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Leandro Vilar

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A fortaleza negra

No começo do século XVII na região da Serra da Barriga, então território da Capitania de Pernambuco (hoje sendo território do estado de Alagoas) se desenvolveu uma comunidade quilombola que entraria para a História como o maior quilombo e o mais duradouro de todos que existiu no Brasil. O quilombo dos Palmares, ou como alguns historiadores preferem chamar: a União dos Palmares. O quilombo não apenas representou o maior aglomerado de quilombolas das história brasileira, como também imortalizou um de seus líderes, o chefe Zumbi dos Palmares (1655?-1695), o qual passou a ser considerado um herói para o povo negro brasileiro.

No entanto, a história do qu
ilombo ainda é muito desconhecida para o povo brasileiro, em geral só sabemos que Palmares foi um grande refúgio de escravos que fugiam geralmente das fazendas, que por muito tempo a comunidade resistiu aos vários ataques dos brancos, tendo com o último grande chefe Zumbi dos Palmares, que lutou até o fim para defender seu povo, e com sua morte heroica deixou gravado na História sua luta pela liberdade. Por mais, que a história pareça um tanto dramática e com um pouco de glória no final, a realidade da vida em Palmares ainda é desconhecida por nós. Em seus quase cem anos de duração, pouco se sabe sobre seus costumes, quem eram as pessoas que ali viviam, como era seu modo de vida, governo, religião, etc. Quem foi o povo de Palmares?

Antes de começarmos a falar sobre o quilombo em si e sua história, devemos entender o contexto histórico da época. Estima-se que o quilombo se formou na primeira década do século XVII, out
ros dizem que talvez tenha sido no final do século XVI, mas de qualquer forma, em ambos os períodos a colônia do Brasil passava por um momento único em sua história, a colônia não estava apenas sob o comando da Corte Portuguesa, agora ela se encontrava sob o poder da Corte Espanhola. Em 1580, com a morte do Cardeal-Rei Henrique I de Portugal, este não possuindo filhos, não houve sucessores diretos ao trono, e em meio a briga para se decidir quem seria o novo rei de Portugal, o então rei espanhol da época, Filipe II, entrou nessa briga (Filipe era descendente da família real portuguesa por parte de mãe). Ele acabou convencendo os nobres portugueses a o elegerem como novo rei de Portugal, assumindo como Filipe I de Portugal. Com isso, Filipe passou a ser o rei das duas coroas, e deter o controle de todas as colônias que estavam em posse dos portugueses. Esse período ficaria conhecido na História como a União Ibérica, a qual continuaria sob o comando espanhol pelos sucessores de Filipe, seu filho Filipe III e seu neto Filipe IV. A União Ibérica perdurou até o ano de 1640, quando Portugal recobrara sua independência.

O domínio espanhol sobre o govern
o colonial marca o primeiro fato a ser posto neste contexto, o segundo fato diz respeito a invasão holandesa ocorrida em 1630, quando os holandeses cercaram e conquistaram as vilas do Recife e Olinda, garantindo o controle da Capitania de Pernambuco. Posteriormente a influência holandesa cresceria a ponto de governar a Capitania da Paraíba (1634), e territórios adjacentes a estas capitanias, originando a colônia da Nova Holanda, além de ameaçar as colônias portuguesas na África, e chegar mesmo a se apossar de Angola. Os holandeses permaneceram no Brasil por vinte anos, sendo expulsos em 1654.

Nesse con
turbado cenário, onde portugueses lutavam contra os espanhóis por causa do novo governo que não dava atenção aos problemas da colônia, e ao mesmo tempo ambos lutavam contra os holandeses a fim de recuperar as terras dominadas por esses, serviu como forma de "facilitar" a fuga dos escravos para que estes formassem suas próprias resistências contra esses inimigos. Diferente do que alguns pensam a respeito dos holandeses ou dos espanhóis se tratando da questão escravidão, onde eles seriam mais brandos com os escravos, isso não era verdade, estes possuíam a mesma concepção dos portugueses. Os holandeses mantiveram o tráfico negreiro em sua colônia dentro do Brasil.

Dito este contexto histórico, posso p
assar a falar a respeito da história do quilombo em si. Não se sabe ao certo quem foi o fundador de Palmares, mas tudo indica que os grupos de escravos que o fundaram eram oriundos da própria Capitania de Pernambuco, os quais fugiram para as matas e serras da região, e se estabelecendo na Serra da Barriga e deram origem ao quilombo, levantado suas primeiras casas rústicas e passando a habitar aquele local. Os quilombos existiram por quase todo o Brasil, eles ficavam em locais de mata fechada e de difícil acesso, como forma de se evitar que os brancos os achassem. Para alguns historiadores os quilombos e os mocambos representavam um tipo de organização política e cultural poliétnica, na qual consistia numa forma de resistência ao domínio europeu sobre aqueles indivíduos. Nesses lugares, se refugiavam negros, mestiços, indígenas e alguns brancos (homens pobres, fugitivos, marginais, etc.) e ali eles passariam a viver à margem da sociedade.

Palmares teve todas essas características já mencionadas. A medida que o local ia crescendo e ganhando fama pelas redondezas, isso ia aumentado a raiva dos fazendeiros, que viam seus escravos tentarem fugir para este local, e não apenas a raiva dos fazendeiros, as próprias vilas viam nesse quilombo e seus moradores, pessoas perigosas e marginais, que cometiam crimes como assassinatos e roubos. De fato alguns quilombos e mocambos praticavam tais crimes, e isso levou a piorar ainda mais a opinião que se tinha a respeito desses locais.


Fonte: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santo. Liberdade por um fio: História dos quilombos no Brasil. São Paulo, Comapanhia das Letras, 1996. p. 37.
"Quilombos logo se tornariam comuns na vida colonial americana, sendo o mais efetivo meio de se opor à escravidão, um desafio direto ao sistema patrimonial e autocrático". (REIS; GOMES, 1996, p. 28).

No caso de Palmares como foi dito anteriormente, alguns preferem dizer que ele foi uma união, pelo fato de ter sido formado por várias comunidades que se espalhavam ao longo da serra da Barriga. Cada comunidade parecia ter algum papel importante para sociedade como um todo; uma ficava restrita a cuidar da defesa do local, outra era o "centro de comando", outra cuidava das plantações, etc. As principais comunidades conhecias foram: Macaco considerada a capital, além de ser a maior comunidade de todas. As demais eram Subupira, Zumbi, AdalaquitucheDambrabanga, etc.


Fonte: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santo. Liberdade por um fio: História dos quilombos no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. p. 30.
"Os documentos históricos referem-se à existência de casas, ruas, capelas, estátuas, estábulos e até mesmo palácios. Os palmarinos cultivavam milho, mandioca, feijão, batata-doce, além de cana-de-açúcar e banana. Em 1671, Fernão Coutinho encontrou fundições e oficinas; e os palmarinos produziam, também, cerâmica e obras de madeira". (REIS; GOMES, 1996, p. 34).

"Uma boa parte da tecnologia do quilombo deve ter sido desenvolvida nas fazendas, durante o cativeiro. Os índios interagiam com os escravos, seja como companheiro de desventuras, seja como parceiros comerciais, ou de outras formas. As tecnologias indígenas - do fabrico da cerâmica à preparação de redes, passando pela pesca e o processamento da mandioc
a - foram apropriadas e, muitas vezes, desenvolvidas pelos escravos". (REIS; GOMES, 1996, p. 34 apud PRICE, p. 12).

Palmares como já fora citado anteriormente consistiu numa sociedade multicultural. Os escravos que para ali fugiam e se abrigavam vinham de diferentes regiões da África (Angola, Costa da Mina, Congo, Cabo Verde, etc) cada lugar deste possuía uma língua e costumes próprios. Além destas variadas culturas africanas, houve a influência dos costumes indígenas e europeus. Costuma-se se dizer que os palmerinos falavam um misto de português, língua geral (mistura do português com o tupi-guarani) e dialetos africanos. Na religião notava-se o mesmo; a influência do cristianismo, do culto politeísta dos indígenas e dos africanos. Em outras palavras, parafraseando Gilberto Freyre, Palmares foi um "cadinho cultural".

"Palmares
não era uma comunidade única, mas uma série de mocambos unidos em um único reino neoafricano". (SCHWARTZ, 2001, p. 251).

Quanto a questão de qual seria a forma de governo aplicado ao quilombo, existe muitas divergências sobre tal questão. Uns apontam pelo fato da predominância da cultura africana, isso apontaria que tais povos os quais viviam sob um governo monárquico, teriam aplicado ideias semelhantes em Palmares, fato este que em alguns casos como Ganga Zumba e seu sobrinho Zumbi eram chamados de "rei". No entanto há quem diga que tal denominação não se referisse propriamente a figura de um rei como concebemos, mas, sim uma forma de se chamar seu líder. Outros sugerem que Palmares teria sido na realidade uma república, algo um tanto improvável, já que os africanos, indígenas e os brancos que ali viviam desconheciam em grande parte o sistema republicano. Porém é comum encontrar relatos de cronistas da época em se referir a Palmares como tendo sido uma república, algo que alguns historiadores consideram ser uma espécie de "romantização" idealizada de Palmares.

Durante as décadas de 40 e 50 do século XVII, em meio ao Domínio holandês (1630-1654), os portugues
es mantiveram diversos conflitos contra os holandeses a fim de recuperar suas terras, e nesses conflitos, fora necessário recorrer ao apoio de indígenas e negros para que lutassem nas milícias e tropas organizadas pelo governo ou pelos fazendeiros. Nesse caso, os habitantes de Palmares receberam várias vezes a proposta de que se lutassem ao lado dos portugueses (entenda-se aqui português tanto no sentido daquele que nasce em Portugal quanto o colono português que nascia no Brasil, pois o gentílico brasileiro não era usado num sentido nacionalista), e esses conseguissem derrotar os holandeses, os escravos receberiam suas cartas de alforria. De fato, alguns escravos vieram a receber sua alforria, outros relutaram a acreditar nos brancos, e até mesmo a aceitar lutar ao lado destes. Tais propostas perdurariam mesmo após a expulsão dos holandeses em 1654, já que Palmares representaria uma ameaça para a Capitania de Pernambuco e para Capitania da Bahia.

"Palmares foi, com efeito, a maior rebelião e a manifestação mais emblemática, como é sabido, dos quilombos coloniais. Resistiu por cerca de cem anos às expedições repressivas, promoveu assaltos aos engenhos e povoações coloniais e estimulou fugas em massa de escravos na capitania. Palmares provocou tanta inquietação entre colonos, padres e funcionários del rei que a própria Monarquia portuguesa, submetida a inúmeras pressões, tentou em diversos momentos negociar com os rebeldes, a exemplo do que os governos coloniais fizerem ou fariam em outras partes da Afro-América". (REIS; G
OMES, 1996, p. 63).

Se por um lado, os senhores de engenhos e o governo tentaram de uma forma pacífica conseguir a dissolução de Palmares, com promessas de liberdade e terra, isso não resultou em mudanças imediatas e de grande impacto, levando ao uso da força como forma de erradicar aquele local. Durante 50 anos, Palmares foi alvo de várias investidas para que finalmente pudesse ser conquistada. Os relatos de alguns jesuítas e capitães-do-mato que participaram dessas expedições, apontam que em determinados lugares do quilombo, existiam paliçadas, cercas e trincheiras, como meios de defender o local, algo que nos faz lembrar de uma espécie de fortaleza.

"Depois que os holandeses deixaram o Brasil, os portugueses puderam levar adiante diversas expedições contra Palmares, de 1654 a 1677. A partir de 1670, as autoridades puseram em marcha um plano de destruição sistemática, com ataques quase anuais às
aldeias. Entre 1670 e 1687, o Estado foi governado por um Grande Senhor, ou Ganga Zumba, que vivia na fortaleza principal, Macaco, fundada, talvez, em 1642). (REIS; GOMES, 1996, p. 31).

Em 1678, Ganga Zumba viajou para Recife a fim de realizar alguns acordos com o governador Pedro de Almeida, o qual lhe ofereceu como acordo de paz, a mudança do quilombo para o vale de Cucaú. No entanto a iniciativa de seu líder não fora vista como algo benéfico por todos, existia um grupo mais conservador na própria comunidade, que não aceitava a se submeter as propostas dos brancos, tal grupo acabou levando a possivelmente o assassinato de Ganga Zumba, o envenenando. Seu sobrinho Zumbi fora um dos que não via nessa proposta algo viável, e acreditava que poderia ser uma armadilha dos brancos para recapturar os escravos ou matá-los.

Zumbi n
asceu em 1655 e passou a ser o líder do quilombo por volta de 1678 governando o até 1695. Diferente de seu tio, ele não realizou um governo favorável a influência da capitania de Pernambuco e do governo-geral, se relutando a aceitar algumas de suas propostas, e mantendo a defesa da comunidade, contra os constantes ataques efetuados durante estes últimos anos. Após 17 anos de governo, Palmares ainda não havia caído, escravos ainda continuavam a fugir para ali se refugiar, e assaltos ainda eram cometidos pelos palmerinos. Já não aguentando mais tais problemas em 1694 o governador de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro convocou o bandeirante Domingos Jorge Velho (ver imagem) e o capitão-mor Bernado Viera de Melo, os quais foram incubidos de porem um fim em Palmares.Em fevereiro de 1694, o quilombo fora atacado mais uma vez, ataque este que culminou com a derrota dos palmerinos, resultando num saldo de 200 quilombolas mortos e 500 capturados. Nessa batalha, o líder Zumbi acabou sendo ferido, mas conseguiu fugir. Um dos prisioneiros capturados, Antônio Soares sob ameaças e a proposta de alforria, acabou delatando o esconderijo de Zumbi, o qual no ano seguinte fora morto em uma emboscada no dia 20 de novembro de 1695. Zumbi teve sua cabeça cortada, a qual fora exposta em Recife, revelando para todos os escravos que estavam ali, que o famoso líder estava morto.

Palmares teve suas casas destruídas e as plantações incendiadas. Seus habitantes, ou fugiram, ou foram recapturados, ou foram mortos. Mesmo assim alguns mocambos que compunham o quilombo ainda resistiram até 1710, quando toda a comunidade caiu de vez. Mesmo com o fim de Palmares, alguns escravos que fugiram nos anos seguintes ainda fugiam para a região da serra da Barriga na esperança de que o quilombo tivesse sido reconstruído.

NOTA:
Palmares é um termo popular, no qual se utiliza para referir-se algumas espécies de palmeiras.
NOTA 2: A data da morte de Zumbi em 20 de novembro de 1695 desde 1960 simboliza o feriado do Dia da Consciência Negra.
NOTA 3: Em Palmares havia trabalho escravo. Inicialmente o número de mulheres era pequeno, o que levou os seus habitantes a raptar mulheres pela região. Além deste fato, os prisioneiros de guerra, eram tratados como escravos pelos palmerinos.
NOTA 4: Os habitantes de Palmares também se referiam a sua comunidade pelo nome de Angola janga (pequena Angola).


Referências Bibliográficas:
REIS
, João José; GOMES, Flávio dos Santo. Liberdade por um fio: História dos quilombos no Brasil. São Paulo, Comapanhia das Letras, 1996. (Capitulos 1, 2 e 3).
SCHWARTZ, Stuar B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, Edusc, 2001. (Capítulo 5: Repensando Palmares: Resistência escrava na colônia, p. 250-261).


Links relacionados:
A União Ibérica
Conde Maurício de Nassau

LINKS:

Faculdade Zumbi dos Palmares
http://www.palmares.gov.br/
http://fortalezasmultimidia.com.br/fortalezas/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=32
http://www.portaldaigualdade.gov.br/
http://www.koinonia.org.br/oq/
http://www.vidaslusofonas.pt/zumbi_dos_palmares.htm
http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/ganga-zumba/ganga-zumba.asp (Ganga Zumba filme)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Quilombo_%28filme%29 (Quilombo filme)

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