área urbana. Onde viviam os ricos, a classe média, a classe baixa, estrangeiros, etc. Onde se concentram os centros comerciais e industriais de forma a se entender o impacto destes locais sobre a vida urbana. Ruas que concentram escritórios, concentram mercados, concentram lojas de roupa, varejo, serviços públicos, etc. Localização de indústrias em perímetro residencial, e o impacto que isso causa na vida local, etc. Aqui estuda-se também aspectos administrativos, econômicos e culturais. 
  • Organização física: Estuda-se a organização do espaço físico, ou seja, como estavam organizadas as comunidades, vilas, cidades, etc., onde ficavam localizadas as residências, mercados, indústrias, lojas, prédios do governo, prédios de utilidade pública; organização das ruas, praças, pontes, meios de transporte, etc. Neste âmbito também estuda-se urbanismo, arquitetura, engenharia e até design. 
  • História do urbanismo: Como o título sugere, o foco dessa categoria é estudar o surgimento e desenvolvimento do urbanismo.

5) História econômica: Tal tipologia visa estudar o desenvolvimento das relações e estruturas econômicas ao longo da História e seu impacto sobre a sociedade e a cultura. Os historiadores que trabalham com economia, visam analisar distintos aspectos da sociedade tendo como base investigar as relações de divisão do trabalho, administração, prestação de serviço, finanças, comércio, consumo, produção, impostos, etc. Estuda-se também as formas de organização, distribuição e financiamento da produção; a distribuição das rendas; as crises econômicas, transição de modelos econômicos, o desenvolvimento tecnológico, o papel do Estado na economia, política econômicas, etc. 


O campo dos estudos históricos econômicos é bem abrangente. Originalmente estava ligado a história política, mas no começo do século XX começou a se separar deste campo, tornando-se uma área própria de estudo. Tosh [2011] fala que tal tendência começou na época da Primeira Guerra Mundial, onde alguns historiadores procuram investigar as causas da guerra a partir de problemas econômicos ligado com mudanças na dinâmica política imperialista, vigente no começo do século. 


Prost [2008] conta que das décadas de 30 a 50 os trabalhos e pesquisas do historiador francês Ernest Labrousse (1895-1988) estiveram em alta. Labrousse embora fosse de vertente social, especializou-se em história econômica, algo bem retratado no cenário da época, onde os franceses e americanos mesclavam esses estudos.

Todavia, deve-se ressalvar que Economia não é a mesma coisa que história econômica, embora ambos tratem de assuntos  em comum e trabalhem com estatísticas, gráficos, tabelas, etc., as duas áreas são distintas em teoria, método e propósito. Hoje, em dia muitos cursos de História não oferecem disciplinas de história econômica, estando tal área mais associada ao curso de Economia. 
  • História das estruturas econômicas: Nessa categoria procura-se estudar as características das estruturas e modelos econômicos, por exemplo: a escravidão na Antiguidade e na Modernidade; o Feudalismo; o Mercantilismo; a Revolução Industrial, o Capitalismo, o Socialismo, etc. A ideia é analisar as características destas estruturas e seu impacto na sociedade e cultura na História. De fato, alguns historiadores preferem trabalhar estes ramos de forma separada, pois existem livros específicos apenas para o capitalismo, como para a Revolução Industrial, a escravidão, etc. O historiador francês Fernand Braudel escreveu um volumoso trabalho dividido em três volumes, intitulado História do Capitalismo: do século XV ao XVIII (1979). 
  • História comercial ou história do comércio: Aqui o foco é compreender o desenvolvimento do comércio, envolvendo as relações de trabalho, produção, consumo, desenvolvimento tecnológico, sistema monetário, ideia de mercado, transporte, armazenamento, leis mercantis, etc. Ao mesmo tempo também se pensa no impacto do comércio para o desenvolvimento social e em outros aspectos. 
  • História financeira: Aqui estuda-se a parte financeira propriamente falando. Desenvolvimento de leis e estruturas monetárias, criação de impostos, fiscalização, lucro, juros, bancos, taxas, bolsas de valores, investimento, dívidas, cobranças, contabilidade, administração, receita, capital de giro, etc. 
  • História do pensamento econômico: Neste caso tal categoria visa estudar o desenvolvimento do pensamento econômico e suas teorias e modelos. Como a economia era pensada, estudada e trabalhada ao longo do tempo. Os livros A Riqueza das Nações (1776) de Adam SmithPrincípios da economia política e tributação (1817) de David Ricardo, O Capital (1867) de Karl Marx e As consequências econômicas da paz de John Keynes, são algumas das obras importantes sobre o pensamento econômico. 
  • História das relações de produção e consumo: Aqui estuda-se a produção agrícola, pecuarista, o extrativismo, a manufatura, a industrialização, etc. No aspecto do consumo estuda-se o desenvolvimento do consumo por determinados objetos, matérias, produtos, alimentos, serviços, e como isso molda a sociedade, os costumes e o próprio mercado. No livro Uma história da riqueza do homem de Leo Huberman, esse aborda alguns destes aspectos, embora também trate da teoria econômica e outras questões mencionadas aqui. 
6) História do trabalho: As vezes é associada como uma categoria da história social, da história econômica e até mesmo está relacionada a história cultural. Por outro lado, alguns consideram como sendo uma tipologia com fundamento próprio. Neste caso preferi considerar a história do trabalho como um tipo e não uma categoria subsidiada a outro tipo.
  • História do pensamento sobre o trabalho: Aqui estuda-se as noções históricas e filosóficas de como foi construído o pensamento por trás de definir a necessidade de se trabalhar; como as sociedades e culturas enxergavam e enxergam o ato e a necessidade do trabalho. Por exemplo, os gregos e romanos antigos consideravam o trabalho braçal ou mecânico algo humilhante, enfadonho, desonroso, daí os escravos fazerem o trabalho pesado e os afazeres domésticos. De fato tal visão foi compartilhada com a nobreza em vários cantos do mundo, e na Modernidade revivida com a escravidão negra no Ocidente. Os nobres mandam, e a plebe obedece e executa. Nos séculos XIII ao XVII na Europa a figura do mercador se tornou algo admirável e respeitoso. Nos séculos XIX e começo do XX, o industrial, era um modelo de bom trabalhador, enquanto os operários eram massacrados pela excessiva cobrança de seus afazeres. O Marxismo é uma corrente de pensamento que estuda o trabalho neste aspecto. Além disso, tal categoria também pensa a opinião da sociedade sobre determinados empregos; como as sociedades enxergam por exemplo o ofício de professor, policial, médico, advogado, agricultor, pedreiro, escritor, empresário, empregada doméstica, comerciante, etc.
  • História das relações de trabalho: No segundo aspecto, estuda-se as relações de trabalho: escravidão, servidão, trabalho assalariado, prestação de serviço, trabalho informal, terceirização, trabalho rural, trabalho industrial, etc. Quais são as características destas formas de trabalho e sua influência na economia, sociedade, cultura, cotidiano, política, etc.
  • História do movimento trabalhista: Estuda-se o desenvolvimento das leis trabalhistas, direito dos trabalhadores, greves, sindicatos, ligas, exploração do trabalhador, desvalorização do trabalhador, protestos, revoltas, revoluções, etc. 

7) História social: Tal tipo ou gênero hoje é bastante influente e cresceu muito ao longo do século XX. Embora as raízes da história social remontem a pelo menos o século XVIII na Europa com os trabalhos de alguns filósofos, o gênero só começou a se desenvolver no começo do século XX, apresentado-se como uma ruptura com a tradicional história política que focava o papel do Estado, dos soberanos e dos grandes líderes e heróis da História. Neste caso, a história política tradicional até o século XIX estudava a História "a partir de cima", o olhar daqueles que estavam no controle, no poder. Uma das propostas da história social era romper com essa tradição, e passar a enxergar as diferentes camadas da sociedade, e ao mesmo tempo abrindo espaço para dá importância a aspectos econômicos e culturais, e as relações intersociais e pessoais. A história é uma narrativa de "sociedades" ou como dissera Marc Bloch, de "indivíduos em sociedades" e não apenas de indivíduos, pois neste caso temos as biografias. 

A história social começou a ganhar forma principalmente na França com a fundação da Revista Annales d'histoire économique et sociale, criado em 1929 pelos historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre. Nesta mesma época e até anteriormente já existiam revistas que procuravam evidenciar a história social, e ao mesmo tempo propor novos métodos de pesquisa, afastando-se do metodismo e do positivismo, vigentes no século anterior, os quais para parte da academia francesa já se mostrava ultrapassados. Posteriormente os ingleses, alemãs e americanos também propuseram rupturas com o tradicionalismo da história política. Os ingleses criaram a chamada História Social Inglesa, os americanos propuseram a Nova história econômica

A revista dos Annales se tornou um marco ao ponto de desenvolver a chamada "Escola dos Annales" onde aqui não se trata de uma escola propriamente, mas numa corrente de pensamento e pesquisa, desenvolvido pelos editores e pesquisadores desta revista que ainda hoje é publicada, embora com nome diferente. Nos anos 40 ao 60, Fernand Braudel o qual dirigiu a revista, também deu uma nova sobrevida para os estudos sociais, e nos anos 70 começou a surgir o chamado movimento da "Nova Historia" e da "Virada cultural", no que levou a uma reinterpretação dos estudos sociais históricos e do reconhecimento da história cultural. Jacques Le Goff, Pierre Nora, Emmanuel Le Roy, Gustave Duby, Marc Ferro, Jacques Revel, foram nomes de destaque na "Escola dos Annales". Entre os anos 60 ao 80. 

Na vertente inglesa, historiadores como Edward P. Thompson, Christopher HillEric J. Hobsbawm e Peter Burke se destacaram a partir dos anos 60 para cá, dando novas contribuições para os estudos sociais históricos. 

Também não podemos deixar de considerar as contribuições de outros historiadores como Michel de Certeau e Roger Chartier, como também o filósofo Michel Foucault e o antropólogo Claude Lévi-Strauss. No Brasil tivemos o historiador Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior (embora este tenha dado enfoque também ao lado econômico), José Antonio Gonçalves de Mello, os sociólogos Gilberto Freire e Florestan Fernandes, etc. 

A história social junto a história cultural são os gêneros mais abrangentes dos estudos históricos. As possibilidades de pesquisa e temática são amplas, e conseguir definir suas categorias não é algo fácil e claro. Mas tentei realizar uma ideia geral do que se pode estudar através da história social.
  • História das classes sociais: Nesta categoria estuda-se a formação das classes sociais, como a divisão de afazeres, direitos, deveres, etc., levou as sociedades a criarem classes, de forma a reconhecerem diferenças entre os membros de uma sociedade. A ideia de "luta de classes" desenvolvida pelos marxistas debate muito este ponto de vista, considerando que os processos históricos se desenvolveram mediante a esse embate entre as "classes oprimidas" contra as "classes opressoras". A classes sociais também são estudadas de um ponto de vista cultural. O livro A Sociedade Feudal (1939) de Marc Bloch analisa alguns destes aspectos na Idade Medieval.
  • História dos movimentos sociais: Aqui vemos uma relação aos movimentos políticos, embora que ambos em determinados momentos se mesclam e ficam difíceis de se separar. O movimento trabalhista, movimento feminino, movimento LGBTS, movimentos por justiça, direito, etc., movimentos de combate a exploração sexual, exploração do trabalho, movimento contra corrupção; reivindicações para melhores condições de vida, etc. São temas de análise desta categoria. 
  • História do cotidiano: Tal categoria também mescla-se com estudos culturais. Aqui procura-se entender as estruturas, padrões, representações e práticas do cotidiano, ou seja, os hábitos de vida, o modo de se viver. O foco é conhecer as interações interpessoais, como as pessoas se comportam na rua, nos ambientes de trabalho, estudo, em locais públicos, etc. Tais aspectos ajudam a analisar as relações entre as classes, entre as pessoas, a economia, o governo, a cultura, etc. 
  • História "vista de baixo": O historiador britânico Edward P. Thompson certa vez enfatizou que havia necessidade de se estudar o ponto de vista das classes baixas, entender seus modos de vida, práticas, ideias, representações, anseios, esperanças, etc. Seu famoso livro A formação da classe operária inglesa procurou estudar as características do modo de viver dos operários ingleses e suas famílias. Os historiadores que estudam tal categoria procuram construir relatos que abordem fatos históricos tendo como ponto de vista as classes baixas, as ditas "pessoas comuns", contando a história delas. Algo que Hobsbawm também chamou a atenção. Ao mesmo tempo estuda-se aspectos da chamada "cultura popular" e de outros segmentos sociais: estrangeiros, comunidades negras, indígenas, religiosas, etc. 
  • História das mentalidades: Tal categoria também associa-se a história cultural, embora hoje há dúvidas entre alguns historiadores se tal categoria deva permanecer na história social ou migrar para a história cultural. A história das mentalidades como sugere o nome procura estudar as representações sobre atos, gestos, dizeres, opiniões, pensamentos, etc. Como as pessoas, grupos e sociedades encaram determinadas ideias, como foi o caso visto no livro Os rei taumaturgos (1924) de Marc Bloch onde entre alguns objetos de estudo, ele estudou a visão da sociedade francesa e inglesa em relação a ideia de que os reis possuíam poderes curativos. No livro Uma história do medo no Ocidente: 1300-1800 o historiador Jean Delumeau procurou investigar e analisar como as pessoas pensavam, encaravam e conviviam com o medo. Peter Burke lançou dois livros intitulados Uma história social do conhecimento onde procura estudar o desenvolvimento da mentalidade sobre o conhecimento ao longo da Idade Média até o presente. Como as pessoas interpretavam e interpretam o desenvolvimento dos meios de comunicação, que auxiliam na difusão ao acesso ao conhecimento. Como se dava o reconhecimento a importância de se estudar, de difundir informações, de se pesquisar, etc. A história das mentalidades também estuda as ideologias.
  • História das identidades: Aqui também há uma mescla com os estudos culturais, onde procura-se investigar e estudar o desenvolvimento de comportamentos e representações que levam os indivíduos a se identificarem a determinado grupo, sociedade e cultura. Como se desenvolvem a convivência entre distintos grupos sociais e seus hábitos e costumes na sociedade; o que leva uma pessoa adotar uma religião, ou escolher ser um ateu, ou ingressar numa sociedade secreta; o que leva o surgimento de grupos como os punks, hippies, emos, góticos, "roqueiros"; criação de fã clubes, etc. Como tais grupos se reconhecem na sociedade que habitam, como pensam, como agem, o que fazem, etc. A história das identidades também relaciona-se com o reconhecimento étnico e patriótico dos indivíduos. 

8) História natural: Hoje tal categoria está praticamente em desuso, de fato não conheço nenhuma obra contemporânea que diga ser de história natural. Embora esteja em desuso mencionarei aqui tal categoria que entre os séculos XV e XIX foi amplamente utilizada. A história natural era um termo genérico para se referir aos "estudos da natureza", o que englobava nesse período a botânica, geologia, zoologia, anatomia, astronomia, química, física, paleontologia, arqueologia, geografia, meteorologia, etc. De fato, os estudiosos dessa área não se chamavam de historiadores, mas de naturalistas ou de filósofos da natureza. Hoje em dia já não se pensa mais assim. Cada saber mencionado aqui, hoje é uma ciência própria. Além disso, não podemos confundir a história natural com a atual história da ciência. 


9) História ambiental: Este gênero é recente, e não deve ser confundido com a história natural. A história ambiental começou a se desenvolver no século XX com a necessidade de conceder atenção ao papel do meio-ambiente no desenvolvimento das sociedade humanas e na influência no modo de vida. A tecnologia e a economia são fatores analisados pela história ambiental para compreender como as sociedades se relacionavam com o meio-ambiente. Aspectos culturais também podem ser utilizados para realizar esse estudo de interrelacional  A ecologia é uma área que também possui influência nestes estudos. 

Tal tipo ou gênero pode-se estudar por um viés cultural ou social, onde-se procura-se analisar como o ser humano moldou a paisagem do planeta para se adequar as suas necessidades e interesses. Ao mesmo tempo estuda-se também as consequências negativas destas mudanças, chamadas de impactos ambientais. Fernand Braudel em seu famoso livro O Mediterrâneo e Mundo Mediterrâneo na época de Filipe II, nos três volumes desta obra, Braudel procurou estudar os séculos XV e XVI tendo como principal foco a região do Mar Mediterrâneo e a relação de dependência e necessidade de alguns povos que habitam a sua costa, para finalmente tratar de aspectos do rei espanhol Filipe II. Braudel nesta época cunhou o termo "geo-história", o qual basicamente procurava mostrar essa relação de convivência e dependência entre o homem e o meio-ambiente, onde alegava que o ambiente molda certos aspectos da sociedade, do modo de vida e da cultura.

No livro Paisagem e Memória do historiador britânico Simon Schama, o mesmo procurou estudar a relação do meio-ambiente com aspectos sociais e históricos. O foco de seu estudo se dá sobre a paisagem natural da Polônia e da Lituânia, terra de seus avós. Schama procurou mostrar como era a relação dos poloneses e lituanos com a floresta, com a caça, os rios, etc., como as florestas foram desmatadas devido a expansão da madeireiras e o crescimento do mercado de madeira no séculos XVIII e XIX. Como a população utilizou as florestas e campos para se esconder e lutar contra invasores, como os alemãs e russos, etc. Neste seu longo livro Schama mostrou que pode-se estudar a história unindo-a a paisagem natural, pois geralmente estuda-se a história tendo em mente a paisagem urbana e a chamada "paisagem cultural". 

O militar, escritor, engenheiro, jornalista e historiador brasileiro Euclides da Cunha em seu famoso livro Os Sertões (1902), ele ao relatar a Guerra de Canudos (1896-1897) ocorrida no arraial de Canudos no sertão da Bahia, antes adentrar a relatar o conflito no qual foi testemunha, Euclides realizara uma longa e exaustiva descrição geográfica, a relacionando com o modo de vida do sertanejo. Embora Os Sertões seja considerado como um romance, Euclides antes do surgimento da história ambiental, já havia conotado certa atenção a influência do meio-ambiente no modo de vida. 

10) História da arte: Hoje alguns historiadores consideram a hipótese de considerar a história das artes como uma categoria da história cultural, contudo vejo que este campo além de ser relativamente antigo e bastante vasto, daí o considerá-lo como um gênero próprio. A história da arte ou história das artes, começou a surgir no Renascimento italiano por volta do século XV, onde artistas, filósofos e outros estudiosos renascentistas passaram a se interessar pela arte greco-romana. Tal interesse os levou a conhecer e estudar os antigos estilos artísticos de pintura, escultura, cerâmica, desenho, arquitetura, literatura, teatro, etc.

Foi a partir deste interesse que a história das artes começou a se desenvolver. Nos séculos seguintes da Modernidade a história das artes e o seu estudo foi se consolidado, através das chamadas escolas de belas-artes, academias de artes, ateliês, etc. No século XX tal gênero se expandiu ainda mais, indo além da chamada arte clássica, medieval europeia cristã, moderna e contemporânea. 


Pois do Renascimento até os anos 50 do século XX a história da arte meio que seguia um caminho que dava foco aos estilos artísticos europeus. No entanto, passou-se a vê a necessidade de ampliar estes horizontes, e ir estudar a arte em outros continentes ao longo da História. Arte egípcia, viking, árabe, persa, chinesa, indiana, japonesa, suméria, fenícia, hitita, babilônia, etrusca, asteca, maia, inca, arte rupestre, etc. 


A arte é entendida como uma forma de expressão, representação, personificação, pensamento, etc., da cultura humana. A arte em si é uma forma de cultura. E entender a cultura é compreender aspectos de uma sociedade. A história da arte não se preocupa apenas em estudar as técnicas de pintura e os estilos artísticos, mas a relevância, relação e impacto das artes nas sociedades. 

  • História da arte sacra ou sagrada: Inicialmente este estudo focava apenas a chamada arte cristã ou cristianizada. O foco para este estudo surgiu com base nos estilos artísticos medievais. Contudo, hoje entende-se a arte sacra não apenas vinculada ao Cristianismo, mas a qualquer religião, onde a arte esteja relacionada de forma a retratar, representar e personificar preceitos religiosos. 
  • História das artes cênicas: Estuda os distintas interpretações da performance humana. Antigamente as artes cênicas estavam apenas associadas ao teatro, mas hoje considera-se nesta categoria inclusa a ópera, o circo e alguns tipos de dança. Pois essencialmente o cênico aqui está relacionado com uma ideia de "palco", que não refere-se ao tradicional palco teatral. 
  • História do cinema: Aqui estuda-se o surgimento e desenvolvimento da sétima arte e sua influência cultural e social. 
  • História da teledramaturgia ou telenovela: Aqui não se deve confundir com a história da televisão, mas sim estudar-se a história das telenovelas. A história da televisão faz mais parte da história cultural. 
  • História da dança: Estuda os diferentes estilos de dança e sua relevância para distintas sociedades ao longo da História, onde-se encara a dança não apenas como uma arte, mas um trabalho, diversão e até mesmo ligado a formas de expressão cultural, social e particular. A dança também é estudada com sua ligação a algumas religiões e ritos. 
  • História da música: Estuda o desenvolvimento dos estilos musicais ao longo da História e sua relação com a sociedade, a cultura, a religião, e outros aspectos da vida. Embora a música seja algo bastante antigo, sua importância para além do campo artístico começou a se desenvolver a partir do século XX, principalmente devido a chamada música clássica, a qual levou os historiadores e outros pesquisadores a darem importância a música não apenas como elemento cultural, mas social e até histórico. 
  • História das artes plásticas: Essa categoria abrange vários aspectos da Arte: pintura, desenho, gravura, escultura, colagem, fotografia, serigrafia, etc. É uma das categorias mais estudadas, e de fato foi a partir destes estilos que começou os estudo histórico das artes.
  • História arquitetônica: A arquitetura também é considerado um estilo artístico, de fato já estuda-se a arquitetura como uma influência estética, além de funcional. 
  • História da literatura: A história da literatura é um campo abrangente, pois além de estudar as diferentes formas literárias, estuda-se também o desenvolvimento das escolas literárias e até mesmo da teoria literária. 
  • História da moda: Tal categoria está associada com a concepção de que a moda é uma forma de arte, e ao mesmo tempo estuda-se a relação das vestimentas com a cultura. Algo que será explorado adiante. 
  • História da arte animada e digital: Arte animada aqui entende-se os desenhos animados, captura de movimento, fantoches, slow-motion, claymation, animação digital, etc. No quesito arte digital, além das animações digitais, temos os jogos eletrônicos ou videogames. Nos Estados Unidos existem historiadores culturais que estudam a chamada "história dos videogames". 
  • História dos estilos artísticos ou escolas artísticas: Aqui estuda-se os estilos artísticos da Antiguidade a Contemporaneidade. estilo clássico, estilo gótico, estilo renascentista, Maneirismo, Barroco, Rococó, Romantismo, Realismo, Parnasianismo, Surrealismo, Modernismo, Cubismo, Impressionismo, Dadaísmo, Pop Art, etc., são estilos ou escolas que marcaram não apenas as artes plásticas, mas até influenciou a moda, a literatura, dança, teatro, cinema, etc. 

11) História da saúde: A preocupação com a saúde pública foi quem de fato começou a levar ao interesse de se estudar a história da saúde. Embora a preocupação coma saúde date a bastante tempo, nem sempre os Estados se preocuparam com a saúde de seu povo. O filósofo e historiador Michel Foucault mostrou que foi na Idade Moderna que alguns Estados, no caso tendo como foco a Europa, começaram a apresentar preocupação com a saúde pública e o bem-estar da população. 

No entanto, foi apenas a partir do século XX que se firmou de fato uma noção de se estudar a história da saúde. Antes disso, já na Modernidade alguns estudiosos desenvolveram trabalhos para se estudar a saúde pública, a medicina, as práticas de prevenção e tratamento, o sanitarismo, etc. No entanto, o campo da história da saúde é algo que está em crescimento em alguns países, como é o caso do Brasil, onde já existem grupos de pesquisa que estudam o desenvolvimento da saúde pública brasileira do período colonial até os dias presentes.

  • História da medicina: O estudo visa analisar o desenvolvimento da medicina e das práticas médicas ao longo da História, que levaram ao surgimento dessa, tendo em mente também estudar práticas de curandeirismo e de medicina alternativa e popular, pois estas também influenciaram no desenvolvimento das ciências médicas. Aqui também estuda-se o desenvolvimento de equipamentos e aparelhos médicos, como técnicas médicas, o tratamento de doenças, assim como o desenvolvimento de clínicas, hospitais, etc. 
  • História da saúde pública: O objetivo dessa categoria é estudar as políticas públicas sobre a saúde, sanitarismo, orientação da população para a prevenção e tratamento de doenças, etc. Avaliando também como tais políticas foram aplicadas, seus resultados, a influência sobre a vida e o cotidiano da população, como também a reação da população sobre tais medidas. Estuda-se também o impacto de epidemias sobre a população.
  • História dos hábitos de higiene: Aqui estuda-se a os hábitos de higiene pessoal: tomar banho, lavar as roupas, cortar os cabelos, fazer a barba, depilação, cortar as unhas, etc. A partir desse estudo podemos conhecer os costumes e modos dos povos ao longo da História e ao mesmo tempo ter noção de como eles enxergavam tais hábitos os quais eram fatores para que doenças proliferassem devido a falta de higiene.
  • História sobre os hábitos de vida: Diferente da categoria anterior onde estuda-se apenas os hábitos de higiene, aqui estuda-se o modo de vida, ou seja, quais são os hábitos de vida de uma população, no que infere em dizer que a partir de tais hábitos isso pode gerar problemas de saúde. A ideia aqui não é escrever um trabalho de medicina, mas um trabalho histórico para se conhecer como era a alimentação entre alguns povos, como era o costume de praticar exercícios físicos, de manter-se limpo, de ter cuidado na preparação dos alimentos, de procurar evitar em andar e morar em locais sujos, etc. Como as pessoas encaravam o alcoolismo, o tabagismo, o consumo de drogas, o consumo de comidas nocivas, o uso de substâncias de forma indiscriminada, etc.  
  • História sobre a representação das doenças: Essa categoria está associada a história cultural. Aqui estuda-se a visão social e cultural acerca de determinada doença. Como as pessoas tratavam determinada doença e o enfermo; como se pensava que a doença era transmitida, como se pensava a causa da doença, etc. Michel Foucault em seus livros, Doença Mental e Psicologia (1954), História da loucura na Idade Clássica (1961), Nascimento da Clínica (1963) e em outros de seus trabalhos ele estuda como algumas doenças eram vistas em determinadas época, e como tais sociedades tratavam estas doenças e os seus doentes. No livro Uma história do medo no Ocidente de Jean Delumeau, o autor estudou a representação cultural medieval e moderna que se tinha sobre a peste negra.    

12) História da educação: Tal gênero surgiu como uma disciplina nos cursos de Pedagogia durante o século XX, no entanto, a medida que o interesse por essa disciplina cresceu, os cursos de História e de outras licenciaturas começaram começaram a ofertar disciplinas sobre a história da educação e a iniciar grupos de pesquisa. No Brasil em 1999 foi criada a Sociedade Brasileira de História da Educação. No entanto, em países como Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, etc., já há pelo menos desde os anos 50 ou 60 estudos em referência ao desenvolvimento do ensino. No Brasil tais estudos existem desde os anos 60, tendo na figura do filósofo e pedagogo Paulo Freire (1921-1997) um de seus maiores expoentes. A história da educação em alguns países como o Brasil, é uma área em crescimento de pesquisas. 
  • História do ensino (ou aprendizado, instrução, formação): Estuda-se o desenvolvimento do ensino desde épocas remotas até os dias presentes. Como ao longo do tempo, diferentes povos e culturas transmitiram o seu conhecimento. Devendo ter em mente que aqui estuda-se o ensino não apenas ligado a escolas, academias, universidades, etc., mas o ensino em sociedades ágrafas, tribais, sem escolas, etc. Procura-se entender como o conhecimento era transmitido, quem eram os professores, etc. Estuda-se também as atuais formas de ensino, como o ensino técnico, educação do campo, ensino inclusivo, ensino especial, ensino a distância, etc. A pedagogia e a filosofia aqui também são estudadas para se com prender o ensino.
  • História curricular: Aqui estuda-se o desenvolvimento dos currículos das instituições de ensino, de forma a se conhecer as disciplinas ensinadas, os conteúdos passados, a didática, os objetivos de formação, etc. Estuda-se também não apenas o currículo que estrutura as disciplinas e conteúdos, mas o currículo que estabelece regras e deveres para os professores e alunos, assim como uma disciplina de trabalho e estudo. 
  • História das instituições de ensino: Essa categoria é mais específica, pois o foco se dá apenas nas sociedades que criaram instituições de ensino: academias, ginásios, escolas, oficinas, ateliês, universidades, laboratórios, bibliotecas, faculdades, etc. Como tais instituições surgiram, se desenvolveram, se organizavam, etc. 
  • História do magistério ou docência: Aqui o foco é estudar o ofício do professor. Como surgiu as profissões de professor, mestre, educador, tutor, etc. Profissões ligadas ao ensino e instrução. Ao mesmo tempo, estuda-se também o fato que em algumas sociedades não havia tal profissão, mas alguém daquele grupo era encarregado de ensinar, de transmitir o conhecimento e saberes de seu povo. O desenvolvimento da didática também é um fato aqui investigado. 
  • História do livro didático e material didático: Com a regulamentação das instituições de ensino, livros passaram a serem utilizados para o ensino, até que criou-se livros e materiais específicos para o ensino de cada série e idade, assim surgiam os livros didáticos e os materiais didáticos. O foco dessa categoria é estudar o desenvolvimento de tais livros e materiais, o seu uso no ensino, seu papel para a docência e o aprendizado dos alunos, etc. A historiadora brasileira Circe Bittencourt possui vários trabalhos ligados a educação, ensino e ensino de história. Alguns de seus trabalhos são referências no país. 

13) História das mulheres: Foi a partir dos anos 70 com as mudanças vistas na história social e a reafirmação da história cultural que a chamada história das mulheres começou a surgir. No entanto, alguns historiadores preferem considerar a história das mulheres como uma categoria da história social ou da história cultural. Mas, hoje eu encaro que essa não seja mais uma categoria, mas um gênero próprio.

A história das mulheres surgiu como parte do interesses de movimentos feministas e da preocupação de estudiosas em "escapar" da ideia de que as mulheres não tiveram importância na História, que foram apenas os homens os responsáveis pelo desenvolvimento das sociedades, saberes, civilizações e culturas. A história da mulher é uma forma de reinterpretar a História, agora dando maior atenção ao papel feminino na sociedade, na cultura e na própria História. Hoje não é encarado como um ato de rebeldia, mas como um direito e uma perspectiva.  

  • História do lugar da mulher na sociedade: Aqui estuda-se qual era o papel e o lugar das mulheres nas sociedades antigas até o presente. Quais eram os deveres legados a elas, seus afazeres tanto domésticos e fora de casa. A relação das mulheres com a família, os maridos, a sociedade, a guerra, o poder, a política, o ensino, as artes, as ciências, etc. 
  • História do direitos das mulheres: O foco é estudar como as mulheres conquistaram seus direitos, no que levou hoje a sua igualdade perante os homens, ou pelo contrário as diferenças que ainda se mantem em determinadas sociedades e culturas. O reconhecimento das mulheres a cidadania, a poder exercer cargos políticos, exercer determinadas profissões antes legadas apenas aos homens, o direito ao voto, direito a maternidade, direito ao aborto, etc.
  • História do movimento feminista: Essa categoria restringe-se mais as distintas facetas do movimento feminista pelo mundo, como tais grupos se desenvolveram, se organizam; quais são as propostas que defendem, as reivindicações que cobram do governo, etc. 
  • História sobre a representação feminina: Estudar as concepções e representações sociais e culturais sobre a mulher. Como a mulher era enxergada diante de determinados povos e culturas. O lado religioso das mulheres, o culto a Deusa-mãe e o culto a deusas e outras divindades femininas. A mulher como personificação da maternidade e da esposa. A mulher como guerreira. A personificação de pureza, de castidade, de beleza, de inspiração, de sexualidade e até de tentação e do mal. Pois, em algumas sociedades as mulheres foram associadas a tentação que corrompem os homens, e ao mal (bruxas, feiticeiras, demônios, monstros, etc.). 

14) História cultural: O gênero da história cultural hoje é um tanto problemático de se tratar quando se diz respeito a definir os seus limites de investigação. O historiador britânico Peter Burke em seu livro O que é história cultural? uma das melhores obras sobre o tema, nos explica como é difícil definir o que seria cultura. Pois na essência a história cultural estuda a cultura. Não irei entrar no debate sobre a definição do que seria cultura, pois Burke e outros autores escreveram livros sobre isso. Mas darei algumas noções básicas sobre isso.


"O significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão biológica. Essa definição foi criada por Edward Tylor no século XIX e, apesar de sua atualidade, gerações e gerações de antropólogos procuraram aprofundá-la para melhor compreender o comportamento social". (SILVA; SILVA, 2009, p. 85). 


"Bosi afirma que cultura é o conjunto de práticas, de técnicas, de símbolos e de valores que devem ser transmitidos às novas gerações para garantir a convivência social. Mas para haver cultura é preciso antes que exista também uma consciência coletiva que, a partir da vida cotidiana, elabore os planos para o futuro da comunidade. Tal definição dá à cultura um significado muito próximo do ato de educar. Assim sendo, nessa perspectiva, cultura seria aquilo que um povo ensina aos seus descendentes para garantir sua sobrevivência". (SILVA; SILVA, 2009, p. 86).


"Em todo universo cultural, há regras que possibilitam aos indivíduos viver em sociedade; nessa perspectiva, cultura envolve todo o cotidiano dos indivíduos. Assim, os seres humanos só vivem em sociedade devido à cultura. Além disso, toda sociedade humana possui cultura. A função da cultura, dessa forma, é, entre outras coisas, permitir a adaptação do indivíduo ao meio social e natural em que vive. E é por meio da herança cultural que os indivíduos podem se comunicar uns com os outros, não apenas por meio da linguagem, mas também por formas de comportamento. Isso significa que as pessoas compreendem quais os sentimentos e as intenções das outras porque conhecem as regras culturais de comportamento em sua sociedade". (SILVA; SILVA, 2009, p. 86).


Segundo Peter Burke a história cultural não surgiu na década de 60 do século XX, ela é bem mais antiga, datada do século XIX. Burke diz que os primeiros a escreverem história cultural, já com esse sentido foram os alemãs, os quais criaram os termos: Kulturgeschichte e Kulturhistorik

Em 1897 o historiador alemão Karl Lamprecht foi um dos primeiros a usar ambos os termos mencionados para se referir ao seus trabalhos históricos. Posteriormente surgiu um terceiro termo, chamado kulturkampf ("luta pela cultura"), aqui Burke conta que os historiadores culturais do século XIX procuram defender sua área de pesquisa frente ao tradicionalismo da história política, e da história social e econômica que começavam a ficar em evidência no final do século XIX e começo do XX. 


"A história cultural não é uma descoberta ou invenção nova. Já era praticada na Alemanha com esse nome (Kulturgeschichte) há mais de 200 anos. Antes disso havia histórias separadas da filosofia, pintura, literatura, química, linguagem e assim por diante. A partir de 1780, encontramos histórias da cultura humana ou de determinadas regiões e nações". (BURKE, 2009, p. 15). 


Burke divide a trajetória da história cultural em quatro etapas:

  • Período clássico: 1800-1950.
  • História social da arte: 1930-1960.
  • História da cultura popular: 1960-1970.
  • Nova história cultural: 1970 até o presente. 
"O período entre 1800 e 1950 foi uma etapa que poderia se chamar de história cultural 'clássica'. Usando a frase cunhada pelo crítico inglês F.R. Leavis para descrever o romance, podemos falar de uma 'grande tradição'. Essa tradição incluiu clássico como A cultura do Renascimento na Itália, do historiador suíço Jacob Burckhardt, publicado pela primeira vez em 1860, e Outono da Idade Média (1919), do historiador holandês Johan Huizinga, dois livros que continuam valendo a pena ler. Em ambos está implícita a ideia de que o historiador pinta o "retrato de uma época", para citar o subtítulo de um terceiro clássico, Victorian England (1936), de G.M Young". (BURKE, 2009, p. 16.

O chamado período clássico como apresentado visava estudar os ditos autores e obras "clássicas", especialmente a partir do Renascimento ao século XIX. Os grandes pintores, escultores, escritores, poetas, filósofos, estudiosos, etc. 


Nos anos 20 e 30 começa-se a surgir obras de caráter histórico cultural, sendo estes produzidos por sociólogos e filósofos, pois na época a história social e econômica estava em alta, como já visto anteriormente. Logo, importantes trabalhos neste período, onde procurou-se estudar o impacto das artes na sociedade, como também costumes, modos e pensamentos. O importante livro do sociólogo Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904) é uma obra singular, pois de acordo co Peter Burke, tal livro já abordava questões culturais. A relação entre a liberdade do protestantismo ao trabalho e ao comércio, foi avaliada por Weber como forma de mostrar que o capitalismo conseguiu se desenvolver melhor em sociedades protestantes do que em sociedades católicas. 


Outro importante trabalho dessa segunda fase foi o livro O processo civilizador (1939) do renomado sociólogo Norbert Elias, o qual na época estudou alguns costumes e hábitos do dia a dia, como os modos durante se fazer uma refeição. Na época seu livro foi bastante criticado por historiadores que não aceitavam aquilo como sendo um trabalho histórico. 


Burke diz que na França, entre as décadas de 40 e 70, já se praticavam um tipo de história cultural, chamado no caso de historie des civilisations (história das civilizações), mentalités collectives (mentalidades coletivas), também conhecida como historie des mentalités (história das mentalidades) e por último, imaginaire social (imaginário social). 


Tais perspectivas que surgiram a partir da história social, na década de 60 começaram a se transformar. Nesse período, alguns historiadores britânicos como Edward Thompson e Eric Hobsbawm, já mostravam interesse em se estudar a chamada "cultura popular". A ideia de se estudar a "cultura popular" adveio da história social, onde alguns historiadores começaram a mostrar mais preocupação em se estudar e entender as classes baixas, pois geralmente a história privilegiava as classes dominantes e os "grandes nomes". 


A chamada "cultura popular", termo hoje no qual alguns historiadores e outros estudiosos não gostam de usar, pois tem um sentido de "divisão", pois segundo o posicionamento dos adeptos contrários ao uso desse termo, a cultura não é homogênea, mas é heterogênea. Uma pessoa pobre pode gostar de música clássica e ópera, assim como uma pessoa rica pode gostar de funk e comer pastel e coxinha numa lanchonete. Aqui entende-se que a cultura não pode ser mais definida por uma questão de classes sociais. 


E foi a partir desse debate de que a cultura não é algo homogêneo e classicista (aqui no sentido de classes sociais) que nos anos 70 ocorreu a chamada "virada cultural", onde trabalhos de historiadores, antropólogos, sociólogos, filósofos, etc., levaram a se repensar os estudos culturais. A antropologia pós anos 50, já tendo a forte influência da teoria estruturalista de Claude Lévi-Straus e dos trabalhos de Clifford Geertz, levou a se repensar a ideia do que seria cultura e por quais meios ela se transmite, se representa, se comunica, etc. A partir dessas mudanças, os estudos culturais chegaram ao seu atual período, a chamada Nova história cultural, nome esse dado pela historiadora americana Lynn Hunt


Para se entender melhor o vasto campo de pesquisa e estudo da história cultural enumerei aqui algumas das categorias principais de estudo, pois eu mesmo não posso definir com certeza quantas categorias existem ou até onde vão seus limites, pois isso é algo que nós historiadores ainda não chegamos a uma conclusão.
  • História dos costumes (ou dos hábitos, comportamento e modos): Nessa categoria procura-se estudar os costumes de diferentes povos ao longo do tempo, como forma de não apenas conhecer sua cultura, mas sua sociedade, seu estilo de vida, sua política, economia, leis, pensamento, religião, etc. Aqui entende-se como costume aspectos rotineiros da vida: cumprimentar os outros; respeitar o próximo; cuidar da família; limpar a casa; usar talheres ou comer com as mãos; boa conduta e má conduta; prostituição, pederastia, poligamia, direito ao suicídio, direito a vingança em nome da honra; uso dos meios de transporte; praticar esportes, assistir televisão, jogar videogame, conversar no telefone e nas redes sociais; dançar, rir, mentir, enganar, trapacear, roubar, conversar, trabalhar, estudar; realizar festas de aniversário, casamento, funeral, comemoração, etc., tudo isso e outros aspectos marcam nossos costumes, hábitos, comportamentos e modos. Enumerá-los me levaria a escrever uma longa lista, mas acredito que com os exemplos mencionados o leitor pode ter ciência como é vasta essa categoria. O mencionado livro O processo civilizador (1939) de Norbert Elias, estuda alguns dos aspectos citados como exemplo. Outra obra curiosa é o livro A fabricação do rei de Peter Burke, onde se estudou a retratação da imagem do rei Luís XIV da França, e alguns hábitos da corte francesa em seu tempo. O historiador francês Michel de Certeau escreveu o livro A invenção do cotidiano. No Brasil temos a coleção História da vida privada no Brasil, abarcando desde o período colonial até a república no século XX. 
  • História do livro e da leitura: Aqui estuda-se a importância, influência e as mudanças geradas com a produção livresca e o hábito de lê-los. Não obstante também, estuda-se o papel da leitura no passado onde poucos sabiam essa técnica, e o papel hoje da leitura, numa sociedade profundamente informatizada. O historiador francês Roger Chartier possui alguns trabalhos nessa área, onde ele procura estudar a influência cultural e social dos livros e da leitura.
  • História das mentalidades: Tal categoria também associa-se a história social, embora hoje há dúvidas entre alguns historiadores se tal categoria deva permanecer na história social ou migrar para a história cultural. A história das mentalidades como sugere o nome procura estudar as representações sobre atos, gestos, dizeres, opiniões, pensamentos, etc. Como as pessoas, grupos e sociedades encaram determinadas ideias, como foi o caso visto no livro Os rei taumaturgos (1924) de Marc Bloch onde entre alguns objetos de estudo, ele estudou a visão da sociedade francesa e inglesa em relação a ideia de que os reis possuíam poderes curativos. No livro Uma história do medo no Ocidente: 1300-1800 o historiador Jean Delumeau procurou investigar e analisar como as pessoas pensavam, encaravam e conviviam com o medo. Peter Burke lançou dois livros intitulados Uma história social do conhecimento onde procura estudar o desenvolvimento da mentalidade sobre o conhecimento ao longo da Idade Média até o presente. Como as pessoas interpretavam e interpretam o desenvolvimento dos meios de comunicação, que auxiliam na difusão ao acesso ao conhecimento. Como se dava o reconhecimento a importância de se estudar, de difundir informações, de se pesquisar, etc. A história das mentalidades também estuda as ideologias.
  • História das identidades: Aqui também há uma mescla com os estudos sociais, onde procura-se investigar e estudar o desenvolvimento de comportamentos e representações que levam os indivíduos a se identificarem a determinado grupo, sociedade e cultura. Como se desenvolvem a convivência entre distintos grupos sociais e seus hábitos e costumes na sociedade; o que leva uma pessoa adotar uma religião, ou escolher ser um ateu, ou ingressar numa sociedade secreta ou até na máfia; o que leva o surgimento de grupos como os punks, hippies, emos, góticos, "rockeiros"; criação de fã clubes, etc. Como tais grupos se reconhecem na sociedade que habitam, como pensam, como agem, o que fazem, etc. A história das identidades também relaciona-se com o reconhecimento étnico e patriótico dos indivíduos. 
  • História dos esportes: Aqui estuda-se o papel dos esportes nas sociedades e como sua importância pôde ditar regras e padrões sociais. Ao mesmo tempo procura-se conhecer o desenvolvimento dos esportes, dos jogos, campeonatos, etc.  
  • História dos objetos: Tal categoria procura estudar como o desenvolvimento de objetos, ferramentas, utensílios, equipamentos, máquinas, brinquedos, etc., influenciaram no desenvolvimento da espécie humana e nos hábitos de vida e cultura das sociedades. O historiador Craig Clunas escreveu o livro Superfluos Things (1991), onde ele abordara a cultura material na China na Dinastia Ming. Um dos objetivos do livro era conhecer o trato que os chineses dessa época davam aos bens materiais. Entender como o consumo de bens materiais passou a ser um fato de diferenciação social e de certa forma de privilégio para alguns. No atual mundo capitalista de hoje, o consumismo é algo bastante relevante para este estudo, pois expõe uma necessidade econômica que moldou nossos estilos de vida e nossas culturas. 
  • História dos meios de comunicação: Estuda-se o desenvolvimento dos meios de comunicação e seu papel para a História, o desenvolvimento dos saberes, a influência nas relações internacionais, nas relações entre o povo e o Estado, nas relação pessoais; a influência nas artes, no modo de vida, na educação, economia, cultura, pensamento, etc. 
  • História dos meios de transporte: A invenção da roda foi um princípio para o surgimento dos meios de transporte criados pelo homem, pois antes de se construir carroças, os homens já usavam cavalos, bois, búfalos, elefantes, etc., como animais de carga e locomoção. O passo seguinte foi a criação de transportes marítimos: barcos, canoas, botes, navios, etc. No século XIX vemos o surgimento do trem, do automóvel, caminhões, ônibus, tratores, etc. No século XX temos os transportes aéreos, e assim por diante. Os meios de transporte podem ser estudados de um ponto de vista tecnológico, cultural, mas também como influenciaram nos costumes e modo de vida; na economia, na política, nos contatos, informações, na guerra, na ajuda, no lazer, etc. 
  • História da violência: A violência não está apenas associada a história da guerra, mas no próprio dia a dia e na cultura. Burke fala que estuda-se a violência no sentido de como essa foi e é pensada culturalmente, socialmente e até mesmo religiosamente e filosoficamente. Os jogos de gladiadores era um uso da violência para o entretenimento, mas hoje temos filmes e jogos eletrônicos que abordam esse papel. Estuda-se também como a violência se desenvolveu nas sociedades: brigas, assassinatos, depredação, sequestro, tortura, etc. 
  • História do folclore e das crendices: No passado o folclore e as chamadas crendices, foram associadas a cultura popular, mas como eu havia dito, tal ideia deve ser repensada. Hoje encara-se o folclore e as crendices não como algo que fazia parte apenas das classes baixas, mas da sociedade inteira. Pois tais aspectos possuem uma função de representação, neste caso como determinados grupos, comunidades, povos, etc., pensam acerca certos aspectos que em geral estão relacionados a fantasia, ao sobrenatural e a superstição. Edward Thompson em seu livro Costumes em Comum, ele estudara alguns aspectos do folclore e de crendices na Europa medieval e moderna. 
  • História da das roupas e acessórios: O uso de roupas deixou de ser uma necessidade para se proteger do frio, do calor, de insetos e possíveis arranhões, para se tornar um costume em várias sociedades, como também se tornar uma arte (veja na seção 12, sobre história da arte, a categoria sobre a moda) e uma forma de representação própria, uma forma de identidade e classe. Usar roupas de determinado tipo ao longo da História inferiu em se dizer que tal indivíduo pertenceria a nobreza, a burguesia ou a plebe; que tal pessoa possuía riqueza ou exercia algum cargo de trabalho; que tal pessoa pertencia a alguma classe específica dentro de uma sociedade, por exemplo: usar vestes de sacerdotes, guerreiro ou escravo, etc. No caso presente, de meados do século XX para cá, a roupa se tornou uma forma de expressão da identidade do indivíduo. Optar por usar determinados tipos de roupa é uma forma de conhecer os modos e o pensamento de alguma pessoa, embora isso possa acabar te enganando: aqui vem a ideia de disfarce e de personagem. A roupa também é uma forma de expressão cultural (uso de turbantes, burcas, chapéus, saias, capas, etc.) e até religiosa (por exemplo, os hábitos dos sacerdotes, monges, padres, etc.)
  • História dos alimentos: Estudar os modos à mesa já foi mencionado, mas aqui estuda-se o preparo dos alimentos e como o consumo de determinadas comidas se tornaram aspectos sociais e culturais. Por exemplo, os judeus não comem carne de porco; os hindus e budistas são vegetarianos; todo bom cidadão americano gosta de fast-food; a comida chinesa servida no Ocidente é diferente da tradicional, servida no Oriente; os muçulmanos são proibidos consumirem bebidas alcoólicas; o café se tornou a bebida da classe operária no século XIX e XX; a cerveja é uma das bebidas mais populares no mundo; o chá se tornou uma referência aos ingleses e orientais; comer peixe cru era visto como algo estranho e bizarro, mas com a popularização dos sushi bar, se tornou para muitos um hábito comum. Se alimentar de carne de cavalo é algo horrível, mas em certas culturas era e é comum. A história dos alimentos também pode levar o pesquisador a procurar estudar índices como nutrição, produção de alimentos, natalidade, mortalidade, crescimento populacional, exportação  e importação de alimentos, obesidade, problemas de saúde, consumismo, etc. 
  • História do corpo: Aqui não estuda-se o corpo num sentido biológico ou ligado a saúde, mas estuda-se num sentido ligado a arte e as representações sociais, culturais, morais e religiosas. Como o corpo humano é entendido em diferentes culturas. Por exemplo, fazer tatuagens e pinturas corporais em algumas culturas é algo ligado a honra, a um rito ou uma forma de assumir seu lugar naquele grupo, naquela sociedade. Para outras culturas, tatuar o corpo é um tabu, é profanar o "sagrado"; em outros casos os tatuados são vistos como "marginalizados". Realizar dissecações de cadáveres era profanar tais corpos. A pornografia e a prostituição são consideradas como uma forma abusiva e intrusiva ao corpo; por outro lado, existe o nu artístico. Nessa categoria também estuda-se os padrões de beleza do corpo humano. Em determinadas épocas, mulheres gordas eram mais belas que mulheres magras; em certas sociedades homens barbudos, era sinal de masculinidade e respeito, mas em outras sociedades era sinal de desleixo e arcaico. Cirurgias plásticas, mudança de sexo e transformações corporais, são fenômenos também estudados nessa categoria. 
  • História da sexualidade: Aqui estuda-se as representações, mentalidades e práticas sobre a sexualidade e a relação sexual. Estudar como a sensualidade, o erotismo e as práticas sexuais eram e são encaradas e tratadas entre determinados povos e épocas, isso nos revela aspectos culturais, sociais, morais e religiosos. A ideia de tabu em se falar a respeito de sexo; o nu artístico; pornografia; prostituição; luxúria; casamento; namoro; poligamia; traição conjugal; promiscuidade; fetichismo, etc. Entender a questão da sexualidade como meio de dividir a sociedade, por exemplo: em certas épocas homens e mulheres não estudavam na mesma sala de aula ou trabalhavam no mesmo ambiente de trabalho; o exército era um lugar masculino; cozinhar e costurar eram ofícios femininos. Aqui a sexualidade é entendida num âmbito social e até político. A história da sexualidade associa-se a história da arte, a história do corpo, a história da saúde, a história dos costumes, estudos sobre gênero, etc. Michel Foucault escreveu três livros tratando desse tema. 
  • História da organização dos espaços internos: Nessa categoria procura-se estudar o papel da arrumação, da decoração e da funcionalidade dos espaços internos, entendendo aqui não apenas as casas, mas as construções em geral: hospitais, escolas, delegacias, tribunais, igrejas, bibliotecas, arquivos, museus, prisões, restaurantes, câmaras, boates, clubes, etc. Tal categoria se aproxima da história arquitetônica, mas o foco não é necessariamente estudar a estrutura do ponto de vista arquitetônico e da engenharia, mas sim do ponto de vista da funcionalidade, do design, do uso social e cultural. 
  • História dos sentidos: Tal categoria ainda é pouco explorada. Peter Burke a menciona brevemente em seu livro O que é história cultural? e diz que tal categoria procura estudar o mundo a partir dos cinco sentidos. Normalmente estudamos a partir do uso da visão, porém a ideia aqui é se valer da audição, paladar, olfato e se for possível o tato. No livro Rembrandt's Eyes (1999) o historiador britânico Simon Schama procurou retratar Amsterdã na época do pintor Rembrandt a partir da percepção dos cinco sentidos. Quais eram os odores e aromas que se sentiam na cidade? Quais eram os sons (aqui não se refere propriamente apenas a música, mas a distintos sons e ruídos). 
  • História dos sentimentos ou das emoções: Tal categoria se aproxima da história da violência e da mentalidades, mas aqui o foco são os sentimentos ou emoções. Como estes eram representados culturalmente, artisticamente, como eram interpretados pela sociedade, etc. Jean Delumeau em seu livro Uma história do medo no Ocidente, estudou a noção de medo na Europa. Contudo, existem outros livros que estudam a melancolia, tristeza, raiva, inveja, alegria, saudade, ciúmes, cobiça, amor, amizade, etc. A historiadora brasileira Mary del Priore escreveu um livro intitulado História do Amor no Brasil, onde ele estuda como era a visão social e cultural em distintas épocas sobre o amor. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche escreve A Gaia ciência (1882) onde naquele tempo já questionava se não seria necessário estudar os sentimentos humanos, características essas tão marcantes da nossa espécie. O volumoso livro do filósofo britânico David Hume, Tratado da Natureza Humana (1739-1740) embora tivesse um foco puramente filosófico, Hume dedicou partes da obra a tentar compreender as emoções humanas (na obra ele chama de paixões). 
  • História da família: O objetivo dessa categoria é compreender as noções sociais, morais, legais, culturais, religiosas, etc., sobre o sentido de família, a organização familiar, os laços de parentesco, reputação, honra, herança, etc. Como diferentes sociedades ao longo do tempo concebiam a noção sobre família, até chegarmos aos dias de hoje, onde a tradicional versão de família (pai, mãe e filhos) sofrera profundas mudanças em determinadas partes do mundo. Hoje falamos de famílias formadas apenas por pais e filhos, por mães e filhos, por casais homossexuais que possuem filhos, por avós e netos, tios e sobrinhos, etc. 
  • História das crianças: Tal categoria procura entender as distintas visões e representações sobre as crianças e a infância. Entre algumas sociedades as crianças começavam a trabalhar desde cedo, hoje em muitos países isso é visto como um crime. Em alguns casos, crianças foram convocadas para ir a guerra, em outros lugares, os meninos desde seus sete anos aprendiam a lutar e a caçar. Em algumas sociedades, as meninas quando chegavam aos 12 anos, já estavam na época de serem preparadas para o casamento. Como era a vida das crianças nobres e das pobres? A vida de crianças escravas e livres? Como era a instrução e a educação para distintas classes, pois a ideia da obrigatoriedade das crianças frequentarem a escola é algo recente. Como a infância era tratada, pois em alguns casos as crianças não possuíam direitos civis até alcançarem a maior idade (isso apenas para os homens). Como eram os cuidados com as crianças, etc. A historiadora brasileira Mary del Priore escreveu um importante livro sobre o assunto, intitulado História das Crianças no Brasil
  • Estudos sobre gênero: Os chamados estudos sobre gênero procuram estudar como o gênero humano foi e é retratado nas sociedades e culturas, como também estuda a questão do gênero masculino e feminino, ou seja, quais são as representações e ideias sobre o que é masculinidade e feminilidade, sobre o que é o homem e a mulher. Estuda-se também a questão da opção sexual: homossexualismo, bissexualismo, transsexualismo, etc. Como os gays e lésbicas eram enxergados e tratados em diferentes épocas e sociedades. Como as pessoas hoje enxergam tais opções sexuais. 
  • Estudos pós-coloniais: A ideia de pós-colonial refere-se as nações e povos que foram colonizadas principalmente na Idade Moderna. Neste caso, procura-se entender como tais nações após o término da colonização passaram a se desenvolver socialmente, politicamente, economicamente, culturalmente, etc. Os estudos pós-coloniais são bem vigentes na América Latina e na África, embora também exista na Ásia e até mesmo na Europa e Oceania. Um livro interessante sobre o assunto foi escrito por Edward Said chamado Orientalismo (1978), onde ele procurou estudar a visão estrangeira sobre o Oriente Médio e outras regiões da Ásia, mostrando que na época ainda se conserva-se um pensamento "romanceado" sobre a Ásia. 

15) História do direito: Aqui estuda-se o desenvolvimento das leis e a representação e ideia de direito, justiça, certo e errado, etc. A medida que os grupos humanos cresciam, passou-se a ter a necessidade de haver uma nova ordem para poder conviver e manter tudo em paz, para isso foram criadas hierarquias, classes sociais, assim como criou-se normas, regras, leis, obrigações, deveres e direitos. Porém, quando alguns atos passaram a serem encarados como crimes, surgiu a justiça, a ideia de proibido e permitido, de certo e errado. Compreender como as leis, a justiça e o direito se desenvolveram na História entre diferentes povos e épocas são os objetos de estudo dessa área. 
  • História dos códigos de leis: Procura estudar como se desenvolveu os códigos legislativos que passaram a reger sobre determinadas sociedades, povos e nações. Como tais códigos se tornaram aparatos complexos, culminando em leis que não apenas abrangiam uma comunidade homogênea, mas passaram a reger impérios e países formados por vários povos. Códigos estes que regiam sobre aspectos da vida privada e pública, sobre a segurança, ordem, moral, dever, justiça; sobre a organização dos órgãos públicos, sobre o funcionalismo destes órgãos e seus funcionários, etc. Do Código de Hammurabi na antiga Babilônia, ao Direito Romano, a Magna Carta (1215), a Constituição dos Estados Unidos da América (1787), até chegarmos as atuais Constituições e outros códigos legais que imperam hoje em diversas sociedades.  
  • História do direito: O foco nessa categoria é estudar as diferentes concepções sobre o conceito de direito, passando pelas ideias de direito público e direito privado; direito natural, direito positivo, ramos do direito (direito da família, direito penal, direito do consumidor, direito ambiental, direito administrativo, direito eleitoral, direito constitucional, etc.) e até mesmo se estudar as teorias sobre o direito e o desenvolvimento das escolas de Direito e a advocacia. 
  • História da justiça: A história da justiça liga-se tanto a noção de códigos de leis como a noção de direito e do poder judiciário. Aqui o foco é entender como a justiça era aplicada e organizada. Como surgiu a função do advogado, do juiz, do promotor, desembargador. Como os tribunais eram organizados, quais eram suas estâncias, os seus funcionários. Como eram organizadas as sessões, as investigações, interrogatórios e as penas. Durante a Idade Média e Moderna, a Igreja Católica criou as Inquisições para aplicar o direito e a justiça canônica, combatendo os hereges e as heregias, práticas essas que ofendiam os preceitos da boa moral cristã. Na Revolução Francesa (1789-1799) muitos crimes passaram a serem condenados com pena de morte na guilhotina. No Japão feudal, os samurais detinham o direito de aplicar a justiça que bem entende-se nos servos ou em alguma pessoa de classe baixa, podendo até mesmo executar tal indivíduo por causa de um crime ou uma ofensa. Aqui vimos brevemente diferentes concepções de justiça e a aplicação dessa. 
  • História da teoria da justiça: Nessa categoria estuda-se a concepção de justiça entre diferentes povos e épocas. Aqui há uma correlação com a história do direito. Procurando entender o conceito de justiça de um âmbito do Direito, da Filosofia, da Religião (justiça divina, direito divino), etc. Para os antigos gregos e romanos, a justiça era representada por uma deusa de olhos vendados, daí o paráfrase de que "a justiça é cega". Platão estudou a justiça em algumas de suas obras, como a República, algo que Aristóteles também fez em Ética a Nicómaco; Santo Agostinho de Hipona e São Tomás de Aquino, também publicaram trabalhos sobre o direito e a justiça, neste caso ligados a religião cristã.
16) História das religiões: Primeiramente não devemos confundir com as disciplinas de história sagrada ou história sacra, pois tais disciplinas referiam-se apenas a história dos Cristianismo e da Igreja. Até o final do século XIX alguns países ainda possuíam essa disciplina nos currículos escolares, como foi o caso do Brasil. Todavia, foi ainda no século XIX que começou a surgir estudos sobre as religiões, e no século XX consolidou-se a chamada Ciência das Religiões.

A história das religiões dependendo da escola de pensamento ou da teoria, aproxima-se da Teologia, Sociologia, Antropologia, Filosofia e até mesmo da Mitologia. Pois embora mito e religião não sejam a mesma coisa, alguns mitos possuíam preceitos religiosos. Quando a história das religiões expande-se num sentido multidisciplinar ou de estudos culturais, passamos a falar na Ciência das Religiões, ciência essa que abrange o estudo das religiões indo além dos estudos históricos. 

Hoje a história das religiões como o termo sugere, procura estudar as mais diversas práticas religiosas que existiram e existem no mundo. Pois se no passado havia uma limitação em se estudar apenas as religiões abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) e se considerar as demais religiões pagãs como mera mitologia, hoje já se pensa diferente. Estuda-se religiões desde a Antiguidade até as práticas religiosas contemporâneas. 

Nesse caso, tal gênero ou tipo visa estudar o desenvolvimento das religiões e sua influência social, cultural, política, legal, econômica, moral, etc. A história das religiões não visa um caráter doutrinário como era o caso da disciplina de história sagrada, onde havia essa caráter de doutrinar as crianças a fé cristã. O foco é estudar as religiões de uma óptica histórica, antropológica, social, filosófica, etc. Procura-se estudar a organização do clero, dos templos, a administração, o desenvolvimento do pensamento religioso, dos livros sagrados, dos dogmas, regras, normas, etc., da visão de mundo (cosmogonia e escatologia), da visão sobre a vida, vida após a morte, sobre o ser humano, a natureza, etc. 

17) História da ciência: A história da ciência é considerada por alguns como uma categoria da história cultural, pois a ciência assim como a religião seriam práticas culturais. Mas, ao meu ver, deve se considerá-la, um gênero próprio. A história da ciência é um campo abrangente, e em alguns países ainda é pouco estudado. A história da ciência começou no século XX, tendo alguns cientistas como Alexandre Koyré e Thomas Kuhn, e o filósofo Karl Popper, sendo alguns dos primeiros a mostrarem interesse em se estudar o desenvolvimento das ciências e da tecnologia. 
  • História da tecnologia: Aqui estuda-se o desenvolvimento tecnológico ao longo do tempo, procurando conhecer os fatores que levaram a sua criação, aperfeiçoamento, e o impacto que isso causou nas ciências, na sociedade, na história, na cultura, etc. O arado tracionado por animais, tornou a semeadura mais eficiente do que um homem usando uma enxada; a criação do concreto e do aço, possibilitaram que construções mais ousadas fossem possíveis de serem feitas; a descoberta do uso da eletricidade e do petróleo como fontes de energia, mudaram o mundo; a criação de alfabetos e sistemas numéricos,  foram um marco de tamanho impacto que fica difícil imaginar o mundo hoje sem o uso de letras, números, sinais, símbolos, etc. 
  • História das ciências: Estuda-se como as mais diversas formas de ciências surgiram e se desenvolveram. Assim podemos falar de uma história da matemática, da física, da química, da biologia, da astronomia, da geografia, da geologia, da botânica, etc., chegando as chamadas ciências que englobam as categorias de ciências humanas, ciências sociais, ciências médicas (veja o item 11), ciências jurídicas (veja o item 15), ciência da informação, ciência da computação, etc.
  • História do pensamento científico: Aqui estudamos como um todo o desenvolvimento do pensamento científico, seja no âmbito teórico, metodológico, experimental, filosófico, etc. Analisa-se a noção de ciência na Antiguidade, na Idade Média, na Idade Moderna e Contemporânea. Pois até o século XIX, a ciência apenas considerava a área de exatas e da natureza como sendo ciência, no século XX, passou-se a ampliar o conceito de ciência para outras áreas do saber. Estuda-se os pensadores que influenciaram no desenvolvimento tecnológico e científico; o desenvolvimento de leis, regras, modelos, conceitos, equipamentos, instrumentos, teorias, hipóteses, projeções, etc. 

18) A história da História: Embora seja um termo um tanto estranho de se falar, mas sendo a História um conhecimento, uma ciência e até uma arte para alguns, ela possui sua própria área do que eu diria de "auto-estudo". Sendo assim, esse gênero procura estudar a História em distintos aspectos como será mostrado aqui. 
  • Estudo sobre a interpretação da História: Como a História foi interpretada ao longo do tempo, quais eram as noções que cada povo tinha a respeito do que seria a História e a sua função. Tucídides dizia que a História só poderia ser estuda em respeito a acontecimentos recentes ou presentes, pois o passado não interessava. Para Heródoto, o passado era essencial para se conhecer o presente. Cícero dizia que a História era um repositório de experiência, de exemplos, a chamada magistra vitae. No século XVII, Giambattista Vico, cogitou que a História seria uma ciência, algo que Leopold von Ranke também considerou no século XIX. Para alguns a História é Memória, mas hoje, filósofos como o falecido Paul Ricoeur, dizia que História e Memória não eram a mesma coisa. Para o historiador britânico, E. H. Carr, nem tudo que aconteceu é História, o historiador precisaria delimitar o que é importante do que não é importante. 
  • Teoria da história: A teoria da história tem uma dupla função: primeiro, ela é uma forma de se interpretar o que é a História, logo se relaciona a categoria anterior, mas na sua segunda função, ela procura explicar as formas de como se estudar, pesquisar e trabalhar com a história. Daí, a teoria da história também esta associada a metodologia. Aqui há uma relação com a historiografia (literalmente "escrita da história") a qual consiste na forma de como o historiador escreve sobre a História. A chamada filosofia da história também é estudada nessa categoria. 
  • Ensino de história: Nessa terceira categoria, as teorias se tornam didáticas para se trabalhar o lado do ensino, como os professores irão ensinar a História, como se devem elaborar os livros didáticos, as formas e materiais para o ensino. De fato, diferente do que alguns pensam, um historiador de verdade não chega em uma sala de aula e apenas ler o que está no livro didático (em muitos casos, os assuntos são bastantes breves e as vezes mal desenvolvidos), e fazer os alunos decorarem datas, nomes e lugares. O historiador deve ensinar aos alunos a vastidão dos saberes históricos, desenvolvendo nos alunos uma percepção crítica e expansiva, pois segundo Jörn Rüsen, o ensino de história deve gerar uma utilidade reflexiva e prática (aqui ele refere-se que as pessoas poderão desenvolver capacidades e trabalhos a partir do que aprenderem com os saberes históricos, desenvolvendo sua capacidade de investigação, pesquisa, reflexão, criatividade, reconhecimento, etc.). 

Acredito que após essa longa lista os leitores possam repensar como é o trabalho da pesquisa histórica, o ofício do historiador, a noção do que forma a História, e o próprio ensino de história, o qual não se resume a ensinar datas, nomes e lugares. 


"A História é um finito que parece ser infinito". 
Leandro Vilar


NOTA: A biografia não foi inserida nesta lista, pois embora no passado tenham sido considerada um ramo da história, desde o século XIX ele se separou dessa, consistindo hoje numa área própria. 
NOTA 2: A mitologia não foi considerada aqui como uma categoria, pois hoje já existe a chamada Ciência dos Mitos, a qual estuda as diversas mitologias. Embora possua ligações com os estudos históricos, hoje é um campo do saber próprio. 

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